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CAPES

Volume 9, Número 1, Jan/Abr - 2005

ARTIGOS DE PESQUISA

 

A mortalidade materna relacionada à doença hipertensiva específica da gestação em uma maternidade escola

 

The maternal mortality related to the pregnancy specific hypertensive disease in a maternity school

 

La mortalidad materna relacionada a la enfermedad hipertensiva específica de la gestación en una maternidad escuela

 

 

Maria Ivoneide Veríssimo de OliveiraI; Paulo César de AlmeidaII

IMestre em Saúde Pública. Enfermeira da Maternidade Escola Assis Chateaubriand - Universidade federal do Ceará. E-mail: oliveira-ivoneide@ig.com.br
IIEstatístico Doutor em Saúde Pública, Professor Adjunto da Universidade Federal do Ceará e Universidade Estadual do Ceará

 

 


RESUMO

O objetivo do estudo foi analisar fatores de risco para a mortalidade materna entre gestantes internadas por doença hipertensiva específica da gestação (DHEG) em uma maternidade escola no Ceará. Trata-se de estudo transversal que analisou, através de amostragem sistemática, 721 prontuários de gestantes internadas com diagnóstico clínico de DHEG (15% do total) no período de 1992 a 1997. Realizou-se análise univariada das variáveis consideradas pela literatura como preditoras para óbito por DHEG e aquelas significativas através do teste de Fisher (p<0,05) foram incluídas em análise multivariada. Após regressão logística multivariada, idade, eclampsia, sangramento transvaginal, idade gestacional, insuficiência renal e síndrome Hellp, foram fatores de risco para óbito em pacientes com DHEG. A eclampsia foi identificada como o mais importante fator de risco para mortalidade materna (OR=8,0; IC 95% 3,87-16,56). Verificou-se coeficientes de mortalidade materna na maternidade de 115,5, 110 e 225,6 por 100 mil nascidos vivos, respectivamente, para DHEG, outras causas e mortalidade materna geral. Conclui-se que a DHEG contribuiu com um percentual elevado comparado à mortalidade materna geral, e identificou-se um alto coeficiente de mortalidade materna devido à maternidade ser um hospital de referência.

Palavras-chave: Mortalidade. Mortalidade Materna. Doença Hipertensiva Específica da Gravidez. Enfermagem.


ABSTRACT

The aim of our study was to analise the mortality risks in mothers with the Especific Highblood Pressure Disease (EHPD) in a maternity school of Ceara. It is treated of transversal study, that it analyzed through systematic sample of 721 handbooks of pregnant women interned with clinical diagnosis of EHPD (15% of the total) in the period from 1992 to 1997 We used a univariate analisis for the predicted variables considered in the literature of death caused by EHPD, those significant with Fisher's test p£0,05 were included as a multivariate analisis. By multivariate logistic regression: age, ecamplsia, transvaginal bleeding, age of pregnancy, cronic kidney disease, and Hellp sindrome were causes of death in patients with EHPD. The Eclampsia (OR 8,0; IC 95% 3,87-16,56) showed the highest rate of maternal mortality. Was noticed coefficients maternal mortality in the maternity of 115,5, 110 and 225,6 for 100.000 born alive, respectively, for DHEG, other causes and general maternal mortality. It was conclued that the EHPD contributed with a high percentile it compared to the general maternal mortality, and a high coefficient of maternal mortality due to maternity to be a reference hospital.

Keywords: Mortality. Maternal Mortality. Pregnancy Specific Hypertensive Disease. Nursing.


RESUMEN

El objetivo del estudio fue analizar factores de riesgo para la mortalidad materna entre gestantes internadas por enfermedad hipertensiva específica de la gestación (DHEG) en una maternidad escuela en Ceará - Brasil. Se trata de estudio transversal, que analizó, a través de muestra sistemática, 721 prontuarios de gestantes internadas con diagnóstico clínico de DHEG (15% del total) en el período de 1992 a 1997. Se realizó análisis univariado de las variables consideradas por la literatura como anticipadoras para óbito por DHEG y aquellas significativas con prueba de Fisher (p<0,05) fueron incluídas en análisis multivariado. Después de regresión logística multivariada, edad, eclampsia, hemorragia transvaginal, edad gestacional, insuficiencia renal y síndrome Hellp fueron factores de riesgo para óbito en pacientes con DHEG. La eclampsia (OR 8,0; IC 95% 3,87-16,56), se mostró como lo más importante factor de riesgo para la mortalidad materna. Se verificó coeficientes de mortalidad materna en la maternidad del 115,5; 110; 225,6 por 100.000 nacidos vivos, respectivamente, para DHEG, otras causas y mortalidad materna general. Se concluye que la DHEG contribuyó con un percentil alto comparado a la mortalidad materna general, e un alto coeficiente de mortalidad materna debido ser un hospital de referencia.

