Volume 16, Número 1, Jan/Mar - 2012
PESQUSA
O processo de parir assistido pela enfermeira obstétrica no contexto hospitalar: significados para as parturientes
The process of giving birth assisted by obstetrician nurse in a hospital context: mean for the parturients
El proceso de parto asistido por la enfermera obstétrica en el contexto hospitalario: significados para las parturientes
Eliz Cristine Maurer CausI; Evanguelia Kotzias Atherino dos SantosII; Anair Andréia NassifIII; Marisa MonticelliIV
IEnfermeira. Mestre em Enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (PEN) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Docente da Universidade do Contestado, Mafra/SC. Membro do Grupo de Pesquisa em Enfermagem na Saúde da Mulher e do Recém-Nascido (GRUPESMUR/PEN/ UFSC). Mafra - SC. Brasil. E-mail: madonaleita@bol.com.br
IIEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Docente do Departamento de Enfermagem e do PEN/ UFSC. Líder e pesquisadora do GRUPESMUR. Florianópolis - SC. Brasil. E-mail: gregos@matrix.com.br
IIIEnfermeira. Mestre em Enfermagem pelo PEN/ UFSC. Docente da Universidade do Contestado, Mafra/SC. Membro do GRUPESMUR. Mafra-SC. Brasil. E-mail: andreas.nassif@gmail.com.br
IVEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Docente do Departamento de Enfermagem e do PEN/UFSC. Vice-líder e pesquisadora do GRUPESMUR. Florianópolis - SC. Brasil. E-mail: marisa@ccs.ufsc.br
RESUMO
Pesquisa convergente-assistencial, que objetivou compreender o significado que a parturiente atribui ao processo de parir assistido pela enfermeira, à luz da Teoria Humanística, e identificar as contribuições deste processo para promover o cuidado humanístico. Os dados foram coletados em uma maternidade pública de Santa Catarina, com nove parturientes, sendo obtidos por intermédio do diálogo vivido, durante a aplicação do processo da Enfermagem Fenomenológica. A análise seguiu etapas de apreensão, síntese, teorização e transferência, de onde emergiu a categoria central: o ser-parturiente reconhece na enfermeira obstétrica uma cuidadora diferenciada, evidenciando que sua atuação significa respeito à feminilidade, delicadeza, liberdade de expressão, aprendizagem, presença que dá segurança e ânimo nas horas mais temidas. A dor é fortemente referida, seguida da satisfação pelo nascimento saudável. Conclui-se que a parturiente assistida pela enfermeira obstétrica percebe um canal intersubjetivo aberto para o encontro, proporcionando-lhe mecanismos de chamados-respostas indispensáveis ao cuidado de si e do recém-nascido.
Palavras-chave: Enfermagem obstétrica. Parto humanizado. Parto normal.
ABSTRACT
Convergent-Services Program researches, that aimed to understand the meaning of what the parturient attributes to the process of giving birth assisted by a nurse, to the light of the Humanistic Theory and identify the contributions of this process to promote humanistic care. Data were collected in a public maternity hospital in Santa Catarina, with nine pregnant women, being obtained through dialogue lived during the implementation process of the Phenomenological Nursing. The analysis followed steps of apprehension, synthesis, theory and transfer, from which emerged the central category: the being-parturient recognizes in the obstetric nurse a differentiated caretaker, evidencing that its performance means respect to the femininity, gentleness, freedom of speech, learning, reassuring presence and courage in the most feared time. The pain is strongly referred, followed by the satisfaction for the healthy birth. It is concluded that the parturient attended by the obstetric nurse notices an intersubjective channel opened for the encounter, providing its mechanisms of indispensable call-answers under the care of yourself and of the newborn.
Keywords: Obstetric Nursing. Humanized Childbirth. Normal Childbirth.
