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Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
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CAPES

Volume 17, Número 4, Set/Dez - 2013



DOI: 10.5935/1414-8145.20130002

PESQUISA

Atenção domiciliar na estruturação da rede de atenção à saúde: trilhando os caminhos da integralidade

Maria José Menezes Brito 1
Angélica Mônica Andrade 2
Beatriz Santana Caçador 3
Letícia Fernanda de Cota Freitas 4
Claudia Maria de Mattos Penna 5


1 Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte - MG, Brasil
2 Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte - MG, Brasil
3 Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte - MG, Brasil
4 Universidade Federal de Minas Gerais. Belon Horizonte - MG, Brasil
5 Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte - MG, Brasil

Recebido em 30/04/2013
Reapresentado em 10/06/2013
Aprovado em 13/07/2013

Autor correspondente:
Angélica Mônica Andrade
E-mail: angelicamonica.andrade@gmail.com

RESUMO

Este estudo teve como objetivo analisar a Atenção Domiciliar como dispositivo para o fortalecimento da integralidade do cuidado no contexto da Rede de Atenção à Saúde.
MÉTODOS: Estudo de caso múltiplo, de natureza qualitativa, realizado por meio de entrevista com roteiro semiestruturado, entre junho e outubro de 2012, em serviços de saúde de três municípios de Minas Gerais. Utilizou-se a Análise de Conteúdo Temática.
RESULTADOS: Os resultados revelam potencialidades e fragilidades da Atenção Domiciliar no contexto da Rede de Atenção à Saúde. Evidenciou-se a presença de sentidos da integralidade nas práticas de profissionais da atenção domiciliar. A continuidade informacional como mecanismo de gestão favorece a articulação dos serviços na perspectiva de integralidade. A visita domiciliar na Estratégia de Saúde da Família é marcada por desafios a serem vencidos com vistas à sua consolidação e ainda apresenta fragilidades.
CONCLUSÃO: A Atenção Domiciliar constitui importante estratégia para o alcance de práticas pautadas na integralidade.


Palavras-chave: Enfermagem; Assistência integral à saúde; Serviços de assistência domiciliar; Sistemas de saúde.

INTRODUÇÃO

A Atenção Domiciliar (AD) consiste em um dispositivo organizacional e assistencial propício à efetivação de novos modos de produção de cuidado e de intervenção em diferentes pontos da Rede Atenção à Saúde (RAS), pressupondo um cuidado centrado no usuário e em suas necessidades. De acordo com a atual política de saúde brasileira, a AD integra ações destinadas ao indivíduo no seu domicílio, objetivando a humanização do cuidado, a desospitalização, a minimização dos riscos de infecção hospitalar mediante a redução do tempo de internação, quando necessário1.

Em face das diferentes denominações referentes à temática, neste estudo foi adotado o referencial teórico de Atenção Domiciliar que a conceitua como um "termo genérico que envolve ações de promoção à saúde, prevenção e tratamento de doenças e reabilitação, desenvolvidas em domicílio"2:90. A modalidade de atenção domiciliar abrange, portanto, o atendimento, a internação e a visita domiciliária2.

Nessa modalidade, as intervenções são realizadas no domicílio do paciente por uma equipe multiprofissional, sendo fundamental o conhecimento da realidade em que o paciente está inserido e tendo como meta a promoção, manutenção e restauração da saúde2. Ênfase deve ser dada à necessidade de responsabilização mútua entre paciente e equipe de saúde, ressaltando o protagonismo do paciente no seu processo saúdedoença. Nessa perspectiva, a atenção domiciliar permite ao paciente e sua família participação ativa no processo de planejamento, organização, implantação e controle dos cuidados necessários. A atenção domiciliar é estratégia de intervenção em saúde que possibilita práticas mais próximas do conceito de integralidade.

A integralidade tem sido habitualmente usada para designar um dos princípios doutrinários do Sistema Único de Saúde (SUS). Entretanto, sua compreensão ultrapassa a perspectiva organizacional, uma vez que a integralidade revela o arcabouço ideológico da Reforma Sanitária Brasileira, sendo entendida como o ideal que se espera atingir nas práticas de saúde e no delineamento do novo modelo assistencial em construção3.

