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CAPES

Volume 13, Número 2, Abr/Jun - 2009

PESQUISA

 

Motivos que influenciam a não-realização do exame de papanicolaou segundo a percepção de mulheres

 

Influence reasons that inhibit women from doing papanicolaou test

 

Razones que influencian la no realización de la prueba de papanicolaou según la percepción de mujeres

 

 

Maria de Lourdes da Silva Marques Ferreira

Profª Ass. Drª do Departamento de Enfermagem da Faculdade de Medicina de Botucatu UNESP. Distrito de Rubião Júnior. Brasil. E-mail: malusa@fmb.unesp.br

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo foi analisar os motivos que influenciaram um grupo de mulheres a nunca ter realizado o exame de Papanicolaou mesmo após iniciarem a atividade sexual. É uma pesquisa qualitativa. Utilizou-se a entrevista a partir da questão norteadora: Por que você nunca tinha realizado o exame preventivo anteriormente? A técnica da análise de conteúdo proposta por Bardin foi utilizada para a análise das descrições. As mulheres demonstraram desconhecimento do câncer, da técnica e da importância do preventivo. Revelaram ainda medo na realização e resultado do exame. A vergonha e o constrangimento foram sentimentos expressados por elas pela exposição da intimidade a que se submetem. Expressaram ainda possuírem valores culturais que dificultam mudança de atitude. O acesso ao serviço, ter emprego e filhos também foram relatados como impedimento. Os resultados mostram a importância de ações educativas sobre a necessidade do preventivo ao iniciar as atividades sexuais e desmistificar a técnica e resultado.

Palavras-chave:Neoplasias do Colo Uterino. Esfregaço Vaginal. Saúde da Mulher


ABSTRACT

The aim of this study was to analyze reasons which influenced a group of women on never having done the Papanicolaou test, even after they started their sexual life. It was a qualitative research and the question "Why have you never done the preventive exam before?" was asked during the approach. The descriptions were analyzed through Bardin´s content analysis technique. Women showed not to know much about cancer and the importance and techniques for prevention. They also revealed to be afraid of doing the exam and knowing the result. Shame and embarrassment were feelings expressed by women, due to the intimacy exposition they're submitted to. They also expressed cultural values which make attitude changing difficult. Having a job, children and the access to this kind of service were related as impediment factors too. The results showed the importance of educational actions on the necessity of prevention in the beginning of sexual activities, as well as the demystification of techniques and results.

Keywords: Uterine cervical neoplasms. Vaginal smears. Woman's health


RESUMEN

El objetivo de este estudio fue analizar las razones que influenciaron un grupo de mujeres que nunca realizaron la prueba de Papanicolaou mismo después de que iniciaron la actividad sexual. Es una investigación cualitativa, se utilizó la entrevista con la cuestión guía: ¿Por que nunca había usted realizado el examen preventivo anteriormente? La técnica del análisis de contenido propuesta por Bardin fue utilizada para el análisis de las descripciones. Las mujeres demostraron desconocimiento del cáncer, de la técnica y de la importancia del preventivo. Revelaron aun miedo en la realización y resultado del examen. La vergüenza y reparo fueron sentimientos que expresaron por la exposición de la intimidad a la que se someten. También dijeron poseer valores culturales que dificultan un cambio de actitud. El acceso al servicio, tener trabajo e hijos también fueron relatados como impedimento. Los resultados muestran la importancia de acciones educativas sobre la necesidad del preventivo al iniciar las actividades sexuales y desmitificar la técnica y resultado.

Palabras clave: Neoplasias del cuello uterino. Frotis vaginal. Salud de la mujer.


 

 

INTRODUÇÃO

Pela atuação em consulta de enfermagem na área da saúde da mulher no Programa de Controle de Câncer Uterino e de Mama do Centro de Saúde Escola da Faculdade de Medicina de Botucatu SP, percebe-se que muitas mulheres que procuram a unidade para realizar o exame preventivo pela primeira vez só o fizeram depois de muitos anos de início da atividade sexual.

