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CAPES

Volume 16, Número 1, Jan/Mar - 2012

PESQUISA

 

Significado do cuidado familiar à mulher mastectomizada

 

Meaning of family care to mastectomized women

 

Significado de la atención familiar a la mujer mastectomizada

 

 

Ana Fátima Carvalho FernandesI; Isabela Melo BonfimII; Iliana Maria de Almeida AraújoIII; Raimunda Magalhães da SilvaIV; Izabel Cristina Falcão Juvenal BarbosaV; Míria Conceição Lavinas SantosVI

IEnfermeira Professora, Doutora Associada do Departamento de Enfermagem da UFC. Fortaleza-CE-Brasil. E-mail: afcana@ufc.br
IIEnfermeira. Professora Adjunta da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Fortaleza-CE-Brasil. E-mail: isabelambonfim@hotmail.com
IIIEnfermeira. ProfessoraAdjunta da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Fortaleza-CE-Brasil. E-mail: ilianama@hotmail.com
IVEnfermeira. Professora Titular da UNIFOR. Fortaleza-CE-Brasil. E-mail: rmsilva@unifor.br
VEnfermeira Mestre. Professora Assistente da Universidade Federal do Piauí (Campus Floriano-UFPI). Fortaleza-CE-Brasil. E-mail: icfjb@yahoo.com.br
VIEnfermeira do Instituto do Câncer. Doutora pela Universidade Federal do Ceará. Fortaleza-CE-Brasil. E-mail: mlavinas@fortalnet.com

 

 


RESUMO

Objetivou-se compreender o significado do cuidado familiar prestado à mulher mastectomizada. Estudo qualitativo, cujo referencial teórico utilizado foi o Interacionismo Simbólico, e o metodológico, a Teoria Fundamentada nos Dados. Entrevistaram-se 11 familiares entre julho e agosto de 2008. Os resultados evidenciaram os seguintes fenômenos: enfrentamento das dificuldades da família para cuidar, diagnóstico de câncer de mama defrontado pela família e cuidado familiar percebido após a cirurgia. Concluiuse que, apesar de os participantes valorizarem o cuidado familiar, alguns se sentiam despreparados para assumi-lo efetivamente. Considera-se a relação familiar consistente uma estratégia fundamental para a reabilitação da mulher mastectomizada.

Palavras-chave: Mastectomia. Relações familiares. Cuidados de enfermagem.


ABSTRACT

It was aimed to understand the meaning of family care offered to mastectomized women. This is a qualitative study that used as theoretical reference the symbolic and methodological Interactionism and the Grounded Theory. 11 relatives were interviewed between July and August 2008. The results showed the following phenomena: facing family difficulty to take care, facing the diagnosis of breast cancer in the family and noticing the family care after surgery. It was concluded that, in spite of participants valuing family care, some felt unprepared to effectively perform it. A consistent family relationship is considered a fundamental strategy for the rehabilitation of mastectomized women.

Keywords: Mastectomy. Family Relations. Nursing Care.


RESUMEN

El objetivo del estudio fue comprender el significado de la atención familiar a las mujeres mastectomizadas. Estudio cualitativo, cuyo marco teórico fue la Interacción Simbólica y Metodológica, la Teoría Fundamentada. Fueron entrevistadas 11 familias entre julio y agosto de 2008. Los resultados señalaron los siguientes fenómenos: hacer frente a las dificultades de la familia en la atención a la mujer mastectomizada, el diagnóstico de cáncer de mama enfrentado por la familia y el cuidado familiar percibido después de la cirugía. Se concluyó que, aunque los participantes valoren la atención familiar, algunos se sentían sin preparo para asumirlo con eficacia. Se considera que la relación familiar consistente una estrategia clave para la rehabilitación de mujeres mastectomizadas.

Palabras clave: Mastectomía. Relaciones Familiares. Atención de Enfermería.


 

 

INTRODUÇÃO

Em virtude de sua fisiopatologia, o câncer é uma doença de características diferenciadas de outras doenças crônicas, já que pode provocar deformidades, dor e mutilações. Ademais traz em seu bojo um estigma que causa forte impacto psicológico sobre o indivíduo e sua família, que produz sentimentos como medo, ansiedade, angústia, dúvidas, raiva e sofrimento emocional desde o momento do diagnóstico.

