Volume 17, Número 3, Jul/Set - 2013
PESQUISA
A inserção do acompanhante de parto nos serviços públicos de saúde de Santa Catarina,
Brasilª
Odaléa Maria Brüggemann
1
Maria Emilia de Oliveira
2
Haimée Emerich Lentz Martins
3
Marcela Caetano Alves
4
Michele Edianez Gayeski
5
1
Enfermeira Obstétrica. Doutora em Tocoginecologia. Docente do Departamento de Enfermagem e do Programa de Pós-graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina (PEN/UFSC). Pesquisadora CNPq.
Florianópolis - SC. Brasil.
E-mail: odalea@ccs.ufsc.br
2
Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Docente aposentada do Departamento de Enfermagem da UFSC. Florianópolis - SC. Brasil. E-mail: mila@ccs.ufsc.br
3
Enfermeira. Mestre em Saúde Pública. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFSC.
Enfermeira da Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina.
Florianópolis - SC. Brasil.
E-mail: haimeelentz@hotmail.com
4
Enfermeira graduada pela Universidade Federal de Santa Catarina. Bolsista PIBIC/CNPq/UFSC 2010-2011.
Florianópolis - SC. Brasil.
E-mail: marcicaetano@hotmail.com
5
Enfermeira Obstétrica.Mestre em Enfermagem. Enfermeira do Hospital Universitário da UFSC. Florianópolis - SC. Brasil. E-mail: michelegayeski@hotmail.com
Recebido em 27/07/2012
Reapresentado em 19/09/2012
Aceito em 20/06/2013
RESUMO
Pesquisa descritiva, quantitativa, que objetivou descrever a inserção do acompanhante
de escolha da parturiente durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato
nos serviços vinculados ao Sistema Único de Saúde que prestam assistência ao parto
em Santa Catarina/Brasil, e identificar os aspectos que facilitaram e dificultaram
esse processo. A população foi composta pelos 138 serviços do estado. Os dados foram
coletados de maio/2010 a junho/2011, por meio de questionário enviado aos diretores
e por contato telefônico, e posteriormente analisados por estatística descritiva.
Dos 135 serviços contatados, 54,8% referiram que sempre permitem a presença do acompanhante,
32,6% permitem às vezes, 11,9% nunca permitem e 0,7% não responderam. A maioria dos
serviços permite a presença do acompanhante. No entanto, em alguns deles essa prática
ainda é implementada com restrições, pois a escolha da parturiente não é respeitada
e impede-se a permanência do acompanhante no momento do parto.
Palavras-chave: Serviços de saúde; Parto humanizado; Acompanhantes de pacientes; Enfermagem obstétrica
INTRODUÇÃO
No Brasil, muitos esforços têm sido realizados, por instituições governamentais e não governamentais, para que ocorram mudanças na assistência obstétrica, visando especialmente à adoção de práticas baseadas em evidências científicas. A discussão sobre essas práticas ganhou representatividade a partir da Conferência sobre Tecnologia Apropriada para Nascimento e Parto, realizada em Fortaleza-Ceará, em 1985, na qual foi explicitado que o bem-estar da mulher deve ser assegurado pelo livre acesso de um membro da familía, por ela escolhido, durante o nascimento e período pós-natal1.
Passados 11 anos dessa Conferência, a Organização Mundial da Saúde (OMS), por meio da publicação Maternidade Segura - Assistência ao Parto Normal: um Guia Prático, passou a recomendar que a parturiente deve ser acompanhada por pessoas que confia e com quem se sinta à vontade, destacando que essa prática contribui para humanização da assistência e redução das intervenções obstétricas2.
Os benefícios do apoio durante o trabalho de parto têm sido avaliados nas revisões sistemáticas publicadas na Cochrane Library, desde 1995, que são atualizadas periodicamente. A mais recente revisão analisou 21 ensaios clínicos randomizados, e em cinco deles o apoio à parturiente foi prestado por acompanhante da rede social da mulher. Os principais resultados indicam que essa prática contribui para o aumento dos partos vaginais espontâneos, assim como para a redução da necessidade de analgesia intraparto, da insatisfação/percepção negativa sobre a experiência do nascimento, da duração do trabalho de parto, da cesariana, do parto vaginal instrumental e de recém-nascidos com baixo índice de Apgar no 5º minuto de vida3.
