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CAPES

Volume 9, Número 1, Jan/Abr - 2005

ARTIGOS DE PESQUISA

 

A assistência à mulher no pré-parto e parto na perspectiva da maternidade segura

 

The assistance to woman in the pre childbirth and childbirth in the perspective of the safe maternity

 

La asistencia a la mujer en el preparto y parto en la perspectiva de la maternidad Segura

 

 

Fernanda Rego Pereira dos SantosI; Maria Antonieta Rubio TyrrellII

IEnfermeira Residente em Materno-Infantil do Hospital Naval Marcílio Dias - HNMD. Ex-bolsista CNPq do Núcleo de Pesquisa em Saúde da Mulher. E-mail: fernandarps@uol.com.br
IIDoutora em Enfermagem da EEAN/UFRJ; Profª Titular do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil da EEAN/UFRJ; Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Saúde da Mulher /NUPESM de DEMI/EEAN/UFRJ; Diretora da Escola de Enfermagem Anna Nery, Orientadora

 

 


RESUMO

Este estudo tem como objetivos identificar a percepção das mulheres sobre a assistência recebida no pré-parto e parto e descrever a aproximação da assistência recebida e as determinações da Maternidade Segura. Trata-se de um estudo de natureza qualitativa. Na coleta de dados, foram utilizados dois roteiros: um de observação livre e outro de entrevista semi-estruturada com as puérperas de uma Unidade de Saúde da área programática 3.3 da cidade do Rio de Janeiro. Os resultados mostraram a percepção da assistência como de boa qualidade; reflexo do poder profissional de saúde na assistência é unânime; a falta de atenção no setor de pré-parto e parto gera o desagrado e aumenta os medos e as preocupações; as percepções se aproximam do passos do Projeto Maternidade Segura, no que tange ao direito de acesso à maternidade e à necessidade de incentivo ao parto normal.

Palavras-chave: Saúde da Mulher. Enfermagem. Parto. Enfermagem Materno-Infantil. Serviço de Saúde Materna.


ABSTRACT

This deals with the perception of the woman about the assistance received in the pre childbirth and childbirth and its approach to the proposal of the Safe Maternity Project, objectiving: to identify the perception of the women on the assistance received in the pre childbirth and childbirth; to describe the approach of this assistance received and the determination of the Safe Maternity. It is a study of qualitative nature. For the collection of data I used a script of free comment a script of half-structuralized interview mather women of an Unit of Health of programmatical area 3.3. The results show: perceive as the assistance as of good quality; the consequence of the power of the professional of health in the assistance is unanimous; the lack of attention in the pre childbirth and childbirth sector as present contradiction generates the unpleasantness and increases its fears and concerns; the perceptions approach to the steps of the Safe Maternity Project, in that it refers to the right of the access to the maternity and the necessity to stimulate the normal childbirth.

Keywords: Women's Health. Nursing. Parturition. Maternal-Child Nursing. Maternal Health Services.


RESUMEN

Este estudio tiene como objetivos: identificar la percepción de las mujeres sobre la asistencia recibida en el preparto y parto; describir la aproximación de la asistencai recibida y las determinaciones de la Maternidad Segura. Se trata de un estudio de naturaleza cualitativa. En la recolección de datos, fueron usados dos guiones: uno de observación libre y otro de entrevista semiestructurada con las puérperas de una Unidad de Salud del área programática 3.3 de la ciudad de Rio de Janeiro-Brasil. Los resultados han mostrado la percepción de la asistencia como de calidad buena; reflejo del poder profesional de salud en la asistencia es unánimes; la falta de atención en el sector de preparto y parto produce el desagrado y aumenta los miedos y las preocupaciones; las percepciones se aproximan de las resoluciones del Proyecto Maternidad Segura en lo que se refiere al derecho de acceso a la maternidad y a la necesidad de estímulo al parto normal.

Palabras clave: Salud de las Mujeres. Enfermería. Parto. Enfermería maternal e infantil. Servicio de Salud Materna.