Palabras-clave: Mortalidad. Mortalidad Maternal. Enfermedad hipertensiva específica del embarazo. Enfermería


 

 

INTRODUÇÃO

A mortalidade materna é definida como a morte de uma mulher durante a gestação ou dentro de um período de 42 dias após o término da gestação, independentemente de duração ou da localização da gravidez, devida a qualquer causa relacionada com ou agravada pela gravidez ou por medidas tomadas em relação a ela, porém não devidas a causas acidentais ou incidentais1.

Segundo, ainda, a décima revisão da Classificação Internacional de Doenças, adiciona-se a essa definição a morte materna tardia, que é a morte de uma mulher por causas obstétricas diretas ou indiretas, ocorridas após 42 dias, porém, com menos de 365 dias após o término da gestação, desde que relacionado à gestação, parto ou puerpério2.

Nos países do terceiro mundo, as mortes de mulheres em conseqüência de complicações da gravidez, parto ou puerpério são importante problema de saúde pública, e elas representam uma das principais causas de óbito em idade fértil. As síndromes hipertensivas da gravidez mantêm-se como as principais causas de mortalidade materna, assim como determinam significativo incremento da morbidade e mortalidade perinatal. As complicações maternas mais freqüentes são a síndrome Hellp, eclampsia, insuficiência renal em situações mais graves3. Com a evolução da doença, há um comprometimento da perfusão de vários órgãos, como placenta, rins, fígado, cérebro e pulmões4.

A ocorrência de hipertensão arterial na gravidez é uma das complicações que contribuem para o aumento da ocorrência do óbito. Essa associação é freqüente, com prevalência de aproximadamente 10% na população obstétrica5. Nos países em desenvolvimento, especialmente na América Latina, constitui-se numa das principais causas de mortalidade materna6. Considerando estatísticas populacionais do Estado de São Paulo, a hipertensão arterial foi a principal causa de mortalidade materna em estudo realizado no período de 1980 a 19847. Em estudo realizado na Maternidade Therezinha de Jesus, em Juiz de Fora-MG, relativo aos anos de 1927 a 1985, estudo de 60 anos, os autores concluíram ser a doença hipertensiva específica da gestação uma das causas principais dos óbitos ocorridos naquele hospital8. Outro trabalho realizado abordando o tema foi o do Hospital Geral de Goiânia-GO com analise de 73 óbitos ocorridos na Clínica Obstétrica do Hospital Geral entre 1975-1988. A infecção pós-aborto foi a causa mais importante e a hipertensão na gestação veio como segunda causa de óbito9.

A comparação dos indicadores de mortalidade materna entre países desenvolvidos como Canadá e Estados Unidos, que têm coeficiente de mortalidade materna inferior a 9:100.000 nascidos vivos, e países como Bolívia, Peru e Brasil, com coeficientes superiores a 100 mortes por 100.000 nascidos vivos, evidencia muito bem a disparidade entre estes dois blocos10. Entretanto, países não desenvolvidos que estabeleceram metas de política que garantem saúde para a sua população, como Chile, Cuba, Costa Rica e Uruguai, conseguiram diminuir suas taxas de mortalidade materna para menos de 40 óbitos por 100.000 nascidos vivos10. É muito mais baixo comparado aos dados do Brasil que chega a 99 por 100.000 no Estado de São Paulo11.

No Ceará, dados recentes mostram declínio do coeficiente de mortalidade materna. Esse coeficiente foi, respectivamente, em 1998 e em 2001, 93,3 e 75,3 por 100 mil nascidos vivos, valores que significaram uma redução de 23,9% nesse período6. Agrupando os óbitos ocorridos segundo a Classificação Internacional de Doenças-CID-10, evidência-se como primeira causa de óbito a doença hipertensiva específica da gestação (24,3%), seguida por causas decorrentes de complicações hemorrágicas (21,4%)12.

