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ISSN (impressa): 1414-8145
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Ministério da Educação
CAPES

Volume 9, Número 2, Abr/Jun - 2005

ARTIGOS DE PESQUISA

 

Doença cardíaca e a vivência da internação hospitalar para a pessoa idosa

 

Cardiac disease and the hospital's internment living to the elderly person

 

Enfermedad cardíaca y la vivência de la internación hospitalaria para la persona anciana

 

 

Zélia Maria de Sousa Araújo SantosI; Zaira Maria Diógenes Parente MartinsII; Maria Teresa Moreno ValdésIII

IDoutora em Enfermagem. Professora Titular do Mestrado em Educação em Saúde e do Curso de Enfermagem da Universidade de Fortaleza -UNIFOR. Enfermeira da Unidade de Transplante e Insuficiência Cardíaca do Hospital de Messejana - UTIC. Fortaleza-Ceará
IIPsicóloga e Mestra em Educação em Saúde pela UNIFOR. Fortaleza-Ceará
IIIDoutora em Psicologia. Professora do Mestrado em Educação em Saúde da UNIFOR. Fortaleza-Ceará

 

 


RESUMO

O estudo analisou a vivência da internação hospitalar pelo idoso cardiopata a partir da compreensão da doença, da percepção da rotina terapêutica e do resgate da experiência da internação. Participaram da pesquisa 20 idosos de ambos os sexos. Os dados foram coletados através de entrevista, organizados em quatro categorias, analisados com base nas experiências dos entrevistados e na literatura selecionada. Os idosos tinham idade entre 60 e 90 anos e a maioria procedia da zona rural. Todos compreendiam a doença cardíaca mediante seus desconfortos físicos, limitação física e pelo conhecimento dos exames realizados. A rotina terapêutica era percebida através da tomada de medicamentos. A internação era vivenciada de forma satisfatória na maioria dos idosos e estava relacionada à assistência humanizada prestada pela equipe de saúde. Para os idosos, era um grande desafio vivenciar, além da doença, a internação e a expectativa da cirurgia.

Palavras-chave: Cardiologia. Saúde do Idoso. Hospitalização. Educação em saúde.


ABSTRACT

The study analysed the living in the admission hospitalar by the cardiac elderly person and their illness understanding, therapeutic routine perception and using the rescue of the admission experience. Participated in the research 20 elderly ones from both of sexes. Data were collected by the interview, organized in four categories, analysed with based interviewed experiences and in the selected literature. The elders had between 60 and 90 years old and the majority was proceeded from the rural zone. Both of them understood the cardiac disease by their physical discomforts, physical limitation and by the knowledge of the exams done. The therapeutic routine was felt by taking medication. The admission was lived as a satisfactory form in the majority of the elders, and was related to humanized assistance given by the health team. For the elderly ones it was a great challenge live, above the disease, the admission and the surgery expectation.

Keywords: Cardiology. Elderly health. Hospitalization.


RESUMEN

El estudio analizó la vivencia de internación hospitalaria del anciano cardiópata, a partir de: comprehensión de la dolencia, percepción de la rutina terapéutica y del rescate de la experiencia de ingreso en el hospital. Participaron de la pesquisa 20 ancianos de ambos los sexos. Los datos fueron colectados mediante entrevista, organizados en cuatro categorías, analizados con base en las experiencias de los entrevistados y en la literatura seleccionada. Los ancianos tenían una edad entre 60 y 90 años y la mayoría procedia de zona rural. Ellos comprehendían la enfermedad cardíaca a través de sus incomodidades físicas, limitación física y por el conocimiento de los exámenes realizados. La rutina terapéutica era percibida a través de la toma de medicamentos. El período de ingreso en el hospital era sentido de forma satisfactoria en la mayoría de los ancianos y estaba relacionado a la asistencia humanizada prestada por el equipo de salud. Para los ancianos, era un gran desafío experimentar, además de la enfermedad, la internación en el hospital y la expectativa de la cirugía.

Palabras clave: Cardiología. Salud del Anciano, Health education. Hospitalización. Educación en salud.


