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CAPES

Volume 16, Número 1, Jan/Mar - 2012

PESQUISA

 

Ambiguidade - modo de ser da mulher na prevenção secundária do câncer de mamaa

 

Ambiguity - woman's manner of being in the secondary prevention of the breast cancer

 

Ambigüedad - modo de ser de la mujer en la prevención secundaria del cancer de mama

 

 

Maria Carmen Simões Cardoso de MeloI; Ivis Emília de Oliveira SouzaII

IDoutora em Enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação da Escola de Enfermagem Anna Nery/UFRJ. Professor Adjunto do Dep. EAP/FACENF/UFJF Juiz de Fora - MG. Brasil - Pesquisadora do NUPESM/EEAN/UFRJ. Rio de Janeiro - RJ. Brasil. E-mail: mcmelomc@gmail.com.br
II
Orientadora da Pesquisa. Doutora em Enfermagem. Professora Titular da Escola de Enfermagem Anna Nery / Universidade Federal do Rio de Janeiro/RJ. Pesquisadora e Membro da Diretoria do NUPESM/EEAN/UFRJ. Rio de Janeiro - RJ. Brasil. E-mail: ivis@superig.com.br

 

 


RESUMO

A magnitude do câncer de mama impõe valorizar o saber e agir diante da doença e sua detecção precoce. Neste estudo, de natureza qualitativa, norteado pela fenomenologia e fundado no pensamento teórico-metodológico de Martin Heidegger, buscouse ouvir o ser-mulher-que-pertence-ao-grupo-de-risco-familiar, com o objetivo de analisar compreensivamente seus significados de prevenção secundária. Mediante relação empática e redução de pressupostos, entrevistaram-se 13 mulheres indicadas por suas familiares clientes. A hermenêutica possibilitou a compreensão interpretativa do ser-aí, que mostrou facetas de sua dimensão existencial. Regida pelo falatório e temor, sob o domínio da ambiguidade, não se reconhece como ser de possibilidades. Carece melhor compreensão para movimentar-se para a de-cisão pela prevenção secundária. A construção do conceito de ser e o desvelamento do sentido podem alicerçar a prática assistencial do enfermeiro e favorecer o cuidado singular, integral e humano, que privilegia o ouvir atento ao vivido do ser-mulher, em seu movimento existencial de in-compreensões e indagações.

Palavras-chave: Câncer de mama. Prevenção secundária. Saúde da mulher. Enfermagem oncológica. Filosofia.


ABSTRACT

The breast cancer magnitude impose valorizing the knowledge and acting before the disease and its precocious detection. In this study, of qualitative nature, guided by the phenomenology and based on the theoretical-methodological thinking of Martin Heidegger, it searched for hearing the being-woman-who-belongsto the-familiar-risk-group, with the aim at analyzing comprehensively her meanings of secondary prevention. Before empathic relation and reduction of presuppositions, there were interviewed thirteen women indicated by theirs clients familiars. The hermeneutics made possible the interpretative comprehension of the being-there, who showed facets of its existential dimension. Guided by the talking and fear, under the ambiguity domain, it does not recognize as being of possibilities. It lacks better comprehension to move itself to the de-cision by the secondary prevention. The construction of the concept of being and the sense revelation, can support the nurse' s assistance practice and favor the singular, integral and human care, that privileges the attentive hearing to the lived of the being-woman, in her existential movement of in-comprehensions and questions.

Keywords: Breast cancer. Secondary prevention. Woman's health. Nursing in Oncology. Philosophy.


RESUMEN

La magnitud del cáncer de mama impone valorar el saber y actuar frente a la enfermedad y su detección precoz. En este estudio, de naturaleza cualitativa, norteado por la fenomenología y fundado en el pensamiento teórico-metodológico de Martin Heidegger, se buscó oír el ser-mujer-que-pertenece-al-grupode-riesgo-familiar, con el objetivo de analizar comprensivamente sus significados de prevención secundaria. Mediante relación empática y reducción de presupuestos, se entrevistaron trece mujeres indicadas por sus familiares clientes. La hermenéutica posibilitó la comprensión interpretativa del ser-ahí, que mostró facetas de su dimensión existencial. Regida por el parlatorio y temor, bajo el dominio de la ambigüedad, no se reconoce como ser de posibilidades. Carece mejor comprensión para moverse para la de-cisión por la prevención secundaria. La construcción del concepto de ser y desvelamiento del sentido, pueden cimentar la práctica asistencial del enfermero y favorecer el cuidado singular, integral y humano, que privilegia el oír atento al vivido del ser-mujer, en su movimiento existencial de in-comprensiones y indagaciones.

Palabras-clave: Cáncer de Mama. Prevención Secundaria. Salud de la Mujer. Enfermería Oncológica. Filosofía.


