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CAPES

Volume 9, Número 2, Abr/Jun - 2005

ARTIGOS DE PESQUISA

 

Teorizando o envelhecer para cuidar da pessoa idosa: estudo sociopoéticoa

 

The aging theory applied in the care to the elderly person: social poetic study

 

Teorizando el envejecer para cuidar de la persona anciana: estudio sociopoético

 

 

Rosimere Ferreira SantanaI; Iraci dos SantosII

IDoutoranda em Enfermagem pela EEAN/UFRJ. Mestre em Enfermagem pela FENF/UERJ. Especialista em Psicogeriatria. Enfermeira do Pólo de Neurogeriatria da Prefeitura do Rio de Janeiro. e-mail: rosifesa@yahoo.com.br
IITitular da FENF/UERJ. Doutora em Enfermagem. Professora do Programa de Mestrado da FENF/UERJ

 

 


RESUMO

Refletindo sobre como queremos e podemos envelhecer, tentamos compreender este fenômeno à luz de teorias que o expliquem além da dimensão biofisiológica. Acreditamos que o estudo ampliará a perspectiva de compreensão da pessoa idosa numa visão mais realista do seu modo de viver. Utilizamos o método sociopoético para descrever a poética de um grupo pesquisador formado por idosos da Universidade Aberta para a Terceira Idade -RJ, em 2003, sobre o envelhecer. Os resultados revelam que o envelhecer é: a união da idade com a experiência; a continuidade do viver. Portanto, aceitar/negar a velhice é um importante instrumento de avaliação do bem-estar/mal-estar do indivíduo idoso. Concluiu-se que o envelhecimento desejado, ou seja, o tornar-se idoso, influencia uma nova forma de se posicionar frente à vida, para que ela lhe traga um crescimento pessoal.

Palavras-chave: Saúde do Idoso. Teoria do envelhecimento. Cuidar em enfermagem.


ABSTRACT

Pondering about as we want and we can age, we try to understand this phenomenon in the light of theories that explain it besides the biophysiological dimension. We believe that the study will extend the perspective of understanding of the elderly person in a more realistic sight in its way of living. We used the social and poetical method to describe the poetics of a searching group formed by elders of the Open University for the Third Age of the State University of Rio de Janeiro- Brazil, in 2003, about the aging. The results disclose that the aging is: the union of the age with the experience; the continuity of the living. Therefore, to accept or to deny the oldness is an important instrument of evaluation of well-being/malaise of the aged individual. It was concluded that the desired aging, in other words, the desired becoming aged influences a new posture in front of the life, so that it brings to him a personal growth.

Keywords: Aging Health. Aging Theory Nursing Care.


RESUMEN

Ponderando sobre como queremos y podemos envejecer, tentamos comprender este fenomeno a la luz de teorías que lo explanen además da la dimensión biofisiológica. Creemos que el estudio ampliará la perspectiva de comprensión da la persona anciana en una visión más realista de su modo de vivir. Utilizamos el método sociopoético para describir la poética de un grupo investigador formado por ancianos de la Universidad Abierta para la Tercera Edad/RJ- Brasil, en 2003, sobre el envejecer. Los resultados revelan que el envejecer es: - la unión de la edad con la experiencia, - la continuidad del vivir. Por lo tanto, aceptar/negar la vejez es un importante instrumento de evaluación del bienestar/malestar del individuo anciano. Se concluyó que el envejecimiento deseado, o sea, el convertirse anciano influencia una nueva postura frente a la vida, para así obtener crecimiento personal.

Palabras clave: Salud del Anciano. Teoria del Envejecimiento. Atención de Enfermería.


 

 

INTRODUÇÃO: É ENVELHECENDO QUE VIVEMOS

Busca-se entender o fenômeno do envelhecimento através da visão dos que estão envelhecendo, divergindo da cultura ocidental que beneficia as contribuições da ciência e tecnologia e de outras indústrias, a exemplo de vestuário e cosméticos, demonstrando preferência por pessoas consideradas no fluxo normal e útil da vida, quais sejam as crianças, adolescentes e adultos jovens. Essa divergência faz parte de um compromisso profissional com o cuidado holístico a todos que dele precisarem, pois se deve recordar que o envelhecer faz parte da vida desde o nascer.