 

 

INTRODUÇÃO

O surgimento da doença cardíaca desencadeia nos idosos sentimentos de medo e ansiedade, principalmente quando informados da necessidade de cirurgia. Embora a resistência psicológica inicial à indicação cirúrgica seja freqüente em qualquer idade, observa-se que, no idoso, essa resistência se encontra muitas vezes associada ao preconceito em razão da idade avançada. Percebe-se, também, uma intensa ansiedade diante da hipótese de invalidez, perda da autonomia, bem como diante da proximidade da morte1.

A preocupação com a morte normalmente varia de acordo com a idade da pessoa. Para o jovem, a morte não é um tema de preocupação constante, embora ele saiba que ela pode vir a acontecer, por isso, é percebida como algo distante. Na meia idade, o assunto da morte se constitui uma preocupação maior, pois, geralmente, nessa fase da vida, a pessoa já passou pela experiência da perda de entes queridos e isso lhe traz a noção de que um dia ela terá de enfrentar a morte como uma realidade em sua própria vida. Mas é na velhice que esse quadro se agrava, pois, com a freqüente morte de pessoas nessa faixa etária, tal situação pode levar o idoso a uma excessiva preocupação com o seu próprio fim2.

Adoecer do coração, um órgão tão cheio de simbologia e mito, abala muito a segurança e as tentativas de uma boa evolução no processo de envelhecimento. No curso de uma internação, tanto o indivíduo que se encontra doente como a sua família sofrem uma ruptura no seu cotidiano, causando um certo desequilíbrio na dinâmica familiar e gerando uma certa insegurança para ambos.

Considerando-se as condições emocionais do idoso cardiopata, ressalta-se a necessidade de preparar o paciente e sua família para melhor enfrentar a cirurgia, pois o sucesso de um procedimento médico depende também das perspectivas pessoais do paciente e de seus familiares1.

O crescimento da população idosa, no Brasil, tem ocorrido de forma bastante acentuada. Porém, esse grupo etário assim como outras minorias vivenciam situações de exclusão, marginalidade e discriminação que os colocam em posição de maior vulnerabilidade frente aos agravos à saúde3.

No Brasil, as doenças cardiovasculares ocupam a liderança das causas de óbito e internação, correspondendo a 32,6% das mortes com causa determinada. Entre 1996 e 1999, as doenças cardiovasculares contribuíram com 9% das internações viabilizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), sendo a primeira causa de internação na população de 40 a 59 anos (17%) e na faixa etária de 60 ou mais (29%)4.

O envelhecimento promove uma verdadeira conspiração que aumenta a prevalência e as conseqüências da doença coronariana nos idosos5.

Em nosso país, uma parcela significativa de idosos sofre enormes dificuldades de acesso aos serviços em geral, fato que se reflete em uma má qualidade de vida. O envelhecimento como um processo vital representa novas demandas por serviços, benefícios e atenções, que constituem verdadeiros desafios para governantes e sociedade.

Analisando essas questões, procurou-se desenvolver este estudo visando analisar a vivência da internação hospitalar por parte do idoso cardiopata, a partir da compreensão da doença, da percepção da rotina terapêutica e do resgate da experiência de internação.

 

TRAJETÓRIA METODOLÓGICA

O presente artigo trata-se de um estudo descritivo com abordagem qualitativa. Os sujeitos foram 20 pessoas, sendo 13 homens e 07 mulheres, portadores de doença coronariana e internados em Unidade de Cardiologia para tratamento cirúrgico, de um hospital da rede pública estadual vinculado ao SUS, de Fortaleza - CE.

Em observância á Resolução6 196/96, do Conselho Nacional de Saúde, o projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade de Fortaleza - UNIFOR. Após parecer favorável de número 751511043-1, de 31 de julho de 2003, a coleta de dados foi conduzida no período entre agosto de 2003 e fevereiro de 2004, através de entrevista semi-estruturada. Os dados coletados foram organizados em categorias empíricas, analisados com base nas experiências dos entrevistados e na literatura selecionada. Ressalta-se que os sujeitos assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, após serem orientados sobre o objetivo da pesquisa, sigilo e anonimato, e a retirada do seu consentimento no momento que a desejassem. Para garantir o anonimato, foram atribuídos nomes fictícios aos sujeitos.