RESUMEN
Investigación Convergente y Asistencial, que tiene como objetivo comprender el significado que la parturiente atribuye al proceso de parto asistido por la enfermera obstétrica, a la luz de la Teoría Humanística, e identificar los aportes de este proceso para promocionar el cuidado humanístico. Los datos han sido recolectados en una maternidad pública de Santa Catarina, incluyendo nueve parturientes, a través de diálogos realizados durante la aplicación del proceso de la Enfermería Fenomenológica. El análisis siguió etapas de aprensión, síntesis, teoría y trasferencia, por el cual emergió la categoría central: el ser-parturiente reconoce en la enfermera obstétrica una cuidadora diferenciada, evidenciando que su actuación significa respeto a la feminidad, delicadeza, libertad de expresión, aprendizaje, presencia que da seguridad y ánimo en las horas más temibles. El dolor es muy mencionado, seguida de la satisfacción por el nacimiento saludable. Se concluye que la parturienta asistida por la enfermera obstétrica percibe una vía de comunicación intersubjetiva abierta para el encuentro, proporcionándole mecanismos de llamadas-respuestas indispensables al cuidado de sí y del recién nacido.
Palabras-clave: Enfermería Obstétrica. Parto Humanizado. Parto Normal.
INTRODUÇÃO
Desde meados do século XVII, quando os homens iniciaram na tarefa de atender as gestantes e os partos, retirando da cena do parto as parteiras e curiosas, que, durante milênios, foram as únicas "cuidadoras de mulheres no momento de parir,"1: 33, o modelo hospitalar de assistência ao parto, que antes era domiciliar, expandiu-se como padrão da assistência obstétrica nas áreas urbanas de países industrializados, inclusive no Brasil. O modelo hegemônico hospitalocêntrico e a visão medicalizada do parto perduraram em muitos locais e hospitais até os dias de hoje, sendo que, no Brasil, prevaleceu como ideário e como política pública, até meados da década de oitenta.2 Neste modelo, a obstetrícia foi se moldando aos interesses dominantes (modelo tecnocrático) e a atenção ao parto e ao nascimento passou a ser marcada por intervenções desnecessárias e potencialmente iatrogênicas, pela prática abusiva da cesariana, bem como pelo isolamento da gestante de seus familiares, pela falta de privacidade e pelo respeito à sua autonomia.3
Neste contexto, ainda hoje, os indicadores de saúde relacionados à assistência obstétrica no Brasil são catastróficos, apresentam altas taxas de mortalidade materna e perinatal e elevado índice de cesáreas; todos eles, reflexos da má qualidade da assistência obstétrica.4
A crítica ao modelo tecnocrático acelerou-se no Ano Internacional da Criança (1979) com a criação do Comitê Europeu, para estudar intervenções capazes de reduzir a morbimortalidade perinatal e materna naquele continente.2
Dessa forma, na década de oitenta, no Brasil e no mundo, com a insatisfação com a maneira que as mulheres eram tratadas na assistência obstétrica, fomentou-se então um movimento social que desencadeou debates sobre o tema e disseminou a informação de que, na maioria dos países desenvolvidos, a assistência ao parto e ao nascimento de baixo risco fundamenta-se na atenção prestada por Enfermeiras Obstétricas (EO) e por parteiras especializadas. Dentre estes eventos, destaca-se, em 1993, a fundação da Rede pela Humanização do Parto e do Nascimento (ReHuNa), oficializada na Carta de Campinas e que denuncia as circunstâncias de violência e constrangimento em que se dá a assistência, especialmente as condições pouco humanas a que são submetidas mulheres e crianças no momento do nascimento.2
O Ministério da Saúde, exercendo seu papel normatizador, implantou um conjunto de ações, por meio de Portarias, com objetivos de estimular a melhoria da assistência obstétrica e regulamentar a atuação da EO na realização do parto normal sem distocia, aplicando práticas baseadas em evidências científicas, conforme preconiza a Organização Mundial da Saúde (OMS), em documento publicado em 1996.5 Dentre essas medidas, tem-se a abolição da episiotomia de rotina, de amniotomia, enema e tricotomia; a redução drástica dos partos cirúrgicos e do uso do fórceps; o incentivo ao parto vaginal, ao aleitamento materno no pós-parto imediato, ao alojamento conjunto, à presença de acompanhante e à atuação da EO na atenção aos partos normais.4