 

 

INTRODUÇÃO

Este artigo originou-se a partir de nossas inquietações durante o Curso de Graduação em Enfermagem e Obstetrícia e o desenvolvimento de pesquisas na temática Saúde da Mulher. Na realização dos estágios curriculares do referido curso, pudemos perceber que as necessidades das mulheres no pré-parto e parto perpassam os conteúdos teóricos aprendidos na graduação e abrangem outros conceitos decorrentes dos avanços na luta pelos direitos de cidadania.

Essas inquietações nos fizeram indagar o que aquelas mulheres achavam daquele momento, em que muitas vezes perdiam sua identidade para se tornarem mães, frente ao novo e singular momento de parir, uma vez que elas mulheres trazem em sua bagagem de conhecimento crenças e valores próprios de sua vida pessoal e familiar.

Aliado a esse contexto é mister as diferentes percepções quanto ao momento vivenciado por cada mulher, assim como o contexto social onde estava inserida, repercutindo em seu momento especial feminino. Sendo assim, o objeto deste estudo trata da percepção das mulheres quanto à assistência recebida no pré-parto e parto.

Então, a partir de discussões e leituras, entendemos que nosso estudo necessitaria de um embasamento referentes às propostas governamentais do Ministério da Saúde (MS), que definiu o Projeto Maternidade Segura. Essa proposta reconhece e incentiva as unidades de saúde integradas à rede SUS que se destacam pelo atendimento humanizado às gestantes e a seus filhos, durante a gravidez e parto, envolvendo questões atuais acerca da melhoria assistencial a mulher.

Vale ressaltar, para o bom entendimento do leitor, que, etimologicamente, perceber significa adquirir conhecimento, por meio de sentidos; formar idéias, abranger com a inteligência1. Já para a perspectiva psicológica, a percepção é a função pelo qual nosso espírito forma uma representação dos objetos exteriores2.

Neste estudo, a percepção foi entendida como idéias e concepções que a mulher desenvolve quanto à assistência recebida e prestada a ela, englobando os pontos negativos e positivos. Assim, ao trabalhar com a percepção, é necessária a observação completa, ouvir e considerar a opinião dos outros, pois perceber é aprender a evoluir com o outro.

Ainda nesse contexto, entendemos que a mulher não pode perceber a assistência sem qualificá-la; deste modo, procuramos esclarecer o que é qualidade, pois na área de saúde trabalhar com qualidade é um desafio. Neste estudo, a qualidade se baseou no julgamento da mulher quanto à qualificação da assistência recebida durante o pré-parto e parto no âmbito hospitalar, independentemente do ser médico ou enfermeira o prestador da assistência.

A partir dessas considerações, este estudo foi delineado com os seguintes objetivos: identificar a percepção das mulheres sobre a assistência recebida no pré-parto e parto e descrever a aproximação entre a percepção das mulheres sobre a assistência ao pré-parto e parto e as determinações do Projeto Maternidade Segura.

 

O PROBLEMA

Historicamente, o papel social da mulher é marcado principalmente por tabus e preconceitos. Essa constatação adquire particular relevo quando a mesma traduz concepções ancestrais que legitimam deveres das mulheres de esposas, donas de casa e procriadoras3.

A conseqüência mais imediata é a dificuldade de acesso da mulher ao mercado de produção, refletindo de certa maneira em seu papel social. Esse dado da realidade era e ainda é tão evidente que, por longo período, as metas governamentais sobre a Saúde da Mulher centraram-se na reprodução abrangendo a Saúde Materno-Infantil, onde a mulher é considerada um objeto da reprodução.

A emergência do feminismo na construção de gênero e sua inserção na academia abriu espaço, sobretudo, para compreender outras representações, papéis, identidades e atributos das organizações femininas, que tiveram início com as bandeiras de reivindicações do movimento feminista, oriundo da Europa, aproximadamente na década de 60. Esse movimento expandiu-se nos anos 70 para os Estados Unidos (EUA) e posteriormente para a América Latina. No Brasil, a luta feminista também foi intensiva a partir do ano de 1975, declarado pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o Ano Internacional da Mulher4.