Com base nas recomendações da OMS2 e nas evidências científicas, algumas instituições de saúde brasileiras revisaram suas condutas e passaram a permitir a presença de acompanhante de escolha da mulher desde a internação até a alta 4-5.
Essa prática foi respaldada, com a publicação da Lei n. 11.108/2005, conhecida como "Lei do acompanhante", a partir da qual os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS), da rede própria ou conveniada, são obrigados a permitir a presença de um acompanhante escolhido pela parturiente durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato6.
Entretanto, a implementação de políticas e práticas assistenciais nos serviços de saúde depende da motivação e compromisso dos profissionais em abandonar práticas inadequadas e potencialmente prejudiciais e que não têm evidência de benefício. Sabe-se que, em várias maternidades brasileiras, as parturientes ainda são privadas da presença de um acompanhante de sua escolha para dar apoio durante todo o processo do nascimento5,7.
Nesse contexto, torna-se necessário investigar em que abrangência a Lei do acompanhante, que vigora desde 2005, foi implementada nas maternidades, uma vez que, além de ser um direito das mulheres é também uma prática benéfica. As evidências científicas apontam que o apoio durante o trabalho por pessoa da rede social da mulher contribui não só para a melhoria dos indicadores de saúde maternos e neonatais, mas também para uma maior satisfação da mulher e da família com a experiência do nascimento3.
Assim, o objetivo dessa investigação foi descrever a inserção do acompanhante de escolha da parturiente durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato nos serviços de saúde vinculados ao SUS que prestam assistência ao parto no estado de Santa Catarina (SC), e identificar os aspectos que facilitaram e dificultaram esse processo.
METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa descritiva, com abordagem quantitativa. A população foi composta por todos os serviços de saúde vinculados ao SUS que prestam assistência ao parto em SC.
A coleta de dados foi realizada de maio de 2010 a junho de 2011. Utilizou-se um questionário, com perguntas abertas e fechadas, que contemplava variáveis relacionadas com as características dos serviços de saúde, os indicadores obstétricos, a formação dos profissionais que atuavam na assistência obstétrica e dados sobre a inserção do acompanhante no processo do nascimento (se a instituição permite ou não a presença; quem pode ser acompanhante; em que local da maternidade - triagem, pré-parto, sala de parto vaginal/cesariana, sala de recuperação pós-parto; e grau de parentesco com a mulher). Esse instrumento foi previamente testado em três serviços de saúde que prestam assistência ao parto nos municípios de SC. Após a avaliação e reformulações necessárias, ele foi enviado para os 138 diretores técnicos pelo serviço de correspondência da Secretaria de Estado da Saúde de SC, juntamente com uma carta de esclarecimento sobre a pesquisa e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para assinatura. Na semana posterior ao envio do material foi realizado um contato telefônico para verificar o recebimento, sendo reenviado por e-mail quando a instituição, por algum motivo, não havia recebido.
Passado o prazo estipulado para a devolução do questionário, foi realizado contato telefônico com os serviços não respondentes, e o questionário foi reenviado mais uma vez por e-mail. Mesmo assim, muitos questionários ainda não haviam sido devolvidos.
Após exaustivos contatos, não foram obtidas as respostas de todos os serviços. Dessa forma, realizou-se novamente contato telefônico, nos meses de março e abril de 2011, com cada instituição não respondente, para que se manifestassem acerca da participação ou não na pesquisa. Na oportunidade, visando obter informações que pudessem reduzir o possível viés de amostragem, ou seja, conhecer o quantitativo de serviços que permitem e que não permitem a presença de acompanhante, foi realizada a seguinte pergunta: de modo geral, pode-se considerar que a instituição permite ou não permite a presença do acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto-imediato? As respostas foram registradas na listagem geral dos serviços de saúde incluídos no estudo e posteriormente categorizadas.
Todos os instrumentos de coleta de dados foram revisados, codificados e digitados no programa EPI INFO - versão 2002, no qual se realizou a análise descritiva dos dados (frequência absoluta e relativa).