Nessa perspectiva, torna-se um grande desafio conceituar integralidade, haja vista seus múltiplos sentidos, cabendo, pois, ressaltá-los3. O primeiro é o da integralidade em seu sentido vertical, que pressupõe a busca das necessidades dos usuários por meio de um olhar integral, ampliado, procurando captar holisticamente o que pode beneficiar sua saúde em seus contatos com os diferentes pontos do sistema. O segundo é o da integralidade horizontal, no qual se evidencia que as respostas às necessidades dos usuários geralmente não são obtidas por meio de um primeiro ou único contato com o sistema de saúde, havendo necessidade de contatos sequenciais, com diferentes serviços e acompanhamento do itinerário terapêutico entre eles. O terceiro diz respeito à interação entre políticas públicas e, portanto, à intersetorialidade, conferindo à integralidade um caráter transversal. Além disso, a integralidade se traduz nas características das práticas de saúde que remete ao olhar integral do trabalhador de saúde que, muito além de identificar demandas, precisa captar as necessidades de saúde dos usuários, muitas vezes ocultas e escondidas pela tradicional linguagem da doença.

A formatação da RAS está assentada no princípio da integralidade, pois seu objetivo visa à integração dos serviços de saúde e a interdependência dos atores e organizações, entendendo que nenhum serviço dispõe da totalidade de recursos e competências necessários para a solução dos problemas de saúde da população em seus diversos ciclos de vida4.

A RAS vai sendo delineada em diferentes pontos de atenção por meio de distintos equipamentos com densidades tecnológicas diferentes, nelas distribuídos de modo a resultar em qualidade, eficiência, eficácia e resolutividade5.

Contrariamente à perspectiva de integralidade, o sistema de saúde brasileiro é marcado pelo predomínio de práticas fragmentadas e pontos de atenção que não se comunicam, fragilizando a consolidação deste princípio no cotidiano dos serviços, como também as estratégias previstas para sua concretização, entre elas a AD.

Tendo em vista o exposto, indaga-se: quais são as potencialidades e fragilidades da Atenção Domiciliar para o alcance da integralidade no contexto da RAS? Objetiva-se, portanto, analisar a Atenção Domiciliar como estratégia de fortalecimento da integralidade no contexto da Rede de Atenção à Saúde.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo de casos múltiplos de natureza qualitativa. A escolha desta abordagem se deve ao fato de a pesquisa qualitativa ser orientada para análise de casos concretos em sua particularidade temporal e local, partindo das expressões e atividades das pessoas em seus contextos locais. O método de estudo de casos múltiplos é viável quando há vários estudos que são conduzidos simultaneamente, com diferentes sujeitos ou instituições6.

O universo do estudo foi constituído por três municípios localizados no Estado de Minas Gerais, quais sejam, Ipatinga, Betim e Belo Horizonte. Para tanto, foram analisados um Programa de Internação Domiciliar (PID) localizado em Ipatinga, uma Unidade de Atendimento Imediato (UAI) do município de Betim, que possui uma equipe de AD, e sete Unidades de Atenção Primária com Estratégia da Saúde da Família (ESF) de um distrito sanitário de Belo Horizonte. Salienta-se que cada caso em particular consiste em um estudo "completo", no qual se procuram evidências convergentes ou divergentes com respeito aos fatos e às conclusões para o caso6.

A opção pelos três casos mencionados baseia-se em evidências resultantes de estudos de casos múltiplos, nos quais é possível utilizar a replicação direta. Ademais, as conclusões analíticas que surgem de forma independente tornam-se mais contundentes do que aquelas originadas de um único caso6.