Portanto, as enfermeiras devem ampliar suas visões para um futuro promissor e não de exclusão e opressão dos idosos, a fim de entender a urgência de estudos sobre o envelhecer considerando-o um fenômeno multifacetado1, onde a enfermagem tem um papel fundamental e contribuinte para o envelhecimento saudável que, conforme compreende-se, corresponde à normalidade do fluxo da vida, no planeta terra, seja ela humana ou não.

O tema velhice é uma das preocupações da humanidade desde o início da civilização, apesar de só no século XX as pessoas terem despertado para a importância de estudá-lo, haja vista a natural tendência de aumento do número de idosos em todo mundo - tida como a Transição Demográfica. Entretanto, o que mais ratifica o imperativo de compreender o envelhecer é atentar para estes números: em 2025, seremos 32 milhões de pessoas com mais de 60 anos ou mais e a sexta maior população idosa do mundo2. Então, surpreende-nos o fato de que, se queremos viver e sobreviver no fluxo da vida, fatalmente teremos que envelhecer.

A questão se delimita na seguinte reflexão: de que forma queremos e podemos envelhecer. O que torna imprescindível compreender esse fenômeno à luz de teorias que o expliquem de forma holística e não apenas na dimensão biofisiológica. Portanto aqui estuda-se: o envelhecer no contexto de teoria do envelhecimento. Acreditando-se que o estudo contribuirá para uma significativa ampliação da perspectiva de compreensão do idoso, possibilitando uma abordagem mais realista desse ser, delimitou-se o objetivo: identificar, nas manifestações do imaginário de pessoas idosas, conceitos com aderência à teorização do envelhecer que demarquem seu modo de viver.

 

PARA TEORIZAR O ENVELHECIMENTO

A teorização sobre envelhecimento ainda privilegia o discurso biofisiológico, porque durante décadas a geriatria teve um peso maior cronológica e quantitativamente do que as demais áreas que compõem a gerontologia, disciplina multi e interdisciplinar do estudo das pessoas idosas. Isso, graças aos avanços no estudo dos aspectos diagnósticos e terapêuticos das pessoas que envelhecem2. A enfermagem gerontogeriátrica avança nos aspectos gerontológicos, mas se detém nos aspectos do envelhecimento como uma fase de doença e perdas. Portanto, na enfermagem, deve-se pensar em como o idoso é concebido no seu aspecto social, humano e espiritual e avançar nessa idéia, reconhecendo que se necessita de uma prática ligada à arte e à ciência da enfermagem para estudar os fenômenos dos seres humanos3.

As teorias psicossociais englobam estudos em gerontologia social, tendo como objetivo explicar o fenômeno envelhecimento a partir da influência de fatores culturais, psicológicos, históricos - existenciais, sociais e/ou até mesmo por um sistema integrativo de fatores. Neste trabalho, optou-se pela Teoria do Desenvolvimento durante toda a vida, da autoria de Carl Gustav Jung. Essa teoria reflete o contato do autor com a psicanálise de Freud, sua experiência clínica e suas experiências pessoais. Ele dividiu a vida humana em duas metades e em quatro idades (infância, vida adulta, meia-idade e velhice), separadas por estágios de transição (da adolescência, do entardecer e da idade avançada)3. Cada idade tem um tema básico e suas próprias tarefas e metas, conforme se observa no Quadro 1.

O processo de individuação se dá após o estágio de transição do entardecer, que seria por volta dos 40 anos, quando o indivíduo se dá conta de sua própria finitude e das demandas da vida interior. A individuação é um embate espiritual e cultural típico dos anos da meia-idade e da velhice. Inclui o desvelar dos aspectos menos educados e mais reprimidos do self e a descoberta das próprias possibilidades de aquisição de novos papéis, de planejamento de novas metas e de contribuição para a sociedade3.