Em 2002, o Ministério da Saúde publicou o Manual do Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar, dando início aos programas de humanização da assistência na rede pública de saúde, e incitou os hospitais da rede supletiva a adotarem medidas humanizadoras para a satisfação da clientela feminina, que envolvia: estimular a mulher a participar ativamente das decisões, escolher a posição para parir, utilizar água morna como mecanismo não farmacológico de alívio à dor, ter liberdade para movimentar-se, ser massageada (se desejar), fazer exercícios e ser assistida por alguém treinado para oferecer as orientações que se fizerem necessárias.4
No que tange à assistência à saúde da mulher no período gravídico-puerperal, a OMS e o Ministério da Saúde brasileiro recomendam maior participação da EO e da obstetriz, considerando a importância de acompanhar o trabalho de parto, aprimorar a assistência ao parto normal e diminuir as taxas de cesariana. Como medida de incentivo, desde 1998, ficou estabelecida na tabela do Sistema Único de Saúde a remuneração do procedimento de assistência ao parto realizado pela Enfermeira Obstétrica.5
Esses esforços corroboram os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), estabelecidos em 2000 pela Organização das Nações Unidas (ONU) em conjunto com 191 países (inclusive o Brasil), que se comprometem a alcançálos até 2015.O quinto ODM é melhorar a saúde das gestantes, reduzindo em três quartos a taxa de mortalidade materna. Este objetivo só será alcançado com a promoção integral da saúde da mulher em idade reprodutiva, ou seja, planejamento familiar, acompanhamento pré-natal, melhoria do acesso e da qualidade dos serviços de saúde, presença de profissionais qualificados na hora do parto para a redução da mortalidade materna, programas de melhoria da qualidade de atenção ao pré-natal, parto, puerpério e ao bebê.6 Portanto, percebe-se que a atuação da EO, neste contexto, é estratégica, tendo um papel fundamental na conquista do quinto Objetivo de Desenvolvimento do Milênio.
A EO, em sua atuação profissional, precisa desenvolver habilidades e competências, adquirir segurança técnica e perceber múltiplas e complexas dimensões que envolvem o processo de parir. É relevante compreender que tal processo é um evento social, com influências culturais, exigindo um profissional diferenciado, com formação ético-humanística e científica para prestar cuidados à mulher, de maneira afetuosa, empática e segura. A prática assistencial da maioria das EOs é voltada à valorização da mulher, fortalecendo-a no processo de parir, tratando-a com carinho, respeitando-a em seu tempo, propiciando cuidados para o alívio da dor e condução do trabalho de parto, estimulando os exercícios, massagens, banhos, deambulação e, mesmo, a adoção de posições, como a de cócoras, durante o trabalho de parto.
Em face desta realidade, e visando compreender melhor esse fenômeno, traçamos as seguintes questões-problema para o desenvolvimento da pesquisa: quais os significados que a parturiente imprime ao processo de parir assistido pela Enfermeira Obstétrica no contexto hospitalar? De que modo essa profissional pode contribuir para promover o cuidado humanístico? Os objetivos, portanto, estavam direcionados a: a) compreender os significados que a parturiente atribui ao processo de parir assistido pela Enfermeira Obstétrica no contexto hospitalar; e b) identificar as contribuições deste processo para promover o cuidado humanístico.
CAMINHO TEÓRICO-METODOLÓGICO
Trata-se de uma Pesquisa Convergente-Assistencial (PCA), de natureza qualitativa. Essa modalidade de pesquisa traça um desenho que une o fazer e o pensar na prática em Saúde-Enfermagem, mantendo, em todas as fases do processo investigativo, uma estreita relação com a prática assistencial, e tendo como finalidade contribuir para solução de problemas e busca de mudanças e inovações para a melhoria da qualidade na prática assistencial.7
A pesquisa foi realizada no setor obstétrico de uma maternidade pública, que é referência para a região do Planalto Norte de Santa Catarina, por uma das enfermeiras que atua na instituição, realizando partos quando o médico está ausente ou impossibilitado.8 Esta maternidade registra a média de 60 partos vaginais/mês, sendo que o porcentual de partos assistidos pelas EOs é de 16%.9
Para a coleta de dados foi utilizada a estratégia do "diálogo vivido"10, no qual a enfermeira/pesquisadora e a parturiente relacionam-se de forma criativa, através do encontrar-se, relacionar-se e o estar presente, e cuja meta é zelar pelo bem-estar e pelo estar melhor de ambos.