Assim sendo, preocupa saber que motivos levam as mulheres a não realizarem o exame preventivo conforme o preconizado pelo Ministério da Saúde: realizar o preventivo quando se inicia a atividade sexual, mantendo um controle a cada três anos após dois resultados normais por dois anos consecutivos.

É nesse contexto que surge a motivação para o estudo do ato da realização do exame de Papanicolaou associado ao cotidiano das mulheres, percorrendo um contexto social e cultural na busca de compreender a prática da prevenção na perspectiva da mulher.

Considerando que o câncer de colo de útero é uma neoplasia que apresenta elevada taxa de incidência e de mortalidade, passível de detecção precoce e de cura quando realizado diagnóstico em seu início, tem-se como inquietação compreender o que leva a mulher a não fazer o exame citológico.

Deste modo, o estudo tem como objetivo analisar os motivos que influenciaram um grupo de mulheres a nunca ter realizado o exame de Papanicolaou mesmo após iniciarem a atividade sexual.

 

REVISÃO DA LITERATURA

O câncer do colo do útero é o segundo tipo de câncer mais comum entre as mulheres, sendo responsável pelo óbito de aproximadamente 230 mil mulheres por ano. Sua incidência é cerca de duas vezes maior em países menos desenvolvidos, quando comparada à dos mais desenvolvidos. A incidência por câncer do colo do útero torna-se evidente na faixa etária de 20 a 29 anos, e o risco aumenta, rapidamente, até atingir seu pico geralmente na faixa etária de 45 a 49 anos1.

No Brasil, as estimativas para o ano de 2008, válidas também para o ano de 2009, apontam que ocorrerão 466.730 casos novos de câncer. Os tipos mais incidentes no sexo feminino é o câncer de mama e de colo do útero, acompanhando o mesmo perfil da magnitude observada no mundo1.

No que se refere à estimativa para o câncer de colo do útero especificamente, o número de casos novos esperados para o Brasil no ano de 2008 é de 18.680, com um risco estimado de 19 casos a cada 100 mil mulheres. Na região Norte, é o mais incidente; nas regiões Sul, Centro-oeste e Nordeste, ocupa a segunda posição na frequência, e na região Sudeste, a quarta posição. 1

O controle obedece à estratégia de prevenção secundária baseada na citologia cervical. Esta técnica de detecção, conhecida popularmente como Papanicolaou, ou simplesmente exame preventivo, vem sendo realizada por mais de 30 anos 2.

O exame de prevenção do câncer cervicouterino, além de sua importância para a saúde da mulher, é um procedimento importante de detecção precoce de lesões pré invasivas e, consequentemente, instrumento essencial para a diminuição da mortalidade por esta patologia3.

Entre os anos 70 e 80, surgiram as primeiras evidências da provável associação do HPV com o câncer de colo uterino e, no final dos anos 90, descrevia-se a presença viral em aproximadamente 100% dos casos de câncer cervical4.

Os tipos de HPV mais comumente associados ao câncer de colo uterino são o HPV16 e o HPV18. Associados ao HPV, e reconhecendo a multicausalidade da patologia, muitos outros fatores contribuem para a etiologia deste tumor, sendo estes: tabagismo, hipovitamina, uso de contraceptivos orais e, principalmente, os fatores relacionados com o exercício da sexualidade, como a multiplicidade de parceiros sexuais e iniciação sexual precoce1.

Assim sendo, a relação entre o câncer cervical e infecção por papilomavírus humano (HPV) está bem estabelecida na atualidade. O DNA do HPV de alto risco é detectado na maioria dos espécimes (92,9% a 99,7%) de câncer cervical invasivo2.

Por essa razão, até a década de 1990, o teste de Papanicolaou convencional constituiu-se na principal estratégia utilizada em programas de rastreamento voltados para o controle do câncer do colo do útero1.