Uma concepção teórica é a de que, após o avanço dos anos, tem lugar o processo de realização do self, pelo contato com os arquétipos do Velho Sábio (no Homem) e da Grande Mãe (na mulher); uma imagem dos mais velhos explorada pela mídia e difundida nos papéis esperados da nossa sociedade ocidental. Portanto, essa teoria foi escolhida por predizer o seguinte:

Muitas pessoas chegam à velhice com desejos insatisfeitos ou com sede de continuar no poder e de expandir o self, mas que isso não só significa incapacidade de desprender-se dos temas da primeira metade da vida, como também prenuncia dificuldades de ajustamento aos temas do entardecer da vida. Transcender a experiência material e desenvolver a espiritualidade ajuda os idosos a encontrar um sentido de completude na vida e, assim aceitar a morte(3:35).

 

MÉTODO: UM ESTUDO SOCIOPOÉTICO

Para esta investigação, escolheu-se o método sociopoético de Gauthier que, trabalha com o imaginário, possibilitando a pesquisa com grupos sobre temas de difícil verbalização consciente. Assim, é preciso convocar a criatividade, a sensualidade, a sexualidade, enfim, tudo que se pode chamar de poética (do grego "poiein", criar), pois é uma ajuda preciosa na liberação do saber grupai e pessoal implícito, num sentido crítico4:75.

Justifica-se a escolha da sociopoética porque ela é uma abordagem no conhecimento do homem como ser político e social. A sociedade sendo atravessada de fluxos de significações simbólicas e imaginárias, ela deve, então, ser "transformada poeticamente para conhecer". Portanto, iniciar um processo de criação/desestabilização, no grupo e nas pessoas, permite a emergência de significações geralmente escondidas, esquecidas e recalcadas. Para implementar a sociopoética como prática social de produção de conhecimento, deve-se observar seus princípios fundamentais5:

A importância do corpo como fonte de conhecimento

Este princípio trabalha o conceito de que não se deve pesquisar somente utilizando a forma de pensar-razão, mas integrar o pensar-razão, o pensar-emoção, o pensar-intuição e o pensar-sensação, portanto, pesquisar com todo o corpo. Isso porque o corpo somente pensa quando integrado com o espírito e todas as formas de pensar.

A integração do self é o objetivo da vida psicológica e espiritual, significando que os facilitadores de pesquisa têm que se equilibrar entre as várias formas de pensar. Então, não separemos a razão e os outros modos de pensar, intuição, emoção e sensação6:23. Na sociopoética, a intuição é um instrumento intelectual importante em todo processo de pesquisa (produção e análise dos dados), que é fortemente controlada na avaliação do grupo, promovendo oportunidade de colocar em diálogo, conforme recomenda Freire7, as próprias intuições do grupo pesquisador e do facilitador da pesquisa.

Outro fator importante de pesquisar com todo o corpo é considerar que, para des-cobrir aquele pensamento silencioso (silenciado) particularmente vivo, intenso, significante nas classes e grupos oprimidos, é preciso um método que desperte as idéias-energias latentes, presentes mas adormecidas, ou seja, que utilize práticas que considerem a intuição, a emoção e as sensações juntamente com a razão para investigarmos os saberes oprimidos e recalcados 6.

A importância das culturas dominadas e de resistência, das categorias e dos conceitos que elas produzem

Neste princípio, pode-se afirmar o interesse do pesquisador em sociopoética na significação de encontrar saberes recalcados do povo, sugerindo-se que as próprias noções de ciência e de cientificidade sejam negociadas entre as culturas, entre os povos, numa troca igualitária de experiências, práticas e teorias6 . Para observar esse princípio, constituí-se um grupo pesquisador com pessoas várias de outras culturas que não a acadêmica. Nesta pesquisa, os idosos foram considerados como uma classe oprimida devido ao preconceito vivido nessa fase da vida.

Considera-se a pesquisa sociopoética como transcultural e multirreferencial. Com a transculturalidade, pretende-se alcançar as linhas de fuga, os desejos, as relações de poder, as singularidades que percorrem o grupo pesquisador, muitas vezes criadas no próprio processo de pesquisa; e com a multirreferencialidade, pretende-se debater o conhecimento produzido com o grupo que não se esgota com um saber acadêmico, mas possivelmente com vários6.