O processo de cuidar da parturiente (as três primeiras fases da Enfermagem Fenomenológica10 ) foi utilizado pela pesquisadora para levantar os dados necessários para responder às perguntas da investigação, sempre balizado pelo "diálogo vivido". Em resumo, na primeira fase, denominada "Preparando-se para conhecer as parturientes", a EO preparava sua mente para o encontro com cada uma dessas mulheres, abrindo-se à experiência de encontrar o "outro" como um ser único e indivisível; na segunda, denominada "Conhecendo intuitivamente as parturientes: a relação EU-TU", era necessário "entrar" no outro, no ritmo da experiência da parturiente, o que resultava em um conhecimento especial do outro. Requereu autenticidade da EO, de forma a estar aberta ao sentido da experiência para o outro; e, finalmente, na terceira fase, "Conhecendo cientificamente o outro: a relação EU-ISSO", a pesquisadora encarava os fenômenos já reconhecidos intuitivamente e meditava sobre eles, a fim de analisá-los, compará-los, interpretá-los, dar um nome a eles e categorizálos.10 Durante todo o tempo do cuidado à parturiente, colocou seus conhecimentos técnicos e científicos em enfermagem obstétrica à disposição das parturientes, utilizando linguagem de fácil compreensão e sem relação de submissão e/ou assimetria relacional.
Dessa forma, a PCA permitiu aliar o cuidado ao percurso investigativo, respondendo às inquietações que demandavam deste mesmo processo de cuidar.
Os sujeitos significativos desta pesquisa foram nove mulheres que, na condição de parturientes, vivenciaram o processo de parir, assistidas pela EO, sendo esse o único critério de inclusão. A coleta de dados ocorreu no segundo trimestre de 2009, finalizando quando ocorreu a saturação das informações. Os dados foram analisados de acordo com os passos propostos pela PCA: apreensão, síntese, transferência ou recontextualização.7 A partir da transcrição dos dados em diário de campo, procedeu-se à leitura exaustiva do material, a fim de organizar as informações. Posteriormente, reagruparam-se os temas encontrados, para se construir as estruturas de relevância da PCA para a análise final, de onde se originou a categoria central: O ser-parturiente reconhece na Enfermeira Obstétrica uma cuidadora diferenciada.
Atendendo aos preceitos da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, o projeto foi submetido ao Comitê de Ética da Universidade Federal de Santa Catarina, tendo sido aprovado sob o protocolo n. 393/08. Os sujeitos foram esclarecidos sobre os objetivos do estudo, sendo-lhes garantidos seus direitos, e todas assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Na apresentação dos resultados e discussão, os sujeitos do estudo foram identificados por palavras de origem grega.
RESULTADO E DISCUSSÃO
As nove mulheres que vivenciaram o processo de parir assistido pela EO caracterizaram-se por: idade entre 20 e 27 anos; oito viviam com companheiro; quatro cursaram o 2º grau completo, duas, o ensino médio incompleto, e uma, o ensino fundamental incompleto; três não trabalhavam fora do domicílio, enquanto as demais tinham emprego fixo; e cinco eram procedentes de municípios da região. Quanto à história obstétrica anterior, duas eram primíparas, quatro secundíparas, uma tercípara e uma multípara, na sua décima prole.