Assim, é inegável, portanto, que o câncer de mama pode representar para a mulher uma doença mamária, seguida de tratamento, muitas vezes mutilador e traumatizante, pois, frequentemente, a mulher vivencia situações conflituosas e assoladoras em detrimento dos efeitos causados pela doença, como: alteração corporal, insatisfação sexual, inibição nas interações psicossociais no trabalho e na própria família, além da variabilidade do humor e da instabilidade emocional. As consequências destas disfunções ultrapassam o marco individual e estendem-se ao âmbito da convivência social, grupal, familiar e às relações profissionais. Isso implica em uma grande carga emocional para a paciente, seus familiares e amigos mais próximos, e para todos os profissionais envolvidos no tratamento.1

Desse modo, salienta-se que a neoplasia mamária, no Brasil, representa a primeira causa de morte por câncer entre as mulheres. O número de casos novos de câncer de mama esperados no Brasil para 2010 foi de 49.240. Para o Ceará, houve uma estimativa de 1.660 novos casos, 690 na capital, o que equivaleu às taxas brutas de 37,29/100.000 e 51,57/100.000 mulheres, respectivamente.2

Em face do diagnóstico de neoplasia mamária, frisa-se que a paciente com esse diagnóstico geralmente possui um membro da família que se propõe a acompanhá-la em consultas, tratamento, internações. Logo, quando a escolha pelo tratamento da neoplasia mamária é a mastectomia radical, os efeitos psicológicos são vivenciados de forma intensa pelas pacientes e pelos familiares. Neste, os indivíduos podem apresentar estado de tensão, ansiedade ou medo, em decorrência do desconhecido, da anestesia, da mutilação e até mesmo da possibilidade da morte.3 Nesta situação, tanto a paciente quanto o familiar precisam de cuidados específicos da equipe multiprofissional, para que possam enfrentar com mais segurança e adequação a nova experiência de vida e de doença.

Torna-se de fundamental importância que todos os profissionais de saúde considerem o modo de vida e o contexto cultural nos quais a família se encontra inserida, de forma que seja possível promover o cuidado, respeitando valores culturais, minimizando possíveis conflitos gerados neste processo.

Por meio da compreensão e da interação das mulheres mastectomizadas com seus familiares e da valorização dos determinantes culturais, sociais, psicológicos envolvidos no processo saúde-doença, pôde-se realizar uma nova leitura acerca do papel do familiar acompanhante dessas pacientes, bem como uma interpretação mais fidedigna de seus sentimentos, de suas trocas emocionais com as clientes.

Portanto, urge o desenvolvimento de pesquisas que envolvam as famílias como foco do cuidado, para que os profissionais enfermeiros estejam mais preparados para reconhecerem esses familiares como aliados ao tratamento e à recuperação da mulher com câncer de mama. Além disso, há a necessidade de se conhecer os significados construídos pelas famílias acerca do cuidado que prestam à mulher mastectomizada, pois estes irão auxiliar na compreensão das atitudes desses familiares e orientar melhor a prática do profissional enfermeiro. Logo, o estudo objetivou compreender o significado do cuidado do familiar à mulher mastectomizada.

 

METODOLOGIA

Optou-se pela abordagem qualitativa, devido ao fato de incorporar a questão do significado e da intencionalidade que são inseparáveis dos atos, das relações e das estruturas sociais. Para fundamentar o estudo, utilizou-se o Interacionismo Simbólico como referencial teórico, por considerar a interação humana, as causas da ação humana, sob o ponto de vista dos agentes das ações, permitindo, desta forma, que o pesquisador possa apreender os significados da experiência humana.4

De acordo com a perspectiva interacionista, a Teoria Fundamentada em Dados está voltada para o conhecimento da percepção ou do significado que determinada situação ou objeto tem para o outro. É um método que visa explorar processos sociais, presentes nas interações humanas, desenvolvendo explicações-chave dos processos sociais ou estruturas destes, que são derivadas ou baseadas em dados empíricos.4

A instituição selecionada para o desenvolvimento da pesquisa foi um hospital filantrópico, centro de referência em atendimento ao paciente oncológico situado em Fortaleza, Ceará, Brasil. A escolha dessa unidade de saúde ocorreu pelo fato de adequar-se à proposta do estudo, possibilitando o contato com a temática, além de ser uma instituição especializada e com interesse pelo ensino e pela pesquisa.