Segundo Tyrrell4:98:

sob a influência das reivindicações e pressões desses movimentos, a formulação de políticas públicas de saúde com abordagens centradas na mulher começou a incorporar, em parte o conceito de gênero e saúde da mulher. Todavia em 1975, a Saúde Materno - Infantil passou por uma abordagem de Saúde Pública para a obtenção basicamente dos aspectos operacionais da prestação de serviços de caráter preventivo e curativo. Sendo realizado em 1979, a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, a fim de impulsionar a igualdade, sem distinção de sexos.

Após o Ano Internacional da Mulher, aumentaram as preocupações sobre a saúde materna. O desenvolvimento da Saúde da Mulher no país, nas duas últimas décadas do século XX, se deu principalmente na década de 80, em decorrência de lutas populares e dos avanços do processo de redemocratização, emergindo no cenário nacional movimentos que levaram a público o debate sobres às políticas públicas sociais. Assim, a década de 1975-1985, foi considerada a "Década da Mulher", pela ONU.

Nesse período, continuaram as reflexões, o movimento feminista fortaleceu-se e duas mudanças ocorreram: a primeira diz respeito à formulação de "Diretrizes de Atuação conjunta MS/MPAS (1978) na área da saúde materno infantil; a segunda corresponde à divulgação e publicação do "Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher" (PAISM). Ficando isolado o" Programa de Assistência Integral à Saúde da Criança" (PAISC). Nessa Proposta, a mulher passa a ser atendida no ciclo vital e de forma integral3.

Porém, o que vimos atualmente é que, apesar das boas intenções do referido programa, este não conseguiu se desenvolver e abranger em sua plenitude. Temos conhecimento de que muitas de suas premissas, a maioria confusas, ficam perdidas e diluídas em ações de muitos outros programas, com destaque para o Programa de Saúde da Família, perdendo a especificidade de saúde da condição feminina.

Em 2000, foi criado o Programa de Humanização do Pré Natal e Nascimento (PHPN). A Portaria nº 569, de 1º de Junho de 2000, define este programa. Em suas premissas, declara-se oficialmente que o Estado, assegura o direito ao acesso a atendimento digno e de qualidade no decorrer da gestação, parto e puerpério, o do conhecimento e acesso à maternidade onde será atendida para o parto, e que a assistência ao parto, puerpério e ao neonato sejam prestadas de forma humanizada e segura, aliás, princípios assegurados na Constituição Brasileira5.

Porém, mesmo com este programa, na maioria dos serviços de saúde do Rio de Janeiro, os padrões preconizados não são seguidos e a mulher- parturiente, como sujeito da atenção, não possui em sua plenitude voz para mostrar sua satisfação ou insatisfação quanto à assistência recebida, em momento singular de ser mãe.

Devem-se também lembrar as dificuldades de acesso das mulheres em trabalho de parto às Maternidades, devido a sua grande demanda, o que ocasiona mormente recusa de internação, resultando em uma grande peregrinação e superlotação no momento do parto. E essa demora do atendimento obstétrico possui conseqüências maternas e neonatais relevantes que aumentam os riscos e custos para o tratamento de complicações, bem como os riscos de adoecer e morrer.

O estudo justifica-se pela oportunidade de oferecer voz à mulher, que é o sujeito ativo e participativo desse processo, e que muitas vezes está apagado, pela centralização do poder do profissional de saúde, que traz em sua bagagem conceitos da aprendizagem historicamente consolidada durante a sua graduação e prática profissional.

 

A MATERNIDADE SEGURA COMO BASE TEÓRICA

O Projeto Maternidade Segura consiste num esforço interinstitucional cujo objetivo é reduzir as taxas de mortalidade materna e infantil (perinatal) na perspectiva mundial. Há cerca de 15 anos, a maioria dos países filiados à Organização Mundial da Saúde (OMS) têm participado ativamente desse programa e em muitos deles houve melhora considerável dos indicadores de saúde6.

Em 1996, o Ministério da Saúde, em parceria com a Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRSAGO), Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e Organização Pan-americana de Saúde (OPAS/OMS), lançou o Projeto Maternidade Segura com a pretensão de reduzir a mortalidade materna e perinatal, através da melhoria da assistência ao parto e ao recém-nascido. A Maternidade Segura é um direito de toda a mulher, porém, no Brasil, contamos com apenas quatro maternidades que possuem este título que são: Maternidade Odete Valadares (BH) e Hospital Universitário Clementino Faria (BH), Maternidade Darcy Gonçalves (SC), Hospital Maternidade Alexander Flemming (RJ)6.