O papel dos sujeitos pesquisados como co-responsáveis dos conhecimentos produzidos, co-pesquisadores

Na sociopoética, o grupo pesquisador (GP) é o centro vivo da pesquisa. A transformação dos sujeitos da pesquisa em GP é uma exigência ética e política fundamental. Neste principio, a Teoria da Ação Dialógica7 é fundamental, pois é no diálogo que acontecem as negociações, as contradições e até conflitos nem sempre superados, mas que, de posse de acordos, promovem crescimento mútuo, transformando sujeitos, criando cidadãos6.

O papel da criatividade do tipo artístico no aprender, no conhecer e no pesquisar

Neste principio, destaca-se o uso de técnicas que expressem a criatividade e estimulem o vislumbramento do imaginário, fonte de busca da pesquisa sociopoética. Para tanto, são utilizadas técnicas/ vivências de pesquisa, sempre antecedidas de relaxamento: o relaxamento permite que se expresse a força que proporciona a criação de imagens, a imaginação6.

Considera-se imaginário na pesquisa sociopoética o inconsciente, que carrega as nossas aceitações e cumplicidades com os poderes hegemônicos, as repressões instituídas, as ideologias dominantes6:53. A sociopóetica, utilizando-se deste criar, permite revelar e analisar coletivamente, logo, parcialmente superar essas aceitações e cumplicidades.

Portanto, pretende-se, com respeito a este principio, utilizar-se a técnica de pesquisa que permita investigar junto aos idosos através de seu imaginário, pois a sociopoética é um revelador e catalisador da heterogeneidade, muitas vezes encoberta por uma aparente homogeneidade 6:60.

A importância do sentido espiritual, humano, das formas e dos conteúdos do saber

Com este principio, implica-se considerar o processo de investigação como um pesquisar-juntos, a aprendizagem mútua, muito pautada na teoria de Freire7 - ensinar é pesquisar e, segundo Gauthier6, pesquisar sociopoeticamente é ensinar. A qualificação profissional do facilitador de pesquisa torna possível uma terna luta em prol e contra os demais membros do grupo pesquisador, no sentido de favorecer uma visão mais crítica das experiências vividas, mais autonomia, mais liberdade.

E em troca, o facilitador recebe crítica sobre sua sombra, suas implicações não analisadas, o que pode abrir para alterações, deslocamentos e melhoramentos6. É mais precisamente com este último principio que a enfermagem mais se identifica, como profissão que visa o cuidar como finalidade da arte e ciência da enfermagem. Neste trabalho ressalte-se que um pesquisar - cuidando foi possível no grupo pesquisador4,8.

É a partir das características da sociopoética de utilizar a arte e criatividade e produzir uma poesia crítica que se delimita o educar mutual que acontece no grupo de pesquisa, definindo-se o dispositivo analítico utilizado na sociopoética denominado "Grupo Pesquisador", no qual se destacam as etapas de pesquisa4: 1) O pesquisador escolhe o Tema Orientador/Delimitação do tema orientador com o Grupo; 2) Produção dos dados; 3) Análise Grupal/Contra análise. - A análise pelo grupo é um processo constante no decorrer da pesquisa, sendo esta sempre aberta a críticas, novos direcionamentos, novas experimentações, sugeridos por membros do grupo pesquisador e aceitos por este6:48.

Tem-se também dentro da análise dos dados um momento feito pelo pesquisador que, a partir da produção dos dados, analisa as estruturas de pensamento invisíveis que estão embutidas nos atos e palavras do grupo. Essa análise deve ser feita isoladamente pelo pesquisador. Para tanto, ele elabora um quadro demonstrativo contendo as categorias teóricas escolhidas para análise e faz sua correlação com as verbalizações do grupo sobre o tema orientador da pesquisa. A partir dessa verbalização, são delimitados os temas predominantes advindos do grupo, os quais são considerados como categorias empíricas porque são procedentes da experiência do grupo. E posteriormente, o facilitador restitui ao grupo a análise, explicando como ela foi realizada, para que ele avalie as interpretações do pesquisador, dentro de um processo dialógico4.