Nessa instituição, escolheu-se o setor de quimioterapia, local de tratamento subsequente à cirurgia, cujas pacientes encontravam-se acompanhadas de seus familiares, momento que permitiu à pesquisadora realizar observação e entrevista com os mesmos.

Os informantes do estudo constaram de 11 familiares de pacientes mastectomizadas, contactados entre julho e agosto de 2008, distribuídos nos dois turnos de quimioterapia da instituição hospitalar referida, que aceitaram participar da pesquisa. Entrevistaram-se os familiares que estavam acompanhando o tratamento quimioterápico e que, em algum momento, estiveram prestando cuidados à paciente durante sua internação ou em seu domicílio. A entrevista constou de uma questão norteadora: em sua opinião, como é cuidar de uma mulher mastectomizada? Desta questão emergiram novas interrogações e esclarecimentos necessários para o aprofundamento e reconhecimento das experiências vivenciadas entre paciente, cuidador, doença, tratamento, família, hospital e demais assuntos de interesse dos entrevistados e do entrevistador. Essa etapa contextualiza o que chamamos de amostragem teórica.

Amostragem teórica é o processo no qual o pesquisador, após coletar, codificar e analisar os dados, toma algumas decisões em relação a quais tipos de dados ainda devem e/ou precisam ser coletados e onde eles podem ser encontrados, e a saturação teórica é o momento no qual não são mais encon-trados dados novos ou adicionais em determinado grupo, constituiu um dos principais critérios para a definição do momento em que novos grupos deveriam ser buscados.6

Para definir o tamanho da amostra, baseou-se na saturação dos depoimentos contidos nas entrevistas. Na pesquisa qualitativa, o tamanho da amostra é determinado de acordo com a necessidade de informações; desta forma, um princípio orientador da amostragem foi a saturação dos dados. Nas primeiras entrevistas (terceira, quarta), observou-se a repetição de alguns dados, e a partir da sétima entrevista não foi obtida nenhuma nova informação, o que indicou o término da coleta de dados.5

Os respondentes tinham entre 18 e 74 anos, e todos estiveram com suas pacientes em mais de um momento no hospital, tanto durante a internação para a realização da mastectomia, como durante o tratamento quimioterápico.

As entrevistas foram gravadas e transcritas logo após sua realização, fato que possibilitou maior análise dos discursos. A gravação possui a vantagem de registrar as expressões verbais como um todo, de forma imediata, permitindo que o entrevistador fique disponível para dedicar toda a atenção ao entrevistado.5

A escolha do momento da entrevista foi facilitada pelo fato de os familiares estarem à espera dos pacientes enquanto estes realizavam o tratamento quimioterápico. O tempo ocioso foi determinante para a aceitação desses informantes para conversar com a pesquisadora.

A organização dos dados foi realizada de forma manual, tendo como recurso a Teoria Fundamentada em Dados, proposta nas etapas: coleta de dados empíricos, formação de conceitos, desenvolvimento de conceitos, modificação e integração do conceito e produção do relatório final da pesquisa.6

Após a transcrição e incansáveis leituras, ini-ciouse o processo de codificação aberta e categori-zação dos dados. Utilizando o método comparativo constante, procedeu-se o agrupamento de códigos substantivos que tinham a mesma natureza, sur-gindo daí as categorias. Em seguida, procurou-se descobrir os principais problemas do fenômeno estudado, com vistas à construção da estrutura conceitual, a partir de um processo indutivo que inclui redução, ampliação seletiva da literatura e exemplificação seletiva dos dados, segundo o qual, novos dados são coletados de maneira seletiva para auxiliar no desenvolvimento de hipóteses e identificar as propriedades das categorias principais e avançar na construção da teoria, reforçando alguns aspectos e aprofundando o entendimento de outros.6

O próximo passo foi buscar a integração das categorias por meio da codificação axial, em que o investigador tenta descobrir o principal problema na cena social, do ponto de vista dos atores ou sujeitos participantes do estudo, e como eles lidam com o problema. A redução, procedimento realizado a seguir, é o processo indutivo de agrupamento dos códigos em categorias. Nele, as categorias já formadas são analisadas comparativamente, à luz dos novos dados que estão chegando, com o intuito de tentar identificar naquelas referentes as mais significativas. Esse processo reduz o número de categorias, pois estas se tornam mais organizadas.6