Na Proposta da Maternidade Segura pelo Ministério da Saúde, três (03) são os passos relacionados diretamente com a assistência, como: garantia de informação sobre saúde reprodutiva e direitos da mulher; garantir assistência durante a gravidez, parto e puerpério e ao planejamento familiar; incentivar o parto normal e humanizado. Cinco passos (05) são definidos para a Instituição e estão relacionados com a definição de rotinas, treinamento da equipe de possuir estrutura adequada e arquivo e sistema de informação e, por fim, avaliar periodicamente os indicadores de saúde materna e perinatal.6

Nessa proposta, três grandes problemas apresentamse imediatamente após sua leitura: é a deficiente oferta de leitos obstétricos; o atendimento ao pré-parto e parto ser definido pelos profissionais como ato médico e a precariedade na oferta de recursos (humanos, materiais, institucionais e logísticas) pelas instituições de saúde que declamam estar em crise e processo de sucateamento.

 

O CAMINHO METODOLÓGICO

Este estudo é de natureza qualitativa e caracteriza-se por conhecer a percepção da mulher quanto à assistência recebida no pré-parto e parto em um hospital público.

Os sujeitos desta pesquisa foram 14 mulheres-puérperas. As mulheres entrevistadas tiveram sua identidade preservada, respeitada as determinações que constam na Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Pesquisa em Saúde, que dispõe sobre diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos- CONEP.

O cenário da pesquisa foi uma grande unidade de saúde hospitalar da área programática 3.3, do Rio de Janeiro, no setor de pré parto e parto, onde foi realizada a observação livre, através de um diário de campo, e no setor de alojamento conjunto onde foram realizadas as entrevistas, um vez que neste momento a mulher encontrava-se menos fragilizada para responder, resultando em maiores riquezas de dados e preservando o momento do parto.

O período de coleta de dados foi determinado em três plantões, de 12 horas (07:00 às 19:00 h), durante os meses de Setembro e Outubro de 2003. O primeiro roteiro de acompanhamento de registro de dados foi elaborado a partir dos oito passos da maternidade segura, que foram anteriormente descritos, onde o utilizamos como um guia para a observação livre, aliado à observação do comportamento das mulheres e da assistência prestada a elas, nos setores de pré-parto e parto. Essa dinâmica nos ofereceu uma melhor compreensão dos dados, pois uma das autoras, como pesquisadora em nível de graduação, estava presente em todo o processo decorrido.

Após as anotações de campo, realizei a entrevista semi-estruturada, através de um roteiro pré-estabelecido, que foi aplicado aos sujeitos no setor de alojamento conjunto, onde estas se encontram com seus filhos e recuperadas do estresse do trabalho de parto.

A análise dos dados foi realizada a partir das categorias que emergiram do roteiro de entrevista.

 

ANÁLISE COMPREENSIVA

CATEGORIA 01:

A percepção da Mulher quanto à Assistência recebida no Pré-parto e Parto

A partir das declarações das puérperas, encontramos uma gama de dados que puderam ser subdivididos em categorias temáticas para melhor elucidação e compreensão do leitor.

Subcategoria 01:

A qualidade da assistência na percepção da mulher

Ao analisar as declarações das mulheres relativas a esta temática, notamos que estas foram quase que unânimes em perceberem a assistência como de boa qualidade, deixando transparecer em suas declarações o contentamento durante todo o seu processo. Ilustramos a seguir com as falas de Orquídea e Girassol:

Foi boa, muito boa. Os médicos são excelentes, tudo bom (Orquídea)

Maravilhosa, todos os médicos são super simpáticos, você tá nervosa, eles te deixam super tranqüilas. Muito bom, ótimo, foi um atendimento maravilhoso (Girassol).

Porém, cabe esclarecer que, durante as anotações no diário de campo, observei que a assistência muitas vezes se resumia aos modelos biomédicos historicamente consolidados, não levando em consideração as angústias e necessidades que perpassam o fisiológico das mulheres naquele momento.