 

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Caracterização dos Sujeitos

Neste estudo, em que o número de mulheres (07) correspondia a pouco mais da metade do número de homens (13), podemos constatar que a doença coronariana está atingindo os dois sexos, quase na mesma proporção, pois há 5 alguns anos a incidência dessa doença era bem maior em homens do que em mulheres7. No Brasil, a diferença entre homens e mulheres, vítimas de doença coronariana, é das menores. Tal fato decorre das altas taxas de mortalidade entre as mulheres e não das taxas reduzidas entre os homens. Estudos clínicos e epidemiológicos mostram claramente que a doença isquêmica do coração não é doença fundamentalmente do homem, mas que ocorre, também, de maneira significativa ente as mulheres.

Ao correlacionarmos idade e sexo, verificamos entre os 14 entrevistados que se encontravam na faixa de 60 a 69 anos, que 09 eram homens e 05 mulheres. Na faixa dos 70 a 79 anos, 04 eram homens e havia apenas 01 mulher. Dos 20 entrevistados, somente 01 se encontrava na faixa dos 80 a 90 anos e era do sexo feminino. Quanto ao estado civil, 12 eram casados; 07 viúvos e apenas 01 solteiro. Observamos a questão da viuvez em 30% dos homens e aproximadamente 40% das mulheres. As mulheres vivem em média mais do que os homens2, fato que esteve presente entre as mulheres que fizeram parte deste estudo.

Dos sujeitos, 12 eram procedentes de municípios do interior do Estado do Ceará; 07 residiam em Fortaleza e 01 já morava há muitos anos em São Paulo. No item escolaridade, 09 eram analfabetos; 05 tinham o Ensino Fundamental incompleto; 04 completaram essa etapa e apenas 02 concluíram o ensino médio. Observando a questão da escolaridade quanto ao gênero, percebemos que, das 07 mulheres que participaram do estudo, 05 eram analfabetas, enquanto que, do total de 13 homens, 09 não eram alfabetizados.

Consideramos importante ressaltar que a maioria das mulheres vivia na zona rural e fazia parte de uma geração em que o papel predominante da mulher era o de cuidar da casa e da família, sendo a educação considerada um fator secundário.

Com relação à atividade profissional que desenvolveram durante a maior parte de suas vidas, verificamos certa diversidade. Entretanto, a profissão de agricultor foi a que mais se destacou entre os entrevistados, sendo que a maioria das mulheres ocupavam-se das atividades do lar.

Em relação á prática religiosa, 17 sujeitos eram católicos; 02 eram evangélicos e somente 01 não era praticante de nenhuma religião. A fé religiosa era bastante destacada em seus depoimentos, o que poderá ser confirmado nos momentos em que as falas aparecerem no estudo.

Quanto à renda familiar, 13 sujeitos recebiam até 01 salário mínimo; dois recebiam de 01 a 02 salários mínimos; dois de 02 a 03 salários mínimos e três acima de 3 salários mínimos. Além da idade avançada e da renda insatisfatória, alguns ainda eram responsáveis pelo sustento de filhos e netos. Constatamos, também, que a preocupação com esses dependentes era um dos problemas que mais os afligiam.

Compreensão da Doença

Nos pacientes deste estudo, observamos a presença de alguns fatores comuns entre eles que podem interferir na compreensão da doença e que merecem ser ressaltados: a situação socioeconômica e a fase da vida que estavam vivenciando, marcada por preconceitos e discriminações, e o comprometimento clínico do coração.

Ao chegar ao hospital, cada indivíduo traz consigo uma história, um conjunto de experiências pessoais e uma visão para perceber e sentir o significado da doença na própria vida. A compreensão da doença cardíaca se revelava a partir dos desconfortos físicos causados pelas manifestações clínicas, e da comunicação dos resultados dos exames realizados.

...Comecei a perceber um cansaço quando andava um pouco [...] quando cheguei no médico ele pediu um cateterismo e descobriu que eu tinha três veias entupidas (Tiago, 61 anos).

...Eu já vinha tendo crise do coração, mas só fui procurar o hospital na terceira crise, antes eu só massageava o coração e a dor passava, mas dessa vez foi mais violenta (Caim, 78 anos).