Categoria central - O ser-parturiente reconhece na Enfermeira Obstétrica uma cuidadora diferenciada
Neste estudo o ser-parturiente coexistiu com o serenfermeira obstétrica, originando-se o nós-no-mundo, mediante a interação das existências.10 Este estado relacional deu origem às seguintes subcategorias:
Subcategoria 1 - A presença que respeita a feminilidade
Percebeu-se que a EO presta assistência sob a perspectiva das questões de gênero e poder na assistência obstétrica, identificando-se nela alguns estereótipos femininos, como a emotividade, a sensibilidade e a gentileza. A solidariedade é expressa na visão sobre a natureza feminina do parto, considerando que no parto assistido por não médicos e profissionais do sexo feminino estabelece-se uma relação de identidade entre a profissional e a mulher, favorecendo um cuidado solidário.11
Da minha parte, eu não sei, não tenho preconceito com os homens, mas eu já sou mais da parte das mulheres. A enfermeira mulher leva bem mais jeito do que homem. Homem, ele olha, te olha de novo, daí olha, aí ele pensa de novo. Às vezes ele olha a gente de novo no corredor, aí é complicado. Eu prefiro mulher. (Delta)
O cuidado proporcionado com privacidade, sem expor desnecessariamente a parturiente, fez com que ela se sentisse preservada em sua intimidade. Como um ser sexual, a mulher que vivencia o processo de parir não deixa de sentir pudor, e quer preservar ao máximo a exposição de sua genitália. Assim, para Alfa, Beta, Gama e Épsilon, estar com suas próprias vestimentas, o máximo de tempo possível, durante o trabalho de parto, representou-lhes "bem-estar". Embora o comportamento da parturiente de lutar para "esconder seu pudor" e de colaborar com os profissionais seja esperada, compete aos profissionais que a atendem perceberem seu constrangimento e ouvir o seu desejo.
Foi bom ganhar (o bebê) aqui, vocês são carinhosas. (Iota)
Da outra vez eu não tive uma enfermeira, "um amor", comigo! (Alfa)
As práticas de cuidado sempre estiveram associadas ao feminino, o que reforça o pensamento de que uma das finalidades da enfermagem é cuidar do outro, o que implica na coexistência e na participação, o oposto de um cuidado manipulador e dominador.11
Subcategoria 2 - A prática da Enfermeira Obstétrica é mais delicada
De modo geral, a EO assiste o parto, respeitando-o como um processo fisiológico. Ela se diferencia pela maior delicadeza e por ter maior disponibilidade de tempo, além de estar presente no cuidado da parturiente. A EO estabelece uma relação empática, sem pressa, e, mesmo que ela precise se ausentar fisicamente, a mulher se sente cuidada.12
[...] porque ele (o obstetra) foi bem grosso; ele chegou e fez aquele toque muito doído...doeu muito aquilo...(acesso de choro)...você fez o exame com tanto cuidado e ele foi estúpido...(silêncio...choro...), eu tava com medo dele! (Eta)
[...] eu mesma tive (um toque) com o médico e um contigo, e foi uma diferença bem grande...o tratamento assim é mais delicado. (Épsilon)
O grande desafio à frente é o de minimizar o sofrimento das parturientes, tornando a vivência do processo de parir em experiências de crescimento e realização para a mulher e sua família.
Subcategoria 3 - O saber compartilhado da Enfermeira Obstétrica transmite segurança
No diálogo vivido, a relação acontece quando se responde a alguém que precisa de ajuda. Nessa linha de pensamento, a EO proporciona alento, amparo e dignidade. A presença do profissional, dispondo seu saber, fortalece a capacidade de parir da mulher, transmitindo-lhe tranquilidade e segurança diante da evolução normal.
Os sujeitos significativos deste estudo referiram apreensão de informações fornecidas durante a assistência, manifestando muita curiosidade e sede em saber mais.