Considerando que é no plano das práticas cotidianas que se dá a construção da integralidade com suas várias interpretações, optou-se, nesse estudo, pela inclusão dos seguintes sujeitos: quatro profissionais de uma equipe multiprofissional de atenção domiciliar de um hospital de Ipatinga (enfermeiro, médico, técnico de enfermagem e fisioterapeuta); três profissionais de uma Unidade de Atendimento Imediato de Betim, em cargos de gerência administrativa e técnica (coordenador da equipe médica e coordenador da equipe de enfermagem) e doze profissionais de nível superior (enfermeiros, médicos e assistentes sociais), e sete enfermeiros da Estratégia de Saúde da Família de sete centros de saúde de um distrito sanitário de Belo Horizonte, em um total de 26 sujeitos. Ressalta-se que, optando-se pelos três casos mencionados, objetivou-se abranger a análise da Atenção Domiciliar em três distintos pontos de atenção da Rede de Atenção à Saúde, quais sejam: a atenção primária, secundária e terciária.

A coleta de dados ocorreu durante os meses de junho a outubro de 2012 por meio de entrevistas com roteiro semiestruturado, realizadas após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias, de acordo com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. A análise dos dados foi orientada pela análise de conteúdo temática, realizada, portanto, em torno de três polos cronológicos: a pré-análise, a exploração do material e o tratamento dos resultados7.

Na apresentação dos resultados, adotou-se o uso de códigos para resguardar a confidencialidade dos sujeitos, com o código "UAI-G" e "UAI-P" para gerentes e profissionais de saúde de Betim, respectivamente, "PID-P" para profissionais de saúde de Ipatinga e "ESF-E" para os enfermeiros de Belo Horizonte, após as citações de falas correspondentes às entrevistas, seguido do número atribuído que a referencia no banco de dados da pesquisa.

Este estudo foi aprovado em 02 de dezembro de 2009 pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais, n CAAE 04941012.0.0000.5149.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados apresentados nesse artigo dizem respeito às congruências relacionadas aos três casos estudados no que concerne às estratégias que potencializam a atenção domiciliar na construção da integralidade das ações, bem como as fragilidades desse tipo de atenção, constituindo assim duas categorias de análise.

Potencialidades da Atenção Domiciliar: trilhando caminhos para a integralidade e a continuidade do cuidado

Os sentidos da integralidade foram evidenciados no cotidiano dos serviços estudados, em especial nos municípios de Ipatinga e Betim3. Observou-se que a Atenção Domiciliar contribui para a integralidade nos três sentidos. No sentido vertical, que pressupõe a busca das necessidades dos usuários a partir de um olhar integral e ampliado, profissionais do PID de Ipatinga e da UAI de Betim elucidam que o PID pode contribuir para um olhar holístico e humanizado no cuidado no domicílio, entendido como um "novo" local para realizar assistência à saúde.

[...] para o paciente é um conforto enorme, porque eu não tiro das responsabilidades domiciliares do que ele desenvolve em casa, ele continua desenvolvendo. Por exemplo, a [paciente] era costureira, então ela estava aqui [internada] ela estava sem trabalhar. Foi internada em casa, ela continuou trabalhando, costurando (UAI-P10).

[...] a gente sempre estuda que o paciente, ou é o cliente, tem que ser tratado como um todo. No PID, principalmente, você tem que tratar ele como um todo, porque ali engloba os problemas não só da doença, da patologia, como às vezes da família, da convivência da família não é boa, a gente tem que estar ali atuando direta e indiretamente nisso (PID-P2).

O PID tem como objetivo a desospitalização, porque se sabe que o paciente tratado em casa tem condições de recuperação mais rápida haja vista que nós estaremos evitando as complicações decorrentes da infecção hospitalar, do próprio quadro mental, psicológico de paciente quando ele está internado muito tempo. O lar é um excelente lugar de tratamento porque a pessoa está rodeada de familiares, de amigos, né? Muito gratificante mesmo e acho interessante a visão que nós profissionais da saúde temos dentro do lar da pessoa, é outra visão do paciente. Então, uma coisa é você atender o paciente de uma forma impessoal, né? E dentro do hospital, dentro de um consultório, dentro de um ambulatório... e, quando você está na casa do paciente, você passa a ter uma outra visão, das necessidades do paciente, das deficiências, do sofrimento do paciente, então, dentro do lar a visão se torna muito mais ampla (PID-P3).

