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CAPES

Volume 9, Número 2, Abr/Jun - 2005

ARTIGOS DE PESQUISA

 

Limites e possibilidades no cotidiano do familiar que cuida do idoso com alzheimer no ambiente domiciliar

 

Limits and possibilities in the everyday life of the familiar care for an elder with alzheimer in the household enviroment

 

Límites y posibilidades en el cotidiano del familiar que cuida del anciano con alzheimer en el ambiente domiciliar

 

 

Poliana de França Albuquerque PaesI; Fátima Helena do Espírito SantoII

IUFF/Niterói - Acadêmica do 9º período do Curso de Graduação e Licenciatura em Enfermagem da Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa/UFF. e-mail: polianapaes@ig.com.br
IIUFF/Niterói - Enfermeira, Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa/UFF. Doutora em Enfermagem pela Escola de Enfermagem Anna Nery/UFRJ. Orientadora. e-mail: fatahelen@terra.com.br

 

 


RESUMO

Estudo de natureza qualitativa que objetiva descrever a trajetória da família com o idoso demenciado, conhecer como ela cuida desse idoso no domicílio e identificar suas expectativas em relação ao mesmo. A coleta de informações envolveu entrevistas semi-estruturadas com familiares de idosos com doença de Alzheimer. Concluímos que a trajetória da família com idoso portador de Alzheimer e a evolução progressiva da doença que leva a maior dependência do idoso para a realização das atividades diárias impõe limites à dinâmica familiar que sofre mudanças para atender às demandas de cuidado que tende a ser assumido por um familiar. Por outro lado, ao cuidar desse idoso de maneira integral, com o apoio e orientação da equipe multiprofissional de saúde, esse familiar vê possibilidades de contribuir para a melhoria das condições de saúde do idoso, ao implementar cuidados que proporcionam conforto e segurança para ele no ambiente domiciliar.

Palavras-chave: Enfermagem. Idoso. Doença de Alzheimer. Cuidado. Família


ABSTRACT

Study of qualitative nature which aims at describing the life course of a family which has a demented elder, acknowledging how they care for this elder, for this elder at the household and identifying their expectations in relation to the subject. The gathering of in formations involved semi-structured interviews with family members of elders bearing Alzheimer's disease. We concluded that the life course of the family, which possesses an elder bearing Alzheimer's disease and the progressive evolution of the disease, which leads to a greater dependence of the elder for the performance of daily activities, imposes limits to the family dynamics, which suffers alterations to meet the demands of care which tend to be undertaken by a relative. Conversely, while taking care of this elder in a complete manner, with the support and guidance of the multiprofessional health team, such relative views possibilities of contributing for the improvement of elder's health condition, when implementing procedures of care which provide comfort and security for the subject within the household environment.

Keywords: Nursing. Elder. Alzheimer's disease. Care. Family.


RESUMEN

Estudio de naturaleza cualitativa que objetiva describir la trayectoria de la familia con el anciano demenciado, conocer como la familia cuida de ese anciano en el domicilio e identificar sus expectativas con relación al mismo. La colecta de informaciones envolvió entrevistas semiestructuradas con familiares de ancianos con la enfermedad de Alzheimer. Concluimos que la trayectoria de la familia con el anciano portador de Alzheimer y la evolución progresiva de la enfermedad que lleva a la mayor dependencia del anciano para la realización de las actividades diarias impone límites a la dinámica familiar que sufre cambios para atender a las demandas de cuidado que tiende a ser asumido por un familiar. Por otro lado, al cuidar de ese anciano de manera integral con el apoyo y orientación del equipo multiprofesional de salud, ese familiar ve posibilidades de contribuir para la mejoría de las condiciones de salud del anciano, al implementar cuidados que proporcionan confort y seguridad para el anciano en el ambiente domiciliario.

Palabras clave: Enfermería. Anciano. Mal de Alzheimer. Cuidado. Familia.


