Volume 17, Número 4, Set/Dez - 2013
PESQUISA
Validação clínica do diagnóstico "falta de adesão" em
pessoas com hipertensão arterial
Célida Juliana de Oliveira
1
Thelma Leite de Araujo
2
Francisca Bertilia Chaves Costa
3
Alice Gabrielle de Sousa Costa
4
1
Universidade Regional do Cariri. Crato - CE, Brasil
2
Universidade Federal do Ceará. Fortaleza - CE, Brasil
3
Prefeitura Municipal de Fortaleza. Fortaleza - CE,
Brasil
4
Universidade Federal do Ceará. Fortaleza - CE, Brasil
Recebido em 26/04/2013
Reapresentado em 15/06/2013
Aprovado em 29/07/2013
Autor correspondente:
Célida Juliana de Oliveira
E-mail: celidajuliana@yahoo.com.br
RESUMO
O objetivo deste estudo foi validar clinicamente o diagnóstico de enfermagem Falta
de
Adesão em pessoas com hipertensão arterial.
MÉTODOS:
Trata-se de um estudo metodológico, utilizando-se o modelo de validação clínica
de diagnóstico. O conteúdo da proposta do diagnóstico foi inicialmente validado
perante especialistas e depois clinicamente com 128 pacientes com hipertensão
arterial atendidos pela Atenção Primária de Crato-Ceará, com o auxílio de duas
enfermeiras clínicas, especialistas em terminologias de enfermagem e adesão
terapêutica.
RESULTADOS:
Após a validação clínica, o diagnóstico passou a contar com seis características
definidoras e doze fatores relacionados.
CONCLUSÃO:
Considera-se que o estudo forneceu direção para a eficiência do uso dos
indicadores clínicos avaliados, contribuindo com o aprimoramento do diagnóstico
Falta de Adesão e seus elementos constituintes. A Enfermagem deve se apropriar de
suas tecnologias, buscando incrementar e amplificar sua utilização, contribuindo
com a melhoria da assistência prestada.
Palavras-chave: Diagnóstico de enfermagem; Cooperação do paciente; Adesão ao medicamento; Estudos de validação.
INTRODUÇÃO
O objeto de estudo desta pesquisa é o diagnóstico de enfermagem Falta de Adesão, visto que há uma reconhecida dificuldade em manter bons índices de adesão aos tratamentos de doenças crônicas, entre eles o tratamento anti-hipertensivo1-2. Além disso, revisar e validar um diagnóstico deve-se ao amplo reconhecimento da necessidade de estudar o sistema de classificação de diagnósticos de enfermagem proposto pela NANDA Internacional (NANDA-I).
Os hábitos e estilos de vida desregrados das sociedades modernas têm colaborado para o aumento da incidência das doenças crônicas não infecciosas, sobretudo as de origem cardiovascular, que têm se destacado como um dos maiores problemas da saúde pública mundial, exigindo múltiplas habilidades dos enfermeiros e dos demais profissionais de saúde no estabelecimento de ações para a promoção da saúde direcionadas ao seu controle3.
Entre as doenças cardiovasculares, a hipertensão arterial (HA) destaca-se como uma das causas mais frequentes de morbimortalidade de adultos e idosos. Por ser uma doença silenciosa e agressiva e depender da colaboração e participação ativa do indivíduo afetado para seu controle, a adesão às medidas terapêuticas instituídas pela equipe de saúde é um aspecto de fundamental importância para que haja a redução de suas consequências4-6.
Entendendo que essa adesão perpassa o simples seguimento ao regime prescrito pelos profissionais de saúde, a identificação de fatores responsáveis por falhas no cumprimento do tratamento mostra-se útil, permitindo ao enfermeiro atuar mais efetivamente com os pacientes pouco aderentes e elaborar estratégias para contornar esses fatores, visando à obtenção de maiores taxas de adesão7.
Como a prática de enfermagem se caracteriza por uma constante tarefa de coletar, arquivar e fazer uso de informações sobre pacientes, viabilizando seu cuidado, é cada vez maior a necessidade de uma linguagem uniforme e clara que permita o registro e a informatização das informações de enfermagem8.
Uma dessas ferramentas é a taxonomia da NANDA-I, que consiste em uma linguagem de enfermagem reconhecida e é um sistema de classificação aceito como uma prática de suporte à profissão, por meio de uma terminologia clinicamente útil9.
