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CAPES

Volume 9, Número 1, Jan/Abr - 2005

ARTIGOS DE PESQUISA

 

A interação no cuidado: uma questão na enfermagem fundamentalª

 

The interaction in the care: a question in the basic nursing

 

La interacción en el cuidado: una cuestión en la enfermería fundamental

 

 

Erika de Souza CastroI; Patrícia Wane MendesII; Márcia de Assunção FerreiraIII

IAcadêmica de Enfermagem do 8º período do Curso de Graduação em Enfermagem da EEAN/UFRJ. Bolsista de Iniciação Científica da Faperj. Membro do Núcleo de Pesquisa em Fundamentos do Cuidado de Enfermagem - Nuclearte. E-mail: ecastroenf@hotmail.com
IIAcadêmica de Enfermagem do 8º período do Curso de Graduação em Enfermagem da EEAN/UFRJ. Bolsista de Iniciação Científica da Faperj. Membro do Núcleo de Pesquisa em Fundamentos do Cuidado de Enfermagem - Nuclearte
IIIProfessora Adjunto do Departamento de Enfermagem Fundamental da EEAN/UFRJ. Doutora em Enfermagem. Membro do Núcleo de Pesquisa em Fundamentos do Cuidado de Enfermagem - Nuclearte. Orientadora

 

 


RESUMO

O objeto foi a interação entre profissional e cliente no cuidado de enfermagem. Os objetivos foram descrever as interações entre clientes e profissionais e discuti-las como fundamental ao cuidado de enfermagem. Estudo apoiado na antropologia social, com observação participante junto a 13 clientes de um Hospital Universitário do Rio de Janeiro. O contato entre a equipe de enfermagem e o cliente não é somente e objetivamente técnico. Há conversas informais que traduzem interesse pela pessoa do cliente e sua família. Identificou-se conversas de conteúdo técnico prescritivo, avaliativo e muitas formas de interação que transcendem a normatização do cuidado. A interação entre equipe e cliente se vale das características individuais dos sujeitos. Momentos de descontração ocorrem constantemente, bem como manifestações de carinho e compaixão através de toques espontâneos que não precedem o cuidado técnico. Atender prontamente às solicitações do cliente, demonstrando consideração ouvindo-o e olhando-o atentamente, qualifica a interação, caracterizando-se como fundamental ao cuidado de enfermagem, em especial, no cenário hospitalar.

Palavras-chave: Cuidado de enfermagem. Enfermagem fundamental. Interação.


ABSTRACT

The object was the interaction between the professionals and the clients in the nursing care. The aims were to describe the interaction between the clients and the professionals and after discuss them as essential in the nursing care. The study is supported in the social anthropology in observation of thirteen clients of a University Hospital in the city of Rio de Janeiro. The contact between the nursing team and the clients were not only technical objectively. There are casual chats that show the interest from the clients and their families. We identified talks about technical contents and other forms that go beyond the normatization of the care. The integration between the nursing team and the clients are based in each individual’s characteristics. Moments of fun happen constantly as well as demonstrations of affection and compassion by spontaneous touch. Answering promptly the requests of the clients showing consideration in hearing and looking at them attentively qualify the interaction, characterizing them as essential in the nursing care, in special, in the hospital.

Keywords: Nursing care. Fundamental nursing. Interaction.


RESUMEN

El objeto fue la interacción entre profesional y cliente en el cuidado de enfermería. Los objetivos fueron describir las interacciones entre clientes y profesionales y discutirlas como fundamental al cuidado de enfermería. Estudio apoyado en la antropología social con observación participante junto a 13 clientes de un Hospital Universitario de Rio de Janeiro-Brasil. El contacto entre el equipo de enfermería y el cliente no es solamente y objetivamente técnico. Hay conversas informales que traducen interés por la persona del cliente y suya familia. Se indenficó conversas de contenido técnico prescriptivo, valorativo y muchas formas de interacción que trascienden la sistematización del cuidado. La interacción entre equipo y cliente se vale de las características individuales de los sujetos. Momentos de relajamiento ocurren constantemente, así como manifestaciones de cariño y compasión a través de toques espontáneos que no preceden el cuidado técnico. Atender prontamente a las solicitaciones del cliente, demostrando consideración oyéndo-lo y mirándo-lo atentamente, cualifica la interacción, caracterizándose como fundamental al cuidado de enfermería, en especial, en el hospital.