Finalizando o estudo, podemos proceder à delimitação da teoria central intitulada: Significado do cuidado familiar à mulher mastectomizada, na qual descobrimos as uniformidades no grupo original de categorias ou suas propriedades e pudemos, então, formular a teoria com um grupo pequeno de conceitos de alta abstração, delimitando a terminologia e texto do estudo propriamente dito.6

A fase final da análise envolveu a construção de definições conceituais para as categorias na busca pela compreensão do fenômeno central. Assim, recorreu-se a dois juízes conhecedores da temática para garantir a credibilidade do estudo e assegurar a identificação das percepções dos entrevistados de acordo com os relatos. O primeiro juiz procedeu ao levantamento das categorias encontradas e à correspondência com os discursos dos entrevistados. O segundo tratou de analisar o conteúdo das subcategorias. Esta etapa alavancou a credibilidade do estudo.

A fase de coleta de dados do estudo somente foi iniciada após apreciação e aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da própria instituição, sob protocolo nº 16/ 2008. Os participantes foram informados da finalidade da investigação, e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi devidamente assinado.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As categorias identificadas, bem como as ligações teóricas realizadas, resultaram em um processo analítico explicativo da significação do processo de cuidado familiar à mulher mastectomizada, representado pelo fenômeno Significado do cuidado familiar à mulher mastectomizada (Figura 1). A figura foi composta por três círculos que representaram as fases do processo vivenciado pelas famílias: enfrentamento das dificuldades da família para cuidar; diagnóstico de câncer de mama defrontado pela família; e cuidado familiar percebido após a cirurgia.

 

 

O cenário do cuidado à mulher mastectomizada é dinâmico e influenciado por diferentes paradigmas que determinam e ou alteram pensamentos, conhecimentos e atitudes que estão em permanente construção-desconstruçãoreconstrução. Os significados dessas práticas se revelam na descrição das categorias emergentes que, no seu conjunto e nas suas interrelações, indicam um processo social e familiar básico que abrange a significação do cuidado familiar à mulher a partir da realização da mastectomia.

Portanto, ao deparar-se com a realização da mastectomia de um de seus membros, a família passa por um processo iniciado antes da internação, composto por sentimentos de estresse, angústia, medo e incerteza, buscando elaborar estratégias, construindo conceitos que permitam a adaptação familiar diante da situação vivenciada.

Enfrentamento das dificuldades da família para cuidar

Os discursos que fundamentaram esse processo revelaram que a estrutura familiar, em momentos de estresse, esteve sujeita à desorganização, e o cuidado tornou-se estafante e ineficiente.

[...] Eu não gosto, não. Fico com pena, tenho medo, prefiro ficar perto, mas sem cuidar [...] (Familiar 10).

[...] Eu não cuido muito, não. Eu venho mais com ela pra tomar esse remédio na veia. Mas ela tem uma amiga que ajuda às vezes a tomar banho, mais no começo [...] (Familiar 3).

[...] É ruim, eu não gosto não. Ela fica nervosa e eu fico querendo voltar a fazer as minhas coisas. As coisas mudaram de uma hora para outra [...]. Mas, mãe é mãe. A gente tem que cuidar [...] (Familiar 4).

Lidar com uma pessoa acometida pelo câncer é um processo completo, e os conhecimentos sobre a doença pouco auxiliam neste processo de enfrentamento. Nesta árdua luta contra a doença, o impacto do medo do desconhecido atinge, não somente, o paciente. Todos da família ficam naturalmente tão perturbados que não conseguem viver normalmente.7

Outro processo revelado nos depoimentos foi o fato de existirem pessoas que se angustiam com medo de adquirir o câncer através do contato físico ao cuidar da mulher.

[...] Antes eu ficava com medo de pegar, mas aí me disseram que não pega. Pra mim, é difícil, eu tenho ela como mãe, ela sempre cuidou dos irmãos e agora, tadinha, tá precisando de cuidado. [...] (Familiar 8).