[...] eu tava preparada porque sabia..., eu já tive um, mas eu queria que nascesse logo, mas como você falou...precisava de todas essas contrações para ele ficar na posição e massagear o canal para daí nascer! (Eta)
[...] porque eu já há tanto tempo com dor e dor... mas é que nem você falou... nós viemos muito cedo e tem mulheres que demoram mais, e tem mulheres que o colo dilata mais rápido. Nada mais que normal. (Épsilon)
Agora as contrações estão mais seguidas, a cada 5 minutos, e duram quase 1 minuto, já tá chegando a hora. (Alfa)
De todos os partos, essa foi a primeira fez que eu vi a placenta; parece um fígado. (Zeta)
Pode-se inferir que havia desinformação das gestantes com relação ao parto, pois percebeu-se que elas não diferenciavam a fase latente da fase ativa do trabalho de parto, não entendendo-a como um processo, por isso supervalorizavam o período expulsivo. Sabe-se que o momento de vivência do processo de parir não é o ideal para o preparo e o "despejo" de informações; porém, a EO, com seu saber específico e sensibilidade, pode identificar de que forma o seu saber será útil, considerando que humanizar a assistência ao parto significa assistir cada mulher em um momento ímpar da sua vida, que é o do nascimento de seu filho.13
Subcategoria 4 - A Enfermeira Obstétrica permite a expressão da dor
Segundo as parturientes, algumas manifestações são possíveis controlar, outras não, e essa abertura para a expressividade de sensações, sentimentos, choro e grito, foi identificada pelas parturientes.
Se quiser, dá pra controlar (o grito), porque o choro não vai resolver o problema, só que tem hora em que você não se contém, que não dá para segurar o teu corpo. Na verdade, por mais que você tente, vem 'aquela' vontade de soltar aquilo para fora. Eu soltei e achei que ajudou. (Épsilon)
No discurso de mulheres e profissionais de saúde sobre o imaginário cultural da humanização ao parto e ao nascimento, estes querem a participação das mulheres no processo, porém as veem como dependentes de sua assistência. A autonomia da parturiente está garantida somente enquanto ajudar, não sendo permitido opinar sobre seu parto, por isso ela silencia, não pode gritar, permanece isolada, seu corpo não lhe pertence; mesmo que fale, parece não ser ouvida.14
Hum! É uma dor ruim, uma dor agoniza... dá vontade de tudo...de pular, de dançar, de correr! Só que, assim... se a gente tiver fôlego, como você ensinou, alivia...a enfermeira ajuda a gente a não sofrer tanto! (Zeta)
É preciso dar voz às mulheres, ouvir o que dizem quando falam. Ver as diferentes realidades da vida das mulheres e ouvir suas diferentes vozes é respeitar a singularidade, a diversidade de experiências e a interpretação que cada uma faz daquele evento.
[...] me senti à vontade para gritar. Gritei quando eram bem fortes, assim, eu gritei bastante. Quando eram menores as contrações, menos intensas, eu só gemia bastante assim. Nossa senhora! Ai!...não segurei nada. [...] (o grito) foi para realmente ajudar. Não para, vamos dizer assim, chamar a atenção, tipo 'venham me acudir que eu estou passando mal'. (Beta)
Quando as mulheres se sentem confiantes, e não observadas, durante o trabalho de parto, adotam posições diversificadas que ajudam a relaxar a musculatura e a reduzir a atividade de seu neocórtex... então, a parturiente pode até ousar gritar ou fazer coisas que jamais faria em outras circunstâncias.15
Subcategoria 5 - A presença que deixa a dor mais fácil de suportar
Para a presença ser genuína, a EO necessita estar aberta, receptiva, pronta e disponível para a outra pessoa, de modo recíproco. A parturiente é um ser corporificado, entretanto, a enfermeira, ao zelar pelo bem-estar e estar melhor dela, precisa relacionar-se com ela e com o seu corpo, em sua inter-relação misteriosa.10
[...] queria que nascesse logo, você ajudou bastante ficando junto, pois dessa vez consegui me controlar melhor! (Zeta)
É necessário reduzir o máximo possível a ansiedade da mulher no trabalho de parto, a fim de que possa ser aliviada a tensão e o medo de elementos que interferem no processo natural do parto. Assim, a presença da EO trouxe conforto para aquelas que temiam isolamento, abandono e maltrato, bem como deu segurança e apoio para aquelas que estavam preocupadas com o bebê e com dúvidas em relação à capacidade de parir.