Este estudo foi delineado com o objetivo de identificar fatores de risco para mortalidade materna entre gestantes internadas por doença hipertensiva especifica da gestação (DHEG) em uma maternidade escola no Ceará, O presente estudo pretende contribuir para a compreensão da problemática da mortalidade materna no cenário de estudo para que subsidie estratégias eficazes de prevenção desses óbitos.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal realizado na Maternidade Escola Assis Chateaubriand-Universidade Federal do Ceará (MEAC-UFC), Fortaleza, Brasil. A Instituição atende a toda região metropolitana, além de constituir-se em centro de referência para todo o interior do Estado, e funciona como núcleo de formação e aperfeiçoamento de profissionais ligados à área da saúde.

No período de 1992 a 1997, foram realizados 56.697 partos na maternidade. Das 4.694 gestantes com diagnóstico de DHEG internadas no referido período, obteve-se uma amostra sistemática de 721 prontuários, o que constituiu a população de estudo desta investigação. Calculamos o tamanho da amostra pela média de admissão entre os seis anos analisados. Para tanto, por meio da elaboração de uma planilha com o número de prontuário substituído com um número de 1 a 4.694, escolhemos a amostra de 7 em 7 prontuários. Quando o prontuário selecionado não era encontrado, substituíamo-lo pelo anterior ou posterior.

Os coeficientes específicos de mortalidade na maternidade de estudo foram calculados dividindo-se o número de óbitos por determinadas causas pelo número de nascidos vivos na MEAC-UFC, para o ano da ocorrência, e multiplicando-se por 100.000.

As seguintes variáveis disponíveis nos registros médicos e de enfermagem foram obtidas nos prontuários através de um formulário com questões pré-codificadas e abertas, testado e reajustado no estudo piloto: idade, assistência pré-natal, idade gestacional, número de gravidez, paridade, número de abortos, hipertensão, préeclampsia leve e grave, eclampsia, trabalho de parto prematuro, amniorrexe prematura, descolamento prematuro da placenta, sangramento transvaginal, insuficiência renal, insuficiência respiratória, edema agudo do pulmão, acidente vascular cerebral, distúrbio de coagulação, choque hipovolemico, Síndrome de Hellp, septicemia e tipos de parto.

A idade gestacional foi calculada com base nos dados da última menstruação, na altura do fundo uterino e na ultra-sonografia.

Utilizamos como critérios de inclusão para portadores de DHEG: 1-Idade gestacional mínima de 20 semanas completas. 2-Presença de hipertensão arterial definida como níveis tensionais maiores ou iguais a 140/90mmHg, exames laboratoriais e diagnóstico médico5.

Como critérios de inclusão para Mortalidade Materna Geral, óbitos resultantes de acordo com a última Classificação Estatística Internacional de Doenças e de Problemas Relacionados à Saúde. - 10ª CID2.

Quanto aos aspectos éticos, substituímos o nome e o registro do prontuário de cada paciente por um número para preservar o sigilo de cada registro. Seguimos também todas as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa contidas na Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde.

As análises foram realizadas utilizando-se os softwares EPINFO versão 6.04a e STATATM versão 5.0. Incicialmente realizou-se análise univariada e utilizou-se o teste exato de Fisher e o teste qui-quadrado (X2) para tendência para identificar os fatores associados ao óbito em pacientes com DHEG. Em seguida, aqueles que se mostraram significativos, com p<0,05, foram incluídos numa análise multivariada, realizada através de regressão logística. Na avaliação do ajuste entre as variáveis e os fatores de confusão que poderiam estar incluídos no modelo de regressão múltipla, realizamos um teste utilizando o método de Hosmer-Lemeshor. Após a realização do teste, verificamos que o ajuste utilizado apresentava 84% de chance de ser o modelo ideal.

 

RESULTADOS

Descrição da amostra

A Tabela 1 mostra o perfil das gestantes analisadas no estudo. Cerca de 44% das gestantes tinham idade entre 21 e 30 anos. A idade variou de 13 a 45 anos, sendo a média e mediana de 27 anos (DP= 7,9 anos). A maioria dos óbitos ocorreu na faixa etária de 21 a 30 anos. Avaliando todos os óbitos observamos que 33,9% das mulheres tinham faixa etária de 31 a 45 anos, enquanto que entre os não óbitos, o percentual foi 19,1%, e as mulheres que foram a óbito eram mais velhas.