 

 

INTRODUÇÃO

O aumento da expectativa de vida da população leva a uma maior demanda de idosos nos serviços de saúde, o que exige a formação e o preparo de profissionais para atender às necessidades dessa clientela. Nos países em desenvolvimento, o fenômeno populacional resulta mais das tecnologias de saúde do que do próprio desenvolvimento. As vacinas e os antibióticos, inexistentes nas primeiras décadas do século passado, tornaram possível o tratamento de doenças que dizimavam populações. Hoje, mesmo as pessoas que vivem em condições precárias têm possibilidades de atingir a velhice. Os métodos contraceptivos, antes restritos às pessoas de melhor nível sociocultural, hoje, são mais acessíveis às mulheres de todos os níveis sociais demonstrando que cada vez mais a tecnologia é um elemento facilitador para a sociedade em desenvolvimento.

Contudo, com o aumento da expectativa de vida da população, cresce também a incidência das doenças consideradas da "velhice", das quais destacam-se as doenças crônicas-não transmissíveis que fragilizam o idoso, gerando maior dependência e menor autonomia para a realização das suas atividades diárias. Nesse sentido, é imprescindível a implementação de ações em prol da população que envelhece a partir de políticas com foco de natureza mais preventiva e menos curativa, mais promocional e menos assistencial; com medidas que incidam sobre os fatores essenciais da manutenção da qualidade de vida a essa clientela, pois a velhice passou a ser uma questão pública, com impacto importante na sociedade, na economia e, principalmente, na saúde pública1.

Entre as doenças que atingem os idosos, a doença de Alzheimer é a principal causa de demência em pessoas com mais de 60 anos. Essa doença afeta vinte milhões de pessoas em todo o mundo, um milhão delas no Brasil2. Assim, o aumento da incidência dessa doença entre os idosos e as repercussões para a qualidade de vida dos mesmos e das pessoas que deles cuidam mostram a necessidade de um maior conhecimento sobre sua evolução e tratamento.

No início, a doença assume características que tendem a ser confundidas com o processo natural de envelhecimento: confusões de memória, alterações sutis de comportamento e dificuldade de expressão3. Conforme a doença avança, os neurônios morrem, levando embora datas, nomes, rostos e lembranças, o que pega de surpresa parentes, amigos e familiares, os quais, além de acompanhar a trajetória de uma pessoa querida rumo ao nada absoluto, passam a ser tratados como estranhos. Assim, começam as dificuldades para esses familiares que se vêem tendo que cuidar, acompanhar e ajudar no tratamento de um familiar com Alzheimer, que não mais reconhece as pessoas e depende a maior parte do tempo do auxílio de alguém, até para realizar suas necessidades fisiológicas4.

Nesse contexto, a família é fundamental para a prestação dos cuidados ao idoso com Alzheimer no ambiente domiciliar. Mas nem todos os familiares estão preparados física e psicologicamente para conviver e cuidar desses idosos e por isso é importante o acesso às informações sobre a patologia e sobre como desenvolver os cuidados domiciliares, o que envolve a necessidade do acompanhamento de uma equipe multiprofissional para proporcionar o apoio e as orientações a partir da implementação de programas com grupos de apoio aos familiares que assumem a função de cuidar do idoso com Alzheimer no domicílio.

No idoso portador da doença de Alzheimer, as finalidades do cuidado são: manutenção da segurança física, redução da ansiedade e agitação, melhoria da comunicação, promoção da independência nas atividades de autocuidado, o atendimento das necessidades de socialização e privacidade, manutenção da nutrição adequada, controle dos distúrbios do padrão de sono, o que implica no apoio e educação ás pessoas da família responsáveis pela realização desses cuidados. O apoio profissional a quem cuida de um idoso com Alzheimer é essencial para evitar ou atenuar a "estafa do cuidador". Isso é particularmente relevante para as mulheres que, na grande maioria, são as que assumem e prestam esses cuidados e, com freqüência, possuem múltiplas tarefas no ambiente domiciliar 5

O familiar-cuidador, ao dedicar-se totalmente ao idoso com Alzheimer, pode se tornar estressado e cansado física e mentalmente, o que tende a piorar se ele estiver sozinho sem contar a ajuda de outras pessoas. Na maioria das vezes, ele assume um papel que lhe foi imposto pelas circunstâncias da vida, e não por escolha própria, apesar de, no início, também achar que essa missão seja naturalmente sua. O que acontece é que ele não imagina as dificuldades e o esforço que podem advir do cotidiano em cuidar do idoso portador desse mal. Mas, se houver uma estrutura familiar favorável, ou seja, familiares dispostos a dividir essa responsabilidade no cuidado a este idoso, pode haver menos desgaste físico e mental para todos, com repercussões na qualidade de vida dos envolvidos no cuidado domiciliar. Este estudo tem como objeto a família e o cuidado ao idoso com doença de Alzheimer no ambiente domiciliar e seus objetivos são:

- Descrever a trajetória da família com o idoso portador de Doença de Alzheimer.