Nesses relatos, percebemos que, apesar de já virem sofrendo com os sintomas (dores fortes, dispnéia) e de já terem identificado a doença, apresentavam uma forte resistência ao tratamento. Contudo, a procura de ajuda nos serviços de saúde se dava, quando os desconfortos físicos se tornavam insuportáveis, gerando limitações em suas capacidades físicas.8Uma das características mais marcantes na personalidade do coronariopata é o abalo sofrido pela perda da onipotência e a sensação de se tornar uma pessoa com limitações.

Esses sentimentos podem levar o paciente a utilizar a negação, considerada como um mecanismo de defesa do indivíduo e interpretada como tentativa de rejeitar a doença, reduzindo o impacto da notícia e diminuindo a ansiedade.

A representação da doença cardíaca para a maioria dos sujeitos era a conseqüência de um estilo de vida inadequado, enquanto que para outros encontrava-se relacionada à história familiar e à idade, conforme evidenciamos nos depoimentos:

...Eu acho que adoeci porque comia muita gordura, porque eu não bebo, nem fumo (Tiago, 61 anos).

...O que eu sei sobre a minha doença é que pode ser uma doença hereditária, porque meu pai também faleceu do coração (David, 60 anos).

Observamos nesse relato que o sujeito tinha algum conhecimento acerca da etiologia da doença coronariana, associando a hereditariedade e o estilo de vida insalubre ao surgimento dessa doença9. A multifatoriedade da doença coronariana e os fatores de risco mais freqüentemente referidos são: idade, sexo, hereditariedade, tabagismo, hipertensão arterial, hipercolesterolemia (colesterol alto), obesidade, sedentarismo, diabetes, estresse, entre outros. Alguns desses fatores são externos ao indivíduo e podem ser controlados, sendo necessárias mudanças no estilo de vida.

As partes do corpo que mais sofrem com o processo de envelhecimento são os vasos sangüíneos e o próprio coração. Com o passar dos anos, o coração é alvo de mudanças bioquímicas, fisiológicas e anatômicas, sendo afetado de várias maneiras pelo envelhecimento: os músculos cardíacos tendem a se tornar fibrosos e ressecados; depósitos de substâncias gordurosas (colesterol) nas artérias coronarianas tendem a restringir a passagem normal do sangue e a impedir a absorção do oxigênio pela fibra miocárdica2.

A informação do diagnóstico da doença causou surpresa em alguns sujeitos, pois, de acordo com seus depoimentos, os sintomas só foram surgir recentemente, e até então não sentiam nada, levavam uma vida normal e conseguiam desenvolver suas atividades ocupacionais ou profissionais de forma satisfatória.

...Eu nunca tinha sentido nada, trabalhava, capinava, construí uma casa bem grande na cidade e nunca tive isso. Isso só começou a me atacar de quatro meses pra cá. Acho que é a idade, não é? (Pedro, 79 anos).

O Sr. Pedro se considerava um homem saudável, pois era a primeira vez em 79 anos que precisava ficar internado em um hospital. A doença o pegou desprevenido, por isso, para ele a coronariopatia pôde ser compreendida como uma doença traiçoeira.

Durante algum tempo, a aterosclerose progride de forma silenciosa, não produzindo qualquer sintoma. A pessoa simplesmente não sabe que suas artérias estão sendo afetadas até o momento em que a redução do fluxo sangüíneo atinge um nível em que o suprimento de oxigênio para determinada área do miocárdio cai abaixo do valor crítico, o músculo começa a sofrer com a baixa oxigenação, produzindo a dor precordial ou angina do peito. A ausência de tratamento nessa fase da doença pode desencadear uma obstrução total e prolongada das artérias, ocorrendo morte celular (necrose), caracterizando o infarto do miocárdio2. Quando se trata de caso cirúrgico, a perspectiva de se submeter a uma cirurgia provoca medo e ansiedade, que podem interferir nos períodos pré e pós-operatórios, principalmente se esses sentimentos não forem expressos e conscientizados.