Sabendo-se atualmente que, para o surgimento do câncer do colo do útero, a condição necessária é a presença de infecção pelo vírus do papiloma humano (HPV), novos métodos de rastreamento se somaram ao exame citológico. Assim, os testes de detecção do DNA do HPV e a inspeção visual do colo do útero utilizando ácido acético (VIA) ou lugol (VILI) são apontados como eficazes na redução das taxas de mortalidade por câncer do colo do útero1.

No Brasil, o exame citopatológico continua sendo a principal estratégia de rastreamento, recomendada pelo Ministério da Saúde prioritariamente para mulheres de 25 a 59 anos de idade1.

É estimado que uma redução de cerca de 80% da mortalidade por este câncer pode ser alcançada pelo rastreamento de mulheres na faixa etária de 25 a 65 anos com o teste de Papanicolaou e o tratamento de lesões precursoras com alto potencial de malignidade ou carcinoma in situ1.

Sob a ótica da perspectiva de gênero, as mulheres que são acometidas por câncer têm seus papéis no mercado de trabalho comprometido e a privação do convívio familiar quando internadas para tratamento, acarretando um prejuízo social considerável, bem como um transtorno familiar devido aos papéis sexuais definidos 5.

É possível fazer a prevenção do câncer de colo uterino pela detecção das células precursoras do câncer de colo uterino, como também pelo caráter infeccioso atribuído ao vírus do papiloma humano2.

As diferenças observadas na mortalidade por câncer de colo uterino entre os países em desenvolvimento e os desenvolvidos podem ser atribuídas diretamente à realização do exame de Papanicolaou6. No município de Botucatu, o câncer de colo uterino é uma das causas mais frequentes de mortalidade feminina. Quanto a dados regionais de incidência do câncer de colo uterino, informações de registro hospitalar revelaram que, no Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu, este tipo de câncer é a segunda neoplasia maligna mais frequente em mulheres7.

 

METODOLOGIA

A pesquisa foi desenvolvida no Centro de Saúde Escola, unidade em que a pesquisadora realiza consulta de enfermagem na área da saúde da mulher no Programa de Controle de Câncer Uterino e de Mama.

Embora a população feminina na faixa etária de 25 a 59 anos de idade seja considerada, pelo Ministério da Saúde, de maior risco para o desenvolvimento do câncer de colo uterino, este estudo teve como critério de inclusão todas as mulheres que estavam realizando o exame de Papanicolaou pela primeira vez na vida, independentemente de sua idade. Em se tratando de uma pesquisa qualitativa, o número de sujeitos foi definido no decorrer da pesquisa , na qual foram obtidos depoimentos suficientes para desvelar a essência do fenômeno estudado, momento este em que se dá a saturação dos dados. Para obter os depoimentos, foi utilizada a entrevista a partir da questão norteadora: Por que você nunca tinha realizado o exame preventivo anteriormente?

A população do estudo foi composta pelas mulheres que compareceram à consulta de enfermagem para realizar o exame preventivo pela primeira vez.

As entrevistas foram gravadas, as mulheres falaram livremente sobre a pergunta norteadora, não havendo interferências da pesquisadora.

As mulheres foram identificadas no estudo com a letra M seguida de um número que foi estabelecido de acordo com a ordem das entrevistas realizadas: M1, M2 até M20.

 

ANÁLISE DOS DEPOIMENTOS:

Para a análise, utilizou-se a técnica de análise de conteúdo proposta por Bardin8. É uma técnica que consiste em depurar descrições de conteúdo muito aproximadas, subjetivas, e têm a finalidade de pôr em evidência, com objetividade, a natureza e forças relativas dos estímulos a que o sujeito é submetido. Esta técnica utiliza procedimentosdo conteúdo das mensagens, indicadores que permitem a inferência. A análise do conteúdo desdobra-se em três etapas:

Pré-análise nesta etapa, realizamos a leitura e releitura das descrições obtidas a partir da questão norteadora.