- Conhecer como a família cuida do idoso com Alzheimer no domicílio

- Identificar as expectativas do familiar que cuida do idoso com Alzheimer no domicílio.

 

METODOLOGIA

O estudo de natureza qualitativa foi desenvolvido com familiares que cuidavam de idosos com doença de Alzheimer no domicilio e que participavam do grupo de cuidadores do Programa de Geriatria e Gerontologia da Universidade Federal Fluminense. Esse grupo é constituído por familiares e cuidadores de pessoas portadoras de demências, e, sob a coordenação de uma psicóloga, conta com a participação efetiva de diversos profissionais da área de saúde, tais como: enfermeiros, médicos, nutricionistas, fisioterapeutas e fonoaudiólogos, entre outros. O grupo possui reuniões semanais nas quais os familiares e cuidadores falam sobre suas experiências e dificuldades e a partir daí a equipe de profissionais desenvolve dinâmicas e atividades de orientação visando proporcionar uma melhoria na qualidade de vida dessas pessoas.

Após a autorização da coordenadora do referido programa e a aprovação do protocolo de pesquisa apresentado ao Comitê de Ética do Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP/UFF), foi iniciada a etapa de coleta de informações.

A coleta de informações envolveu a observação participante com registros em diário de campo e entrevistas semi-estruturadas que foram gravadas em fitas magnéticas para preservar o conteúdo integral dos depoimentos. A finalidade da observação participante foi estabelecer uma aproximação com o cenário e os possíveis sujeitos do estudo. Nessa etapa, a pesquisadora elaborou registros em diário de campo sobre o que observava em relação à dinâmica do grupo e suas impressões acerca da participação dos familiares nas atividades desenvolvidas no mesmo. A partir desta etapa foram selecionados cinco familiares que cuidavam de idosos com Alzheimer na residência, considerando a disponibilidade e interesse em participar do estudo. Assim, os sujeitos do estudo foram uma neta e quatro filhos, dos quais apenas um era do sexo masculino. Antes de cada entrevista, os objetivos do estudo eram explicitados e cada sujeito assinava o termo de consentimento livre e esclarecido, como preconizado na Resolução nº 196/96, do Conselho Nacional de Saúde.

Encerrada a etapa de coleta de informações, os registros do diário de campo foram digitados e as entrevistas transcritas na íntegra, para em seguida serem digitadas e identificadas por nomes fictícios para preservar o anonimato dos sujeitos. Para a etapa de análise das informações, foram realizadas inúmeras leituras das informações objetivando a identificação dos temas comuns emergentes dos discursos que foram agrupados nas seguintes categorias: Caminhando para o desconhecido; Vivendo e cuidando do idoso com Alzheimer e Olhando para o horizonte.

 

APRESENTANDO OS RESULTADOS

A doença de Alzheimer por enquanto é incurável, degenerativa e causa danos estruturais no cérebro, levando o idoso a necessitar do apoio contínuo no atendimento às suas necessidades básicas de sobrevivência. Assim, a família passa a ser o elemento central com importante papel no cuidado ao mesmo, o que acaba repercutindo na dinâmica familiar, pois ocorrem mudanças na rotina que vão gerar conflitos e dúvidas para aqueles que passam a assumir a responsabilidade desse cuidado no ambiente domiciliar. No caso deste estudo, diante das falas dos sujeitos no grupo de cuidadores e dos seus depoimentos durante as entrevistas, foram identificados alguns limites e possibilidades emergentes do cotidiano do familiar que cuida do seu parente com doença de Alzheimer, desde o inicio da doença.

Caminhando para o desconhecido...

O familiar que cuida do idoso com Alzheimer no domicilio passa a ter muitas duvidas e dificuldades desde quando passa a observar mudanças no comportamento do seu parente, e é ai que começa o caminho rumo ao desconhecido.