 

 

INTRODUÇÃO

O câncer tem sido abordado amplamente na literatura técnico-científica, ênfase que encontra sentido na sua importância em razão dos altos graus de incidência, prevalência e mortalidade. Apesar dos elevados índices, o conhecimento e os recursos atuais, se disponibilizados adequadamente, poderiam evitar um terço das mortes, diagnosticar e tratar eficiente e precocemente a doença, propiciar o alívio da dor e melhorar a qualidade de vida dos pacientes e de suas famílias.1

Vista na atualidade como problema de saúde pública, a temática deste estudo considera a magnitude do câncer de mama. Este tipo da doença ocupa o segundo lugar entre os casos novos, tanto mundialmente quanto no Brasil, onde foi estimado o risco da ocorrência em 2010: "49 casos a cada 100 mil mulheres"2:29. Estes índices, que continuam em elevação a cada ano, e a gravidade da doença, ainda diagnosticada tardiamente em mais da metade dos casos,3-4 representam uma situação desafiadora e carente de mudanças, especialmente ao se considerar a relação entre a detecção precoce, as perspectivas terapêuticas e a qualidade de vida das mulheres.3

O conhecimento atual, as características biológicas do câncer de mama e a tecnologia disponível não justificam a adoção de estratégias direcionadas especificamente à prevenção primária, que ainda não é possível "devido à variação dos fatores de risco e às características genéticas que estão envolvidas na sua etiologia"2:30. Algumas condições como o tabagismo e obesidade contribuem para o surgimento das doenças crônicas não transmissíveis, dentre elas o câncer, e devem ser alvo de ações de promoção da saúde.5 Os esforços para o controle do câncer de mama têm seu foco na prevenção secundária a partir de "ações de detecção precoce, isto é, na descoberta dos tumores mamários ainda pequenos, com doença restrita ao parênquima mamário"6:187. O estágio em que a doença é identificada e quando o tratamento é iniciado irá interferir na opção pelas terapêuticas, mais ou menos agressivas, e nos resultados alcançados. A tentativa, para além do enfoque biológico, abrange a redução do comprometimento emocional e do custo econômico e social, na medida em que permite o uso de procedimentos mais conservadores e menos mutiladores, que se refletem nas atividades laborais destas mulheres e no ônus do seu custeio.

O enfoque que está dado, no campo das políticas públicas e nas pesquisas acadêmicas, considera as múltiplas abordagens que alicerçam a relação entre o surgimento do câncer de mama como possibilidade de outras ocorrências nas familiares de primeiro grau, grupo classificado pela ciência como em risco elevadob. As recomendações preconizam o exame clínico da mama (ECM) associado à mamografia (MAM) como estratégia de rastreamento, detecção e diagnóstico precoce da doença.5 Sua realização está prevista tanto por mulheres pertencentes ao grupo que tem risco elevado para a doença quanto por aquelas que têm risco habitual, havendo variação na periodicidade, com intervalo menor para aquelas que pertencem ao primeiro grupo. A palpação da mama realizada pela própria mulher, o autoexame da mama (AEM), deve ser estimulada como auxílio no conhecimento de seu corpo; porém, destaca-se que este exame não substitui o exame anual realizado pelo profissional.5

Pressupõe-se o comprometimento dos sujeitos com a realização dos exames periódicos preventivos e a percepção de mudanças físicas indicativas de alerta, como a realização de procedimentos pela própria pessoa e outros que serão desenvolvidos pelos profissionais. Pretende-se favorecer a compreensão através do processo educativo, com vistas a desenvolver o olhar atento e a disposição para o autocuidado e o cuidado com e para o outro. Implica-se um movimento de envolvimento consigo, como sujeito do agir, que se reflete em hábitos saudáveis de vida e abandono de práticas nocivas à saúde. Sugerem-se ainda atitudes de se olhar, examinar, inspecionar, pesquisar, ou, ainda, permitir que outros o façam. Essas ações, muito além de apontarem uma postura de elevada autoestima, trazem em seu bojo, crenças, valores, significados, comportamentos e representações alicerçadas ao longo da existência, bem como concepções próprias acerca do processo saúde-doença.7

Ao se comprometer com a opção de realizar as práticas de autocuidado recomendadas, a mulher poderá se deparar com a identificação de sinais de uma possível patologia, que conjuga toda uma carga de gravidade, medos e tabus.7 Portanto, guarda proximidade, não somente com aspectos físicobiológicos, que têm importância inconteste, posto que "a mama representa para a mulher várias formas de expressão de sentimentos. Ela traduz em si e por si toda simbologia ligada à maternidade, sexualidade e estética"7:12. A condição que se fez presente neste estudo não é apenas decorrente de meros atributos livremente pensados e elaborados pelos indivíduos. Situa-se na articulação destes com a sociedade que constrói saberes e práticas sustentadas em determinações e condicionantes socioculturais e políticos, representando esta articulação, a importância da dimensão existencial.

Com o olhar direcionado à dimensão existencial, tornou-se especialmente instigante compreender o ser mulher, a partir do seu quemc, no cotidiano de ser mulher na condição de risco familiar, nas suas significações e adesão às medidas de prevenção secundária do câncer de mama.

O conhecimento da ciência sobre o risco familiar representa a posição prévia, ponto de partida do estudo. Estabelece-se que na classificação de risco familiar, há duas subclassificações: risco habitual e risco elevado. Estes têm significados diferentes, dados pela ciência, e resultam no protocolo de condutas preventivas a serem seguidas "segundo uma possibilidade determinada de interpretação", a "posição prévia" valoriza a prevenção secundária. "O compreendido, estabelecido numa posição prévia", de risco familiar para o câncer de mama, e a possibilidade de compreensão advinda de uma "visão previdente", de prevenção secundária, tornam-se determinantes da busca do "conceito, através da interpretação (...)"8:207.

Para compreender hermeneuticamente, a partir de uma "visão prévia", buscou-se ouvir o ser-mulher-quepertence-ao-grupo-de-risco-familiar, com o objetivo de analisar compreensivamente seus significados de prevenção secundária. A inquietação derivou da necessidade de clarificar seus movimentos, na pretensão de elucidar o contexto e esclarecer velamentos próprios do cotidiano assistencial. A abordagem foi em um olhar que não se ateve a aspectos de rastreamento, detecção e diagnóstico precoce, na perspectiva de estratégias exclusivas das ações dos profissionais.