Exploração do material nesse segundo momento, realizamos a classificação do material em sistemas de unidades de significados (temas) reunindo-os de acordo com sua significação, e estabelecendo desta forma as categorias que emergiram das descrições.

Tratamento dos resultados obtidos e interpretação atribuíram-se significações aos resultados brutos por meio de recortes e estabelecimento das unidades de significados e após a interpretação destes resultados.

A opção pela análise temática justifica-se pelo fato de que a mesma se presta a estudar tendências, valores, crenças e conteúdos em destaque sobre temas específicos, sendo, neste estudo, a prevenção do câncer de colo uterino que carrega em seu bojo principal valores e crenças sobre a doença, formas de prevenção e detecção precoce para a saúde feminina.

 

PROCEDIMENTO ÉTICO

As mulheres foram convidadas a participarem da pesquisa , esclarecidas de que poderiam optar pela não-participação sem prejuízo de seu atendimento na unidade básica de saúde.

Todas as mulheres que foram convidadas aceitaram espontaneamente participar e assim foram solicitadas a assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido do paciente em cumprimento dos princípios éticos da pesquisa com humanos. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e pesquisa da Faculdade de Medicina de Botucatu UNESP, sob o número de protocolo OF.130/2003 CEP.

As adolescentes foram consultadas quanto ao desejo de participar do estudo, e foi solicitada autorização dos pais ou responsáveis conforme recomenda a ética de estudos com essa população.

Também foi solicitada permissão das mulheres para gravar as entrevistas, quando foi esclarecido que, após a interpretação dos dados, as informações contidas no MP3 seriam deletadas.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Das 20 mulheres entrevistadas, oito tinham idade entre 39 e 55 anos de idade; seis estavam na faixa etária de 56 a 68 anos; e seis mulheres tinham idade entre 15 e 28 anos.

Em relação à cor/raça, 16 mulheres referiram-se como brancas. Quanto ao estado civil, 12 mulheres eram casadas ou tinha companheiro. A maioria delas (13 mulheres) tinha até quatro anos de escolaridade e 15 mulheres exerciam a chefia da família. Com relação à renda, a maioria, 18 mulheres, ganhavam de um a dois salários mínimos, incluindo as adolescentes que referiram ser o ganho de seus pais e responsáveis. Sobre as profissões/ocupações, seis mulheres trabalhavam como empregadas domésticas; cinco eram aposentadas; quatro, costureiras; três, estudantes; e duas exerciam a profissão de auxiliar de escritório.

Categorias:

1- Desconhecimento do câncer de colo uterino, da técnica e da importância do exame preventivo.

- Acham desnecessária a realização do exame

Nessa unidade de significado, os fatores da não- realização do exame de Papanicolaou anteriormente aparecem associados à idade mais avançada e à promiscuidade, revelando um desconhecimento da relação do início da atividade sexual e realização do exame preventivo.

[...] eu pensei que não era mais necessário, porque se não fiz até agora... tinha mais relações sexuais, filhos, agora que estou mais velha pensei que não precisasse mais. Mais quando vim na consulta, a médica me pediu, então vim fazer[...] (M2).

[...] pensei que era só gente mais velha que tinha que fazer, por isso não vim, hoje eu passei na consulta médica por causa de corrimento e a médica pediu para eu fazer[...] (M5).

[...] achei que precisava fazer quem tinha uma vida sexual promíscua[...] (M3,M7,M9).

[...] pra mim a gente fazia quando tinha mais idade e não quando tinha iniciado as relações sexuais [...](M12).

Corroborando este achado, o conhecimento sobre o câncer de colo uterino foi objeto de investigação em estudo sobre a percepção de mulheres sobre o exame de Papanicolaou, em que também foi encontrado um déficit de conhecimento a este respeito9.

Com relação ao aspecto da idade mais avançada que as descrições revelaram, nota-se um desconhecimento das doenças sexualmente transmissíveis, e a relação do HPV com o desenvolvimento da doença.