Algumas dessas mulheres, durante seu processo de parturição, sofreram ações e assistência contrárias às suas percepções, onde surgiu como um ponto importante o medo das mulheres frente ao profissional de saúde; esta constatação fica clara com a observação do momento de parturição de Orquídea:

Na sala de parto está a mulher, uma acadêmica de enfermagem segura a sua mão, um obstetra segura suas pernas e o outro fala: Faz força, não grita... Você vai matar seu filho... Na hora de virar os olhinhos não gritou, da próxima vez, não vem ter filho aqui não. E quando o bebê nasce, completam: Não fecha os olhos não, olha bem para o seu filho que você quase matou.

Vale ressaltar que, de acordo com o Ministério da Saúde7:12: Os profissionais de saúde são coadjuvantes da experiência do parto e desempenham importante papel. Tendo a oportunidade de colocar seu conhecimento a serviço do bem-estar e do bebê.

Subcategoria 02:

A influência dos profissionais de saúde na assistência

As percepções são influenciadas pelo profissional que faz o atendimento à mulher, pois cada momento de préparto e parto é único e singular para cada uma, mesmo que estas estejam inseridas no mesmo contexto e espaço físico. Diante da relação entre a percepção da mulher e o trecho da observação, ressalta-se o entendimento de como a mulher se sente naquele momento, onde o seu maior anseio é que tudo termine e ela possa estar o mais rápido possível com o filho em suas mãos.

Desse ponto surge a questão do individualismo da atitude de cada profissional, sendo um grande fator que interfere na assistência à mulher, uma vez que cada profissional traz em sua bagagem as questões sociais em que estão inseridos. Este ponto foi observado e durante a entrevista notamos que este fator influenciou na percepção da mulher quanto à assistência recebida, como no caso de Girassol:

A mulher está com a acompanhante no Box, o obstetra que está acompanhando entra e diz para que ela tome um banho quente. Após uma hora, ele volta, e pergunta se o banho relaxou. Faz o toque e pede sala de parto. Neste local, ele fala para a mulher que ela precisa fazer uma forcinha. Neste momento outro obstetra chega a sala e diz para a mulher: ...Faz força na garganta, não! Pára, eu hein! Sobe na escada para fazer o Kristeller . O obstetra que estava acompanhando inicialmente diz: Vai com calma, e explica a mulher à necessidade do procedimento.

A relação entre os profissionais de saúde traz influência na percepção da mulher quanto à assistência, pois na pessoa que presta a assistência a mulher confia, é nela que ela acredita obter ajuda e que acredita possuir todos os conhecimentos necessários para ajudar a ela e ao seu filho. Esta constatação é reforçada pela fala a seguir:

Eu achei que a assistência dependia muito do plantão, entendeu? Por que era assim, você sentia a diferença do turno da manhã e da noite. Tem enfermeiros e médicos mais dedicados e outros são maus, é diferente. (Rosa Vermelha)

Além do mais o Ministério da Saúde7:27 coloca: É importante considerar, no processo de parto, os desejos e valores da mulher e adotar uma postura sensível e ética, respeitando-a como cidadã e eliminando as violências verbais e não verbais.

Subcategoria 03:

A re-ação do sujeito frente à percepção de insatisfação

É interessante constatar as diferentes percepções das mulheres, assim como o modo de como se impõem no momento de pré-parto e parto, é explícito que os valores e principalmente o conhecimento de seu corpo e do processo de parturição oferecem maior segurança e maior liberdade de tornar-se o sujeito ativo e participativo daquele momento. Porém, na maioria das vezes, o que ocorre são mulheres com poucas informações e que no momento de fragilidade percebem uma boa assistência, como apenas sair da sala de parto com o seu filho em seu colo, não levando em consideração, que é ela o ser ativo daquele processo, que na maioria das vezes perde sua ação diante dos poderes dos profissionais de saúde.