No cenário da prevenção, a assistência à saúde realizada pelos diversos profissionais da saúde, na multidisciplinaridade de suas áreas de atuação, abarca ações concernentes à prática desenvolvida pelo enfermeiro. O cuidar que considera o aspecto existencial se reflete na relação do ser-enfermeira-sendo-com-o-ser-mulher, abre possibilidades de intervenção direcionadas à equipe e à população, no cuidado à clientela feminina, levando-a a assumir movimentos que lhe trarão benefícios.

O solo de tradiçãod já está construído, de forma consistente, nos aspectos biopsicossociais, econômicos e político-institucionais. Apesar do empenho da ciência e das regulamentações governamentais, ainda não estão viabilizados o eficiente rastreamento, acesso e adesão às preconizações para a prevenção secundária. Esta assertiva sustenta-se no aumento dos casos novos previstos nas estimativas anuais, e início tardio do tratamento. Não é possível afirmar hoje se as mulheres não adotam as práticas preventivas e não procuram os serviços ou, se não lhes é facilitado o acesso, por variadas dificuldades e evidencia a importância de aclarar as questões ainda obscuras.

No cotidiano profissional, as ações do enfermeiro podem favorecer a modificação do panorama de magnitude da doença, pela sua participação na criação, desenvolvimento, divulgação e avaliação de estratégias para a clientela feminina; oferta e efetivação das práticas preconizadas, formação de profissionais, e contribuição com avanços no campo da pesquisa.

 

O CAMINHAR NO REFERENCIAL FILOSÓFICO

O desenvolvimento deste estudo norteado pela fenomenologia e fundado no pensamento teórico e metodológico de Martin Heidegger pretendeu afastar encobrimentos e lançar luz à lacuna do conhecimento revelada. O foco no cuidado à saúde da mulher considera que "(...) existe o 'em si mesmo' deste cuidar; ou seja, existe no fenômeno cuidar da saúde um sentido, um mostrarse em si mesmo velado e do qual não temos compreensão"9:26. Neste olhar, é importante aclarar o conceito de fenômeno e que, fenomenologicamente, é proposto como "o que se mostra, o ser dos entes, o seu sentido, suas modificações e derivados"8:66. A indagação acerca do sentido pretendeu alcançar a compreensão desta mulher, ser-aí lançado no mundo, a partir do retorno às coisas mesmas, isto é, da essência dos fenômenos, como aquilo que aparece à consciência.

As reflexões que se referenciam pelo método fenomenológico devem incluir a possibilidade de olhar as coisas, como se manifestam. Assim sendo, a fenomenologia não procura somente as condições sobre as quais o juízo é verdade, e sim, o sentido que funda o comportamento do indivíduo quando ele ama, sente felicidade, adoece, vive. Este se expressa através do discurso, da linguagem, da totalidade das palavras, dos gestos, do silêncio, do tom de voz, da expressão fisionômica e do discurso escrito.10

Desta maneira, os caminhos do estudo foram traçados com vistas a abrir possibilidades aos pronunciamentos do ser mulher que, por ser familiar da mulher que teve câncer de mama, pertence ao grupo de risco elevado para a doença e a partir de suas expressões, apreender os seus significados. Buscou-se estabelecer, com o pesquisado, uma relação propícia às suas manifestações, ditas ou silenciadas e, com o olhar atento deste ser interrogado, captar os modos de pensar, sentir e ver. Os movimentos deste percurso se iniciaram na posição prévia e conduziram à concepção prévia. Assim, o pesquisador deve colocar em suspensão o seu ser-no-mundo e na disposição de ser-com-o-outro; dele, busca apreender seus significados.

O caminhar da análise fenomenológica no método Heideggeriano tem como primeiro momento a Compreensão Vaga e Mediana. Inicia-se na escuta e transcrição das informações e consideram-se as anotações referentes à linguagem não verbal contida nos gestos, no olhar, no sorriso, na lágrima e no silêncio.10 Deste modo, implicou-se fazer, como sujeito-pesquisador, um novo movimento de redução e colocar em suspensão os pressupostos, para então, acessar, transcrever e proceder a várias leituras na íntegra, das manifestações obtidas nas entrevistas. Buscou-se a fidelidade aos registros da linguagem, pensamento e expressão das entrevistadas e apreender do ser-mulher, sujeito-pesquisado, como compreende e significa. A seguir, desenvolveu-se o segundo momento metódico denominado de Compreensão Interpretativa, fundado no pensamento de Martin Heidegger, que "pressupõe o mundo comum, o mundo vivido, o mundo carregado de sentido no passado, que não é um mundo morto"11:66. Deste alicerce, ao organizar "pelo processo da interpretação e da compreensão, o sentido para nós, para o nosso tempo"11:66, desvela-se na condução hermenêutica de análise fenomenógica.

 

O CENÁRIO DE ACESSO AO ENTE

Para a detecção e abordagem das participantes desta pesquisa foi escolhida uma instituição, conveniada ao SUS e à rede privada, referência na assistência a pacientes portadores de câncer, sediada na cidade de Juiz de Fora, Zona da Mata do Estado de Minas Gerais. O atendimento à clientela se dá tanto no nível preventivo, ambulatorial e hospitalar, quanto nas modalidades terapêuticas de quimioterapia, radioterapia e acompanhamento pós-tratamento, voltadas à população daquele município e região.