Transformação grupal

Esta se dá no momento em que o grupo, como agente de transformação da práxis e consciente do poder transformador, sugere ou refere mudanças subjetivas ou coletivas, geralmente advindas do processo de tomada de conscientização nas discussões de análise e contra-análise do GP. Esta transformação ocorre a medida que os membros do grupo-pesquisador se tornam mais questionadores, conscientes e unidos na busca de seus ideais4.

Avaliação do Grupo

Este momento da avaliação grupal é de todo o processo de pesquisa desenvolvido com este método. O pesquisador deve apontar tudo que pode lhe dar uma melhor consciência das suas implicações, daquelas de onde surgiu o tema-orientador.

Divulgação Científica

Os achados científicos não devem se restringir ao espaço acadêmico, mas devem ser divulgados de forma a promover a socialização dos dados, inclusive para os participantes da pesquisa. Essa socialização, em sociopoética, não se deve formalizar na apresentação oral, mas ser criativa e poética4.

Diante do exposto, esta pesquisa foi realizada utilizando-se o método sociopoético, criado por Gauthier6, compondo-se o grupo pesquisador com 28 idosos, clientes de uma Universidade Aberta para Terceira Idade (UnATI) do Estado do Rio de Janeiro, no período de agosto de 2003 a maio de 2004. Essas pessoas assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido após concordarem com os objetivos da pesquisa e compareceram a 21 reuniões para o desenvolvimento das fases da pesquisa na qual foi implementada a técnica Vivência de Lugares Geomíticos5. A respeito da criação dessa técnica citamos:

...filosoficamente, a projeção sobre as nossas histórias de vida desta lógica é uma lógica inspirada pelas culturas indígenas do Pacífico, as quais pensam em termos de lugares sócio-míticos, permite, graças a seu caráter estranho, formalizar outros conteúdos além daqueles habitualmente constituídos nas pesquisas... é um revelador6: 83 .

Essa técnica foi escolhida porque o objeto de estudo está ligado culturalmente a estereótipos negativos e mitos estigmatizados, sendo necessário uma técnica que utilize a criatividade para revelar os autênticos significados que os idosos dão ao envelhecimento. Para tanto, foram selecionados oito dos 16 lugares existentes, acreditando na intuição como instrumento de pesquisa, tanto quanto o conhecimento técnico-cientifico. Nessa escolha, imaginou-se a necessidade de lugares que desvelassem o bom e o ruim no envelhecimento.

Para aplicação da referida técnica, utilizou-se um formulário específico composto com imagens dos lugares, e realizou-se uma dinâmica de relaxamento, de sensibilidade. O tema orientador foi: Se o envelhecimento fosse... a Terra onde crescem as minhas raízes (...), o Labirinto onde a gente pode se perder (...), o Poço onde meu pensamento pode cair (...), a Ponte que me tira das dificuldades (...), o Túnel onde existem relações secretas, o Caminho por onde passear (...), o Limiar onde ficar (...), o Arco-íris onde desejo estar... Foram projetadas imagens desses lugares, em retroprojetor, e solicitado aos integrantes do grupo que escrevessem no formulário, com uma frase completa a associação do seu imaginário com os lugares geomíticos pensando na pergunta orientadora.

Justificamos a projeção de imagens dos lugares geomíticos considerando que a técnica de pesquisa denominada "Técnica Projetiva", inclusive a pictórica, pode ser utilizada quando se deseja incentivar a livre associação de imagens á questão de pesquisa, para facilitar a expressão dos sujeitos nela envolvidos8: 261. Sendo assim, os métodos projetivos incentivam a imaginação do GP, fornecendo-lhes estímulos que convidam á interpretação pessoal. Isso porque a pessoa reage aos estímulos como um reflexo das suas necessidades, motivos, atitudes ou traços pessoais. Atende-se, desse modo, um dos princípios da sociopoética quanto á se utilizar práticas artísticas e criativas a fim de as pessoas expressarem seus sentimentos e emoções.