O temor vivenciado pelas mastectomizadas e suas famílias de uma recidiva apresenta fundamentação no que já foi vivenciado, no pavor, no medo do cotidiano ameaçado e no medo do desconhecido, naquilo que lhe é estranho, que ainda não experienciou; logo, a família receia o fato de estar em risco de uma recidiva que para ela significa a possibilidade de morte. O terror gerado pela incerteza de um tratamento eficaz, ou de uma piora em seu estado de saúde, motiva a paciente à terminalidade.8

Nesse momento, as experiências se contextualizam e o câncer se consolida novamente como uma ameaça real à estabilidade familiar.

[...] Minha filha, estou cuidando de novo, num sufoco danado, porque tenho a minha casa. Mas é o jeito mesmo. Ela só pode contar comigo. Está sendo mais difícil ainda que da outra vez, porque eu tenho muitas coisas. Aí, tem que parar a vida por causa da doença [...] (Familiar 5).

O cuidado humano é uma atitude ética, em que os seres humanos percebem e reconhecem os direitos uns dos outros. Tendo em vista que respeito implica ética, para cuidar, é necessário respeitar o outro, valorizá-lo na sua condição plena de sujeito.9

Considerando-se a família como cuidadora, percebendo que ela possui formas específicas de prestar cuidados, apresentando, portanto, diversas configurações, passam a ocorrer as interações que se dão nas enfermarias de hospitais oncológicos, principalmente na ocasião da mastectomia, visto que esse momento é especialmente cercado de sentimentos contraditórios, do tipo alívio, fadiga, medo, ansiedade e muita tensão e expectativa.10

Diagnóstico de câncer de mama defrontado pela família

Neste fenômeno, ficou evidente que o impacto do diagnóstico de câncer é sentido tanto pela mulher como por seus familiares, não somente pela gravidade da doença, mas por tudo que, de certa forma, já vivenciaram e previram acontecer. Para o interacionismo simbólico, essa interpretação da situação é fruto das vivências e experiências ao longo da vida.11

A mastectomia em sua gravidade também permite aflorar sentimentos de afeto e estreita os laços familiares que se fortalecem com a experiência:

[...] Ela era bonita, gorda. Agora, está magra sofrida, não aguento mais isso. Esse tratamento horroroso [...] (Familiar 7).

No relato, percebeu-se demonstração de carinho e afeto pela mãe, desencadeada pela fragilidade diante da situação; nele, a filha transmitiu mais claramente os sentimentos de afeição, refletindo o aprofundamento da relação com a mãe, denotando intensificação do apego nas relações de interdependência.

Ao receber o diagnóstico de câncer da mama, a mulher precisa do apoio familiar. A família, portanto, não deve desprezar as necessidades dessa mulher, deve ser solidária, não permitindo que a paciente seja vencida pela doença.12

Os discursos dos familiares revelaram que, de modo geral, estes não estão preparados para receber o diagnóstico de câncer de mama.

A interação social é um processo de formação da conduta humana, e não simplesmente um cenário para colocá-la em ação; ou seja, os seres humanos, ao interagirem uns com os outros, têm de dirigir sua conduta humana de acordo com que os outros estão para fazer, pois assim as atividades dos outros resultam em fatores positivos para a formação da conduta.4

A família que se defronta com o câncer costuma apresentar uma crença de que a doença é necessariamente fatal. Para aumentar ainda mais a comoção, o paciente e a família podem estar se confrontando com a ideia de mortalidade pela primeira vez. O sentimento da própria mortalidade não é inato. Em geral, há uma conscientização dela a partir da experiência de algo que ameaça a vida, seja a nossa própria ou a de alguém que se ama.11

Os discursos revelaram que a família, ao tomar conhecimento do diagnóstico, contextualiza suas experiências anteriores a respeito da doença e elabora um novo significado para essa situação de acometimento por uma doença grave, algo que parecia longe e agora agita toda a sua estrutura.

[...] Eu nem acreditei. Fiquei pensando que não era justo Deus fazer isso com ela. Ela já sofreu tanto nessa vida. Eu só acreditei quando ela saiu da cirurgia sem o peito [...] (Familiar 4).

[...] Eu sempre vim com ela para as consultas, e, quando o médico disse, eu estava com ela. Nem acreditei que fosse verdade. Pensava que nunca ia acontecer com alguém da minha família [...] (Familiar 9).