Palabras clave: Cuidado de enfermería. Enfermería fundamental. Interacción.


 

 

INTRODUÇÃO

A associação cuidado de enfermagem e cenário da internação hospitalar, via de regra, dirige a nossa atenção para a necessária demanda de cuidados direcionados à manutenção das funções orgânicas dos clientes e observação das suas respostas biológicas às terapêuticas. No entanto, a dinâmica que se desenvolve no cotidiano da assistência hospitalar implica no estabelecimento de relações entre os sujeitos envolvidos nas diversas situações de cuidado.

A compreensão de tal dinâmica exige que consideremos o contexto objetivo e subjetivo que envolve clientes e profissionais. Nesse sentido, estudar o cuidado de enfermagem ao cliente no cenário hospitalar requer entender o próprio cuidado e os sujeitos nele envolvidos, a partir de concepções do campo psicossociocultural do qual ambos (cuidado e sujeitos) são objeto.

O modelo cartesiano de assistência, implantado na institucionalização do hospital moderno1,2, ainda está na base da organização da assistência hospitalar atual, não atendendo o ser humano na sua integralidade. A diversidade e pluralidade dos sujeitos, cliente e profissional de enfermagem, estão justamente na dialética que expressa a natureza/cultura; o psicológico/social; o objetivo/subjetivo; o real/representado da expressão humana e da ação de cuidar. Assim, há um contraponto entre corpo-sujeito (ativo e participativo) e corpo-objeto (passivo/submisso - depositário de cuidados).

O sujeito se expressa no/pelo corpo quando reage aos estímulos pelos sentidos, e essas expressões devem ser consideradas nas ações de cuidar e no cuidado de enfermagem. Na perspectiva do cuidado humano, Waldow3. aponta elementos centrais que são da ordem da subjetividade: os desejos do cliente, as dimensões afetivas que englobam a sensibilidade; a comunicação verbal e não verbal - gestos e toques, viabilizados pelo e no corpo de quem cuida e do cliente participante do cuidado; as respostas e atitudes dos clientes em relação ao cuidado prestado e na interação entre os sujeitos; e manifestação de cuidados expressivos (dimensão do afeto). Por conta disso, o objeto desta investigação é "as interações cliente / profissional no cuidado de enfermagem no cenário hospitalar".

 

OBJETIVOS

Os objetivos são: 1) Identificar os cuidados realizados na unidade de internação hospitalar; 2) Classifica-los de acordo com a sua tipologia; 3) Descrever as interações que se estabelecem entre clientes e profissionais de enfermagem na realização dos cuidados; 4) Caracterizar a interação cliente/profissional de enfermagem como fundamental ao cuidado de enfermagem.

 