Percepção da Rotina Terapêutica

A percepção da rotina terapêutica era manifestada pela administração dos medicamentos, dieta adequada, realização de exames para investigação diagnóstica e preparatórios para a cirurgia e ações educativas, conforme evidenciamos nos relatos:

...Preciso tomar uns oito remédios por dia, comer sem sal e sem gordura. Já fiz todos os exames e agora é só aguardar uma vaga para a cirurgia (João, 70 anos).

...Sei que preciso tomar remédios e não posso mais comer de tudo, pois, disseram também que eu tinha diabetes. Mas, na minha cidade, nunca disseram que eu era diabético (Josué, 74 anos).

As ações educativas eram implementadas com vista à conscientização da necessidade de mudanças de hábitos alimentares e de estilo de vida. Além da utilização de forças externas como medicação e cirurgia para cura ou alívio do sofrimento e do desconforto, no processo terapêutico devem ser levados em consideração os aspectos psicológicos e sociais envolvidos na doença e o potencial curativo do próprio paciente10.

Através das ações educativas, os cardiopatas passavam a perceber a influência do próprio estado emocional no resultado do tratamento, como também a importância da participação pessoal, do poder de decisão individual e do apoio da família durante todo o processo terapêutico, como visualizamos nos depoimentos:

...Eu estou satisfeito, porque eu mesmo não tenho condição de tar pagando esse tratamento todinho. O doutor disse que eu estou no ponto de fazer a cirurgia...

É só eu querer, porque ninguém faz a cirurgia contra a vontade da pessoa (Samuel, 60 anos).

...Eu sei que depois da cirurgia eu vou ficar bom, não é? Tenho que continuar tomando os remédios e vou ficar bom. Eu já nem estou mais sentindo o cansaço, é porque eu já estou melhor, não é? (Isaías, 69 anos).

Percebe-se nas falas a adesão e a confiança no tratamento, a esperança da cura e um forte desejo de resgatar a saúde por parte dos participantes da pesquisa, pois 1 o sucesso de um procedimento médico depende também das perspectivas pessoais do paciente e de sua família. Ou seja, ele precisa desejar ficar bom e fazer da cirurgia cardíaca um meio de alcançar certos objetivos pessoais. Caso ele faça a cirurgia sem muita convicção, os prognósticos serão desfavoráveis. Mas caso seja uma pessoa ativa e que tem vontade de viver, os prognósticos serão favoráveis. Todavia, para que essa meta seja atendida, é necessário antes de tudo escutar o paciente e, a partir dessa escuta, tentar compreender a sua dor, suas necessidades, suas dúvidas dentro do seu contexto e do seu sistema de crenças. Só assim, seremos capazes de aliviar o sofrimento.

...Aqui eu já fui muito informada e eu já queria era voltar pra casa, porque parece que o coração já fez foi esquecer. Estou bem, remédio é demais, assistência é demais, até os meninos da limpeza são delicados com a gente. (Ruth, 62 anos).

...Está muito bem, graças a Deus. É tudo na hora certa, os exames, os comprimidos e esperando a hora da gente coisar, não é? Do tratamento eu não posso reclamar. Tomo remédio, tiro sangue pra fazer exame, é assim o tempo todo, não falta médico encostado na gente, todo tempo tem (Mateus, 68 anos).

Através desses depoimentos, percebemos a importância da disponibilidade da equipe, o valor de um tratamento humanizado e de uma "comunicação competente", por meio da qual os profissionais procuravam utilizar uma linguagem adequada que favoreça a compreensão do conteúdo que desejavam comunicar, pois a clareza da linguagem empregada possibilita o diálogo e promove, no indivíduo, o papel de sujeito ativo de reconstrução interpretativa do conteúdo informado11. Já o diálogo possibilita o encontro e a afirmação dos sujeitos.

Percebendo-se o caráter multifatorial da doença coronariana e compreendendo a saúde como um fenômeno multidimensional que envolve aspectos físicos, psicológicos, sociais e espirituais, consideramos necessário ressaltar que10a doença física pode ser contra-balanceada por uma atitude mental positiva e por um apoio social, de modo que o estado global do indivíduo seja de bem-estar.

Por outro lado, problemas emocionais ou isolamento social podem fazer uma pessoa sentir-se doente, apesar do seu bom estado físico. Essas múltiplas dimensões da saúde afetam-se mutuamente e, de um modo geral, a sensação de estar saudável ocorre quando tais dimensões estão bem equilibradas e integradas.