No início, os sintomas da doença de Alzheimer podem ser confundidos com "problemas da velhice" e por isso talvez seja tão difícil para a família identificar os sintomas como sinais de alarme de que algo não vai bem com o idoso. O esquecimento leve, a desorientação e as variações de humor são geralmente as características mais precoces da doença e essas podem ser confundidas com os efeitos decorrentes do processo de envelhecimento. Muitos idosos ficam inquietos durante o dia, alguns dormem mal à noite, acordando desorientados e angustiados. Ocorre também uma alteração no comportamento social e o autocuidado pode ser negligenciado. Além disso, a família pode começar a observar mudanças na personalidade do idoso com freqüente exagero de características menos favoráveis6 .

No caso deste estudo, a maioria dos sujeitos disse que os sintomas no seu parente começaram a ser percebidos através de esquecimentos, surtos de perda de memória, mudanças de personalidade e de comportamento que evoluíram para situações onde não reconheciam as pessoas com as quais sempre conviveram. Alguns sujeitos relataram que o idoso às vezes falava sozinho, apresentava episódios de alucinações, quadro de agitação e alterações na forma de andar. Segundo os depoimentos, esses sintomas surgiram aos poucos ou de forma repentina.

Tudo começou de repente, esquecimentos, surtos de perda de memória, mudanças de comportamento e de memória [...] (Alice).

Um dos sujeitos relatou que começou a perceber os sintomas na sua mãe quando, ao ir ao banco para fazer o pagamento de uma conta, ela não soube como fazer isso, pois não reconhecia mais o valor do dinheiro.

Ela não estava mais conhecendo dinheiro, dava 50 reais para o filho da empregada e achava que estava dando um real (Vanda).

As pessoas com Alzheimer podem apresentar rápidas variações de humor, desde a calmaria às lágrimas e, subitamente, podem ter acessos de raiva sem nenhuma razão aparente. Sendo assim, alguém que antes era calmo, gentil e amável pode tornar-se rude, irritado e grosseiro 2. Essas mudanças foram percebidas e descritas pela familiar Cláudia:

Ela está ficando uma pessoa agitada, agressiva. Está perdendo o sono, não está tendo um sono tranqüilo. Ela também não está andando direito, está se arrastando muito.

A evolução e a repetição dessas situações aliadas às dificuldades de controle das mesmas acabam despertando os familiares para a necessidade de procurar ajuda de um profissional especializado que conheça, entenda e esclareça o que está acontecendo. Existe, então, uma necessidade de buscar ajuda para explicar todas essas mudanças principalmente na personalidade, nas atitudes e no humor do idoso.

E aí, quando ela chegou a meter a mão no prato para apanhar a comida, eu entrei em desespero... Aí foi que eu pensei em procurar ajuda (Vanda)

As mudanças no comportamento do idoso percebidas pelos sujeitos do estudo ilustram as dificuldades que eles enfrentam antes de reconhecer a necessidade de procurar apoio médico e, ao tomar a iniciativa de procurar apoio médico a família passa a vivenciar uma nova etapa na trajetória com esse idoso. Uma etapa na qual será necessário fortalecer, ou mesmo resgatar, os laços de união na família. Um momento difícil enfrentado pelos familiares do idoso é saber do diagnóstico da doença de Alzheimer nele. Ao vivenciar esse momento, eles disseram que "ficaram arrasados, "tristes", "assustados" e passaram a ter dificuldades para encarar ou mesmo aceitar essa situação:

Lá em casa foi difícil, o pessoal não aceitou não, foi muito difícil (Vanda).

Eu fiquei muito arrasada quando ele disse pra mim que ela estava com Alzheimer. (Alice)

Apesar da dificuldade do diagnóstico conclusivo de demência, é a partir dele que a família passa a conviver com a realidade de que é necessário realizar mudanças na rotina domiciliar e dos membros da família para atender às necessidades crescentes do idoso que, com a evolução da doença, passa a ficar cada vez mais dependente de outras pessoas para desenvolver suas atividades de vida diária mais simples, como tomar banho e alimentar-se.

Nesse sentido, o cotidiano do familiar que assume os cuidados desse idoso passa por transformações que muitas vezes fazem com que ele "abra mão da sua vida" para poder assumir os cuidados com o idoso no domicilio.