Visando solucionar estes problemas, no Brasil observa-se uma tendência crescente em relação ao desenvolvimento de pesquisas sobre a taxonomia da NANDA-I, tanto em relação à padronização deste sistema de classificação, como no que se refere à validação dos diagnósticos ou seus componentes para sua utilização na prática, na pesquisa e no ensino4,10. Embora os diagnósticos propostos por esta taxonomia sejam bem reconhecidos e aplicados em diversas situações e cenários, eles não são definitivos, uma vez que pesquisas em populações específicas podem permitir seu aprimoramento.
Desta forma, e entendendo que a validação de um diagnóstico de enfermagem é uma fase essencial no desenvolvimento do conhecimento para a prática clínica, tem-se que o processo de validação de conteúdo diagnóstico deve ser uma relevante meta para a enfermagem. Estudos que se propõem a validar diagnósticos de enfermagem compõem a base para o aperfeiçoamento dos diagnósticos já aprovados ou para o desenvolvimento de novos diagnósticos, sendo que a validação clínica é uma etapa importante deste processo, pois permite lidar com as respostas humanas específicas em situações reais, facilitando a identificação das características definidoras e fatores relacionados9,11-13.
Como ressaltado anteriormente, a não adesão total ou parcial ao regime prescrito é considerada um dos principais problemas apresentados pelos indivíduos com hipertensão arterial. Daí advém a extrema necessidade de se identificar precocemente o diagnóstico de enfermagem Falta de Adesão para que soluções sejam buscadas por toda a equipe de saúde junto ao paciente e sua família.
Juntamente com essa problemática do paciente em aderir ao tratamento anti-hipertensivo na sua totalidade, a dificuldade do enfermeiro assistencial em inferir os diagnósticos, especialmente na identificação de suas características definidoras e fatores relacionados, faz surgir uma série de questionamentos sobre a problemática: as características definidoras identificadas no paciente são realmente significativas para confirmar o diagnóstico correspondente? O diagnóstico estabelecido é o correto? O diagnóstico Falta de Adesão proposto pela NANDA-I representa as reais situações ou problemas vivenciados pelos pacientes com hipertensão? Os fatores relacionados apresentados pela NANDA-I representam as prováveis causas do fenômeno de não adesão nos indivíduos com hipertensão?
Este conhecimento poderá favorecer a execução de cuidados de enfermagem melhor direcionados à saúde da população com hipertensão arterial, dimensionando a prática do trabalho de enfermagem para suas reais necessidades. Com isso, este estudo objetivou validar clinicamente uma nova proposta para o diagnóstico de enfermagem Falta de Adesão em pessoas com hipertensão arterial.
METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa metodológica. Na literatura têm sido descritos vários modelos metodológicos que podem ser utilizados para validação de diagnósticos de enfermagem. Entre eles está o método de Fehring, no qual se observam os modelos de validação de conteúdo diagnóstico (Diagnostic Content Validation - DCV) e o de validação clínica do diagnóstico (Clinical Diagnostic Validation - CDV)12,14.
Esta pesquisa é o recorte da terceira etapa de um estudo que visou revisar e validar o diagnóstico de enfermagem Falta de Adesão. Antes de chegar neste ponto, o diagnóstico foi revisado e submetido previamente à validação de conteúdo (por meio do modelo de validação de conteúdo diagnóstico) por enfermeiros especialistas em terminologias de enfermagem e/ou adesão terapêutica, determinando quais características definidoras (CD) e fatores relacionados (FR) têm o melhor significado pretendido para representar o diagnóstico Falta de Adesão em pessoas com hipertensão arterial, quais são os elementos indicativos da existência do diagnóstico e sua adequabilidade e sua definição15.
De acordo com a NANDA-I, o diagnóstico Falta de Adesão é definido como o comportamento da pessoa e/ou cuidador que deixa de coincidir com um plano de promoção da saúde ou terapêutico acordado entre a pessoa (e/ou família e/ou comunidade) e o profissional de saúde. Apresenta as seguintes características definidoras: Comportamento indicativo de falta de aderência; Evidências de desenvolvimento de complicações; Evidência de exacerbação de sintomas; Falha em manter compromissos agendados; Falha em progredir em testes objetivos (p. ex., medidas fisiológicas, detecção de marcadores fisiológicos). Já os fatores relacionados ao diagnóstico Falta de Adesão estão divididos em: Fatores individuais (Capacidades de desenvolvimento; Capacidades pessoais; Conhecimento relevante para o comportamento do regime de tratamento; Crenças de saúde; Forças motivacionais; Habilidade relevante para o comportamento do regime de tratamento; Influências culturais; Pessoas significativas; Sistemas de valores do indivíduo; Valores espirituais); Fatores relacionados ao plano de assistência à saúde (Complexidade; Custo; Duração; Flexibilidade financeira do plano; Intensidade); Fatores relacionados à rede (Crenças percebidas de pessoas significativas; Envolvimento de membros da família no plano de saúde; Valor social em relação ao plano); Fatores relacionados ao sistema de saúde (Acesso aos cuidados; Acompanhamento regular do provedor; Cobertura de saúde individual; Continuidade proporcionada pelo provedor; Conveniência da assistência; Credibilidade do provedor; Habilidade de ensino do provedor; Reembolso pelo provedor; Relacionamento cliente-provedor; Satisfação com o cuidado)9.