Vivência da Internação

Esta categoria foi a mais extensa, face à evidência na diversidade de significados emergidos, tais como o cotidiano da internação, a cirurgia, o tratamento, a equipe multiprofissional, a distância inerente às localidades de seus domicílios, a separação de seus cônjugues e familiares, medo da morte e a religiosidade como interventora para o alcance dos seus objetivos.

A internação é percebida pela maioria dos sujeitos como satisfatória, principalmente no que diz respeito à assistência dos profissionais, denotada pela disponibilidade, dedicação e humanização no cuidado prestado. Apesar de expressarem que estavam se sentindo bem cuidados, os sentimentos de medo, ansiedade e a expectativa diante da cirurgia eram manifestados de forma clara em seus depoimentos:

...Um dia eu tentei fugir do hospital, pois estava com medo da cirurgia, com muito medo e eles vieram conversar comigo (Lucas, 67 anos).

...Com relação a todos os funcionários de um modo geral, do zelador à enfermeira, são todos ótimos, não recebi nenhuma grosseria de nenhum, estão todos cumprindo com suas tarefas, com muita atenção, muita educação, eu tenho gostado. Agora, achar bom hospital não tem essa não (David, 60 anos).

A vivência de uma hospitalização, que surge como uma necessidade decorrente de uma alteração do processo fisiológico do organismo, tem seus reflexos também no plano emocional na vida do indivíduo12. A necessidade de as pessoas de se submeterem aos procedimentos invasivos e agressivos e a relação de dependência que se estabelece com os profissionais da instituição geram ansiedade e insegurança.

A ruptura na vida cotidiana provocada pela necessidade de ficar internada e afastada da família produz sentimentos de solidão, saudade do ambiente familiar e das pessoas mais próximas.

...Eu estou tomando remédio, fazendo exames, já fiz o cateterismo, mas é difícil ficar no hospital, sem ter com quem conversar. Se pelo menos minha mulher ainda fosse viva... (Lucas, 67 anos)

...Eu fico triste, de dia não, porque minha filha vem ficar comigo, mas eu sinto saudade de casa, de está arrumando minhas coisas, dos meus netinhos que ficaram lá (Rebeca, 66 anos).

Como vimos anteriormente, a maioria desses pacientes residia em municípios distantes de Fortaleza. Daí a dificuldade da presença da família, inclusive nos horários de visita. Muitos moravam longe e a própria situação econômica não permitia os gastos necessários com transporte. Com isso, torna-se importante ressaltar que a hospitalização por si mesma desencadeia no paciente sentimentos de medo e insegurança, deixando-o mais suscetível e frágil às suas reais emoções.

Quando se trata de pessoas idosas que já apresentam algumas limitações, muitas vezes decorrentes da própria idade, fica ainda mais difícil encarar a separação familiar13. Os idosos, muitas vezes, apresentam comportamentos "difíceis" quando estão internados, como: desorientação, não aceitação ao tratamento e aos cuidados, entre outros, sendo, por vezes, tidos como desorientados, agitados, avessos ao tratamento ou esclerosados, o que difere dos comportamentos apresentados por pacientes de outras idades. Na verdade, podem estar apenas apresentando dificuldades de adaptação em um ambiente que não é o usual, ao lado de pessoas com as quais não convive, em uma situação nova e estressante.

A relação do paciente com a família surge no contexto da hospitalização como um apoio essencialmente importante. Configura-se como elemento de força e positividade que o auxilia a enfrentar os momentos de crise12. A visita dos membros familiares é sentida pelo paciente como uma medida do quanto ele é importante no seu meio social.

Principalmente as mulheres manifestavam grande preocupação com a família, incômodo diante da dependência física e emocional, e constrangimento por acreditarem que estavam atrapalhando a vida dos filhos diante da necessidade de um acompanhante.

... Eu me preocupo com o meu velho, porque ele não é sadio, é doente e vive só ele mais um neto que eu crio. Eu acho ruim porque empalho uma pessoa, porque preciso empalhar a minha filha que tem a família dela grande, mas se não fosse preciso eu nem me preocupava (Isabel, 77 anos).