A reação de desespero diante da descoberta da doença pode estar associada ao insipiente conhecimento sobre a doença, como também às dificuldades do tratamento, do cuidar, e ao medo da perda do ente querido. Por isso, é importante que a família seja envolvida no processo de tratamento, para que ocorra a minimização de sentimentos negativos.

A revelação desse diagnóstico é um conflito que gera angústia e sofrimento para toda a família. Consequentemente, amedronta, à medida que desperta a consciência para problemas mais sérios que virão. Apesar de tudo, ocultada ao fato encontrase a inexorável vontade de preservar a vida do familiar.13

Alguns discursos evidenciaram que a gravidade da situação se inicia antes da confirmação do diagnóstico, pois com o surgimento dos sintomas e o relato da mulher, as experiências se somam, tornando-se comum acontecer a antecipação do que parece ser inevitável.

[...] Ela disse que tinha uma caroço no peito e que sai uma água escura do bico, aí eu falei para ela ir ao médico [...]. Então fui com ela, e o médico disse que não era uma coisa boa [...] (Familiar 2).

No momento de enfrentamento, as informações transmitidas para os familiares sobre a doença nada representam, pois os significados que elas atribuem à experiência são baseados em vivências prévias, crenças, valores e contexto cultural. O processo de significação da experiência é possibilitado pela rearticulação de conceitos e concepções em consequência da presença de uma enfermidade que é percebida como ameaça à vida de seu familiar.14

Cuidado familiar percebido após a cirurgia

O processo de cuidar envolve relacionamento interpessoal, originado do sentimento de ajuda e confiança mútuas. Logo, cuidar é servir, é perceber o outro em pequenos gestos, em pequenas falas, em suas limitações, é uma palavra de carinho. Para realizar esse cuidar, é preciso que os profissionais tenham afinidade em relação aos clientes, principalmente no caso dos acometidos pelo câncer.14

[...] Eu cuido fazendo o que tem que fazer. O pessoal do hospital diz umas coisas, a gente faz, outras vezes me dá vontade de fazer outras coisas, mas elas brigam [...] (Familiar 2).

[...] Eu só ficava com medo de fazer besteiras, que só ficava chamando as enfermeiras, acho que elas ficavam com raiva [...] (Familiar 7).

Nesse processo, a família une forças à equipe hospitalar, a fim de buscar a melhor assistência possível para a mulher.

[...]Eu faço o que as enfermeiras mandam. Às vezes, ela não quer fazer, mas eu faço. Elas é que sabem. Elas estudaram [...] (Familiar 1).

[...] Eu tento fazer tudo o que as enfermeiras e o médico mandam, mas queria poder fazer mais [...] (Familiar 9).

O cuidador familiar deve ser respeitado pela equipe, visto que eles devem ter comportamento e valores coerentes com os referenciais culturais, sociais e educacionais do meio em que interatuam. Assim, o cuidado hospitalar à mulher mastectomizada será compartilhado entre a equipe de enfermagem e os familiares das pacientes.15

O agir da enfermeira tem sua origem no cuidado direcionado à clientela, tendo como meta a melhoria e a qualidade de vida da pessoa. "Quando os enfermeiros conseguiram mostrar às pessoas com câncer que é possível viver tendo câncer, suprindo as suas necessidades de vida, dentro do seu potencial, eles conseguiram cuidar de fato, com real valor da palavra".8:549

Nesse processo, revelou-se que os significados também são construídos pelas crenças em tratamentos alternativos, principalmente na nossa cultura, em que as terapias alternativas fazem parte do senso comum de muitas famílias brasileiras.

Certamente, a própria natureza oferece meios para o restabelecimento ou cura através de recursos terapêuticos, o que é denominado pela cultura ocidental de fitoterapia. As ervas, os minerais e não raramente os animais de cada região fornecem as bases terapêuticas desse sistema de cura, não exclusivamente operado por xamãs. Os "erveiros" são também agentes de cura bastante importantes no sistema, assim como farmacêuticos populares, trabalhando em farmácias de ervas e produtos naturais.16

[...] Eu queria fazer umas garrafadas, mas aí tenho medo das enfermeiras brigarem, porque elas disseram que era pra dar só aqueles remédios da receita. Eu acho que esses remédios da farmácia são bons, mas os de planta natural também são [...] (Familiar 8).