A produção dos dados através dessa técnica foi analisada inicialmente pelas pesquisadoras e submetida à contra-análise (gravadas e registradas em diário de pesquisa, com o consentimento do GP) e posterior validação dos resultados do grupo. Os dados produzidos (incluso os de contra-análise) pelo grupo pesquisador (GP) foram analisados segundo os estudos sociopoéticos5. Neste trabalho, destacamos o estudo filósofico que se refere à interpretação dos dados no sentido dos grandes temas da história filosófica, na cultura ocidental. Assim, analisa-se nos dados o sentido da existência, a relação entre alguns temas filosóficos, a exemplo de teoria e prática, poder e saber, vida e morte, ...viver e envelhecer.

Para demonstrar como os dados foram apurados com vistas à interpretação, incluímos Quadros Demonstrativos 2 e 3, referentes a experimentações/interpretações sociopoéticas, registrando as delimitações do pensamento grupal na Vivência de Lugares Geomíticos que contribuiu no processo de formação de conceitos/confetos.

 

RESULTADOS: OS CONCEITOS/CONFETOS SOBRE O ENVELHECER

O confeto é um termo criado para a mistura de conceitos e afetos que o GP produz, um neologismo criado por Gauthier6 que caracteriza o conhecimento produzido através da sociopoética ao reunir na interpretação/experimentação de dados: razão, pensamento, sensações, emoções e intuição. O autor se apropria da seguinte afirmação de Deleuze e Guattari9: O conceito diz o evento, não a essência ou a coisa6 enquanto o confeto é caracterizado pela intensidade do evento composta por variações de sensações, emoções e intuição do sujeito que o experimenta... Nesta pesquisa, a criação do GP referente aos confetos permitiu delimitar as categorias a saber.

Para Tornar-se Idoso: Unir positivamente Idade e Experiência

Foram nos lugares Terra e Ponte que surgiram confetos sobre o envelhecer cronológico, sendo o aspecto mais evidenciado e aceito - a Idade, como fator determinante do envelhecimento. Recorda-se que são considerados velhos os indivíduos com mais de 65 anos, conforme faz parte do conceito descrito no Estatuto do Idoso10.

No grupo, a idade surge diferentemente, para alguns é causa de espanto e perda do corpo belo, do padrão jovem exposto pela mídia, classificando na sociedade quem é velho ou jovem. Para outras (no grupo predominam as mulheres), é fator de orgulho, pois foi com a idade que elas adquiriram experiência de vida e se consideram lindas para a idade que têm. A idade é apenas um fator social criado para padronizar aspectos sociais e sua importância é sociocultural, porém individualmente é experenciada diferentemente, fato tão bem discutido por Maffesoli11 quando recria a filosofia do Mundo das Aparências.

A experiência é adquirida com a idade, ela é o responsável pelo retrato da sabedoria dos idosos, o tempo de vida faz com que o indivíduo aprenda com as dificuldades, ela nunca acabará e sempre surgirá uma outra dificuldade e uma nova solução, pois elas dão sentido ao prosseguir da vida, conforme já referenciam as teorias do envelhecer3. Para as pessoas, essa experiência é motivo de orgulho e desejo trazendo o espírito de calma e tranqüilidade; várias coisas passaram e a experiência é que ficou: a experiência nunca deve ser imposta a outro indivíduo, ela é singular, sua experiência é somente sua, conforme se depreende dessas poesias críticas:

Às vezes, passam momentos na vida da gente... A gente sente alguma coisa que faz com que sinta a idade. Mas o envelhecimento não é a idade... Ela não diz muita coisa somente os tempos da idade. Pois para que me serve um corpo bonito se terei que aprender tudo de novo. E este "Túnel" trouxe a experiência que não abriria mão, mesmo que em troca iosse oferecido a jovialidade! Hoje estamos mais seguras e não tenho medo enfrentar dificuldades, pois sabemos que sempre surge uma "Ponte" para sair delas. Cautela faz parte da nossa vida não me arrisco à toa tenho muito cuidado...O idoso só entra no Labirinto se achar que a idade chegou (Grupo - Pesquisador).