A autorização para o desenvolvimento e divulgação dos resultados do estudo foi formalizada através da assinatura de documento pelo Diretor Clínico e pela Enfermeira Responsável Técnica. O Projeto de Pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Juiz de Fora (CEP-UFJF), para análise do cumprimento das formalidades legais e éticas. Sem haver solicitação de ajustes, foi aprovado em 06 de março de 2008 pelo Parecer Nº: 016/ 2008 do referido comitê. A seguir, deu-se início à etapa de campo, com a obtenção de informações acerca do fluxo de atendimento e ambientação no setor, durante duas semanas.9,12,13 Foi esta uma etapa que se mostrou muito rica, e para além do que havia sido planejado inicialmente, contribuiu tanto na apuração do olhar, como sujeito pesquisador, quanto na elaboração de melhores formas de abordagem da clientela e ajustes no delineamento proposto.

A princípio, foi feito contato com 15 mulheres que tiveram o diagnóstico de câncer de mama assistidas na instituição, denominadas informantes clientes. A partir de suas informações, tornou-se possível conhecer a constituição de sua rede familiar, identificar as mulheres adultas de suas famílias, e, por livre escolha e indicação destas clientes, formouse o grupo de 13 informantes familiares, efetivamente sujeitos do estudo. Estas foram então localizadas e convidadas à participação pelo agendamento de local e data, que considerou o interesse de ambas as partes. Previamente à realização das entrevistas, procedeu-se aos esclarecimentos quanto aos objetivos do encontro e da pesquisa, através da leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), em cumprimento da Resolução nº 196/ 96 do Conselho Nacional de Saúde.14 Todas as informantes clientes e familiares assinaram-no como confirmação de sua anuência à participação livre, voluntária, sem ônus, após a garantia do sigilo, anonimato, dignidade, respeito e igualdade de direitos.

Os critérios de inclusão foram: disposição de participar voluntariamente da pesquisa; explicitar ter conhecimento do diagnóstico de câncer de mama de sua familiar e ter como grau de parentesco ser mãe, irmã ou filha. A este grupo, foram acrescidas sobrinhas porque, apesar de não serem caracterizadas pela ciência como em risco elevado, as clientes, ao terem livre opção para indicarem suas familiares, as incluíram. Foram realizadas entrevistas abertas mediante relação empática e redução de pressupostos, visando ao desenvolvimento da análise compreensiva fenomenológica na perspectiva heideggeriana. Foi utilizado diário de campo para registro das informações não verbalizadas e equipamento Mp3 para gravação dos depoimentos.

A abordagem inicial de aspectos de caracterização, de sua ciência do diagnóstico da cliente e de quando foram informadas propiciou uma espécie de aquecimento da conversa.9,12,13 Após este momento de aproximação, no decorrer do encontro, os subsídios para o estudo foram obtidos naturalmente ao longo entrevista fenomenológica caracterizada como um encontro de subjetividades.15 Quando algum dos aspectos não fluía espontaneamente, ou quando suas expressões não eram compreendidas claramente, introduziase alguma das interrogações preparadas previamente, no intuito de favorecer esta abordagem. Para preservação do anonimato, como se buscou o eidos que se revela na expressão/ compreensão do ser-aí-com destas mulheres, informantesfamiliares, optou-se, em substituição aos seus nomes, pelas denominações de essências: Lavanda, Alfazema, Jasmim, Violeta, Sândalo, Amêndoa, Floral, Camomila, Menta, Erva Cidreira, Calêndula, Orquídea e Camélia.

As significações que guardam interesse com o estudo, porque respondem ao objetivo formulado, foram então selecionadas, tendo como fundamento a concepção de que "da cotidianidade, não se devem extrair estruturas ocasionais e acidentais, mas sim estruturas essenciais. Essenciais são as estruturas que se mantêm ontologicamente determinantes em todo modo de ser de fato da pre-sença"8:66. Neste sentido, foi apreendida a compreensão nas expressões do ser-mulher:

[...]tinha probabilidade de ter porque já teve casos na família, hereditário, essas coisas[...]eu descartei isso! Eu acho que é porque tinha que ter, ser nela mesmo, mas o médico falou que pode haver casos[...]você chega até a se questionar... o porquê de estar acontecendo aquilo[...] Alfazema

[...]Eu não acho que porque ela teve um câncer de mama, eu vá ter[...]Se ela não tivesse tido tantos problemas de ordem pessoal e emocional, talvez ela não tivesse adoecido... Essa crença eu tenho[...] Jasmim

[...]pela informação, científica que a gente lê, a gente vê que tem relação [...]a vida da gente continua normal, porque eu acho que tem outros fatores também que interferem além da genética[...] Sândalo

[...]aí eu não sei de onde surgiu, mas eu acredito que seja descuido mesmo dela, que ela tinha que ter visto no início, né[...] Menta

[...]Não, comigo não, porque ela foi a primeira que apresentou, né[...] Então eu creio que pra mim não tem nada não[...] Erva Cidreira

[...]Não...não tem não![...]Acho que foi muito aborrecimento que ela teve[...]De alguma forma, o que ela não tinha, eu acho que...não que brotou...mas...uma forma de... o organismo reagir. Calêndula

[...]acredito que esse tipo de doença seja provocado por um momento que ela tava passando[...] lógico que ela tem que ter uma predisposição pra isso [...] Orquídea

As expressões foram organizadas nas unidades de significação: - Compreender que esta doença é uma coisa difícil. Prevenção e cuidado protegem, mas quando tem que acontecer, não tem jeito; - Saber que isso pode acontecer pela hereditariedade ou por outros problemas. Cuidar, vigiar e prevenir são formas de evitar; - Ter um caso desses na família pode significar maior risco, indicando, ou não, tomar mais cuidado.