[...] Eu acredito na energia das mãos, queria que ela acreditasse e deixasse eu fazer. A gente pode usar a imposição das mãos para enviar energia para a região doente. Ela não acredita, então eu fico só tentando enviar por pensamento [...] (Familiar 9).

Os familiares que acompanhavam pacientes no hospital reproduziram, nesse ambiente, algumas práticas de cuidado que efetivavam em domicílio, com base em crenças, costumes, recursos e visões acerca do que consideravam adequados, porém nem sempre compatíveis com a cultura de cuidado da equipe multiprofissional. Essa incompatibilidade muitas vezes pode gerar conflitos, devido ao fato de os referenciais de cuidado das famílias serem adquiridos, em sua maioria, do sistema popular de cuidados e os referenciais dos profissionais serem advindos tanto do sistema popular de cuidados quanto do sistema profissional de cuidados.7

Estudos anteriores reconhecem o uso das práticas alternativas por pacientes com câncer, embora as aceitem apenas como prática complementar ao tratamento já estabelecido ou alternativa para tratar os efeitos colaterais da cirurgia, radioterapia e quimioterapia.17

Neste estudo, as famílias demonstraram que, no processo de cuidar da mulher mastectomizada, todos os valores familiares são postos em prática; um dos mais presentes é a fé diante do enfrentamento da doença.

[...] Nem sei dizer. Às vezes tenho vontade de levar ela embora daqui para o interior e cuidar lá. Com chá e orações. Sei não, mas acho que esses remédios não servem de nada. Só não digo pra ela isso. Fico só orando em cima dela [...] (Familiar 6).

Assim, buscar apoio na religião, por meio de práticas rituais ou pela invocação a Deus, na situação de caos da doença, é uma estratégia acessível, pois o contexto popular urbano disponibiliza vários serviços religiosos, que são usados efetivamente pelos indivíduos, influenciados pelos membros da sua rede de apoio.18

Na construção da teoria, conforme se percebeu, ela esteve inserida em processo dinâmico de construção/ reconstrução por meio da descoberta do cuidado familiar à mulher mastectomizada. As relações significativas encontradas servirão de suporte para o desenvolvimento de outras pesquisas, que favorecerá a melhoria da assistência da família à mulher mastectomizada.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A compreensão de significado do cuidado familiar à mulher mastectomizada é um desafio, sobretudo porque esse processo envolve o relacionamento interpessoal e familiar, que sofre influências do significado que tanto a mulher como a família atribuem ao processo. Também, deve-se considerar a avalanche de mudanças, advindas da doença e do tratamento, na vida da paciente e da sua família as quais, com certeza, se manifestaram em torno das condutas humanas adotadas por elas.

No estudo, como se percebeu, os atores sociais constituíram-se em seres humanos expressivos, buscando no desempenho de suas funções o uso de suas habilidades para cuidar. Para isso, precisaram conhecer, interagir, tentando construir relações significativas com as mulheres mastectomizadas. Portanto, mostraram-se conscientes de que o cuidado humanizado é construído dentro do seio da família através de uma relação compartilhada.

Ao início do estudo, pretendeu-se exatamente compreender o olhar do familiar sobre o cuidado à mulher mastectomizada, despertando para a utilização de uma habilidade humana inata que se desenvolve ao longo da existência e evolução humana. Da maneira mais objetiva e sincera possível, as informantes do estudo revelaram a significação atribuída ao cuidado no desenvolver de suas atividades rotineiras em família e das dificuldades enfrentados ao longo do caminho.

Apesar de as participantes valorizarem o cuidado e a relação familiar verdadeira como ferramenta fundamental na reabilitação da mulher, algumas se sentiram despreparadas para assumi-lo efetivamente, ou por esbarrarem em suas limitações pessoais ou pelo distante da paciente à interação.

Acredita-se que o cuidado em família requer o envolvimento sincero e afetuoso. Envolver-se neste processo é acreditar que a presença do cuidador é tão importante quanto a realização dos procedimentos técnicos, pois nem sempre os conhecimentos técnicos objetivos funcionam satisfatoriamente diante de situações de estresse como os conhecimentos subjetivos que se revelam na dinâmica familiar.

 

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Recebido em 21/12/2010
Reapresentado em 25/04/2011
Aprovado em 30/06/2011

 

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