Subcategoria 6 - O cuidado que proporciona bemestar físico
A dor representa um importante sinal do início do trabalho de parto, porém, tanto a dor como a ansiedade, e o aumento da secreção de cortisol, podem afetar a contratilidade e o fluxo sanguíneo uterino. Então, logo que diagnosticado o trabalho de parto, a dor pode e deve ser aliviada, pois pode trazer prejuízos à mãe e ao bebê.16
Para alívio da dor e evolução do trabalho de parto, foram proporcionados: massagem na região sacra e dorsal, ambiente confortável, banhos térmicos, exercícios na bola e hidratação. Esses cuidados, em geral, foram bem aceitos pelas parturientes; porém, houve aquelas que preferiram ficar "quietinhas", e as que se mantiveram ativas.
As massagens nas costas foram muito boas e eu não queria que parasse. (Alfa)
Ajuda...aquele lá (as massagens) relaxa o corpo pra não ficar tão apreensiva. (Épsilon)
Naquela hora eu preferi ficar bem quietinha, sentadinha onde estava, não andar, procurar ficar quietinha, ouvindo o corpo. Senti assim várias vezes. Aí, eu me embalava, mas daí eu falava assim: mas está na hora de vir a outra...(Beta)
Eu recomendo o banho bem quente nas costas. Naquele momento bem tenso...nossa, quando você fala aí em bem-estar, nossa, eu nem percebi ali que a bolsa estourou. E estourou ali, bem na hora do chuveiro. (Beta)
A formação em obstetrícia confere à enfermeira habilidades e competências que a possibilitam ter uma visão integral da situação, cuidando do que é fundamental, ou seja, desde a temperatura da sala, até a luminosidade e o silêncio, para que cada mulher sinta-se livre e à vontade para mudar de posição.
Subcategoria 7 - O cuidado que proporciona bemestar emocional
O parto torna-se um momento imprevisível e desconhecido para a mulher, trazendo consigo expectativas, perspectivas, esperanças, preocupações, medos, ansiedades e angústias. Dessa forma, ao perceber que o desespero, o medo e a dúvida tomavam espaço no existir da parturiente, em seu processo de parir, mobilizavam-se estratégias para animá-la, dar-lhe esperança e a confiança pela proximidade de resolução, ou seja, do nascimento do bebê.
Chega uma hora em que você (pensa em desistir)... daí vem você e põe uma coisa na cabeça...vamos, porque vai nascer...chega uma hora que você não quer mais...daí, dá aquele ânimo...que vai nascer..., então vamos! (Épsilon)
Um estudo comprova que as parturientes perceberam, na prática, que as atitudes no cuidado proporcionado pelas EOs representam uma maneira de serem estimuladas a não desanimarem, afirmando que o incentivo é fundamental.17
[...] aquela hora em que eu agarrei firme a tua mão e disse que tava com muito medo! Você foi muito legal comigo, me dando confiança! (Alfa)
A mão de uma pessoa é mil vezes melhor do que aqueles ferros. (Beta)
Na relação empática, o profissional tem a percepção das necessidades da parturiente que, muitas vezes, é subjetiva; é pelo olhar, pela pele, pelo não dito, pelo silêncio, pelo gesto. É nessa atitude/cuidado que a EO responde ao chamado da mulher, esclarecendo suas dúvidas, reanimando sua energia, renovando sua confiança para seguir adiante, muito mais além...
Subcategoria 8 - O cuidado que proporciona o sermais da mulher
Os sujeitos significativos relataram a preferência pelo parto vaginal; no entanto, não desejavam repetir essa experiência. Foi unânime a constatação e manifestação do conforto e alívio após o nascimento do bebê.
Tá louco! Depois que eu ganhasse, eu pensava que eu ia capotar. No fim não, já peguei o nenê no colo...ali mesmo, sujinha, nem parecia que eu tinha passado por tudo aquilo, de tão disposta que eu estava. (Épsilon)
Os aspectos subjetivos e emotivos devem ser percebidos, e a EO deve estar sensível e aberta para promover cuidados que estimulem o vínculo, preparando um encontro entre mãe e filho o mais natural possível, o que é difícil no ambiente hospitalar, mas pequenas atitudes fizeram a diferença.