Em prosseguimento, foi elaborada a articulação das unidades de significação, de modo a constituir o fio condutor da compreensão do conceito vivido dos movimentos e do significado da prevenção secundária para o câncer de mama do ser mulher, classificada como pertencente ao grupo de risco familiar para esta doença. Este movimento analítico propiciou a constituição do conceito de ser e o fio condutor de análise. Possibilitou, assim, a Compreensão Interpretativa, segundo momento metódico, através da hermenêutica fundada no pensamento teórico de Martin Heidegger, para trazer à luz a compreensão do sentido da prevenção secundária para o câncer de mama de mulheres que pertencem ao grupo de risco familiar.

 

A AMBIGUIDADE QUE DOMINA OS MOVIMENTOS PREVENTIVOS DA MULHER

O ser-mulher-que-pertence-ao-grupo-de-risco-familiar-para-o-câncer de mama expressa-se em linguagem que transcende aquela utilizada habitualmente no cotidiano coloquial das pessoas que não são profissionais de saúde. Demonstra ter se apropriado do conhecimento acerca das diversas questões relativas ao câncer de mama, mas deixa também antever que tudo isto para ela ainda não está bem esclarecido. Este modo de ser está presente em referência aos diversos aspectos da doença, diagnóstico, tratamento, acompanhamento, risco familiar, condição de pertencer a este grupo de risco e aos significados de prevenção, especialmente da prevenção secundária. Ao mesmo tempo, há também comentários que sugerem haver uma compreensão das informações relativas ao assunto que, tanto pode ter sido elaborada em seu vivido durante esse processo de acompanhamento de uma familiar que teve a doença quanto pode ter se dado por outras e várias circunstâncias.

Na cotidianidade é que se busca a compreensão do ser porque a pre-sença "quase sempre e na maioria das vezes" se mostra e se dá a conhecer como ser-aí-com no mundo. Este entendimento que têm acerca dos diversos aspectos da doença pode ter se estabelecido através de orientações transmitidas por profissionais, em conversas ocasionais com outras pessoas que têm suas compreensões constituídas da mesma maneira. Pode, ainda, ter se dado pela leitura de material técnico, ou não, informações veiculadas na mídia ou outras formas de se obter algum conhecimento sobre algo e, a partir disso, formular uma opinião a respeito.

É isto que cria certa ambiguidade que "não se estende apenas ao mundo, mas, também, à convivência como tal e até mesmo ao ser da pre-sença para consigo mesma"8:234. Nas relações que estabelece com o mundo, consigo mesma e com o outro, esta mulher trouxe à fala a ambiguidade de seu entendimento sobre a doença. Nesta configuração, nem a própria pessoa pode afirmar com certeza como este saber veio ao seu encontro, apontar o que tem embasamento correto do que não o tem, nem fazer a distinção daquilo que é mesmo, sua concepção, alicerçada em suas reflexões e críticas acerca de algo. "A pre-sença está originariamente familiarizada com o contexto em que, desse modo, ela sempre se compreende"8:131. Essa compreensão, repetida no cotidiano, é denominada por Heidegger como falatório. Nela tudo parece já ter sido abordado, discutido, apreendido e compreendido.

O ser-aí no cotidiano se mostra, se conhece e se dá a conhecer. As maneiras que o caracterizam não são "propriedades simplesmente dadas", são seus "modos possíveis de ser e somente isso. Toda modalidade de ser deste ente é primordialmente ser"8:77-8. A pre-sença não é dotada de mundo, e sim o constitui e nele realiza sua compreensão, "que tem no seu ser um compreender"8:130. Neste mundo circundante, que lhe é familiar, se relaciona com aspectos diversos de entes e de outros seres-aí que vêm ao seu encontro. Porém, na cotidianidade, esta interpretação originária de se compreender como um ser de possibilidades não se traduz frequente, pois, "de início, a pre-sença é impessoal e, na maior parte das vezes, assim permanece"8:182 visto que seu modo de ser é inautêntico. Este modo de ser da impessoalidade é como o seraí se mostra, posto que "o impessoal se revela como 'o sujeito mais real' da cotidianidade"8:181. É a pre-sença dotada de mundo, este ser relacional com o mundo e com os outros seres-aí e que não é, pois, no seu modo de ser, "quanto mais visivelmente gesticula o impessoal, mais é difícil percebê-lo e apreendê-lo e menos ele se torna um nada".8:181 É deste modo, imersa que está na inautenticidade, que a pre-sença responde movida pela ambiguidade.

A curiosidade é constituída pelos momentos da impermanência no mundo das ocupações e da dispersão em outras e novas possibilidades, posto que pode tanto estar em toda parte como, também, em parte alguma. Neste mundo circundante, a curiosidade "ocupa-se em ver, não para compreender o que vê, ou seja, para chegar a ele num ser, mas 'apenas' para ver. Ela busca apenas o novo a fim de, por ele renovada, pular para uma outra novidade"8:233. A construção do esclarecimento caracterizada pelo falatório e pela curiosidade motiva o saber-não-sabendo configurado nas contradições expressas pela pre-sença. "Essa ambiguidade oferece à curiosidade o que ela busca e confere ao falatório a aparência de que nele tudo se decide8:235. Nesta base de informações, originam-se incoerências e inconsistências que fundam o ser em seus modos de ser, em que "tudo parece ter sido compreendido, captado e discutido autenticamente, quando, no fundo, não foi. Ou então parece que não o foi, quando, no fundo, já foi"8:234. A esta justaposição, Heidegger atribui e funda o conceito de ambiguidade.