E preciso ser capaz de adubar sempre... a "Terra" / aceitação, amor, família, e utilidade... As minhas raízes são o produto da idade. O corpo humano envelhece por decorrência dos anos devida, mas o nosso espírito esta sempre jovem (Grupo - Pesquisador).

Envelhecer é... Simplesmente continuidade do viver e não dificuldades da vida

Durante as análises, tentou-se descobrir o que era a velhice e o que caracterizava essa fase de vida para o grupo. O questionamento das respostas obtidas levou à busca constante de um conceito comum aos idosos do GP e portanto, algo característico do envelhecer para todos as pessoas: a idade, a aposentadoria, a experiência, as doenças, a perda do vigor físico, as perdas? Sem êxito, nessa suposição descobriu-se que o GP referia vários marcadores: a perda do corpo físico, a idade, sentir - se improdutivo, ser avó, ter uma doença, e perder familiares (morte) e, ainda, que o envelhecimento era inexistente para alguns. Constatou-se, então, que o sentir - se velho acontece de forma heterogênea e depende do que o indivíduo considera importante na sua vida12.

O que significa isso? Que se buscava o que de ruim existia para as pessoas sentirem-se velhas. Uma imposição de conhecimento sem perceber a demarcação de marcadores estudados em gerontologia3, justamente aqueles que os idosos se unem para deles se libertar11. Então, a pergunta de pesquisa deveria ser: O que faz do envelhecer uma fase de vida especial?

Falar de confetos significa falar do que os indivíduos imaginam sobre o envelhecer, algo a ser entendido na linguagem do imaginário, porque na linguagem do consciente estão perdas que causam sofrimento, estão os sentidos impostos pela mídia ao indivíduo velho. E no imaginário está o envelhecimento como um processo a ser superado com maior bem-estar possível e, portanto, como uma continuidade da vida. E continuar neste processo é algo individual e que faz parte de uma história anterior, algo que não pode ser entendido separadamente e que pode ser generalizado.

Com a produção de confetos, pelo GP, percebeu-se a impossibilidade de teorizar apenas o que se aprende e deseja na academia. Porque, para os idosos o envelhecer é simplesmente continuidade da vida, inexiste explicação para essa simplicidade, inexiste chance para fórmulas e padronizações. A simplicidade dos confetos destaca-se pela humanidade do ser e, portanto, é Única, conforme se observa na poesia crítica:

Envelhecer é coisa assim... Nascer, crescer e envelhecer é muito natural Sem envelhecer/ "Labirinto" de tristeza ou dores... é o que esperamos. É o começo de outra vida. É o envelhecer / "Limiar" onde se possa desenvolver outras potencialidades. É um movimento constante da vida... Linda, sem defeito, a "Terra"não envelhece. Ela é sempre uma criança linda... assim como somos. "Terra "velha é boa para plantio. O envelhecer é uma eterna mudança (Grupo - Pesquisador).

O sentido de mudança que os teóricos da gerontologia impõem são sentidos de mudanças de ordem orgânica baseado no paradigma positivista11:17. Entender a mudança na ótica da sociopoética e declarar que desde o nascimento mudamos e continuaremos a mudar sempre, significa aceitar que a velhice não impõe a mudança, mas parece impor a perda da capacidade de agir frente às mudanças, o que, portanto, deve ser superado fazendo com que o idoso seja capaz de se equilibrar sempre.

O pensamento não envelhece... Eu sou a "Terra" que nunca morrerá... Não envelhece... é linda. Eu vou ficar velha. Digo vou, pois não sou. O envelhecimento é como o túnel do tempo porque você envelhece mas... a vida continua. A velhice/"Túnel" tem saída... porque tem fim. Seria a morte, o fim? Não, porque a morte faz parte da vida. Seria a falta de vontade de viver? Esta sim seria a morte!!! O envelhecer/ "Caminho" é a vida por onde temos que passar e vencer. O envelhecer é o início do final do "Caminho" da vida, Ele tem uma "Terra" dura... árdua, mas tem um "Poço" para se refrescar, uma "Ponte" e um "Túnel" para que o "Caminho"seja sempre equilibrado (Grupo - Pesquisador).