A integralidade no sentido horizontal, na qual se evidencia que as respostas às necessidades dos usuários geralmente não são obtidas por meio do primeiro ou único contato com o sistema de saúde, foi observada neste estudo. O PID "facilita" o elo entre o usuário e os serviços de saúde.

O PID já funciona melhor; no momento que ele vai, a equipe já comunica com a equipe do PAD. Então o pessoal do posto já fica sabendo que aquele paciente tem previsão de alta, ou seja, a partir daí é o PAD que vai dar continuidade, a APS é que vai dar continuidade, então esses pacientes que vão para o PID, a gente consegue dar uma continuidade junto com a atenção básica (UAI-G1).

O PID é como um elo entre o hospital e os postos de saúde, sabe? A gente consegue trabalhar realizando a desospitalização do paciente, mas tendo a referência do hospital para o caso de uma intercorrência. E com os postos a gente envolve principalmente na alta do paciente que aí a gente encaminha para o posto de saúde, entendeu? (PID-P1).

O terceiro sentido remete a incorporação de um caráter transversal à integralidade. É o que se apresenta do depoimento de um profissional do PID de Ipatinga.

[...] o objetivo, quando nós chegamos, quando adentramos ao lado da pessoa, nosso objetivo focado ali é, sobretudo, preparar a família, para cuidar desse paciente. Porque, por exemplo, uma pessoa é saudável e de repente ela tem um AVC, agudo né? Vai para cama, não fala, não anda, como é alimentar por sonda nasoentérica ou gastrostomia, ou mesmo que usar a sondagem de alívio. A família, quando o paciente tem alta, entra em perturbação, eles chegam totalmente estressados! Então o programa tem essa finalidade de dar suporte para essa família nesse primeiro momento, então nós vamos à casa da pessoa, e lá nós ensinamos a cuidar do paciente. [...] quando a família recebe esse treinamento, ela passa a assumir esse paciente em tudo, então nós passamos também lá, mas é claro reduzimos mais essas visitas, deixamos gradativamente. Nós vamos transferindo esses cuidados ao familiar, isso funciona muito bem, porque eles aprendem com muita facilidade, sabe? (PID-P3).

Revela-se, por meio deste depoimento, que a AD propicia a atenção voltada para condições que não são, por vezes, valorizadas no âmbito hospitalar. É reconhecido que a AD propicia um cuidado inovador e singular em saúde, uma vez que o trabalho nesta modalidade de assistência está associado ao uso de diferentes saberes além do científico, proporcionando relações mais próximas com usuários e familiares assistidos no seu cotidiano de vida8. Assim, os profissionais podem "defrontar-se com universos culturais e sociais complexos e polêmicos". Nesta particularidade da atenção domiciliar surge a possibilidade de "interação, superação de preconceitos, invenção de soluções e resgate de redes de solidariedade"9:183.

A AD é percebida como um esforço de mudança na organização dos serviços de saúde, buscando superar o modelo assistencial centrado em cuidados hospitalares, embora estes sejam imprescindíveis em situações específicas10.

Uma das potencialidades observadas no estudo foi a continuidade do cuidado como atributo para alcançar a integralidade. A continuidade do cuidado está relacionada a um problema de saúde específico e a sucessão de eventos com vistas a resolvê-lo; desse modo, observou-se que o PID tem esse caráter de "resolver e continuar" no domicílio o tratamento iniciado na UAI e no hospital11. Nesse estudo, o PID revela-se como potencial estratégia para o alcance da continuidade do cuidado, contribuindo assim para a integralidade.

Uma das melhores ferramentas para a continuidade é o PID, nosso PID foi o mais efetivo, nosso PID funcionou esse ano, ele consegue tirar da unidade muitos pacientes e consegue dar um encaminhamento para aquele paciente. Eu consigo acabar o tratamento dele no domicílio, para ele vai ser melhor o PID (UAI-G2).

Porque, para dar continuidade no tratamento do paciente, a recuperação total, o PID influencia muito;às vezes o paciente sai do hospital e tem uma ferida, aí sai do hospital vai para casa, o que vai acontecer? O cuidador vai ser treinado pelo PID a cuidar dessa escara, para reabilitar novamente o paciente. E quando tem que dar alta para o paciente, [...] a partir daí ele passa a ser acolhido pelo PSF (PID-P2).