Mudou tudo e tive que parar de trabalhar porque ficava cuidando dela 24 horas por dia (Alice)

Fui obrigada a largar tudo pra me dedicara ela (Vanda)

As adaptações e mudanças no ambiente domiciliar da família que cuida do idoso com Alzheimer passam a ser crescentes à medida que o quadro da doença progride. Nesse sentido, podem acontecer situações nas quais é necessário tomar medidas drásticas para preservar a segurança e integridade do idoso e da própria família tais como: como trancar a porta da cozinha da casa e trazer o idoso para morar junto com a família, pois este vai perdendo a noção de que pode correr risco de morte ou mesmo colocar a vida de outras pessoas em perigo, como ilustram os relatos abaixo:

[...] foram esquecimentos absurdos, de deixar comida no fogão, incendiar o apartamento e ter que chamar o corpo de bombeiros (Maria).

[...] ela teve que ir morar com a minha irmã, porque não tinha mais como ela morar sozinha estava ficando perigoso (Alice).

Essas mudanças de comportamento do idoso com Alzheimer podem gerar constrangimentos para os familiares e situações de estresse difíceis de serem enfrentadas no dia-a-dia. São comportamentos freqüentes no idoso que demencia: furtar e esconder objetos, agitação na hora de dormir, reações catastróficas provocadas por multidões e locais barulhentos, pela mudança da sua rotina conhecida, explosões pela falta de repouso, fugas de casa, perambulações, recusa de banho, higiene corporal e alimentação, ataques de pânico, comportamento potencialmente perigoso e ameaçador, alucinações, agitação, delírio. Para cada um desses problemas existem estratégias de enfrentamento possíveis, e estas estratégias precisam ser discutidas junto com o familiar cuidador7.

Assim, o cotidiano do familiar que cuida do idoso com Alzheimer no domicilio passa a representar um contínuo estado de alerta para atender às suas necessidades e prover as condições básicas de segurança durante todo o dia o que além de gerar um desgaste físico e mental muito grande para o familiar que assume tais responsabilidades, pode também repercutir tanto na qualidade dos cuidados desenvolvidos quanto na saúde daquele que está cuidando e sendo cuidado. Nesse sentido, toda essa energia dispensada poderá resgatar no familiar o prazer em cuidar, retirando-o do ambiente das impossibilidades, fazendo-o acreditar no seu potencial como ser; devolvendo-lhe a dignidade de ser humano, o poder de ser agente e autor do seu destino, transformando de forma efetiva o que deseja ser transformando, resgatando a magia e o orgulho de ser cuidador 8.

Essas mudanças na rotina e na vida do familiar que cuida do idoso com Alzheimer requer ajuda de profissionais especializados para que ele possa exercer essa função com mais qualidade a partir de orientações sobre como pode estar cuidando melhor de si e do idoso, para o bem-estar de ambos.

Até porque a sobrecarga física, emocional e socioeconômica do cuidado a um familiar demenciado é muito grande. Assim, como não podemos esperar que eles entendam e executem as técnicas básicas de enfermagem corretamente, é preciso que o enfermeiro oriente esse familiar quanto aos cuidados de higiene e alimentação proporcionando apoio freqüente para que ele compreenda melhor os sentimentos de culpa, frustração, raiva, depressão e outros sentimentos que acompanham essa responsabilidade9.

Vivendo e cuidando do idoso com Alzheimer...

A doença de Alzheimer é uma doença que muda significativamente o cotidiano das famílias. Por apresentar uma evolução extremamente personalizada e produzir um quadro insidioso, progressivo e crônico, com grande repercussão emocional e socio-econômica sobre as famílias, as demandas físicas, emocionais, econômicas e sociais podem tornar alguns membros da família exaustos, deprimidos e estressados, especialmente aqueles que assumem com maior intensidade a função de cuidador, com conseqüências sobre sua saúde física e mental 10.

A sobrecarga física e emocional é muito grande no dia-a-dia de quem está cuidando de um idoso demenciado no ambiente domiciliar, principalmente porque geralmente uma pessoa tende a assumir essa função, o que poderia ser amenizado se fosse compartilhado com outros membros da família, já que essa é uma situação que pode se estender por muitos anos7.