Uma das mulheres entrevistadas, em sua fala colocou sua percepção, neste sentido:

Eu cheguei a me aborrecer com o médico, pelo jeito dele tratar, porque eu acho assim, quem se dedica à profissão, principalmente a gestante, a mulher fica muito sensível, principalmente na hora do parto, eu acho que tem que saber lidar. (Rosa Vermelha)

Outras mulheres percebem esta assistência de maneira que cada lado possui sua função, isto é, a mulher ajudar e o profissional de saúde fazer o parto, conforme é objetivado a seguir:

Me atenderam muito bem, eu fiz minha parte e eles fizeram a parte deles. (Copo de Leite)

Subcategoria 04:

O que fazer para melhorar a assistência

Quando as mulheres foram indagadas sobre o que, em sua percepção, poderia melhorar na assistência, algumas delas colocaram questões que divergiram com suas percepções anteriores quanto a assistência recebida, conforme os relatos das falas:

A única coisa que eu acho que deveria melhorar era a gente ter mais assistência dos médicos perto da gente. Fiquei muito tempo sem assistência dos médicos, um bom tempo. Com as enfermeiras, elas sempre ficaram comigo. (Cravo)

Essas declarações demonstram a necessidade da presença de um profissional de saúde para o sentimento de segurança da mulher, mesmo estando elas com acompanhante. É notório que as mulheres trazem em suas percepções que para que ocorra o parto é necessário a presença do profissional de saúde. E os fatores já estabelecidos pelo senso comum influenciam, aliados a opinião da coletividade, quanto à assistência recebida por outras mulheres, a despeito das políticas públicas de atenção à saúde da mulher no parto, no município do Rio de Janeiro. Violeta assim percebeu a assistência:

Eu gostei de tudo, até vim com medo de tanto que falam mal de hospital público, que eu até imaginei que sofreria alguma coisa. Falam das enfermeiras que maltratam, isso e aquilo. Mas foi ótimo, todos me atenderam tudo bem. (Violeta)

Outro ponto ressaltado foi o valor e reconhecimento da enfermeira obstetra por algumas mulheres, sendo percebido como um bom fator para a assistência, uma vez que o Ministério da Saúde coloca, em um dos oito passos do Projeto Maternidade Segura, a necessidade de uma equipe preparada para atender a mulher, o que fica claro com o discurso a seguir:

Na hora do parto foi uma maravilha, pois graças a Deus eu caí nas mãos uma enfermeira, que me ajudou bastante, a enfermeira Y e o médico também. E tinha também uma acadêmica de enfermagem. (Rosa Vermelha)

Diante das falas, entendemos que na percepção das mulheres, a assistência se apresenta de boa qualidade, no que tange ao acesso do atendimento do parto no Hospital, ocorrendo porém algumas lacunas quanto às relações interpessoais.

Torna-se claro que o processo de parturição, percebido pelas mulheres, quanto à assistência, é singular; e algumas vezes distinto, e esta percepção é muitas vezes influenciada pelo grau de instrução desta e por pequenas ações que um profissional de saúde pode realizar.

CATEGORIA02:

A aproximação entre as percepções das Mulheres quanto à Assistência recebida e a aproximação com as determinações do projeto Maternidade Segura

Nesta categoria estabelecemos a relação de proximidade entre as percepções das mulheres e as determinações do Projeto Maternidade Segura, pelo Ministério da Saúde. Enfatizamos que somente aproximamos os passos que mais se encaixam na temática em questão, a fim de formar uma rede de idéias para seu melhor entendimento.

O atendimento dos passos do Projeto Maternidade Segura garante à mulher uma assistência especializada de qualidade e livre de negligência, o que pode resultar em uma queda do coeficiente de mortalidade materna.

Subcategoria 01:

A percepção de qualidade x garantia de vaga obstétrica

Quando as mulheres apresentaram suas percepções quanto aos fatores que caracterizaram a assistência, elas foram unânimes em colocar que o acesso à Instituição Maternidade foi a questão de maior importância para qualificar a assistência como de boa qualidade, conforme evidenciam-se pelas falas de Rosa e Violeta:

Quando eu cheguei não tinha vaga, aí ele falou, olha não tem vaga, mas você vai ficar lá dentro (centro obstétrico), que já ta perto da bolsa romper (Rosa)

Eu vim de um hospital público, lá de Sulacap, que deixou muito a desejar e aqui me receberam de braços abertos (Violeta)