A literatura aponta vários tipos de continuidade, entre as quais destaca-se a continuidade informacional, que diz respeito ao acesso à informação sobre a assistência prévia, sendo entendida como uma conexão que liga o cuidado de um profissional a outro profissional e um evento acontecido com o indivíduo a outro11. Pode-se observar, então, no cotidiano do PID, a troca de informações entre os profissionais e os serviços com vistas ao alcance da continuidade.

O PID tem contato direto com o PSF, então tudo que o paciente precisa tem: o encaminhamento do PID para o PSF, o médico do PSF também acompanha (UAI-G2).

Sempre tem aquela referência e contrarreferência. Tem ligação, a gente liga, comunica com as pessoas em outros setores, nunca tive problema não. Às vezes faz contato com a gente e aí a gente dá a resposta. Pelo menos no meu setor a gente tem essa contrarreferência (PID-P1).

Dessa forma, a integralidade se configura como espaço de intersubjetividade, favorecendo o diálogo entre os profissionais de saúde, com fortalecimento da comunicação entre os diversos serviços de saúde12. Ressalta-se que, no município de Betim, o Programa de Atenção Domiciliar (PAD) encontra-se vinculado à Atenção Primária à Saúde (APS), caracterizando a modalidade AD1 descrita na legislação vigente1. No que diz respeito à AD, vislumbra-se que, dada a diversidade de possibilidades desta modalidade de atenção, seu entendimento na rede é mais complexo, uma vez que a organização do seu conjunto tecnológico depende de sua interface com os diferentes serviços. Assim, quando organizado sob a lógica de atendimento domiciliar, tende a maior proximidade com os serviços de atenção primária; quando organizado para internação domiciliar, tende a maior articulação com os serviços hospitalares8.

Neste sentido, a localização do PID na RAS de Ipatinga parece ser um facilitador para a articulação entre os serviços. De acordo com os depoentes, a integração com o hospital, onde o PID se situa, ocorre de forma harmoniosa e simplificada. Além disso, a integração com outros serviços é beneficiada mediante estratégias de comunicação, fortalecendo a continuidade informacional.

Igual ao caso de paciente quando necessita da internação; estava com o PID e teve alguma complicação e tem que voltar para o hospital. Então, pelo PID estar aqui no hospital, é bem mais fácil esse processo de reinternar. E com a Saúde da Família, também, em casos de alta, sempre tem que repassar para o PSF. Eu acho que é uma boa comunicação o pessoal tem que chegar e comunicar. [...] Escrita e também verbalmente (PID-P2).

No caso de Ipatinga, referente à análise da AD na atenção terciária, observou-se que a articulação em rede possibilita a cooperação e solidariedade entre os serviços, gerando benefícios para atendimento das demandas dos usuários da AD. Evidenciouse a necessidade de integração da AD com o nível terciário de atenção à saúde, uma vez que existe a dificuldade para a readmissão hospitalar, insuficiência de estratégias de apoio e continuidade para o cuidado e problemas relativos aos sistemas de referência e contrarreferência13.

O contato telefônico torna-se uma estratégia de comunicação significativa para a articulação do PID com outros serviços de saúde, fortalecendo a continuidade informacional, conforme evidenciado por P03.

O que favorece a articulação é isso, o diálogo. Nós ligamos para a unidade de saúde. Nós colocamos a disposição para orientações, para esclarecimentos (PID-P3).

Salienta-se que o contato telefônico foi utilizado para a articulação com diferentes setores e serviços do município, sendo mais frequente com o serviço de APS14. Outro aspecto evidenciado no estudo em Ipatinga diz respeito à emissão de relatórios por escrito para a alta do PID. Tais relatórios são emitidos pelos profissionais de saúde e entregues aos usuários ou cuidadores que os levam à unidade de saúde com o objetivo de ter a continuidade do cuidado.