ABORDAGEM TEÓRICO-METODOLÓGICA

O estudo foi de natureza qualitativa, apoiado no referencial da antropologia social 4, 5. A coleta de dados foi feita a partir da observação participante que buscou gerar dados descritivos a partir de um roteiro previamente elaborado para esse fim; e, também, a partir de entrevistas com os sujeitos sobre a experiência de participação nos cuidados de enfermagem, nas quais se fez necessário perguntar sobre a percepção deles em relação a determinado cuidado, se este gerou reação significativa nos mesmos. No diário de campo foram registradas as cenas de cuidados ocorridos na enfermaria e, ainda, os padrões de interação cliente/profissional na realização dos cuidados, as reações, comportamentos, atitudes e expressões faciais dos clientes face aos cuidados de enfermagem que lhes foram prestados, bem como os assuntos das conversas e as formas de abordagem e de diálogo com o profissional durante os cuidados de enfermagem. Os dados advindos da observação foram triangulados com os conteúdos das falas dos sujeitos para que se tivesse mais segurança quanto aos resultados da pesquisa. A análise foi temática após a categorização dos achados. A discussão foi norteada pela orientação conceitual da teoria de Watson, principalmente apoiada em seu pressuposto de que o cuidado pode ser praticado apenas interpessoalmente6. A interação, conceito central do objeto de estudo, foi tomada como o encontro estabelecido entre o profissional e o cliente no momento do cuidado, encontro este que causa uma influência mútua entre os participantes desse momento. Implica em comunicação (verbal e não-verbal), diálogo e convivência.

 

OS SUJEITOS E O RECORTE ESPACIAL

Os sujeitos foram 13 clientes adultos (três homens e dez mulheres), internados no setor de ortopedia de um hospital universitário, público, federal. O grupo de sujeitos e o espaço foram escolhidos pela facilidade de acesso das pesquisadoras e pela possibilidade de obter-se um quantitativo de sujeitos e cuidados realizados que desse sustentabilidade numérica aos dados qualitativos. Foi solicitada formalmente autorização da instituição para a realização da pesquisa e tomadas as precauções éticas, garantindo os direitos que cabem aos sujeitos que participam de pesquisasb.

 

OPERACIONALIZAÇÃO DA ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO - VALIDAÇÃO DOS DADOS

Aplicou-se a análise temática, uma das técnicas de análise de conteúdo proposta por Bardin7. Essa opção metodológica sugere a consideração que se deve ter pelo contexto em que ocorreu a mensagem e, ainda, leva em conta que o sujeito participa ativamente no processo de produção da mesma. A descrição densa preconizada por Geertz4 foi aplicada na observação e seu registro, o que implicou análise própria a esse método, qual seja, proceder a interpretação inferencial do pesquisador ao que foi observado. Ao final da operação de classificação dos dados, construiu-se as categorias empíricas. A validação dos dados foi feita junto aos próprios sujeitos, no decorrer da coleta de dados e da análise dos mesmos.

 

A ANÁLISE E A DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Para proceder a análise dos dados trabalhou-se, basicamente, com o material do diário de campo. Recorreu-se à consulta das respostas dos sujeitos aos questionamentos que se fizeram necessários para elucidar os dados observados a fim de não se trabalhar, somente, com a interpretação da pesquisadora. Foi feita a leitura em profundidade dos registros das cenas de cuidados ocorridas nas enfermarias, buscando os conteúdos que melhor explorassem o objeto da pesquisa. Analisou-se todas as cenas de cada cliente observado. Após essa etapa, fez-se uma classificação prévia dos dados, distribuindo-os em um quadro demonstrativo dos conteúdos significativos para análise. Nesse quadro, foram dispostos na linha superior os códigos de identificação dos clientes e na coluna esquerda, correspondente a cada cliente observado, uma pré-categorização dos dados. Esta pré-categorização foi definida a partir da leitura do diário na qual identificamos as maneiras de cuidar da enfermagem, e constou do seguinte: 1) abordagem técnico-instrumental de cuidado, congregou tudo o que integra, objetivamente, a assistência direta que se realiza com o cliente, via de regra, com base nas prescrições médicas e/ou de enfermagem; 2) abordagem expressiva e interações entre profissionais de enfermagem e cliente (qualidades do cuidador, que tornam o cuidado humano); os descuidados (na avaliação da pesquisadora). Para cada item foram registradas as interpretações da pesquisadora sobre as cenas observadas. Classificou-se como descuidados: 1) as ações feitas nas quais não se observou a privacidade do cliente; 2) aquelas que lhes causaram algum tipo de desconforto; 3) demonstração de distanciamento interpessoal como falta de atenção/consideração para com o cliente.