Após a revisão integrativa da literatura sobre adesão à terapêutica da hipertensão e a validação de conteúdo pelos especialistas, foram criadas duas novas características definidoras e os fatores relacionados foram reorganizados (incluindo a renomeação de alguns fatores), o que culminou em uma nova proposta para o diagnóstico de enfermagem Falta de Adesão15.
Sendo assim, nesta etapa foi utilizado o modelo de validação clínica do diagnóstico (CDV), no qual a validação fundamenta-se na obtenção de evidências quanto à existência de um dado diagnóstico a partir de uma situação clínica real14. Quando a natureza do diagnóstico é relacionada a desempenho ou fisiologia, o modelo propõe a observação clínica com dois enfermeiros desenvolvendo as observações e medidas. Diferentemente, se o diagnóstico envolve, sobretudo, respostas cognitivas ou afetivas, recomenda-se a obtenção de informações clínicas diretamente do paciente9.
A validação clínica ocorreu quando da investigação da presença do diagnóstico e seus elementos em pacientes com hipertensão, atendidos na Atenção Básica do município de Crato/CE, de novembro de 2010 a março de 2011.
Visando maior confiabilidade estatística, a amostra foi calculada considerando-se como parâmetros um nível de confiança de 95% e um erro de 5%. A prevalência do fenômeno em estudo provém da frequência do diagnóstico de enfermagem Controle Ineficaz do Regime Terapêutico (CIRT) como correlato ao diagnóstico Falta de Adesão em 85% dos participantes no estudo desenvolvido em Fortaleza-CE16. Foi utilizada a prevalência deste diagnóstico (CIRT) devido à ausência de estudos que verificassem a prevalência do diagnóstico Falta de Adesão e por ser este o fenômeno de enfermagem atual que mais se aproxima à Falta de Adesão na população em estudo.
A população média de pacientes com hipertensão atendida por mês na unidade de saúde onde foi desenvolvido o estudo é de aproximadamente 360 pacientes. Com base no cálculo amostral, o número mínimo seria de 128 pacientes a serem avaliados independentemente se o indivíduo apresenta o DE ou não.
Para a seleção dos participantes, eles tiveram que atender aos seguintes critérios de inclusão: Ter idade acima de 18 anos; Estar consciente e verbalizando durante a coleta dos dados; Ter o diagnóstico médico de hipertensão arterial há, pelo menos, um ano; Estar em tratamento medicamentoso para hipertensão arterial há, pelo menos, seis meses.
As enfermeiras avaliadoras foram contatadas para participar do estudo e receberam treinamento prévio para a utilização do roteiro de avaliação construído com as características definidoras e fatores relacionados (e suas definições) revisados na etapa de validação de conteúdo16. Os instrumentos utilizados foram previamente testados com cinco pacientes, excluídos da amostra final e ajustados para a aplicação definitiva.
Inicialmente, a coleta estava planejada para ser realizada na presença simultânea das avaliadoras e da pesquisadora junto aos pacientes, no município de Fortaleza. Entretanto, por conta de mudança de domicílio da pesquisadora, a coleta ocorreu no município do Crato, com a aplicação do roteiro para levantamento dos dados dos pacientes pela pesquisadora, mas sem a presença dos avaliadores.
O instrumento visava identificar as características sociodemográficas e clínico-epidemiológicas e conhecer o tratamento medicamentoso e não medicamentoso dos pacientes. De posse dessas informações, casos clínicos individuais eram desenvolvidos pela pesquisadora e enviados às enfermeiras especialistas, que deveriam verificar a presença ou ausência das características definidores e fatores relacionados e, consequentemente, a presença do diagnóstico de enfermagem.
A percentagem, ou índice, de concordância de cada elemento foi calculada pela divisão entre o número de concordâncias do elemento entre as duas especialistas e o número de concordâncias somado ao número de discordâncias, multiplicado por 100. Em seguida, procedeu-se ao cálculo do índice de concordância total para o diagnóstico de enfermagem estudado, realizado pela somatória dos índices somente das características definidoras e dividindo-se pelo número total de CD15.