Todos os aspectos que envolvem a pesquisa estão de acordo com a Resolução n° 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da SES/SC, protocolo N. 0026.1602/09. Todos os participantes assinaram o TCLE.
RESULTADOS
Dos 138 serviços de saúde vinculados ao SUS que prestam assistência ao parto no estado de Santa Catarina, 59 enviaram o questionário impresso respondido. Desses, 41 (69,5%) referiram que sempre permitem o acompanhante junto à parturiente; 16 (27,1%) permitem às vezes; um (1,7%) nunca permite; e um (1,7%) não respondeu. Cabe destacar que apenas dois deles não planejavam permitir e 12 (20,3%) pretendiam permitir sempre a presença do acompanhante. A Lei n. 11.108/2005 é conhecida por 96,6% das diretorias dos serviços de saúde, e 73,7% realizaram discussões sobre ela com os profissionais6.
Todas os serviços de saúde que não enviaram o questionário preenchido (79) foram contatados via e-mail ou telefone. Com essa busca, obteve-se a informação sobre a inserção do acompanhante de 76 serviços; 33 responderam que sempre permitem a presença dele durante o trabalho de parto, parto e pós-parto-imediato, 28 permitem à vezes e 15 não permitem.
Assim, dos 135 serviços de saúde, ou seja, os que participaram do estudo respondendo o questionário (59) e os que apenas forneceram informação por telefone (76), 74 (54,8%) referiram que sempre permitem o acompanhante, 44 (32,6%) permitem às vezes, 16 (11,9%) nunca permitem e um (0,7%) não respondeu.
Os serviços de saúde estudados (59) estavam distribuídos nas seis regiões do Estado de SC, sendo 25,4% na Região Oeste; 23,7% no Vale do Itajaí, 18,6% na Região Norte; 13,6% no Planalto Serrano; 10,2% na Região Sul e 8,5% na Região Leste. A maior parte deles iniciou a assistência obstétrica entre 1920 e 1979 (59,3%), possuía de 1 a 5 leitos no centro obstétrico (61,0%) e 1 a 15 leitos de Alojamento Conjunto (64,4%),
O médico obstetra destacou-se como responsável pelo atendimento na triagem obstétrica e no parto. No pré-parto, os técnicos/auxiliares de enfermagem eram os que mais atuavam diretamente no atendimento, seguido dos obstetras e das enfermeiras generalistas. Chama atenção o número expressivo de enfermeiras (generalistas e especialistas em obstetrícia) que assistiam ao parto, pois se equivale ao de obstetras. Em todos os serviços, os técnicos/auxiliares de enfermagem eram os que mais assistiam as mulheres no pós-parto imediato, seguidos das enfermeiras generalistas (Tabela 1).
Profissionais que prestam assistência | f | % |
Na triagem - define internação | ||
Médico obstetra | 45 | 76,3 |
Médico | 20 | 33,9 |
Enfermeira generalista | 17 | 28,8 |
Enfermeira obstétrica | 8 | 13,6 |
Técnico/auxiliar de enfermagem | 9 | 15,2 |
No pré-parto | ||
Médico obstetra | 38 | 64,4 |
Médico | 15 | 25,4 |
Enfermeira generalista | 37 | 62,7 |
Enfermeira obstétrica | 19 | 32,2 |
Parteira | 3 | 5,1 |
Técnico/auxiliar de enfermagem | 43 | 72,9 |
Outros | 1 | 1,7 |
No parto vaginal | ||
Médico obstetra | 45 | 76,3 |
Médico | 18 | 30,5 |
Enfermeira generalista | 34 | 57,6 |
Enfermeira obstétrica | 18 | 30,5 |
Parteira | 3 | 5,1 |
Técnico/auxiliar de enfermagem | 31 | 52,5 |
Outros | 1 | 1,7 |
No pós-parto | ||
Médico obstetra | 26 | 44,1 |
Médico | 13 | 22,0 |
Enfermeira generalista | 41 | 69,5 |
Enfermeira obstétrica | 16 | 27,1 |
Parteira | 2 | 3,4 |
Técnico/auxiliar de enfermagem | 58 | 98,3 |
Outros | 1 | 1, 7 |
Na maioria dos serviços, o acompanhante permanecia com a mulher desde a triagem obstétrica até a sala de recuperação pós-parto, com exceção da sala de cesariana, pois menos da metade deles permitia o acompanhante neste local. No entanto, chama atenção que 15,3% dos serviços ainda não permitem o acompanhante na sala de parto vaginal e 23,7%, somente à vezes (Tabela 2).