Num segundo momento da análise, reagrupou-se os cuidados de ordem técnica-instrumental e humana realizados com cada cliente em categorias a fim de classificálos. Nessa fase, os cuidados foram categorizados segundo o modelo proposto por Ferreira8, que sugere seis grupos de cuidados: 1) os restauradores e reabilitadores; 2) os mantenedores; 3) os embelezadores; 4) os que resgatam a integridade pessoal dos sujeitos; 5) os integradores ao meio e; 6) os expressivos/as formas de interação.

Para proceder a categorização, utilizou-se os seguintes grupos: 1) os restauradores e reabilitadores - são os cuidados relacionados com o tratamento e cura da doença; 2) os cuidados mantenedores - mantém a integridade corporal e o vínculo com a vida, importantes para a sobrevivência 8:20; 3) os que promovem a integração dos clientes ao meio, nos quais se incluem as conversas informais com os clientes; e 4) os cuidados expressivos, que, segundo a autora, valorizam a humanização do cuidado e resgatam no sujeito a sua condição humana8:214.

As interações entre profissional e cliente foram expressas através das formas de comunicação estabelecidas no cuidado: verbal, através de ordens prescritivas de cuidado e/ou conversas de conteúdo técnico e lúdico; e não-verbal, através de toques, gestos e olhares. A qualidade de tais interações foi tomada a partir da afeiçãoc, segundo Japiassú & Marcondes9, envolvida nos encontros de cuidado, traduzidos pelo tom de voz empregado pelos sujeitos, pelas expressões corporais10,11 e faciais12 e, principalmente, pela interpretação que os próprios clientes atribuíram ao encontro.

Com os dados provenientes da observação de campo e a categorização dos mesmos, foi possível constatar que o contato entre a equipe de enfermagem e o cliente não é somente e objetivamente técnico, na medida em que há conversas informais que traduzem interesse pela pessoa do cliente e/ou por sua família. Identificou-se conversas de conteúdo técnico-prescritivo e/ou de cunho avaliativo que fazem parte da assistência, mas verificou-se, também, muitas formas de interação através de conversas de conteúdos lúdicos que ocorrem entre a equipe e os clientes, que transcendem a normatização do cuidado. Tais momentos de interação e integração entre equipe e cliente se valem das características individuais de cada sujeito envolvido no encontro - cliente e profissional.

De acordo com Cavalcanti13, através da comunicação, o profissional estabelece interação com os clientes, alivia o estresse, ensina-os a identificar as necessidades de assistência à saúde. Para que uma interação surta resultados positivos no cuidado, é preciso que equipe e clientes estejam atentos às reações uns dos outros, na forma de agir, de pensar, levando em conta as expectativas de ambos. Principalmente, direcionar a atenção para as necessidades humanas básicas.

A comunicação, elemento importante da interação, pode ser estabelecida de forma verbal e não-verbal. Desse modo, Bittes Júnior & Matheus14 ressaltam que a comunicação não-verbal tem grande influência no processo de comunicação, pois ela pode suplementar uma informação verbal, contradizer, enfatizar, substituir, oferecer indícios sobre emoções ou mesmo controlar ou regular um relacionamento. Foi observado que muitas vezes, nos momentos de cuidado, os profissionais estabelecem com os clientes uma comunicação não-verbal extremamente eficaz no cuidado, pois olhares, toques e gestos abundam como códigos nas relações interpessoais, transmitindo-lhes tranqüilidade e conforto, conforme pôde-se observar pelas expressões faciais dos clientes. Tais interpretações foram confirmadas com os clientes quando da validação dos dados gerados pela descrição densa das cenas de cuidado. A eficácia de tal tipo de comunicação foi constatada a partir do momento em que se conseguia melhor participação e aderência dos clientes aos cuidados por conta da qualidade dos encontros entre profissional e cliente nos momentos de cuidado.