O cuidar é um ato nobre, mas requer muita força de vontade, dedicação, atenção e amor, ainda mais se esse cuidar gera sobrecarga física e emocional para quem está cuidando. A maioria dos sujeitos do estudo relatou que a tarefa de cuidar desse idoso é "muito difícil", "muito pesada", e dela emergem sentimentos de compaixão e pena:

Eu me sinto assim mais no sentido de pena dela porque, coitada da minha mãe, ela trabalhou tanto por nós (Alice).

Está sendo uma experiência muito difícil viver tudo isso, porque eu nunca passei por isso (Cláudia)

Diferente dos demais sujeitos do estudo, um familiar alegou que era mais fácil cuidar de sua mãe do que resolver seus outros problemas do dia-a-dia:

Ultimamente tem sido mais fácil cuidar dela do que dos meus outros problemas. Não é um bicho de sete cabeças. É só você passar para o mundo dela, aprender a conviver e aprender que as necessidades dela são tão fáceis de serem resolvidas que, se você resolve você vai ter ao teu lado uma pessoa quase que feliz e satisfeita (José).

Dessa forma, ao assumir o cuidado desse idoso, o familiar passa a realizar e/ou auxiliar nos cuidados pessoais, tais como: higiene, troca do vestuário, administração de medicamentos, curativos, controle da dieta, alimentação, controle das eliminações, auxilio na movimentação e nas caminhadas e banhos de sol. Entretanto, nessa rotina, o familiar passa a vivenciar conflitos que podem ser percebidos como sendo uma inversão de papéis:

Você perde suas referências, porque você passa a ser mãe e filha, não filha e mãe, né? É uma inversão de papéis. Eu tento me equilibrar no sentido do conhecimento, na orientação sobre a doença. E se você não se cuidar, você adoece também (Maria)

Em relação ao cotidiano desses cuidadores, na medida em que a pessoa vai demenciando, há uma mudança de papéis dos membros da família. Assim, se o idoso é um dos pais, os filhos adultos assumem a função de decidir e tomar as responsabilidades dos pais. O filho que passa a ser o cuidador ficará sobrecarregado com essa função que se soma às atribuições familiares e seu emprego7.

Todos os entrevistados sabiam que a doença não tem cura e sim tratamento. Para eles o importante era não perder a esperança, embora achassem que os demais membros da família deveriam se interessar e conhecer mais sobre a doença para poderem aceitar e entender o que acontecia com o idoso, o que poderia contribuir para a convivência e harmonia no ambiente domiciliar.

Eu tento entender que, embora a mamãe esteja viva, eu não tenho mais minha mãe. É uma pessoa completamente diferente. Ela não lembra de nada mais (Maria)

Eu sinto que é uma doença que não tem cura, mas que, com o tratamento ela vai melhorar e está melhorando a cada dia, e ela vai chegar num ponto bom (Alice).

As falas acima mostram que o familiar que cuida do idoso com Alzheimer no ambiente domiciliar nutre a esperança de melhora no seu quadro de saúde, embora percebam que ele já não é o mesmo. Com a convivência com o idoso, eles foram percebendo que, à medida que a doença progredia, aumentava também a sua dependência em relação à família que se via tendo que enfrentar os desafios de ultrapassar os próprios limites, para proporcionar melhores condições de vida para o seu idoso.

Assim, a finalidade do cuidar do idoso com Alzheimer passa a ser não a cura da doença e sim a possibilidade de promover conforto e ajuda continua em suas necessidades, preservando sua segurança e dignidade humana através da participação em grupos com outros idosos e com a implementação do tratamento adequado supervisionado e orientado por uma equipe multiprofissional de saúde preparada para orientar e apoiar o idoso e sua família, visando proporcionar uma melhoria na qualidade de vida de ambos.

Olhando para o horizonte...

Frente ao diagnostico da Doença de Alzheimer no idoso, a família vive momentos conturbados marcados pela surpresa, medo e insegurança em saber que a partir daí estarão diante de uma nova realidade que irá trazer sérias repercussões para a dinâmica e rotina familiar. Tal situação leva as famílias a tentarem soluções para o cuidado de seus idosos, visando evitar uma provável institucionalização. Essas soluções, que nem sempre são as melhores ou as desejadas, podem ser as únicas possíveis enquanto as novas alternativas de atenção ao idoso já previstas em legislação específica, não se tornarem realidade 11.