O coeficiente de confiabilidade (R) ponderado entre as especialistas clínicas foi calculado pela fórmula proposta por Fehring14 que permite identificar a frequência de cada característica definidora, prevenindo que uma característica que é pouco observada seja avaliada. Define-se que quanto mais próximo de 1 (um) esteja este coeficiente, maior a confiabilidade da característica na representação do diagnóstico.
Foi realizada a análise do grau com que cada característica é indicativa do diagnóstico, observando-se a frequência das características definidoras nos participantes do estudo e classificando-as em: "principais", para aquelas com frequência igual e superior a 80%; "secundárias", para as com frequência entre 79% e 51%; e características "pouco relevantes", para as com frequência igual ou abaixo de 50%.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Ceará, sob o protocolo de No 210/09, e sua realização nas dependências da unidade de saúde foi autorizada pela Secretaria Municipal de Saúde do Crato após os especialistas e pacientes terem assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
De posse da nova proposta para o conceito e para os elementos do diagnóstico Falta de Adesão, anteriormente validados pelos especialistas, passou-se então à etapa de validação clínica do diagnóstico, na qual foi avaliada sua presença ou não em uma população real.
A literatura aponta que, se as CD são identificadas em um grupo em uma situação clínica, elas são consideradas válidas. A validação é uma tarefa processual, uma vez que as situações identificadas e tratadas pelos enfermeiros são complexas, variando com as características culturais, sociais, econômicas e individuais13.
Inicialmente, têm-se os principais dados do perfil das enfermeiras especialistas convidadas para esta etapa da pesquisa. Foram duas mulheres, jovens, com tempo de formação profissional menor que 7 anos e titulação de Mestrado, que trabalhavam na Estratégia Saúde da Família, atuando no cuidado ao indivíduo com hipertensão e com problemas na adesão, além de profundo conhecimento e prática nas terminologias de enfermagem, especialmente os diagnósticos e intervenções de enfermagem.
Em relação ao perfil sociodemográfico dos pacientes avaliados, houve prevalência de pacientes do sexo feminino (73,4%), indivíduos com companheiro (54,7%), idosos (média de idade de 63,6 anos ± 11,3), baixa escolaridade (média de 4,3 anos de estudo ± 3,6 anos) e baixa renda familiar mensal (média de 1,9 salário mínimo ± 1,1 salário). A prevalência destas características equivale a outros estudos1,2,15,17.
Entretanto, o que mais chama atenção nos dados sociodemográficos é a grande proporção de indivíduos idosos. Como resultado do expressivo aumento na expectativa de vida e do envelhecimento populacional, as doenças infecciosas e parasitárias cederam lugar às doenças crônicas não transmissíveis, e a hipertensão é uma das principais representantes desse tipo de doença1,7,8.
Já em relação às características clínicas dos pacientes, observou-se que 43,8% dos pacientes tinham sobrepeso, considerando o ponto de coorte proposto pela Sociedade Brasileira de Cardiologia14, além de circunferência abdominal com cifras elevadas. Vale ressaltar que as mulheres apresentaram valores mais alterados de CA do que os homens, consonante com outros estudos semelhantes2,17.
Constatou-se que 32% dos pacientes tinham a pressão arterial alterada, mesmo em acompanhamento sistemático na unidade de saúde investigada; desses, 18,8% apresentaram hipertensão sistólica isolada, especialmente entre os indivíduos mais velhos.
De posse das características sociodemográficas e clínicas e do conhecimento de aspectos do tratamento anti-hipertensivo seguido pelos pacientes, foram elaborados os casos clínicos individuais que foram avaliados pelas especialistas de forma independente. De acordo com as enfermeiras, a frequência de ocorrência do diagnóstico de enfermagem Falta de Adesão foi calculada em 51,6% dos pacientes.
Em relação à concordância entre as especialistas, quanto às inferências diagnósticas realizadas, verificou-se a ocorrência de variações no julgamento dos elementos apresentados, sendo obtidos índices satisfatórios e insatisfatórios de concordância na investigação realizada. Esta variabilidade foi atribuída às diferenças de interpretação dos avaliadores, possivelmente em razão da forma pela qual o conjunto de indicadores clínicos foi obtido e enviado às enfermeiras, além da subjetividade de alguns destes elementos, o que guarda relação com a necessidade de aproximação do avaliador com o paciente, caso que não ocorreu nesta pesquisa15.