Tabela 1 - Clique para ampliar

 

Apenas em 19% dos prontuários havia o registro de seis ou mais consultas de pré-natal e em 48,6% deles quatro a cinco consultas. Entre os óbitos ocorridos, 31,4% das mulheres não havia realizado nenhuma consulta de pré-natal. Analisando a idade gestacional, cerca de 63% dos partos ocorreu após 37 semanas de gestação. Quanto aos óbitos, 52 mulheres (54,2%) morreram com menos de 37 semanas de gestação e 44 (45,8%) com mais de 37 semanas de gestação. Nas idades gestacionais mais precoces, a mortalidade materna foi maior.

Observamos que 16% das mortes maternas ocorreram em mulheres que já tiveram 5 ou mais partos, 38,7% durante o primeiro parto e 45,3% entre 2 e 4 partos.

A cesárea foi realizada em 78,3% das pacientes, constituindo-se a forma predominante de resolução da gravidez. Com relação aos óbitos, 60,8% ocorreram em cesáreas, 36,1% em partos vaginais e 3,1% em partos fórceps.

Mortalidade materna geral

Observamos através da Tabela 2 um coeficiente de mortalidade materna geral (CMMG) de 225,6 mortes maternas por 100 mil nascidos vivos na Instituição. Com relação ao coeficiente de mortalidade materna (CMM) por DHEG, a incidência foi de 115,7 de mortes por 100.000 nascidos vivos e, por outras causas, um Coeficiente de Mortalidade Materna de 110. Observamos através dos dados da tabela que a DHEG continuou, ao longo dos anos, uma das mais sérias complicações do ciclo gravídico-puerperal.


Tabela 2 - Clique para ampliar

 

Analisando-se os óbitos ocorridos particularmente no ano de 1997, verificamos um declínio, muito provavelmente devido ao fechamento da Unidade de Terapia Intensiva, quando se passou a não receber mais pacientes em estado grave, transferidas de outras instituições.

Observamos que 34,7% dos casos de óbitos maternos foram de pacientes transferidas de alguns hospitais de menor porte com complicações graves decorrentes da gravidez, do parto ou puerpério e que já tinham recebido algum tipo de tratamento terapêutico. Em virtude disso, o coeficiente de mortalidade materna da MEAC-UFC torna-se superestimado, já que o numerador será o número de nascidos vivos nessa maternidade.

Dos 121 óbitos ocorridos, 62 (51,2%) foram por doença hipertensiva específica da gestação (DHEG) e 59 (48,8%) por outras causas. Da amostra em estudo, 161 tiveram eclampsia, 273 pré-eclampsia grave, 170 préeclampsia leve, 24 hipertensão crônica, 08 hipertensão e 26 pré-eclampsia/eclampsia sobreposta. Os dados encontrados mostraram que a doença foi maior em jovens na faixa etária de 13 a 25 anos. Entretanto, a maioria da ocorrência dos óbitos (52%) ocorreu na faixa etária de 26 a 45 anos. Outro dado importante foi a ocorrência de maior freqüência (61%) da doença em primíparas, mas, quanto à ocorrência do óbito, a maioria (54 %) foi em multípara. Entre as 161 pacientes atendidas com eclampsia, 37 (23 %) apresentaram evolução fatal. Dessas, 14 (38%) foram primíparas e 19 (52%) multíparas. Não se encontrou associação (teste exato de Fisher p=0,109) entre o óbito e a DHEG em primíparas.

Em quase todos os casos de mortalidade materna por DHEG, ocorreu mais de uma complicação clínica grave responsável pelo mau prognóstico e evolução das pacientes. No Gráfico 1, são mostradas as principais complicações que determinaram o óbito materno. O acidente vascular cerebral ocorreu em 79% dos casos, edema agudo do pulmão em 57%, insuficiência respiratória aguda em 50%, seguindo-se a Síndrome de Hellp em 45%, além do choque hipovolêmico, insuficiência renal e a septicemia.

 

A Tabela 3 apresenta características históricas gestacionais e clínicas das pacientes e sua associação à mortalidade por DHEG, quando analisadas individualmente por meio do teste de Fisher com (p<0,05). As gestantes com idade entre 26 e 45 anos (OR=1,7; IC95%: 1,01-2,88); as com idade gestacional <37 semanas (OR=2,8; IC95%: 1,59-5,02) e as multíparas (OR=1,8; IC95%=1,06-3,15) apresentaram chances mais elevadas de mortalidade quando comparadas às mais jovens, de menor idade gestacional e as primíparas.