A preocupação com a família é identificada como um dos problemas que afetam com freqüência os pacientes cardiopatas durante o período de internação14.

A necessidade de ter a família próxima durante a internação provoca sentimentos de culpa, por estar causando transtornos tanto em nível emocional quanto a aspectos como afastamento do trabalho, dificuldades financeiras e o transporte da família até o hospital12.

Na nossa experiência com idosos coronariopatas internados para tratamento cirúrgico, pudemos constatar o impacto gerado pelo afastamento da família e a importância do acompanhante, pois a presença de um ente familiar, além de amenizar a saudade de casa e a falta dos amigos, fazia com que eles se sentissem mais seguros.

A espera prolongada pela cirurgia foi identificada como um fator que intensificava a ansiedade, pelo fato de representar um longo afastamento de casa. Causava um certo desânimo, chegando, inclusive, a ser motivo para o surgimento de maus pressentimentos com relação à cirurgia.

... Eu queria era fazer logo essa cirurgia, mas eu já estou achando que ainda não fizeram porque acham que eu vou morrer na cirurgia.... (Ana, 60 anos).

... Eu já estou com 28 dias aqui e já dá vontade de voltar pra casa (Pedro, 79 anos).

Os pacientes que serão submetidos à cirurgia cardíaca apresentam pressentimentos de destruição total do ser, como: ameaça e temor à morte, ficando, conseqüentemente, apreensivos, tensos e inquietos frente ao perigo 15.

O fortalecimento da fé através das atividades religiosas auxiliava na aceitação da rotina terapêutica e amenizava os sentimentos de medo, angústia e saudade da família.

...Tem a missa, tem a igrejinha ali e toda terça-feira, sexta-feira e domingo tem missa. Aí é todo mundo aqui rezando, orando e pedindo a Deus pra botar a mão em cima deles aqui, para fazerem a coisa certa (Samuel, 60 anos).

... Eu estou tranqüila, graças a Deus, esperando pra qualquer hora aparecer uma vaga pra eu me operar, porque enquanto eu não me operar, eu não posso sair daqui. Mas, se Deus quiser, vai chegar a hora (Isabel, 77 anos).

A religião cria motivação para resistir à pobreza, ao sofrimento e à dor. Trata-se, portanto, de uma das opções encontradas por esses pacientes na busca de aliviar seus sofrimentos 16.

O tratamento humanizado dos profissionais representou outro fator significativo no enfrentamento do estado de internação. A partir de seus depoimentos, percebe-se o quanto essa relação era importante para amenizar os sentimentos de medo e insegurança vivenciados no período de internamento hospitalar.

...Eu estou tomando a medicação, assistindo às reuniões e fazendo exercícios respiratórios. As pessoas são educadas e tratam a gente muito bem. Eu nem imaginava que seria assim (Raquel, 66 anos).

... O tratamento está ótimo, como nunca na minha vida eu esperava que fosse desse jeito, é muito bom o tratamento. (Ana, 60 anos).

A importância de um tratamento mais humanizado no atendimento de pacientes cardiopatas repercute favoravelmente na sua recuperação, bem como na sua adesão às condutas terapêuticas e preventivas14. Apesar de apresentarem limitações biológicas, psicológicas e/ou sociais, os idosos possuem o talento de pensar por si mesmos, ouvirem, avaliarem e decidirem sobre o que é bom e o que não é bom para si mesmos, por vezes subsidiados nas orientações dos profissionais de saúde17.

A educação em saúde deve ser entendida como um processo de humanização e o educador em saúde como humanizador. Nesse aspecto,18 a educação é um processo de recuperação da humanização roubada ao homem. Além disso, a educação em saúde é mudança de comportamento para o exercício da cidadania, implicando na busca pela qualidade de vida. Portanto, reportando-se à problemática das doenças cardiovasculares, 19como primeira causa de morte na maioria dos paises, incluindo-se o Brasil, atingindo pessoas jovens, em plena fase produtiva, gerando um grande impacto econômico, essa exige dos profissionais de saúde a implementação de ações educativas em saúde às pessoas, com vistas à prevenção e controle dos fatores de risco dessas doenças, bem como à confirmação precoce do diagnóstico e à instituição imediata do tratamento.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A questão do idoso, no Brasil, deve merecer cada vez mais o interesse dos órgãos públicos, dos formuladores de políticas sociais e da sociedade em geral, dado o volume crescente desse segmento populacional, seu ritmo de crescimento e suas características demográficas, econômicas e sociais. Assim sendo, esse fato exige dos setores de educação e saúde a formação de recursos humanos e a implementação de políticas e estratégias que objetivem a preservação da autonomia e independência, a promoção da saúde e a integração social dos idosos, em prol de melhoria de qualidade de vida.