A seguir, apresentam-se os dados referentes ao comportamento das características definidoras avaliadas nos pacientes desta etapa clínica:
Observa-se no Quadro 1 que as características definidoras identificadas com maior frequência pelas especialistas foram "Manejo inadequado do tratamento não medicamentoso" e "Comportamento indicativo de falha na adesão", com os maiores índices de confiabilidade (R=0,56 e 0,44, respectivamente), apesar de terem obtido os menores índices de concordância entre as duas enfermeiras. Pode-se inferir que essas características representam importantes manifestações da Falta de Adesão em pessoas com hipertensão, visto que foram classificadas como CD principais na validação de conteúdo e identificadas com grande frequência no processo de validação clínica. Vale ressaltar que essas duas características foram as que mais estavam presentes em todos os pacientes, independente da presença ou não do diagnóstico.
CARACTERÍSTICAS DEFINIDORAS | Esp A | Esp B | Concordância | R* | |||
F | (%) | F | (%) | F | (%) | ||
CD1: Comportamento indicativo de falha na adesão | 57 | (44,5) | 70 | (54,7) | 81 | (63,3) | 0,44 |
CD2: Manejo inadequado do tratamento medicamentoso | 21 | (16,4) | 61 | (47.7) | 82 | (64,0) | 0,27 |
CD3: Dificuldade em cumprir decisões acordadas com a equipe de saúde | 17 | (13,3) | 18 | (14.1) | 96 | (75,0) | 0,12 |
CD4: Evidências de desenvolvimento de complicações | 5 | (3,9) | 16 | (12,5) | 114 | (89,0) | 0,10 |
CD5: Evidência de exacerbação da hipertensão | 15 | (11,7) | 29 | (22,7) | 109 | (85,1) | 0,18 |
CD6: Manejo inadequado do tratamento não medicamentoso | 59 | (46,1) | 124 | (96,5) | 57 | (44,5) | 0,56 |
* R = Coeficiente de confiabilidade; calculado somente com os dados dos pacientes que apresentaram o diagnóstico.
Além disso, houve alta frequência absoluta da CD6 (Manejo inadequado do tratamento não medicamentoso), que pode ser explicada pelo reconhecimento de que há uma menor taxa de adesão à terapêutica não medicamentosa comparada com a medicamentosa, pois ocorrem mudanças problemáticas no cotidiano do paciente, como restrições alimentares, modificação da dinâmica familiar, conflitos culturais em relação à dieta, entre outros7,17. Pacientes que estão em uso de medicação têm ainda maior dificuldade em aderir à terapia não medicamentosa, pois acreditam que apenas o medicamento é suficiente para o controle da doença2,17.
É importante ressaltar que o sucesso nas alterações no estilo de vida é o item mais difícil de ser alcançado na adesão ao tratamento não medicamentoso, pois requer um maior empenho por parte dos pacientes. Para tanto, os profissionais de saúde devem atuar de forma enfática e prover os pacientes com informações que facilitem o cumprimento destas tarefas1.
Cabe aqui mais uma observação: neste estudo, a concordância significou a frequência na qual as especialistas concordaram quanto à presença ou ausência da característica definidora no indivíduo, independente de ele apresentar ou não o diagnóstico.
Os maiores percentuais de concordância foram em relação às CD "Evidências de desenvolvimento de complicações" e "Evidências de exacerbação da hipertensão"; essa concordância se deu em maior parte pela ausência da característica na população estudada, atestada pelas duas enfermeiras.
É fácil inferir que a concordância sobre essas características ocorra por conta da facilidade e objetividade em se detectar e comprovar alterações nos valores da PA do indivíduo que vem em tratamento contínuo e o surgimento de alguma complicação decorrente da doença. Evidências científicas recentes concorrem para que a pressão arterial seja reduzida a níveis mais baixos, dependendo da condição de saúde individual, para que se verifiquem benefícios cada vez maiores, como a redução de eventos clínicos primordiais (infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral fatais e não fatais e outras complicações)18.
Ao avaliar a fórmula proposta por Fehring14, para a obtenção do índice de confiabilidade (R) entre as especialistas no estabelecimento de uma característica definidora, observa-se que R é diretamente proporcional ao número de vezes que a CD foi identificada. Isso significa que R será alto quando a característica for identificada com grande frequência, e um valor de R baixo pode significar que a característica não é uma boa manifestação do diagnóstico, visto que, em ambiente clínico real, ela não é frequentemente identificada. Pode-se observar que o R foi bem mais baixo para todas as características identificadas com pouca frequência.
Estas frequências reduzidas e a discordância relativa entre as enfermeiras clínicas podem ter ocorrido pelo fato de elas não terem avaliado pessoalmente o paciente, mas sim analisado os instrumentos de coleta de dados preenchidos pela pesquisadora. Algumas CD dizem respeito a comportamentos e atitudes do paciente que, às vezes, só são identificados após o estabelecimento de certo vínculo entre o paciente e o profissional.