Neste estudo, o ser-mulher-que-pertence-ao-grupo-de-risco-familiar-para-o-câncer-de-mama mostra-se dominado pelo falatório que rege seu pensar e seu agir. A curiosidade, entretanto, como descrita por Heidegger e que ao falatório se associa para constituir a ambiguidade não se evidenciou como direção ou sentido deste ser-mulher. Acreditamos, portanto, que ao falatório se aliam formulações acerca da compreensão, ao considerar que "ao ser da pre-sença pertence uma compreensão do ser"8:130. A ambiguidade desta mulher quanto aos aspectos referentes ao câncer de mama origina-se e se estabelece consolidada no falatório que "é o modo de ser da compreensão e interpretação da pre-sença cotidiana (...) Como pronunciamento, a linguagem guarda em si uma interpretação da compreensão da pre-sença (...) 8:227. O que se evidencia é que as concepções acerca do risco para câncer de mama contidas na relação de pertencer a uma família onde a doença já ocorreu têm seus alicerces fundados no solo da ciência e contemplam os aspectos relativos ao biológico e não à dimensão existencial.

São estas formulações que, por não terem clareza, se tornam difíceis à compreensão. A estas, ainda, são acrescidos os comentários que advêm do falatório em que "não somente todo mundo conhece e discute o que se dá e ocorre como também todo mundo já sabe discorrer sobre o que vai acontecer, o que ainda não se dá e ocorre, mas que 'propriamente' deve ser feito"8:234. Deste modo, a forma ambígua com que se expressa o ser-mulher-que-pertence-ao-grupo-de-risco-familiar-para-o-câncer-de-mama é frequente nas contradições presentes ao longo dos comentários, em diversos e abrangentes enfoques do tema e se mostra também nas falas da mesma mulher.

O que foi "pressentido" ou "farejado" no modo de ser "impessoal", se vier em algum tempo a se dar, "será justamente a ambiguidade quem terá cuidado para que morra imediatamente o interesse pela coisa realizada. Esse interesse só subsiste no modo da curiosidade e do falatório"8:234. Parece saber tudo sobre a doença, de forma apropriada, diz ter sido informada pelo médico de ser possível "acontecerem casos"; "pela informação científica que a gente lê, a gente vê que tem relação" esta informação é, porém, desconsiderada quando completa: "eu descartei isso!; Eu acho que é porque tinha que ter, ser nela mesmo"; ou ainda "eu acho que entra também outros fatores, entra o fator emocional, o fator de estresse";(...) não, acredito que não (...) eu acho que foi mais porque ela deixou passar mesmo" e, assim, apesar do que sabe, demonstra acreditar que a doença tinha que acontecer mesmo ou que pode ter outras causas.

A impessoalidade é um modo "de sempre ter escapulido quando a pre-sença exige uma decisão. Porque prescreve todo julgamento e decisão, o impessoal retira a responsabilidade de cada pre-sença 8:180, assim não é possível abalizar autenticamente o processo de tomada de decisões deste ser-mulher. A expressão "a gente", utilizada para designar a si mesma ou às familiares, frequentemente se refere à designação de qualquer um, pois "Todo mundo é outro e ninguém é si próprio. O impessoal que responde à pergunta quem da pre-sença cotidiana, é ninguém, a quem a pre-sença já se entregou na convivência de um com o outro"8:180-1. O modo como referenciam a si e ao outro retrata o impessoal típico da cotidianidade do ser-no-mundo.

O sentido da ambiguidade é expresso pelo ser-mulher, ainda, pela afirmativa dos cuidados de prevenção. "Todo mundo sempre já pressentiu e farejou antecipadamente o que outros já pressentiram e farejaram. Essa atitude de estar na pista e, na verdade, a partir do ouvir dizer"8:234, sinaliza que, embora manifeste a importância da prevenção, a compreensão clara do que efetivamente caracteriza seu caráter de secundária não se mostra, aspecto este não mencionado. O que explica que esta condição preventiva tem a conotação de redução do dano é o saber advindo da ciência e pode motivar a não se ter clareza, muitas vezes, desta informação.

O alicerce na tradição científica, que não se traduz em linguagem compreensível a todos, propicia o encobrimento, pois, "quem autenticamente 'está na pista' não fala sobre isso - é o modo mais traiçoeiro em que a ambiguidade propicia à pre-sença possibilidades, a fim de sufocar-lhes a força"8:234. O aprendizado da prevenção e cuidado, a partir da doença da familiar, embora presente em suas expressões, também já era feito "religiosamente", apesar de não se ter a "convicção" da possibilidade do adoecimento. As estratégias de prevenção secundária, mesmo não tendo sido assim denominadas, evidenciam a compreensão imprópria ao serem referidas como maneira de "evitar" a doença, apesar de não se "estar livre fazendo isso", este é "o único meio de prevenir, de mais tarde não dar". Este saber, construído na impessoalidade do cotidiano, configura as reflexões do ser-mulher e se evidencia em significações expressivas e singulares, do que pensa, entende e justifica como determinante para a ocorrência da doença. "A ambiguidade não diz respeito apenas ao dispor e ao tratar com o que se pode achar em uso e gozo, mas já se consolidou na compreensão como um poder-ser, no modo do projeto e da doação preliminar de possibilidades da pre-sença 8:234. Este conhecer parece alicerçado no que foi compreendido durante a trajetória de acompanhamento de sua familiar cliente.