Essas percepções interrelacionam-se com o segundo passo do projeto Maternidade Segura, que consiste em garantir a assistência à mulher durante a gestação, parto e puerpério, e as mulheres deixam transparecer a importância atribuída à garantia da maternidade para ser atendida. Esse aspecto vem ao encontro da real preocupação com o nível de assistência à mulher, pois é direito de toda mulher ter assegurado o acesso à maternidade em que será atendida no momento do parto5. Porém, o que se reflete no cotidiano é a peregrinação das mulheres pelas maternidades dada a deficiência de vaga hospitalar para a assistência ao parto, elevando o risco de alguma intercorrência. Diante disso, as percepções quanto à assistência recebida já adquirem um reflexo desde sua internação, influenciando nas suas percepções posteriores.

Quanto à assistência no pré-parto e parto, a questão da atenção foi um fator convergente entre as mulheres, incluindo o papel do acompanhante, sendo ressaltado a necessidade de uma equipe preparada para garantir uma assistência livre de risco. Assim, nota-se que as mulheres percebem que o estar junto vale mais do que a realização de procedimentos técnicos, mesmo sabendo que um aspecto não exclui o outro, quando necessário, pois, à medida que a situação assistencial exige sensibilidade e eficiência, algumas vezes há necessidade também de um olhar essencialmente técnico.

Essas percepções encaixam-se perfeitamente com os passos do Projeto Maternidade Segura, que inclui a assistência humanizada e uma equipe preparada para atender a essas mulheres de forma sensível e com competência e proficiência requeridas.

Subcategoria 02:

A percepção de segurança emocional com o estar ao lado

Outra questão ressaltada pelas mulheres foi a do acompanhante, pois ele representa a segurança familiar, porém, durante a observação livre, o acompanhante está presente somente na evolução do parto e no momento deste, é obrigado a olhar pela porta, ou ficar apreensivo esperando informações da equipe de saúde. Assim, os valores e o papel do acompanhante para a mulher no momento de parturição deve ser revisto, a fim de atender as recomendações do Ministério da Saúde e as necessidades delas. E o que mais chama atenção é a atuação dos profissionais nesta situação, já que são eles mesmos que proíbem a entrada dos acompanhantes na sala de parto.

A necessidade das mulheres de contar com um profissional de saúde perto e atento à sua evolução de parto foi um ponto enfatizado por elas, uma vez que elas se sentem inseguras e com medo e vêem no profissional de saúde a possibilidade de confiança e estabilidade, uma vez que em sua percepção o parto só acontece livre de riscos com a presença deste, e a sua ausência é sinônimo de complicações para seu filho.

O nascimento e os primeiros momentos da vida são marcados por uma grande dependência. Para Waldow8:90: "atualmente com a mudança histórica dos modelos de parturição vigentes, a mulher não vive mais o parir como uma figura de força, vitalidade e saúde".

Sendo assim, reconhecemos que estas não concebem ter seus filhos em instituições públicas que não sejam nos moldes tradicionais, onde o profissional de saúde é o responsável pelo parir e nascer. Segue as declarações de Margarida e Rosa Vermelha:

O médico demorou muito. Quase que o nenê nasceu na sala de pré-parto forçado, porque ele (médico) estourou a bolsa e foi embora e me deixou lá sozinha. Eu comecei a gritar, meu filho, meu filho, e eles vieram e me atenderam (Margarida).

A atenção é ruim, não sei se é por causa da grande quantidade de mulheres. Sabe, você pede uma coisa, e fica lá, se depender até morre (Rosa Vermelha).

Essas declarações enfatizam que muitas vezes a demora de atenção ocorre devido à alta demanda hospitalar. Porém, se pensarmos que o parto normal é um processo em que a mulher é o ser ativo e participativo do processo, a atenção a este, mesmo em nível hospitalar, para mulheres que apresentam evolução satisfatória, como foi com todas as mulheres entrevistadas, a necessidade de um profissional de saúde para realizar seu parto, é parte principalmente de seu legado de idéias relativas ao senso comum de ser bem atendida.