Além disso, quando se reportam aos dados da etapa de validação de conteúdo por especialistas, observa-se que, apesar de os especialistas considerarem algumas características definidoras como principais manifestações do diagnóstico Falta de Adesão em pessoas com hipertensão arterial, na prática clínica algumas dessas manifestações podem não ser identificadas com frequência, o que reduz o valor de R.
Quando se observam as medidas de acurácia, tem-se que quase todas as características foram bastante específicas e que CD1 e CD6 apresentaram sensibilidade considerável (superior a 90%). A característica "Comportamento indicativo de falha na adesão" pode ser considerada a mais acurada para a identificação do diagnóstico Falta de Adesão em pessoas com hipertensão arterial.
Com relação ao poder preditivo, observa-se que as características "Comportamento indicativo de falha na adesão", "Manejo inadequado do tratamento medicamentoso" e, especialmente, a característica "Manejo inadequado do tratamento não medicamentoso" obtiveram os maiores valores do poder preditivo positivo, reforçando a importância desses indicadores como bons sinais clínicos para a identificação do diagnóstico Falta de Adesão. Pode-se inferir, ainda, que a ausência destes achados guarda forte relação com a ausência do DE. As CD mais sensíveis para a identificação do diagnóstico Falta de Adesão em pessoas com hipertensão foram Manejo inadequado do tratamento não medicamentoso e Comportamento indicativo de falha na adesão. Já a CD Dificuldade em cumprir decisões acordadas com a equipe de saúde foi considerada a mais específica; a característica Comportamento indicativo de falha na adesão obteve a maior acurácia clínica para a identificação do diagnóstico de enfermagem.
Por fim, após a validação clínica, as características definidoras classificadas como principais (frequência ≥ 80%) foram: Manejo inadequado do tratamento não medicamentoso e Comportamento indicativo de falha na adesão; não houve nenhuma característica classificada como secundária (51 a 79%). As demais características foram classificadas como pouco relevantes na clínica (frequência ≤ 50%), o que não desmerece a atenção do enfermeiro ao se deparar com um paciente com tais características.
Todos os aspectos da terapêutica anti-hipertensiva devem ser bem investigados com o paciente, e todas as decisões tomadas devem ser de comum acordo entre o paciente e a equipe de saúde para que a adesão ao tratamento medicamentoso, ao não medicamentoso e às consultas de seguimento seja a melhor possível4,17.
No momento em que o indivíduo se vê perante uma doença crônica, como a hipertensão, tem que tomar decisões e mostrar disposição para adotar comportamentos e realizar atividades destinadas a controlar e minimizar o impacto a longo prazo, da doença na sua vida. Quando a pessoa não é capaz de integrar o esquema medicamentoso e as modificações dos hábitos de vida no seu dia-a-dia, aderindo de modo regular ao regime proposto, ou quando não se verifica a implementação na vida diária dessas novas atividades essenciais para a prevenção ou tratamento da doença, ocorrem os problemas de adesão2.
Alguns autores ressaltam que o enfermeiro deve sempre encorajar o paciente a manter relações terapêuticas com a equipe de saúde, e os profissionais, por sua vez, devem estimular essa interação, tornando-se mais acessíveis e disponíveis, uma vez que a comunicação da equipe com o portador de hipertensão é instrumento eficaz no tratamento, influenciando o paciente a partilhar decisões na busca de alternativas viáveis para todos1.
A seguir, apresentam-se os dados referentes aos fatores relacionados ao diagnóstico Falta de Adesão em pessoas com hipertensão arterial avaliados nos pacientes:
FATORES RELACIONADOS | Esp A | Esp B | Concordância | R* | |||
F | (%) | F | (%) | F | (%) | ||
FR1: Prejuízo nas capacidades pessoais | 13 | (10,2) | 45 | (35,2) | 89 | (69,5) | 0,21 |
FR2: Conhecimento deficiente para o seguimento do regime terapêutico medicamentoso e não medicamentoso | 41 | (32,0) | 122 | (95,3) | 47 | (36,7) | 0,32 |
FR3: Crenças e valores do indivíduo relacionados ao processo saúde/doença | 23 | (18,0) | 61 | (47,7) | 68 | (53,1) | 0,19 |
FR4: Influências culturais | 11 | (8,6) | 10 | (7,8) | 111 | (86,7) | 0,08 |
FR5: Falta de apoio de pessoas significativas | 08 | (6,3) | 12 | (9,4) | 118 | (92,2) | 0,09 |
FR6: Complexidade do regime terapêutico medicamentoso | 02 | (1,6) | 02 | (1,6) | 124 | (96,8) | 0,01 |
FR7: Custo financeiro do tratamento | 10 | (7,8) | 07 | (5,5) | 111 | (86,7) | 0,10 |
FR8: Duração permanente do tratamento | -- | -- | 123 | (96,1) | 5 | (3,9) | 0,007 |
FR9: Efeitos adversos do tratamento | 07 | (5,5) | 42 | (32,8) | 79 | (61,7) | 0,15 |
FR10: Falha na cobertura do sistema de saúde | 16 | (12,5) | 20 | (15,6) | 103 | (80,5) | 0,17 |
FR11: Habilidade de ensino insuficiente da equipe de saúde | 02 | (1,6) | 12 | (9,4) | 107 | (83,6) | 0,05 |
FR12: Relacionamento paciente-equípe de saúde prejudicado | 05 | (3,9) | 96 | (75,0) | 35 | (27,3) | 0,10 |
* R = Coeficiente de confiabilidade; calculado somente com os dados dos pacientes que apresentaram o diagnóstico.