Com a observação de campo, constatou-se a ocorrência constante de momentos de descontração, quer fossem durante um procedimento técnico ou espontaneamente, bem como manifestações de carinho e/ou compaixão através de toques espontâneos (que não precediam o cuidado técnico). O atender prontamente e atitudes de consideração, como escutar e olhar atentamente para o cliente e interagir com ele respondendo perguntas informais, emergiram como momentos importantes no cuidado ao cliente hospitalizado.

Utilizou-se o verbo escutar para melhor qualificar a audição no cuidado de enfermagem. Segundo Atkinson & Murray15, ouvir é apenas parte do processo sensorial de ondas sonoras que atingem os ouvidos e são transmitidas ao cérebro. O ato da escuta transcende esse processo neurofisiológico, na medida em que integra o significado e a interpretação à percepção do som. Assim, escutar o cliente de forma consciente implica em "dar voz" aos significados por ele atribuído a sua vivência na doença e na hospitalização. Essa escuta implica, também, estar sensível às razões e emoções do outro e em uma plena interação.

Estar atento ao cliente, escutando o que ele tem a dizer, leva o profissional a desenvolver uma interação terapêutica, possibilitando o atendimento das necessidades e desejos do cliente e, assim, cuidá-lo de forma efetiva.

As manifestações de carinho e/ou compaixão expressadas através do toque, também evidenciadas na observação de campo realizada nesta pesquisa, são explicadas por Santoro16 como meio para se transmitir confiança ao cliente durante o cuidado. Para essa autora, tocar é uma forma de comunicação não-verbal, que pode ter como significado a atitude de nos unir ao outro, de perceber o outro. Tais manifestações qualificam o encontro dos sujeitos no cuidado contribuindo para uma interação efetiva.

Para Cavalcanti13, o toque é fundamental para que o profissional demonstre seu real interesse em cuidar do cliente. Através do toque, o cliente percebe a equipe com maior disponibilidade e afetividade. O cliente se sente mais protegido e tranqüilo.

Ressalta-se, porém, que a aplicação do método da descrição densa, no registro das observações de campo, levou-nos à interpretação de algumas ações e atitudes dos profissionais para com a clientela como "descuidados". Assim foram categorizadas ações que, na nossa interpretação, não contribuíam para a humanização do cuidado. Atitudes que não traduziam atenção, zelo e carinho para com o cliente no momento do cuidado.

Para melhor elucidar o que estamos discutindo, trazemos como exemplo uma cena proveniente da observação do profissional P4, que investia muito nos cuidados expressivos e nos integradores ao meio. Esse profissional se preocupava com os clientes e demonstrava compaixão através do toque espontâneo às abordagens mais simples, como, por exemplo, quando era interpelado sobre o atraso de determinada medicação. Respondia, na maioria das vezes, não só com palavras, mas com gestos de afago, passando a mão na cabeça das pacientes, num gesto de carinho. E, ainda, quando ouviu a queixa de uma determinada paciente sobre uma experiência negativa no cuidado realizado por outro profissional, P4 se dirigiu à paciente e disse: Vou pegar quem fez isso com você. Este exemplo parece simples e rotineiro, e poderia passar como sem importância aos olhos comuns. No entanto, destacamos que, quando se está doente e hospitalizado, a pessoa sente-se só, como se não tivesse quem olhasse por ela. O simples fato de alguém escutar e demonstrar interesse por suas queixas configura-se em uma atitude de preocupação e zelo, expressões do cuidado humano.