Em contraponto, dimensiona-se e se revela obscuro, sem clareza ou, até mesmo, inexistente, o que se pode atribuir a algo que foi parcialmente, ou não foi, apreendido pela compreensão. As oscilações e contradições veladas ou explicitamente expressas sinalizam a ambiguidade contida nos relatos das mais diversas maneiras. A doença é mencionada como "problema", "provação", "coisa normal, que tem que acontecer com a gente mesmo", requer tratamento e prevenção, porém se "estranha ter aparecido depois", apesar de os exames feitos anteriormente nada terem revelado. Apesar de não haver nem o que falar, a doença é considerada "coisa", "grave", "feia" ou "muito braba" pela mesma mulher que alega nada saber. As repercussões da "agressão do tratamento" e seus efeitos adversos são comentadas, especialmente no que se refere às modalidades terapêuticas da quimioterapia e da mastectomia.

O ser-mulher-que-per tence-ao-grupo-de-riscofamiliar- para-o-câncer-de-mama comenta acerca da influência "genética" de "aparecer na família", mas este aspecto é refutado por se atribuir a outros "fatores" que considera serem "determinantes" para o "desencadear" do adoecimento. A condição de hereditariedade é desconsiderada, ou não é relacionada a si própria. Justifica não se sentir em risco de também "ter o mesmo problema", nas alegações de que não é porque uma familiar teve a doença que ela também poderá ter e que esta foi a primeira ocorrência na família. Embora ocorram afirmações relacionadas à "probabilidade" advinda da condição familiar, de se "correr um risco maior", esta relação é, de outro modo, negada ou relativizada com outros aspectos, como o "estresse," os "aborrecimentos" e reações próprias do "organismo. Todavia, apesar destas diferentes perspectivas presentes nas expressões desta mulher, identificam-se alusões ao cuidado, ainda que nem sempre seja reconhecendo a possibilidade da doença em função de pertencer ao grupo de risco familiar.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Compreensão Vaga e Mediana das mulheres possibilitou conquistar o fio condutor da análise e constituir o conceito de ser. No empenho da compreensão desta mulher, foram apreendidas consonâncias nos seus modos de ser na cotidianidade, com conceitos expressos por Heidegger em Ser e Tempo e que fundaram esta interpretação. Esta se mostra no modo de ser da inautenticidade. Sua compreensão é própria da impropriedade do cotidiano, em que também a decisão não acontece autenticamente, posto que sob o domínio do falatório é regida pela ambiguidade e se revela na disposição do temor. O sentido da ambiguidade que domina o agir desta mulher foi desvelado como concepção prévia.

Suas falas sinalizam variadas formas de conhecimento sobre sua condição de risco elevado, que transita da condição de conhecer sobre e de se reconhecer ou não como pertencente a este grupo. E em detrimento de saber ou não, a ocorrência da doença é atribuída a outros fatores, independentemente do risco familiar. Apesar destas diversas formas de conhecer ou não, do mesmo modo, há sinalizações de cuidados atribuídos a este saber, que orientam o transitar a partir desta possibilidade familiar, pois alguns movimentos feitos por esta ou até por outros familiares são explicitados tendo como justificativa a sua condição de risco. Este caminhar deixa entrever que, se de um modo a mulher não compreende totalmente essa questão, ou nela não acredita, de outro, encontra explicações para o agir, em função dela. O falatório do cotidiano traiçoeiramente faz este ser-mulher acreditar que se apropriou de conhecimentos e tomou decisões acerca dos aspectos de cuidados preventivos para a doença. Porém, na verdade, se expressa e se decide, regida pela ambiguidade, velada ou explicitamente expressa no decorrer de aspectos vários das estruturas essenciais de todas as essências, e até da mesma.

A prevenção secundária prevê o desenvolvimento de ações realizadas pelos profissionais de saúde, que são aquelas que abrangem o rastreamento, o diagnóstico e a detecção precoce da doença. Outras são executadas pela própria pessoa com vistas ao preparo para o autoconhecimento e do olhar atento, como instrumentos a serviço da identificação de alterações logo que se instalem e a imediata tomada de providências, quando necessário, com a busca de assistência à saúde.

Deste modo, o que se pretende com as estratégias de prevenção secundária do câncer de mama não é evitar a sua ocorrência e, sim, minimizar o seu dano, a partir do envolvimento e comprometimento dos sujeitos. Estes são conceitos conhecidos pelos profissionais de saúde, mas, dada a sua característica muito específica, parece que seu entendimento está restrito a estes, não sendo do domínio da população em geral.

Neste sentido, questões concernentes ao significado dos termos de prevenção secundária parecem estar obscuras e não serem bem compreendidas pela mulher que, por sua condição de risco elevado, precisa ter um cuidado maior consigo mesma, no que se refere às ações preventivas. Para que estas medidas sejam efetivamente desenvolvidas, para além da previsão e disponibilidade de recursos, é necessário que esta mulher, tenha a compreensão autêntica de seus objetivos, para se dispor à de-cisão pela adesão às práticas preventivas. A abordagem cuidadosa deve clarear a condição de achado de um processo patológico em uma fase que já não é precoce, mas que é valiosa deve, sem ser atemorizante, ser bem explicitada.