Tabela 3 - Clique para ampliar

 

Com relação à classificação da DHEG, a eclampsia foi o fator de maior risco. As pacientes tiveram seis vezes mais chance de morrer (OR=6,3; IC95%: 3,70-10,99) quando comparadas às pacientes que não evoluíram com quadro de convulsão (eclampsia). As pacientes que apresentaram pré-eclampsia tiveram cerca de quatro vezes mais chances de morrer (OR=4,1; IC 95% 1,21-14,29) quando comparadas àquelas que não apresentaram o mesmo diagnóstico mórbido.

Entre as complicações obstétricas observadas, as pacientes com trabalho de parto prematuro apresentaram vinte cinco vezes mais chance de morrer (OR=25,1; IC95%10,52-59,94) quando comparadas às que pariram com uma gestação a termo. Pacientes que apresentaram descolamento prematuro da placenta apresentaram quase dez vezes mais chance de morrer (OR = 9,9; IC95%: 3,24-30,71) quando comparadas as pacientes sem a ocorrência dessa complicação. Pacientes com sangramento transvaginal tiveram três vezes mais chance de morrer quando comparadas às mulheres que não apresentaram o sangramento (OR = 3,1; IC95%: 1,57-6,07).

No que diz respeito às complicações clínicas, mulheres que apresentaram insuficiência respiratória tiveram quase quatorze vezes mais chance de morrer (OR=13,9; IC95%: 6,57-29,73) quando comparadas a outras mulheres que não apresentaram a complicação. Pacientes com edema agudo de pulmão apresentaram quinze vezes mais chance de morrer (OR=15,0; IC95%: 3,29-69,00) quando comparadas às pacientes sem a complicação. Outra complicação clínica importante para o risco de óbito foi o acidente vascular cerebral (AVC); as mulheres tinham cinqüenta e duas vezes mais chance de morrer (OR=52,2; IC95%: 16,68-163,72) quando comparadas às pacientes sem complicação por AVC. As mulheres que apresentaram como diagnóstico médico insuficiência renal e as complicadas por síndrome Hellp tiveram chance cerca de onze vezes mais elevada de óbito do que aquelas que não apresentaram esta complicação.

Como demonstrado na Tabela 4, após a regressão logística multivariada e controle dos fatores de confusão, somente as variáveis idade (OR=2,5), idade gestacional (OR=1,9), eclampsia (OR=8,0), sangramento transvaginal (OR=4,9), insuficiência renal (OR=4,6) e síndrome Hellp (OR=3,1) foram fatores de risco para o óbito em pacientes com DHEG.


Tabela 4 - Clique para ampliar

 

DISCUSSÃO

Os resultados do presente estudo mostram que a maioria dos óbitos verificados na mortalidade materna geral, na MEAC-UFC, ocorreu em mulheres com idades entre 21 e 30 anos, e em multíparas. Semelhantes resultados foram encontrados em trabalho realizado na Universidade Federal de Minas Gerais, em 18 óbitos maternos, quando 88,9% foram em mulheres que tiveram idades inferiores a 40, existindo uma maior freqüência no grupo etário de 20-29 anos13. Na Maternidade Therezinha de Jesus em Juiz de Fora, em estudo analisado de um período de 60 anos, os autores encontraram uma maior incidência de óbitos nos grupos etários de 20-29 anos8. Coincidem, ainda, os resultados desse estudo com os do Piauí, onde a maioria dos óbitos maternos verificados ocorreu em mulheres em idade entre 20-30anos, e em multíparas14.

Para esse estudo, a primeira gestação e a primiparidade não foram fatores de risco para o óbito na DHEG. A primeira gravidez apresentou (OR=0,64 IC95%, 0,37-1,10). As multíparas apresentaram um risco de morte quase duas vezes mais elevada quando comparadas às pacientes que sobreviveram (OR=1,8; IC95%: 1,06-3,15). A história de abortamento foi outro fator não significante como risco, quem já havia tido aborto apresentou (OR=1,1; IC 95%: 0,54-2,27). No estudo de uma análise multivariada dos fatores de risco para préeclampsia em mulheres que deram à luz nos Centros Médicos permanentes na Califórnia do Norte em 1984 e 1985, mulheres multíparas com história de abortamento foi fator de proteção na pré-eclampsia15. No nosso estudo para melhor análise, considere-se o fato de se conhecer a paridade de apenas 77% das mulheres estudadas.