Quando eu vou dar alta, se o paciente for dar continuidade, na maioria das vezes a gente encaminha, passa um relatório de alta, o médico faz também (PID-P1).

Assim, mesmo que a emissão e entrega do relatório constituam relevante prática para a articulação em rede, nem sempre acontece de forma sistemática, existindo somente em casos considerados prioritários, com a necessidade de alta referenciada para as equipes de saúde e as famílias10.

Evidencia-se, portanto, que a AD se configura como importante estratégia para o alcance da integralidade, incorporando práticas de integração com outros serviços. A atenção domiciliar, deste modo, representa importante espaço no reordenamento do trabalho na saúde e na reorganização da atenção à saúde.

Visita Domiciliar na Estratégia de Saúde da Família: um desafio a ser superado para o alcance da integralidade

No caso de Belo Horizonte, foi analisada a visita domiciliar de equipes da ESF, contemplando a APS. Ressaltase que a Visita Domiciliar (VD) compõe uma das modalidades da Atenção Domiciliar2. Nesse sentido, esta categoria discute como vem ocorrendo a VD na ESF em um Distrito Sanitário de Belo Horizonte. Não obstante, apresenta relatos de sujeitos advindos da realidade de atenção hospitalar, que indicam as possíveis dificuldades para a operacionalização da VD a partir da APS.

Com relação à AD na Atenção Primária, o estudo revelou fragilidades importantes no que se refere à consolidação da modalidade de VD. Os depoimentos relacionam essa fragilidade ao cotidiano de trabalho da ESF, o qual é marcado por conflitos organizacionais e assistenciais que afetam seu processo de trabalho e a realização de suas atividades.

Então, o mesmo enfermeiro que está aqui dentro para assistência é o mesmo que tem que sair para fazer visita. É o mesmo que não tem tempo para sentar com o agente comunitário para estar programando, organizando as coisas, sabe? (ESF-E5).

Dentre estes conflitos, merece destaque a ambiguidade de ter que responsabilizar-se pelo conjunto de atividades que compõem a dinâmica de funcionamento do centro de saúde e o trabalho específico da ESF. A cobrança que se impõe a esses enfermeiros não é proporcional às condições que lhes são dadas para responder com qualidade às prerrogativas da ESF e ao atendimento da demanda espontânea. Sendo assim, há sempre o conflito de tomar decisões, reconhecendo que alguma atividade será negligenciada para que outra seja realizada.

Assim, os enfermeiros da ESF relatam que a VD é uma das atividades assentadas em segundo plano a fim de dar respostas à demanda espontânea. Esse contexto conturbado de processo de trabalho que se organiza prioritariamente a partir da demanda espontânea faz com que sejam relegadas a segundo plano ações fundamentais da ESF. Assim, não são raras as situações em que os enfermeiros não conseguem sair do Centro de Saúde para intervir diretamente na comunidade, conhecer o território onde são produzidos os processos de ser saudável e de adoecer dos sujeitos, seus afetos, seus sentidos de vida, suas relações, sua cultura e seus modos de viver a vida.

É possível observar que a VD, embora seja de grande importância para se alcançar os objetivos da saúde da família, potencializa os transtornos causados no centro de saúde, haja vista a grande demanda:

A tarde fica eu, um auxiliar de enfermagem e um administrativo que fica na farmácia até três horas e vai embora. Aí, a gente tem que pegar a farmácia também. Por isso, eu diminuí o número de visitas (ESF-E5).

Visita domiciliar eu consigo ir a algumas, não consigo ir a todas. Acho que dá para fazer, mas é tudo muito atropelado sabe. Eu vou largar um tanto de coisa aqui para fazer e vou lá fazer a visita, sempre tem alguma demanda (ESF-E7).

Então nós temos escala, supervisão, temos outras questões que tomam muito tempo. Então nós não temos um horário de visita tão intenso, de vista domiciliar quanto o pessoal que é só de saúde da família, igual no interior tem. Porque Belo Horizonte é uma metrópole e realmente é outro programa (ESF-E3).