A leitura e reflexão dessa criação do GP leva a concordar com esta citação: a velhice não é possível de conceituação generalizada. Ela deve ser entendida no processo de vida de cada indivíduo11:16. Portanto, a criação do GP sugere a visão holística de saúde para a enfermagem trabalhar com as pessoas idosas.

 

CONCLUSÃO: ENVELHECER - O DEVIR DA VIDA

A exclusão dos idosos e das crianças do mundo adulto caracteriza várias formas etnológicas dos povos lidarem com o envelhecimento. Portanto, aceitar e negar a velhice é um importante instrumento de avaliação do bem-estar/mal-estar do indivíduo idoso13. O indivíduo que aceita sua nova experiência de vida, na visão do grupo pesquisador desta investigação, garante a presença de bons sentimentos, sempre procurando conviver em grupo, com novas amizades e no carinho da família. Ele procura novas atividades para serem realizadas, que lhe tragam mais conhecimento e prazer; procura a integração do corpo e da mente, pois o corpo envelhece, mas os pensamentos não. Portanto, pode-se galgar mais conhecimentos e mais alegrias nas nossas vidas em qualquer idade, pois a vida continua.

Por que em gerontologia estudam-se os marcadores de perdas? Porque queremos proporcionar o bem-estar14. Portanto, deve-se entender no processo de envelhecimento o que muda no viver das pessoas idosas. Porém, urge a necessidade de preparar os profissionais para que vejam que a vida dos idosos é mais que as mudanças do processo orgânico e que os marcadores regularmente conhecidos podem ser superados a fim de ajudar aos idosos na busca do bem-estar. Essa é o objetivo da nova enfermagem em gerontologia.

Concluiu-se com os resultados da pesquisa que o estudo das teorias do envelhecimento tem um significado porque foi possível visualizar nos dados produzidos, a partir da fala dos próprios idosos, princípios, fundamentos, fruto das reflexões e concepções teóricas aqui apresentadas. Assim, justifica-se a realização deste trabalho que produziu novos conhecimentos sobre o envelhecer através dos próprios idosos.

Os confetos descritos neste trabalho surgiram por ser a sociopoética reveladora, capaz de demonstrar que os conhecimentos do grupo são na verdade conceitos mais afetos e, neste caso, são desejos do grupo pesquisador: galgar na velhice uma vida com mais satisfação, pois as dificuldades fazem parte da vida. Assim, descobriu-se a possibilidade de substituir o conceito de "Velho" pelo de "Idoso", a qual foi revelada pelo entendimento de que: o processo de vida continua a se equilibrar no cosmos, sendo este o grande desafio a ser enfrentado pelas pessoas, idosas ou não. A poesia crítica que se segue deve ser lida como um confeto produzido pelas autoras deste trabalho, a partir do que se aprendeu com esta pesquisa:

Confetos são conceitos mais afetos manifestos pelo imaginário

O imaginário grupal revelador do pensamento dos idosos sobre o viver

Não querer viver é sinônimo de querer morrer... talvez ....pela

Fatalidade de continuar suas vidas sabendo que as dificuldades

Existirão sempre e aceitar a plenitude da vida é aceitar sua finitude ...e

Também entender que a ascensão e o declínio, no viver, formam uma só curva.

O devir da vida com qualidade é se equilibrar na curva/naturalidade do envelhecer.

 

REFERÊNCIAS

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11. Maffesoli M. No fundo das aparências. Petrópolis (RJ): Vozes; 1996.

12. Beauvoir S. A velhice. Rio de Janeiro (RJ): Nova Fronteira; 1990. 711 p.

13. Santana RF. Dimensão imaginativa do envelhecer: ser idoso e ser velho [dissertação mestrado] Faculdade de Enfermagem / UERJ; 2004.

14. Sá SPC, Ferreira MA. Cuidados fundamentais na arte de cuidar do idoso: uma questão para a enfermagem. Esc Anna Nery Rev Enferm 2004 abr;8(1):46-52.

 

NOTA

aRecorte ampliado de Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação da FENF/UERJ.

 

 

Recebido em 13/12/2004
Reapresentado em 23/05/2005
Aprovado em 30/05/2005

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