Após a avaliação dos fatores relacionados pelas especialistas clínicas, observa-se que os fatores identificados com maior frequência pelas duas enfermeiras foi "Conhecimento deficiente para o seguimento do regime terapêutico medicamentoso e não medicamentoso", seguido por "Duração permanente do tratamento" e "Relacionamento paciente-equipe de saúde prejudicado", identificados pela enfermeira especialista B.
Os maiores percentuais de concordância foram em relação aos FR "Complexidade do regime terapêutico medicamentoso", "Falta de apoio de pessoas significativas", "Influências culturais", "Custo financeiro do tratamento", "Habilidade de ensino insuficiente da equipe de saúde" e "Falha na cobertura do sistema de saúde", mais especificamente pela concordância entre as enfermeiras.
Todos os fatores relacionados foram classificados como secundários na prática clínica, apesar de ser por meio de sua identificação que o enfermeiro descobre os reais motivos da falta de adesão ao tratamento. O fator Duração permanente do tratamento obteve índice de concordância de apenas 3,9% entre as especialistas. Este fato denota que os fatores necessitam de novos ajustes em sua definição constitutiva para que fiquem mais claros para o enfermeiro da clínica.
Mais uma vez, os coeficientes de confiabilidade foram baixos, revelando que ou as especialistas discordaram bastante, ou o fator relacionado foi pouco identificado nos pacientes, ou que o fator necessita de ajustes para que seja melhor avaliado na prática clínica, como é o caso do FR "Duração permanente do tratamento" e do "Efeitos adversos do tratamento".
Vale ressaltar que o FR9 estava descrito pela NANDA-I como "Intensidade"9. Esta denominação foi substituída por "Efeitos adversos do tratamento" após a revisão integrativa da literatura e a validação de conteúdo diagnóstico, fases anteriores a esta validação clínica, por se acreditar que a intensidade corresponderia à força de incidência desses efeitos.
Em relação à identificação desses dois fatores (FR8 e FR9), o paciente deve expressar que houve falhas ou interrupções na adesão terapêutica por conta da cronicidade da doença e do longo curso do tratamento (atestando a presença do fator Duração permanente do tratamento), assim como o FR9 deve deixar mais claro que somente a presença dos efeitos colaterais não é indicativa da falta de adesão: o paciente deve ser indagado o quanto esses efeitos interferem na adesão; se isto ocorrer, o fator está presente.
É sabido que, quanto maiores o tempo de tratamento e a ocorrência de efeitos adversos advindos do tratamento medicamentoso, mais negativa é a interferência na adesão2,17; mas no caso dos pacientes deste estudo, poucos relataram que o tempo do tratamento ou tais efeitos provocam falhas na adesão terapêutica.
Em termos absolutos, o fator 2 "Conhecimento deficiente para o seguimento do regime terapêutico medicamentoso e não medicamentoso" foi o mais identificado nos pacientes, seguido pelo fator "Crenças e valores do indivíduo relacionados ao processo saúde/doença", que foi identificado em quase 30% dos pacientes com o diagnóstico de enfermagem Falta de Adesão.
O sucesso da adesão ao tratamento anti-hipertensivo depende de uma soma de fatores e da participação conjunta de pacientes, equipe de saúde e família. A identificação precoce dos elementos que interferem negativamente na adesão, por meio da investigação dos fatores relacionados à presença do diagnóstico de enfermagem Falta de Adesão pode propiciar ao enfermeiro caminhos para o estabelecimento de intervenções eficazes para a resolução do diagnóstico2,15,17.