Observa-se a influência da organização do processo de trabalho na atenção primária, com a priorização de atividades burocráticas relacionadas a questões estruturais em detrimento de ações voltadas para a integralidade do cuidado. Pode-se inferir que as questões técnicas sobrepõem às subjetivas, relacionais, que permeiam o fazer cotidiano em saúde.

Desta forma, evidencia-se um distanciamento entre a teoria e prática, uma vez que é estabelecido pela legislação vigente que a VD é uma estratégia para o alcance da integralidade, embora predominem, no exercício cotidiano dos profissionais, atitudes fragmentadas e isoladas, mesmo que esteja estabelecida como norma a realização de visitas programadas, como é o caso da ESF1.

A VD revela-se como um lócus privilegiado para fortalecimento do vínculo, construção de canais mais efetivos de diálogo entre profissional de saúde e usuário, bem como para produção de novos saberes15. Além disso, a visita domiciliar visa dar assistência àqueles indivíduos que não têm condições de se deslocarem ao centro de saúde. Negligenciá-la ou preterila em nome de outras demandas pode significar uma contradição importante nas práticas de saúde: quem mais precisa não consegue ter acesso por limitações físicas, e o serviço mantém oculta essa necessidade já que ele não é capaz de bater à porta do serviço reivindicando seu direito à saúde. Torna-se necessário,portanto,a reorganização da atenção primária com vistas à universalidade do acesso a serviços e ações integrais16.

Além da democratização do acesso proporcionada pela VD destaca-se seu potencial de tornar reconhecida a competência profissional do enfermeiro, além de ampliar a visão sobre a comunidade e sua realidade de vida, o que proporciona a construção de planos de cuidado mais efetivos e coerentes:

E eu acho que, quando você tem a oportunidade de sair do posto de saúde, ir para fora, você faz visita, você faz a atividade em lócus na comunidade, você cria espaço, para o atendimento dentro da comunidade, seu trabalho é mais reconhecido, é mais divulgado, e você acaba, também, sendo valorizado profissionalmente. Então, eu entendo que, você fazendo essas atividades, eu acho que você tem um ganho. E também, quando você é reconhecido, isso é claro, todos nós queremos ser bem tratados, reconhecidos, quando você é bem reconhecido dentro da sua população, você sente bem, né? Agora quando você é mal visto, mal reconhecido, isso impacta nas suas atividades. Enquanto você faz atividades in loco, você tem a oportunidade de trocar essa experiência com a pessoa, a pessoa tem mais liberdade, você vai conhecer a área que ela mora, o ambiente dela, que ela vive, o que ela faz e ali você vai ter a oportunidade de organizar o seu trabalho, seja na promoção da saúde, seja na prevenção, seja na orientação, até mesmo para você atender o paciente você vai conhecer ali como é que é, tudo ali que as pessoas vivenciam o dia a dia. Então, a oportunidade de você em loco dentro da sua área de abrangência, conhecendo, ela é muito importante, e o saúde família te proporciona isso (ESF-E2).

Há que se ressaltar que o cotidiano da ESF impacta da organização da AD no ponto de atenção terciária, uma vez que a falta da VD sobrecarrega as funções da equipe do PID.

[...] mas o que acontece... tem coisa que é atribuição da unidade de saúde e eles repassam para a gente. Então a gente deveria ir à unidade de saúde para falar com eles que nós não fazemos alguns atendimentos, que eles deveriam fazer, por exemplo, uma troca de sonda que eles poderiam fazer. Mas não! Se o paciente está acamado, o PID é que faz, então sobrecarrega nosso serviço (PID-P4).

A esse respeito, cabe destacar que profissionais de saúde de Ipatinga e Betim reconhecem as dificuldades de infraestrutura na APS que interferem diretamente no trabalho desenvolvido no PID. Alguns sujeitos descreveram os desafios referentes aos recursos materiais e humanos e, também, à demanda de atendimento como aspectos dificultadores para garantir uma APS abrangente e integral:

[...] no caso de PSF mesmo, às vezes falta material, às vezes não tem carro para levar para as visitas domiciliares, até mesmo falta de profissionais, tem essa carência, isso tudo interfere, né? Não sei, geralmente pode ser pela falta mesmo do material, em geral. Às vezes pode se refletir também pela falta de transporte, que o enfermeiro tem que ir lá, vai, tem que ir na casa da pessoa fazer visita, e às vezes não tem carro para ir, acho que tudo isso influencia ou tem um empecilho (PID- P2).