Locais | Sim | Não | Às vezes |
f(%) | f(%) | f(%) | |
Triagem obstétrica* | 44(74,6) | 1(1,7) | 12(20,3) |
Pré-parto | 48(81,4) | 3(5,1) | 8(13,6) |
Sala de parto vaginal | 36(61,0) | 9(15,3) | 14(23,7) |
Sala de cesariana | 27(45,8) | 11(18,6) | 21(35,6) |
Sala de recuperação - parto vaginal | 48(81,4) | 4(6,8) | 7(11,9) |
Sala de recuperação - cesariana* | 39(68,4) | 9(15,3) | 9(15,3) |
* Dois serviços de saúde não informaram
Segundo a Tabela 3, grande parte dos serviços respondeu que respeita a escolha da mulher sobre o seu acompanhante, mas alguns ainda determinavam qual pessoa pode entrar e permanecer com ela.
Acompanhante | Locais | ||||||
|
|||||||
TO* | PP** | SPV*** | SC**** | SRC***** | SRP****** | ||
f (%) | f (%) | f (%) | f (%) | f (%) | f (%) | ||
Marido/companheiro | 8(13,6) | 7(11,9) | 6(10,2) | 4 (6,8) | 4(6,8) | 5(8,5) | |
Mãe | 9(15,3) | 6(10,2) | 4(6,8) | 2(3,4) | 3(5,1) | 4(6,8) | |
Irmã | 3(5,1) | 2 (3,4) | 1(1-7) | 1(1,7) | 1(1,7) | 2(3,4) | |
Sogra | 3(5,1) | 2 (3,4) | 1(1.7) | 1(1,7) | 1(1,7) | 1(1,7) | |
Tia | -- | -- | -- | -- | 1(1,7) | 1(1,7) | |
Escolhido pela mulher | 49(83,1) | 49(83,1) | 43(72,9) | 43(72,9) | 45(76,3) | 48(81,4) |
O apoio e a aceitação das enfermeiras, técnicos/auxiliares de enfermagem e diretoria/chefia de enfermagem facilitaram que essa prática fosse implementada nos serviços. Chama atenção que quase metade deles referiu que a solicitação das gestantes/parturientes mulheres é um aspecto facilitador. A inadequação da área física destacou-se entre as dificuldades encontradas para a inserção do acompanhante, seguida da não aceitação dos médicos (Tabela 4).
Facilidades | f | % |
Apoio/aceitação das enfermeiras | 40 | 67,8 |
Apoio/aceitação dos técnicos/auxiliares de enfermagem | 36 | 61,0 |
Atuação da diretoria/chefia de enfermagem | 34 | 57,6 |
Posicionamento da diretoria administrativa | 27 | 45,8 |
Reivindicação das gestantes/parturientes | 25 | 42,4 |
Apoio/aceitação dos médicos | 25 | 42,4 |
Área física adequada | 18 | 30,5 |
Posicionamento da diretoria técnica | 18 | 30,5 |
Posicionamento da diretoria clínica | 11 | 18,6 |
Não houve facilidade | 3 | 5,1 |
|
||
Dificuldades | ||
|
||
Área física inadequada | 31 | 52,5 |
Não aceitação dos médicos | 23 | 39,0 |
Não houve dificuldade | 18 | 30,5 |
Não reivindicação das gestantes/parturientes | 3 | 5,1 |
Falta de apoio da diretoria técnica | 2 | 3,4 |
Falta de apoio da diretoria clínica | 2 | 3,4 |
Falta de apoio da diretoria administrativa | 1 | 1,7 |
Não aceitação dos técnicos/auxiliares de enfermagem | 1 | 1,7 |
Posicionamento da diretoria clínica | 11 | 18,6 |
DISCUSSÃO
Os resultados revelam que praticamente todos os serviços de saúde de SC permitem a presença do acompanhante; a maioria, sempre; e alguns, às vezes. Esta realidade pode ser decorrente do fato de que o projeto que originou a Lei do acompanhante foi elaborado no estado. Além disso, a publicação da Instrução Normativa N° 001/2009/SES8 também pode ter contribuído para esses resultados. Ela estabelece diretrizes para os serviços de saúde efetivarem a inserção do acompanhante de livre escolha da mulher durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, resultado de um trabalho articulado entre a Secretaria de Estado da Saúde, Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina, Associação Brasileira de Obstetrizes e Enfermeiros Obstetras-ABENFO/SC e representantes dos serviços de saúde.