Entre essas intervenções, pode-se citar: Estabelecimento de confiança na equipe, visto que as atitudes adotadas pelos profissionais de saúde, como linguagem popular, demonstração de respeito pelas crenças do paciente e atendimento acolhedor desencadeiam confiança maior neles, resultando em uma melhoria da adesão; Encorajamento das redes de apoio (família, amigos, pessoas próximas); Fornecimento de orientações sobre a doença e o tratamento; Simplificação do esquema terapêutico; Facilitação da acessibilidade ao sistema de saúde e aos recursos de saúde; Educação permanente em saúde e envolvimento do paciente e sua família com a terapia1-3,15,17.
Ao conscientizar o paciente dos malefícios da hipertensão arterial, além dos riscos inerentes ao tratamento, suas peculiaridades e seus benefícios, o enfermeiro faz com que o indivíduo se torne realmente um elemento ativo do cuidado. A atuação de equipes multiprofissionais, com cujos membros o paciente tem a chance de manter relações harmoniosas, possibilita que ele tenha uma visão ampla e clara de seu papel no tratamento. Esse entendimento é capaz de fazer o paciente analisar a situação, organizar suas próprias estratégias e adequá-las da melhor forma à sua vida, tornando a adesão à terapêutica efetiva e eficaz1.
Por fim, após este processo de validação, apresenta-se a nova proposta para o referido diagnóstico em pessoas com hipertensão arterial:
Falta de adesão (especificar): Comportamento intencional ou não intencional do indivíduo que não coincide parcial ou totalmente com um plano de promoção da saúde ou terapêutico e com as recomendações tomadas por meio de decisões partilhadas e acordadas entre profissional de saúde/equipe de saúde multidisciplinar e o indivíduo, família e/ou comunidade, incluindo dificuldade com tratamento medicamentoso ou não medicamentoso e não comparecimento às atividades nos serviços de saúde (consultas, atendimentos grupais), que pode levar a resultados clinicamente não efetivos ou parcialmente efetivos; CD: Manejo inadequado do tratamento não medicamentoso, Comportamento indicativo de falha na desão, Dificuldade em cumprir decisões acordadas com a equipe de saúde, Manejo inadequado do tratamento medicamentoso, Evidência de exacerbação da hipertensão, Evidências de desenvolvimento de complicações; FR - Individuais (Prejuízo nas capacidades pessoais, Conhecimento deficiente para o seguimento do regime terapêutico medicamentoso e não medicamentoso, Crenças e valores do indivíduo relacionados ao processo saúde/doença, Influências culturais); Relacionados à rede de apoio (Falta de apoio de pessoas significativas); Relacionados ao tratamento (Complexidade do regime terapêutico medicamentoso, Custo financeiro do tratamento, Duração permanente do tratamento, Efeitos adversos do tratamento); Relacionados ao sistema e à equipe de saúde (Falha na cobertura do sistema de saúde, Habilidade de ensino insuficiente da equipe de saúde, Relacionamento paciente-equipe de saúde prejudicado).
CONCLUSÕES
Após a validação clínica do diagnóstico de enfermagem Falta de Adesão, percebeu-se que o diagnóstico da forma como está proposto pela NANDA-I não representa integralmente as reais situações vivenciadas pelos pacientes com hipertensão, visto que houve a necessidade de se revisar algumas características, havendo a exclusão de duas CD e a criação de duas novas características, mais adequadas à realidade dos pacientes com hipertensão e mais significativas para confirmar a presença do diagnóstico. Já em relação aos fatores relacionados apresentados pela NANDA-I, também houve a necessidade de restruturação de alguns elementos, para que passassem a representar mais fidedignamente, na prática clínica, as prováveis causas do fenômeno de não adesão nos indivíduos com hipertensão.
Desta forma, e visando qualificar a execução de cuidados de enfermagem às reais demandas de saúde da população com hipertensão arterial, observou-se que este estudo atingiu seu objetivo inicial. Ou seja, a nova proposta para o diagnóstico de enfermagem Falta de Adesão teve seus elementos revisados e validados tanto em relação ao seu conteúdo quanto na prática clínica, quando investigado na clientela com hipertensão arterial.
No entanto, estudos de validação dos diagnósticos de enfermagem necessitam de maior divulgação e documentação no Brasil, para que os diagnósticos possam ser validados em contextos específicos e propostos com base neste contexto cultural.
Considera-se, ainda, que o estudo forneceu direção para a eficiência do uso dos indicadores clínicos avaliados, contribuindo com o aprimoramento do diagnóstico de enfermagem Falta de Adesão e seus elementos constituintes. Destarte, a Enfermagem deve se apropriar de suas tecnologias, buscando incrementar e amplificar sua utilização, contribuindo com a integralidade da assistência prestada.
REFERÊNCIAS