[...] mas nem sempre essa unidade de saúde, ela tem condições técnicas e de materiais para continuar prestando cuidados a esse paciente, então vários pacientes reclamam disso, eles não encontram materiais necessários, por exemplo, sonda vesical de alívio, material de curativo. Mesmo visita do médico, eles não conseguem [...] (PID-P3).

[...] os usuários reclamam muito... 'ah o PID vem aqui toda semana, eles (profissionais da APS) não vem', a atenção, ela é muito diferente... talvez pelo volume de pessoas que eles atendem, né? A gente tem que ver as limitações deles também, porque a gente tem um número fixo de 70 pacientes por mês, fisioterapia tem um número fixo e eu respeito o cronograma, está na hora de dar alta, recebe alta, dificilmente eu estendo o tratamento (PID-P4).

Em alguns postos, a gente tem muita dificuldade, falta médico, eu não sei assim te falar se é falta de médico em termo de quantidade ou em termo de qualidade (UAI-P2).

Aspectos como deficiências concernentes à disponibilidade de transporte, equipamentos e profissionais na APS indicam entraves relacionados à articulação da atenção domiciliar com a rede municipal de saúde, tendo relação com a continuidade do cuidado nas unidades de APS10. Ressalta-se, pois, a existência de fragilidades na concretização da integralidade que geram lacunas no cenário de atuação da APS que impactam diretamente os serviços de outros pontos de atenção à saúde.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A atenção domiciliar no âmbito do SUS é uma modalidade de atenção à saúde, caracterizada por um conjunto de ações de promoção à saúde, prevenção e tratamento de doenças e reabilitação prestadas no domicílio. Pelo estudo foi possível inferir que esta modalidade assistencial tem proporcionado avanços importantes na continuidade do cuidado e na materialização da integralidade.

A AD revela sua importância no cenário de saúde ao propiciar novos modos de produção de cuidado e de intervenção em diferentes pontos da RAS e, sobretudo, ao transformar o domicílio em mais um espaço de cuidado. Assim, a AD participa da estruturação da RAS e proporciona novas modalidades de intervenção que podem contribuir para a superação do modelo de atenção à saúde, ainda hegemônico.

A VD na ESF constitui uma das modalidades da AD, sendo ferramenta estratégica na APS ao possibilitar aos enfermeiros e demais profissionais da equipe conhecer o contexto de vida dos sujeitos para que seu projeto terapêutico seja exequível e coerente com a sua respectiva realidade. A VD é percebida como um importante espaço de reconhecimento e, portanto, de reforço da identidade sendo também reconhecida como um espaço de exercício de autonomia e de concretização de atividades junto à comunidade.

O presente estudo permite inferir que a estruturação da RAS ainda é um processo em construção, apresentando lacunas importantes no que se refere à capacidade de superar práticas fragmentadas de assistência à saúde. A RAS constitui, dessa forma, uma estratégia organizacional ainda não consolidada no cotidiano dos serviços, que apresenta ainda fragilidades a serem enfrentadas, principalmente relacionadas à complementaridade dos serviços e interdependência entre eles. O trabalhar em rede depende da forma que cada setor atua sobre o que é de sua responsabilidade, pois isso causa nitidamente impactos sobre o agir do outro e pode gerar ou não a continuidade do cuidado. Neste contexto, é necessário repensar e propor estratégias para a superação de lacunas existentes, para que a AD possa apresentar avanços significativos na construção de serviços e práticas mais próximos da integralidade.

Com relação às limitações do estudo, destaca-se que, embora contemple a atenção primária, secundária e terciária em saúde, foi realizado em três municípios, o que pode não expressar a realidade de outras localidades. Assim, novos estudos devem ser realizados para uma maior generalização dos resultados aqui encontrados.

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