O número de consultas de pré-natal não apresentou uma associação estatisticamente significante (p=0,076) para o risco de óbito (OR=6,1; IC95%: 0,82-46,10).

Em relação à assistência pré-natal, observamos uma baixa cobertura da assistência. Contudo, a presença da assistência pré-natal em apenas 19 % dos casos estudados entre óbitos e não óbitos coincide com relatos nacionais, como o estudo realizado no Piauí, os autores estudaram 28 óbitos de pacientes atendidas em uma Maternidade em Teresina e observaram um percentual de 78% sem nenhum tipo de assistência pré-natal14.

A respeito do risco ao óbito em mulheres com trabalho de parto prematuro, há de se considerar que essa prematuridade pode também ter sido por uma conseqüência da conduta médica através da indução do trabalho de parto.

Quanto à forma de resolução da gravidez, dados da literatura têm demonstrado que a cesárea é um fator de risco importante para o óbito materno14. Embora o risco venha caindo progressivamente, a cesárea é 5,8 vezes mais freqüentemente associada com a morte materna do que o parto vaginal8.

A indicação de parto cesariano é valorosa quando este é realizado com a finalidade de salvar vidas e prevenir seqüelas neonatais, provocadas principalmente por partos distócicos16.

Pelas informações epidemiológicas encontradas nessa pesquisa, a DHEG foi mais freqüente em primíparas (61 %). Porém, ao se avaliar o óbito, sua ocorrência foi maior (54 %) em multíparas. Essa freqüência é semelhante ao estudo de 56 óbitos maternos analisados no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, entre 1986-1988, os pesquisadores observaram que entre as causas principais dos óbitos estavam a hipertensão na gestação e as infecções obstétricas. Observaram, ainda, com relação à paridade, que 44,8% eram secundíparas a quartíparas e as demais, 13,8%, grandes multíparas17.

Como a literatura afirma que tanto a idade como a primiparidade são fatores de risco para a DHEG, era esperado que encontrássemos um elevado risco para o óbito, entre as nulíparas ou primíparas com essa doença.

A doença hipertensiva específica da gestação (51,2%) foi apontada como principal causa do óbito materno na MEAC-UFC no período estudado. A relação entre o número de casos de eclampsia e o número de partos (uma eclampsia para 352 partos) foi bastante elevada, superando em muito a proporção apresentada em outros trabalhos publicados. Em estudo do levantamento da mortalidade materna ocorrida em Nova York, entre 1981-1983, o pesquisador observou que 7,5% dos óbitos estiveram associados com eclampsia18.

No Serviço de Obstetrícia e Ginecologia do Hospital Barros Luco-Trudeau, no Chile, os pesquisadores observaram que, nos últimos vinte anos, a eclampsia contribuiu como primeira causa específica de morte materna, depois do aborto provocado 19. Outros pesquisadores, analisando as causas de mortalidade materna por eclampsia na Clínica Obstétrica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, entre 1974-1983, observaram que a eclampsia foi a principal causa de óbito materno na instituição, sendo responsável por 36% deles20. Por outro lado, a instituição é reconhecida como centro especializado no tratamento de gestações de alto risco. O mesmo acontece com a MEAC que é caracterizada como hospital de nível terciário, para o qual são encaminhadas as pacientes graves e/ou com patologias raras, para diagnóstico e/ou tratamento.

Preocupadas em diminuir o número de mortes maternas, a Direção da MEAC iniciou em 1999, o Comitê de Mortalidade Materna, instrumento eficaz para o reconhecimento da dimensão real da mortalidade materna, com um processo de vigilância epidemiológica através da busca ativa diária. Implantou também um ambulatório de referência para assistência às gestantes de alto risco.

Na população de estudo, as causas diretas ocorreram em 77% dos óbitos, e nas indiretas 23%. Nos Estados Unidos, em 19 regiões do país, no período de 1983-1987, 84,4% dos óbitos foram causas diretas e 15,6% causas indiretas21. No mesmo país, entre 1981-1983, 55% de mortalidade materna foi causa direta e 45% indireta18. No Brasil, pesquisadores, analisando óbitos em Juiz de Fora na Maternidade Therezinha de Jesus, entre 1927-1986, observaram como causas diretas 80,3% dos casos8. Igualmente a esses, vários outros estudos mostraram que mortalidade materna direta apresenta maior causa de óbito9.