P4 passava boa parte de seu tempo (mais ou menos uns 30 minutos) conversando com os clientes, sobre os mais variados assuntos informais, inclusive sobre a sua vida pessoal. Havia reciprocidade nesse gesto, pois os clientes interagiam falando, também, sobre suas próprias vidas com ele e uns com os outros, promovendo a integração de todos na enfermaria. Isso denota que a qualidade do cuidado depende do que ambos trazem para o cuidado. Dar atenção é uma demonstração de afeto, o que requer sensibilidade de ambos (de quem cuida e do cliente). A sensibilidade faz com que o profissional estabeleça uma relação mais profunda com o ser cuidado, auxiliando-o a perceber, a sentir melhor esse cliente.

Vale ressaltar que as sessões de conversas ocorridas entre os profissionais e os clientes se deram no período da tarde que, na unidade de internação hospitalar, é menos conturbado que o da manhã, explicando, talvez, a não observação das mesmas situações, de forma significativa, no período matutino.

Ratificando a importância da interação através do diálogo entre cliente/profissional, aponta-se outro exemplo, no qual uma cliente estava recebendo o banho no leito. Como ela sentia muitas dores durante a manipulação, o procedimento se tornou difícil, fazendo-se necessário chamar outros profissionais para ajudar. Nesse instante, a cliente começou a chorar e, imediatamente, a equipe tentou acalmá-la. A interpretação da linguagem do choro está, geralmente, amparada no sentimento de tristeza, e foi assim traduzida pela equipe, evidenciada através de falas como: não fique assim, o pior já passou.

A mesma interpretação foi feita por nós, pesquisadoras, durante a observação participante. No entanto, o verdadeiro motivo surgiu quando entrevistamos a cliente. Naquela oportunidade, a mesma relatou estar chorando de emoção, pois estava feliz por já ter sido operada e estar sendo cuidada pelas "meninas", como ela mesma colocou se referindo às auxiliares que cuidavam dela naquele momento. O choro era de alegria e não de tristeza e, apesar de as auxiliares terem se mostrado extremamente cuidadosas e carinhosas com a cliente durante o cuidado, não lhe perguntaram o motivo do choro, ficando, somente, com a interpretação que elas tinham dado a esta manifestação. Esse fato veio a reforçar como a interação é fundamental no cuidado de enfermagem, na qual dar voz ao cliente torna-se imperativo para a qualidade do encontro entre profissional e cliente.

Silva17 afirma que, nessa proximidade, quem cuida e quem participa do cuidado aprende e aprimora a arte de se comunicar. Ambos aprendem a se expressar, percebendo-se e conhecendo-se de várias formas: pelo olhar, pelas expressões, ou mesmo pelo toque. A qualidade da interação emerge, então, como um elemento fundamental do cuidado relacional, que pode auxiliar a interpretar melhor tanto as necessidades quanto os desejos dos clientes.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta pesquisa, considerar o cliente como sujeito do cuidado de enfermagem implicou em uma abordagem humanística apoiada nos conceitos de cuidar e de cuidado propostos por Waldow3 e pela teórica Jean Watson6. Sendo assim, para que esse cliente seja, efetivamente, sujeito do cuidado, faz-se necessário uma interação entre profissionais de enfermagem e clientes, na qual o profissional perceba o cliente integrado ao seu meio físico, mental, social e espiritual, para compreendê-lo como um todo, de forma holística. A interação entre profissionais e clientes faz parte de todo o processo de cuidar, pois possibilita o melhor entendimento do cliente como um ser humano.

Esta pesquisa nos possibilitou evidenciar que as interações no cuidado não se estabelecem de maneira puramente técnica, mas também através de uma abordagem expressiva no cuidar. Ocorrem investimentos pessoais daqueles envolvidos no processo caracterizando atitudes de ocupação, preocupação, responsabilização, envolvimento afetivo e empatia com o outro18.

Pôde-se também evidenciar que as qualidades humanas do profissional interferem na qualidade do cuidado, pois o que diferencia o cuidar técnico, baseado na habilidade e destreza manual, do cuidado humano é a capacidade do profissional em utilizar o "coração", ou seja, sua emoção, e entender o cliente como um ser humano único, que está em uma unidade hospitalar, dependendo de outras pessoas para se recuperar e resgatar nele a marca pessoal da sua subjetividade no que se refere aos cuidados que lhe são necessários e desejados.