Alguns serviços ainda não permitiam a presença do acompanhante. Embora esse número não seja expressivo, é um dado a ser considerado, uma vez que ter um acompanhante é um direito da mulher amparado por Lei6, referendado pelas políticas públicas e resoluções federais, devendo ser instituído em todos os serviços públicos.
Uma das limitações do estudo foi que nem todos os serviços de saúde responderam ao questionário enviado. Esse fato pode ter gerado um viés nos dados, haja vista que quase todos os respondentes possibilitavam que a mulher tivesse um acompanhante. Os dados coletados posteriormente por telefone, na tentativa de minimizar esse viés, não retratam fielmente a realidade do estado, uma vez que apenas expressam se o serviço permite ou não o acompanhante, mas não em que abrangência. Dessa forma, considera-se que os dados oriundos dos questionários são passíveis de melhor interpretação e discussão.
O fato de as enfermeiras generalistas e especialistas assistirem ao parto em porcentagem equivalente a dos obstetras pode ter contribuído para a presença de um acompanhante, de escolha da mulher, na maioria dos serviços estudados. Estudos mostram que a atenção aos partos de baixo risco por enfermeiras obstetras está associada a mudanças nas rotinas institucionais com a implementação de práticas benéficas9. Além disso, as políticas públicas têm contemplado a inserção dessas profissionais, visando uma mudança no modelo de atenção ao parto, fato que pode ter ampliado os espaços de atuação das enfermeiras especialistas. Cabe destacar que embora as enfermeiras generalistas não tenham amparo legal para assistir ao parto em situações não emergenciais10, a atuação delas na maioria dos serviços pode ser devido à carência de especialistas em diversas regiões, especialmente nas mais distantes da capital do estado.
De maneira geral, a atuação da equipe de enfermagem, com destaque para os técnicos/auxiliares, é expressiva também no pré-parto e pós-parto, o que pode ter contribuído para a aceitação do acompanhante nesses espaços.
Na sala de parto vaginal e de cesariana, a presença do acompanhante ainda não é permitida na mesma proporção que nos outros locais já mencionados. Esse espaço, historicamente é de domínio dos médicos, cuja formação é centrada no modelo biologicista, que regula e controla o nascimento, e consequentemente pode ter sido decisiva para a exclusão do acompanhante9. Além disso, há de se considerar que alguns profissionais de saúde ainda possuem crenças, valores e medos que os levam a rejeitar a ideia de ter um acompanhante enquanto prestam assistência5.
Para a incorporação de novas práticas obstétricas na atenção ao parto são necessárias mudanças nas atitudes do conjunto de profissionais e gestores, assim como uma reestruturação organizacional e da filosofia da assistência5.
A presença de um acompanhante durante o trabalho de parto e parto depende do contexto social, da política de saúde do país e de sua legislação, mas principalmente da filosofia da maternidade, que pode contribuir para estimular e permitir, não permitir ou impor restrições11. Os serviços analisados nesse estudo representam essa realidade, uma vez que a presença do acompanhante ainda não é permitida conforme a legislação vigente. Algumas parturientes ainda permanecem sozinhas, ou seja, o seu direito não é assegurado; portanto, não podem usufruir dos benefícios que essa prática proporciona.