O aumento dos anos de vida, para a maioria dos idosos, não está acompanhado pela melhoria ou manutenção da qualidade vital. A sociedade brasileira é carente de programas e de serviços que tratem os problemas dos idosos de forma abrangente, sob o ponto de vista físico, psíquico e social.

Neste estudo, percebemos as dificuldades enfrentadas pelos idosos cardiopatas que participaram da pesquisa e o desafio de chegar à velhice em condições sociais e econômicas tão precárias. O diagnóstico da doença cardíaca e a necessidade de cirurgia no coração exigem desses indivíduos o estabelecimento de intensas defesas que possibilitem uma proteção do impacto gerado pela notícia. Isso tudo considerando o simbolismo do coração como o órgão central da vida e o centro de todas as emoções e sentimentos.

A doença cardíaca era compreendida a partir dos desconfortos físicos e da comunicação dos resultados dos exames. A dor era descrita como terrível, mesmo assim, os idosos apresentavam uma grande resistência à procura de ajuda nos serviços de saúde e muitos deles só a fizeram quando o sofrimento se tornou insuportável. Esse tipo de atitude era identificado mais nos indivíduos do sexo masculino.

Consideramos também útil ressaltar que os participantes do estudo eram, na sua maioria, procedentes do interior, do sertão e do litoral, lugares esses em que o homem culturalmente tem que ser forte, "cabra macho". Alguns deles, apesar da idade, estavam vivendo a situação de hospitalização pela primeira vez. Para essas pessoas, admitir estarem doentes representava sinal de fragilidade e de fraqueza, daí terminavam optando pela negação, evitando o cuidado e a atenção à saúde.

Para grande parte dos entrevistados, a doença representava a conseqüência de um estilo de vida inadequado, enquanto para outros encontrava-se relacionada à história familiar e à idade. Muitos se disseram surpresos ao serem informados da doença, pois nunca tinham sentido nada.

Os idosos apresentavam certa familiaridade com os procedimentos e demonstravam satisfação com a rotina terapêutica. Ressaltavam a dedicação dos profissionais e a qualidade do tratamento por eles prestado, a importância das ações educativas e a comunicação estabelecida entre eles e os profissionais da equipe multiprofissional de saúde.

Apesar de se dizerem satisfeitos com a internação, manifestavam sentimentos de medo, saudade, tristeza e insegurança. Os motivos alegados eram: distância da família, tempo prolongado da internação e a necessidade constante de um acompanhante, pois alguns já apresentavam certas limitações advindas da idade e da própria doença coronariana. Porém, o tratamento humanizado, a atenção e o cuidado que recebiam dos profissionais de saúde serviam para aliviar esses sentimentos. Apesar dos medos e fantasias manifestados frente à cirurgia cardíaca, notamos que o trabalho integrado da equipe, visando a conscientizar os pacientes, fornecendo-lhes dados relativos ao tratamento e à cirurgia, tornava o paciente mais apto a enfrentar a intervenção cirúrgica.

Com este estudo, acreditamos que os profissionais de saúde poderão ter uma melhor compreensão sobre a realidade do idoso cardiopata, o significado da doença cardíaca para esses indivíduos e o impacto da internação hospitalar nessa fase da vida do ser humano. Entretanto,20 é estritamente necessária a criação de programas efetivos de assistência que visem tornar o idoso mais autônomo e independente possível e também altamente salutar a conscientização de que o envelhecimento populacional é responsabilidade de toda sociedade.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 21/02/2005
Reapresentado em 07/06/2005
Aprovado em 20/06/2005

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