As formas de expressividade do ser humano são fundamentais para a arte de cuidar e para manter uma boa qualidade no cuidado, uma vez que estão ligadas às formas de demonstrar afeto, de estar presente por inteiro e de valorizar o outro. Nesse sentido, há por parte dos clientes a expectativa por tais formas de expressividade.

Se por um lado constatou-se, durante a observação, maneiras de cuidar que não condizem com o que Ferreira et al.19:3 conceituam como cuidado fundamental, ou seja, aquilo que traduz a verdadeira essência da enfermagem, e que visa promover a preservação e proteção da vida, a promoção de conforto e bem-estar ao ser humano, pois evidenciou-se atitudes de falta de atenção e zelo, essenciais ao cuidado relacional; por outro lado, identificamos, também, cuidados com expressões de carinho, paciência, respeito, amor - conforme os próprios clientes definiram durante as entrevistas, ao qualificarem os cuidados com eles realizados. A transmissão de tranqüilidade, confiança e bom humor é fundamental na interação e esta, de acordo com o que se pôde constatar com base nos dados gerados por esta pesquisa, é fundamental no todo da assistência ao cliente hospitalizado.

Reitera-se a importância da atenção que ser dada à interação profissional/cliente porque a qualidade da relação interpessoal é o cerne para o desenvolvimento do cuidado de enfermagem, visto que a interação pessoal é condição imprescindível ao cuidado, já que este se dá na relação que se estabelece entre dois sujeitos20. Ainda mais, o pressuposto de Watson6:254 reitera o que estamos defendendo: "o cuidado pode ser praticado, apenas interpessoalmente", e aí está uma das essências da arte de cuidar da enfermagem.

 

REFERÊNCIAS

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3. Waldow VR. Cuidado humano: o resgate necessário. Porto Alegre (RS): Sagra Luzzatto, 1998. 204p.

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5. Mauss M. As técnicas corporais. In: Mauss M. Sociologia e antropologia. São Paulo (SP): EPU/EDUSP, 1974. 2 v

6. Talento B, Jean Watson In: George JB. et al. Teorias de enfermagem: os fundamentos para a prática profissional. Porto Alegre (RS): Artes Médicas;1993. p. 254-267.

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9. Japiassú H, Marcondes D. Dicionário Básico de Filosofia. 3ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Jorge Zahar; 1996.

10. Weil P, Tompakow R. O corpo fala: a linguagem silenciosa da comunicação não-verbal. Petrópolis (RJ): Vozes; 1984.

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17. Silva AL. O cuidado no encontro de quem cuida e de quem é cuidado In: Meyer DE Waldow VR, Lopes MJM. Marcas da adversidade: saberes e fazeres da enfermagem contemporânea. Porto Alegre (RS): Artmed, 1998. p. 208-238.

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NOTAS

a- 1º. lugar no Prêmio "Rosi Maria Koch" oferecido no 55ºCongresso Brasileiro de Enfermagem/11º Congresso Pan-americano de Enfermería (ABEn) ao melhor trabalho na temática Fundamentos de Enfermagem/ Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Paraná.

b - Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, no item IV que trata do termo de consentimento livre e esclarecido.

c- Do Latim affectio: maneira de ser, disposição; simpatia, estima. No pensamento filosófico, afeição significa mais ou menos "sentimento terno", está ligado ao verbo afetar: comover, perturbar. Afetar significa exercer ação sobre uma coisa ou sobre alguém; e afeição é a modificação resultante dessa ação sobre aquela que a sofre. Em Psicologia, afeição designa um certo estado da sensibilidade; os sentimentos e as sensações são afeições.

 

 

Recebido em 29/08/2003
Reapresentado em 06/10/2004
Aprovado em 20/12/2004

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