[...] foi bem bom (ter tocado a cabecinha quando estava nascendo). Apesar do medo de machucar a moleirinha dela, foi uma sensação boa do parto que eu vou lembrar sempre! (Beta)
Com Zeta, Gama e Iota, o ser-mais é manifestado pelo desejo de mudar, de "parar" de procriar, e assim, começar uma vida nova e melhorar a sua condição de vida. Para Alfa, Beta, Delta, Épsilon, Eta e Theta, o "ser-mais" estava se realizando na maternidade, vivenciando de maneira intensa o nascimento.
O sofrimento explicitado nas falas de Eta, Alfa e Épsilon foi dando lugar a uma sensação de felicidade plena pelo nascimento do filho. Esse aspecto é corroborado, pois a assistência humanizada proporciona às mulheres um forte sentimento de confiança e segurança, seja durante o parto, ou ao cuidar do filho. Muitas têm uma experiência maravilhosa de autotransformação, "sentindo-se capazes em seus novos papeis sociais. Esta experiência estimula a conscientização e o interesse pela sociedade, tendo como consequência o fortalecimento social".18:61
[...] é um ser vivo que está vindo, é uma pessoa que está vindo, é uma vida que você está gerando, e se você for pensar, por um lado (o parto), é difícil, por outro não é! (Épsilon)
O depoimento de Épsilon transcende ao meramente biológico, demonstrando o aspecto fascinante do parto e o estabelecimento de uma relação transcendental entre mãe e filha. Uma boa orientação, o respeito à singularidade e ao existir no mundo, o cuidado devidamente contextualizado e embasado em uma relação de confiança entre enfermeiraparturiente poderão repercutir não só na qualidade dos sentimentos manifestados pela mulher, mas também culminar no "ser-mais" da mãe, mulher e profissional, em seu papel na sociedade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O significado do processo de parir assistido pela EO representa, para a parturiente: respeito à sua feminilidade, atendimento delicado, liberdade de expressão, aprendizagem, presença que dá segurança e ânimo na hora em que mais teme. A dor é fortemente referida, seguida da satisfação pelo nascimento sadio.
Quanto às contribuições do processo de parir atendido pela EO para promover o cuidado humanístico, a utilização da teoria humanística de Paterson e Zderad mostrou-se como um modelo que permite à enfermeira olhar para a parturiente com os olhos do coração, com sensibilidade, colocando-se em seu lugar e entendendo-a em seu existir-no-mundo. Não existe uma receita a seguir, mas é preciso disposição para o diálogo vivido, que ocorre a partir do encontro verdadeiro, em que se estabelece a relação empática, por meio da presença genuína, percebe-se o chamado, e proporciona-se a resposta que leva ao bem-estar e ao estar melhor da mulher. Esse modelo se aplica também nas relações interpessoais da equipe de saúde, e a nossa disposição é a de alcançá-las, pois essa experiência nos tornou enfermeiras diferentes.
Da mesma forma, foi possível identificar facilidades e dificuldades na utilização da prática assistencial obstétrica, ficando evidente que é necessário romper com o modelo tradicional do parto institucionalizado. A desincorporação das intervenções associadas ao parto medicalizado não é tarefa simples de ser executada, sendo que, neste estudo, também nós, como enfermeiras obstétricas, nos "pegamos" reproduzindo "rituais", sem comprovação de benefício pelas evidências científicas.
Como limitações do estudo, consideramos o fato de os sujeitos significativos serem todos usuários do Sistema Único de Saúde, o que implica em uma realidade diferenciada em termos socioeconômicos e culturais. Este estudo não esgota o tema abordado, porque a maneira de ver e sentir determinado fenômeno é dinâmica e está relacionada ao tempo e espaço vivido no mundo real dos sujeitos.
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Recebido em 29/04/2011
Reapresentado em 18/08/2011
Aprovado em 05/10/2011