Estudos demostram que a presença e participação do acompanhante produz reflexos positivos em várias esferas da assistência ao nascimento e parto5,12. O acompanhante mostra-se como uma tecnologia não invasiva durante o trabalho de parto, e seu efeito favorece os potenciais internos da mulher para a tomada de decisões13. Os principais resultados de ensaios clínicos randomizados realizados no Brasil apontaram que o apoio do acompanhante de escolha da mulher influenciou positivamente na sua satisfação com o trabalho de parto e parto14.
Os achados dessa investigação permitem considerar que a presença do acompanhante de escolha da mulher é uma realidade na maioria dos serviços de saúde de SC. Entretanto, nem todos dão direito à mulher de escolher a pessoa que irá assumir esse papel, e ela deve acatar a determinação institucional sobre quem pode ser acompanhante. Essa postura impositiva não considera que muitas mulheres planejam, durante toda a gestação, a participação de uma pessoa em especial para lhe dar o apoio que ela deseja e precisa receber.
A presença de um acompanhante de escolha da mulher, uma pessoa de confiança que faça parte da sua rede social, possibilita que ela se sinta amparada emocional e fisicamente por meio de conversas, massagens e auxílio na deambulação, bem como encorajada nos vários locais em que acontece o parto15.
A implementação dessa prática nos serviços de saúde, embora ainda com as restrições citadas anteriormente, só se efetiva com a mobilização dos profissionais de saúde e dos gestores. Nesse estudo, o apoio das enfermeiras, da equipe e da chefia de enfermagem, destacou-se como facilitador desse processo, mostrando que o posicionamento desses profissionais pode ser decisivo para a aceitação do acompanhante e contribuir para sua efetivação, conforme já destacado em outros estudos5,16. No entanto, é relevante salientar que a reivindicação da usuária também foi reconhecida pelos serviços como um aspecto facilitador. Isso denota que o conhecimento das mulheres sobre a Lei do acompanhante6 pode contribuir para o seu empoderamento, tornando-se uma ferramenta fundamental para a exigência e exercício do seu direito.
O posicionamento dos médicos é apontado tanto como aspecto facilitador quanto dificultador, demonstrando que em algumas situações eles podem ter contribuído, mas em outras podem ter impedido ou dificultado a inserção do acompanhante. Outras pesquisas sobre o tema ressaltam que a decisão final sobre a presença do acompanhante passa pelo crivo da equipe médica, que é responsável pela sua inclusão ou exclusão5,16.
Considerando que a maioria dos serviços de saúde iniciou o atendimento obstétrico entre a década de 20 e 70, é compreensível que a estrutura física inadequada tenha sido apontada como um dos aspectos que mais dificultou a inserção do acompanhante. No entanto, isso não impediu a implementação dessa prática, mesmo que de forma parcial. Esse resultado é semelhante a um estudo realizado em dois hospitais vinculados ao SUS em um município da Região Sul do Brasil17. Cabe destacar que a RDC n° 36 preconiza que as instituições de saúde devem dispor de estrutura física adequada para a permanência do acompanhante18. No entanto, a estrutura física inadequada ainda é utilizada como argumento e justificativa por algumas instituições e profissionais de saúde para a não permissão do acompanhante junto à mulher5.
CONCLUSÃO
A maioria dos serviços de saúde de SC permite a presença do acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, ou seja, está buscando atender o preconizado pela Lei. Entretanto, em alguns, essa prática é implementada com restrições, não respeitando a escolha da parturiente e impedindo a presença do acompanhante no momento do parto (cesariana ou vaginal). A triagem obstétrica, o pré-parto e a sala recuperação pós-parto vaginal são os locais em que o acompanhante permanece com mais frequência.
O apoio da enfermagem é um aspecto facilitador para a implementação dessa prática. A não aceitação dos médicos e a área física inadequada têm dificultado, mas não impediu a sua efetivação.
Os achados dessa investigação demonstram que ainda é necessário investir em estratégias e diretrizes que viabilizem a implementação da Lei do acompanhante em SC de forma plena, garantindo o direito conquistado pelas mulheres e respaldado pelos profissionais engajados na humanização do parto e nascimento.
REFERÊNCIAS
ª Pesquisa apoiada pelo CNPq por meio da concessão de Bolsa de Produtividade em Pesquisa nível 2, Edital 2010, processo número: 305817/2010-8.