Os sujeitos desse estudo verbalizaram uma esperança de dias melhores, um olhar para o horizonte com expectativas em relação ao futuro. Na maioria dos casos, as expectativas eram otimistas em relação ao futuro, pois cuidando do idoso passaram a perceber "que ele melhorou perto do que era". Havia uma esperança de que a doença não progredisse e que com o tratamento e o apoio do grupo de profissionais da equipe de saúde ele melhorasse. Nesse contexto, achavam que com a participação no grupo de cuidadores eles estavam aprendendo a conviver e entender melhor a doença e seus efeitos no idoso:

Acho que nesse caso tem que aprender a lidar com a doença (Cláudia)

Eu não tenho nenhuma expectativa em relação ao futuro, eu costumo dizer que na doença de Alzheimer são só perdas (Maria).

Cuidar para esses familiares constituía, na maioria das vezes, um ato solitário e cansativo que nem sempre gerava os resultados esperados para o idoso e por isso aqueles que assumem esta função, na maioria mulheres, precisam do apoio de profissionais especializados que viabilizem espaços de convivência onde eles possam expressar seus sentimentos, conflitos e dificuldades, como é o caso do que é desenvolvido no Programa de Geriatria e Gerontologia da Universidade.

Essas pessoas necessitam da orientação e apoio dos profissionais de saúde e da colaboração de outros parentes próximos, para que esta função não sobrecarregue apenas uma pessoa. Essa tarefa de cuidar do idoso precisa ser dividida e compartilhada com outros membros da família, para atenuar o desgaste e o estresse gerados pela convivência com uma pessoa que a cada dia vai precisar de mais cuidado e atenção no ambiente domiciliar.

Assim, embora seja importante estimular e orientar a família sobre como cuidar do idoso com Alzheimer no domicílio, é preciso também considerar que cuidar de uma pessoa incapacitada durante 24 horas, sem pausa, é uma tarefa que exige apoio e ajuda de dos membros da família e de profissionais de saúde sensíveis à problemática que envolve esse familiar.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O cuidado no ambiente domiciliar vem sendo cada vez mais incentivado porque, além de reduzir a necessidade de hospitalização, também dá ao idoso a possibilidade de estar em um ambiente familiar, cujas pessoas são conhecidas, e ele pode estar próximo de objetos pessoais que trazem recordações, lembranças de uma vida que, com a progressão da doença, vão sendo perdidos na sua memória.

O diagnóstico da doença de Alzheimer para a família é um momento de impacto com a realidade que demarca a necessidade de enfrentar a nova situação em família. A partir de então, surgem as dificuldades diante da tarefa de cuidar desse idoso, que muitas vezes passa a ser solitária, cansativa e sem o apoio necessário dos demais membros da família.

No Programa de Geriatria e Gerontologia da UFF, com o apoio dos profissionais de saúde, esses familiares passaram a conviver melhor com suas limitações no cuidado ao idoso com Alzheimer no domicilio, pois no grupo de cuidadores podiam compartilhar suas experiências, dificuldades, medos e conflitos com pessoas que vivem situações semelhantes. Os familiares demonstram otimismo em relação ao futuro do seu parente quando constataram uma melhora significativa no quadro do idoso, depois que passaram a receber o apoio e orientações dos profissionais da equipe multiprofissional.

Assim, concluímos que a família precisa ser ouvida e compreendida nas suas necessidades e dificuldades e nesse sentido, é fundamental que os enfermeiros incluam a família no planejamento e execução de suas ações junto ao cliente, seja no âmbito hospitalar ou domiciliar, pois o cuidado independe de espaço e tempo. Cuidado envolve compromisso, competência e responsabilidade do enfermeiro com a melhoria da saúde e qualidade de vida das pessoas sejam elas crianças, adultos ou idosos.

 

REFERÊNCIAS

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11. Queiroz ZPV. Cuidando do idoso: uma abordagem social. O mundo da saúde 2000;24(4):246-8.

 

 

Recebido em12/01/2005
Reapresentado em 23/05/2005
Aprovado em 30/05/2005

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