A ambiguidade que domina a compreensão e os movimentos preventivos desta mulher em suas decisões deve ser reconhecida como objeto do cuidado centrado em sua singularidade. Este olhar poderá orientar o enfermeiro na concepção, elaboração e desenvolvimento de estratégias, no cenário de magnitude da prevenção secundária da doença. Do mesmo modo, os esclarecimentos advindos do sentido desvelado podem trazer contribuições à qualidade da assistência dirigida a este ser-mulher.

Ao falatório e à ambiguidade alia-se a disposição do temor, também denominado por Heidegger como angústia imprópria, que neste estudo se caracteriza pela ameaça do risco de adoecimento. Estes sentidos implicam e resultam em impeditivos para que o ser-mulher-que-pertence-ao-grupo-derisco- familiar-para-o-câncer-de-mama faça o movimento em direção a se reconhecer como ser de possibilidades.

Na verdade, o cuidado de que esta mulher realmente carece não está em ouvir, e sim em ser ouvida. A partir dela, de sua abertura e de seu vivido, daquilo que ela compreende, é que podem ser afastados os encobrimentos e, nesta direção, desvelar suas necessidades e desenvolver ações para o controle da doença considerando sua compreensão de que a detecção precoce é prevenção secundária.

 

REFERÊNCIAS

1. World Health Organization-WHO. International Union Against Cancer. Global action against cancer; [on-line] 2003. [citado 2006 out 13] Disponível em:http://www.who.int/cancer/media/

2. Ministério da Saúde (BR). Instituto Nacional de Câncer. Estimativa 2010: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA; 2009. 98p.

3. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento Nacional de Ações Programáticas e Estratégicas. Política nacional de atenção integral à saúde da mulher: princípios e diretrizes. Brasília (DF); 2004. 82 p.il.

4. Instituto Nacional de Câncer. Câncer no Brasil: dados dos registros de câncer de base populacional. Rio de Janeiro: INCA; 2003.

5. Controle do câncer de mama: documento de consenso. Rio de Janeiro: INCA; 2004. 39p.

6. Ações de enfermagem para o controle do câncer: uma proposta de integração ensino-serviço. 3ª ed. Rio de Janeiro: INCA; 2008. 488 p.

7. Melo MCSC. Refletindo em um contexto: a mulher e o auto-exame da mama. 186 p. [dissertação] Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro; 1992.

8. Heidegger M. Ser e tempo, p1. Tradução de Márcia de Sá Cavalcante. Petrópolis (RJ): Vozes; 1989. 325 p.

9. Simões SMF, Souza IEO. Mulher: a de-cisão no cuidar da própria saúde. Niterói: Intertexto; 2002. 117 p.

10. Carvalho AS. Metodologia da entrevista: uma abordagem fenomenológica. Rio de Janeiro: Agir, 1987. 93 p.

11. Stein E. Epistemologia e crítica da modernidade. 3ª ed. Ijuí: UNIJUI; 2001.107 p.

12. Souza IEO. O desvelar do ser-gestante diante da possibilidade de amamentação. Esc Anna Nery. 1997 jul; 1(1):135-42.

13. Monteiro CFS, Rocha SS, Paz EPA, Souza IEO. Fenomenologia heideggeriana e sua possibilidade na construção de estudos de enfermagem. Esc Anna Nery. 2006 ago; 10(02):297-300.

14. Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde. Resolução n° 196, de 10 de outubro de 1996. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos: Brasília (DF); 1996.

15. Capalbo C. Prefácio. In: Carvalho AS. Metodologia da entrevista: uma abordagem fenomenológica. Rio de Janeiro: Agir; 1987. p.05-08.

 

 

Recebido em 06/06/2010
Reapresentado em 29/04/2011
Aprovado em 28/06/2011

 

 

 NOTAS

a Recorte da pesquisa: Mulheres em risco familiar para o câncer de mama: uma hermenêutica da prevenção secundária. Tese de Doutorado em Enfermagem - Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Dezembro, 2009. Artigo premiado - 1º lugar Prêmio Haydée Guanais Dourado - Categoria Profissional, NUPESM/ EEAN/UFRJ - O MOVIMENTO DA AMBIGUIDADE: MODO DE SER DA MULHER NA PREVENÇÃO SECUNDÁRIA DO CÂNCER DE MAMA In: 17º Pesquisando em Enfermagem, 13ª Jornada Nacional de História da Enfermagem Brasileira e 10º Encontro Nacional de Fundamentos do cuidado de Enfermagem, 2010, Rio de Janeiro.

b Quanto ao aspecto familiar, este grupo se compõe por mulheres com história de: pelo menos um parente de primeiro grau (mãe, irmã ou filha) com diagnóstico de câncer de mama antes dos 50 anos, (...) câncer de mama masculino (...) câncer de mama bilateral ou câncer de ovário em qualquer faixa etária 5:7

c As expressões em itálico estão fundadas no pensamento filosófico de Martin Heidegger.

d O solo de tradição como referido por Heidegger representa o legado da ciência, aquilo que já se conhece previamente. Porém a tradição "(...) tende a tornar tão pouco acessível o que ela 'lega'que, na maioria das vezes e em primeira aproximação, o encobre e esconde. Entrega o que é legado à responsabilidade da evidência, obstruindo, assim, a passagem para as 'fontes' originais (...)8:49-50

 

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