Na análise dos fatores de risco para mortalidade materna por doença hipertensiva específica da gestação (DHEG), encontramos que a eclampsia, a idade, as complicações obstétricas como idade gestacional < 37 semanas de gestação, sangramento transvaginal e as complicações clínicas como insuficiência renal, e a Síndrome de Hellp elevaram muito o risco para o óbito materno. Em relação a outros fatores de risco que continuam a ser discutidos como fatores significantes na associação com óbito, percebemos algumas diferenças como, por exemplo, a nuliparidade e extremos de idade. Entretanto, na análise de regressão logística, depois do controle dos fatores de confusão, permaneceram somente como fatores significantes a idade, idade gestacional, paridade, eclampsia, sangramento transvaginal, insuficiência renal e a síndrome Hellp.

Estudo realizado com 70 pacientes com pré-eclampsia severa e 18.964 controles sem a doença, na Maternidade Sinai Medical Center, no período de 1987-1991, os fatores de risco para o desenvolvimento da pré-eclampsia encontrados foram a obesidade e história de préeclampsia. A obesidade severa foi fator de risco para multípara e nulípara e a história de pré-eclampsia para multípara22. Em pesquisa realizada sobre uma análise multivariada sobre os fatores de risco para pré-eclampsia em 139 mulheres com DHEG e 132 normais nos Centros Médicos permanentes na Califórnia do Norte, entre 1984 e 1985, os pesquisadores encontraram como risco a raça e história familiar de hipertensão15.

Complicações Clínicas

As complicações cerebrais, seguidas das pulmonares, contribuíram para as causas do óbito materno na DHEG neste trabalho. O acidente vascular cerebral, o edema agudo do pulmão e a insuficiência respiratória foram identificados como fatores de risco para o óbito, entretanto, não entraram no modelo de regressão logística múltipla porque o efeito dessas complicações pode ser confundido com outros fatores. Por exemplo, com a eclampsia que evolui conjuntamente com várias complicações clínicas.

Conforme estudo realizado na Escola Paulista de Medicina23 e no Hospital General del Oeste em Caracas24, os dados encontrados foram semelhantes aos da nossa amostra. Na Faculdade de Medicina da Universidade São Paulo (USP), por outro lado, os pesquisadores relacionaram em primeiro lugar a insuficiência respiratória. Afirmaram que as mortes maternas decorrentes da eclampsia estariam, principalmente, vinculadas às complicações pulmonares e cerebrais inerentes à patologia e, conseqüentemente, à assistência médica tardia ou mesmo inadequada20.

Verificamos que as principais causas de óbitos incluídas neste estudo, tais como idade, eclampsia, idade gestacional <37 semanas de gestação, sangramento transvaginal, insuficiência renal e síndrome de Hellp são passíveis de prevenção, sem sequer exigirem tecnologias avançadas.

Classificamos 64,5% dos óbitos maternos neste estudo como passíveis de evitabilidade. Se houvesse melhor estruturação do atendimento materno no local de origem dessas pacientes, muitas dessas mortes poderiam ser evitadas.

Procuramos classificar a evitabilidade da mortalidade materna de cada paciente ocorrida na MEAC-UFC de acordo com o diagnóstico, na análise da pertinência das medidas terapêuticas adotadas, nas disponibilidades dos serviços de atenção disponíveis na clínica obstétrica ou Unidade de Terapia Intensiva, nos antecedentes clínicos e obstétricos da paciente.

Concluímos que os coeficientes de mortalidade materna por causas específicas na MEAC-UFC são elevados em função de ser um hospital de referência que recebe pacientes graves de todo o Estado do Ceará.

A doença hipertensiva específica da gestação contribuiu com um percentual elevado quando comparado à mortalidade materna geral por outras causas.

Os fatores de risco significantes para mortalidade materna em pacientes com DHEG foram: eclampsia, paridade, idade, idade gestacional <37 semanas de gestação, sangramento transvaginal, insuficiência renal e síndrome Hellp.

Os dados apresentados revelam grande exposição das mulheres em idade fértil aos fatores de risco para mortalidade materna, a grande maioria das causas encontradas no estudo são preveníveis e, portanto, podem revelar insuficiência de assistência pré-natal adequada.

O presente estudo, baseado na identificação permanente de todos os casos de morte materna ocorridos no período estudado, pretende contribuir para que o problema da mortalidade materna no nosso meio seja mais bem reconhecido e por conseqüência mais eficientemente combatido.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 13/09/2004
Reapresentado em 10/12/2004
Aprovado em 17/01/2005

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