Convergindo com Nery et al. 9:415 ao colocar que:"os serviços de saúde não abordam social e humanamente os problemas femininos, onde são descaracterizadas em sua identidade social e cultural."

Desse modo, os passos do Projeto Maternidade Segura, que influem diretamente na assistência a mulher, concerne particular relevo às percepções desta, uma vez que uma assistência segura e humanizada, isto é, que atenda as necessidades físicas e emocionais, ou até mesmo, uma assistência humano para humano, está presente no pensamento de todos. No entanto, mesmo com inúmeras discussões em torno do assunto ainda encontra obstáculos físicos e humanos para uma atuação adequada.

Porém, o processo parturitivo é um todo e, portanto melhorar o atendimento no pré-parto e parto, sem nortear esta mulher e garantir um local para sua internação, desencadeia uma tentativa de melhora sem bases sustentáveis.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As percepções das mulheres perpassam o momento de pré-parto e parto, envolvendo toda a assistência recebida no ciclo gravídico-puerperal, referidas de maneira a englobar todo o contexto em que esta mulher está inserida, se via e era vista como a gestante ou a que vai parir. A qualidade da assistência, quase em sua totalidade definida como boa, demonstra o contentamento da mulher com a mesma. Porém, ficou claro que a garantia de acesso à maternidade e à segurança, por estar em um ambiente hospitalar, tornou-se um fator decisivo nessa percepção.

Em algumas declarações ficou clara a atuação da mulher como ser ativo e participativo, colocando suas (in) satisfações frente ao profissional de saúde e atuando frente ao momento de parturição.

Mesmo se sentindo fragilizadas e com medo, as mulheres entendem que há a necessidade de um profissional que preste assistência que perpasse seu corpo, que vá além da medicalização ou toque e até mesmo apresentar resistência a intervenções.

Quando relacionado e feita a aproximação das percepções das mulheres com os passos que caracterizam o Projeto Maternidade Segura, ressalta-se que muitas foram as aproximações, destacando-se principalmente, no que tange ao direito de acesso e garantia das mulheres à maternidade, além de uma assistência segura e humanizada. Uma vez que as percepções colocadas giraram em torno de um único centro: a atenção e a qualidade de assistência.

O Projeto Maternidade Segura representa um grande incentivo para as maternidades, o que resultaria em uma melhoria de assistência, porém esta melhoria e mudança não dependem somente da instituição e sim de um legado de fatores, como a existência de uma assistência inter e multidisciplinar.

 

REFERÊNCIAS

1. Ferreira ABH. NOVO Aurélio da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro (RJ): Nova Fronteira; 1986. p. 306

2. Lampereur A. Dicionário Geral das Ciências Humanas. Rio de Janeiro (RJ): Lexis; 1984. p. 699.

3. Tyrrell MAR. A saúde da mulher e o saber acadêmico de enfermagem: tendências e prioridades da produção científica dos programas de pós-graduação stricto sensu. Pesquisa Científica aprovada pelo CNPq. Rio de Janeiro (RJ), 2004. p. 56.

4. Tyrrell MAR. Programas Nacionais de saúde Materno Infantil: impacto político-social e inserção da enfermagem. Rio de Janeiro (RJ): EEAN/UFRJ; 1995. p. 98.

5. Ministério da Saúde (BR). Programa de Humanização no Parto e Nascimento. Brasília (DF); 2000.

6. Ministério da Saúde (BR). Secretaria Estadual de Saúde. Coordenação Materno Infantil. Relatório do Comitê Estadual de Prevenção e Controle da Morte Materna e Perinatal.Brasília (DF) jan/fev 2003.

7. Ministério da Saúde (BR). Parto, aborto e puerpério: assistência humanizada à mulher. Brasília (DF); 2001. p.12-32

8. Waldow VR. Cuidado humano: o resgate necessário. Porto Alegre (RS): Sagra Luzzato; 1998. p. 105.

9. Nery IS, Sobra CSJ, Crizóstomo CD. Saúde reprodutiva: as relações de gênero no planejamento familiar. Esc Anna Nery R Enferm 2004 abr;8(1):411-9.

 

 

Recebido em 24/05/2004
Reapresentado em 05/11/2004
Aprovado em 23/02/2005

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