A iniciação sexual começa cada vez mais cedo e de forma desprotegida, o que deixa as jovens vulneráveis ao HPV e outras doenças sexualmente transmissíveis, demonstrando uma grande necessidade de educação em saúde. Sendo assim, a mulher com vida sexual ativa, principalmente aquelas com idade de 25 a 59 anos devem realizar o exame periodicamente. A periodicidade recomendada é a cada três anos, após a realização de dois exames seguidos, com intervalo de um ano, cujos resultados tenham sido negativos10.

A falta de compreensão da importância da realização do exame de Papanicolaou por um segmento de mulheres constitui um desafio para os serviços de saúde, pois tem limitado o acesso ao rastreamento do câncer de colo de útero principalmente daquelas consideradas de maior risco11.

2- Sentimento de medo na realização do exame

[...] eu nunca tinha feito, mas ouvi dizer que era muito doloroso e então eu não vinha porque acabava ficando com medo, mas sabia que era aqui no posto que fazia[...] (M20).

[...] eu sempre fui meio medrosa, tinha medo da dor do exame e também se machucava[...] (M18).

[...] sabia que tinha que fazer, que aqui no posto fazia, mas pensava que ia doer, e acabava adiando toda vez que marcava o exame [...] (M17).

Diante dessas respostas, observa-se que o medo para a realização do exame pode ser externado e vivenciado por cada mulher de forma ímpar, conforme a visão de mundo de cada uma12.

Observa-se que a adesão feminina aos programas de prevenção não está diretamente associada à oferta dos serviços de saúde que disponibilizam tais atendimento. Para garantir uma assistência integral e preventiva, é importante olhar o outro sem pré-julgamentos de suas atitudes e concepções, acolhendo e propondo a prevenção na perspectiva do outro por meio de orientações que não visem somente o procedimento técnico. Isso porque o exame em si causa ameaça e medo, provocando reações na mulher, que muitas vezes podem não ser expressos na fala, mas ser evidentes pela fuga do exame. As que nunca se submeteram ao exame também fazem suas representações negativas pelas experiências de outras pessoas e têm a conduta de não realizá-lo13

3- Medo de se deparar com resultado positivo para câncer

[...] nunca fiz porque sempre fiquei morrendo de medo do resultado, de dar alguma coisa muito grave, como é o câncer[...] (M19).

[...] eu não entendo muito bem isso, como fazer a prevenção de uma doença que, se você tiver, não tem cura[...] (M15).

[...] sempre tive medo de ter câncer, então eu fui adiando[...] (M1).

Com relação ao medo do resultado, vários estudos afirmam que o medo da doença é um dos principais motivos que levam as mulheres que realizam o exame preventivo não retornar para saber do resultado13.

Com relação a este achado, um estudo realizado no México também denuncia esta realidade, em que a mistificação do câncer como doença fatal desvaloriza a prevenção por meio de uma postura conformista de ter uma doença contra a qual não se pode fazer nada14.

4- Sentimentos de vergonha e constrangimento

[...] eu sempre tive muita vergonha, por isso não vinha fazer o exame, e não adiantou de nada, porque agora tive que fazer porque estou com sangramento[...] (M11).

[...] é muito difícil pra mulher se despir na frente de uma pessoa estranha, principalmente quando essa pessoa é homem, um médico[...] (M16).

A vergonha também foi sentimento expresso como fator de dificuldade para realização do exame pelas mulheres quando se estudou a percepção da população feminina sobre o exame de Papanicolaou9. Ter vergonha de realizar o exame de Papanicolaou foi a justificativa mais referida para a não-realização do exame citológico um em pesquisa que estudou mulheres com neoplasia intracervical (NIC) e câncer invasivo5. A percepção do corpo feminino como vergonhoso e a ideia da "inferioridade feminina" apareceram com destaque em estudo sobre as Questões de Gênero nos Comportamentos de Prevenção do Câncer das Mulheres. As mulheres sentem-se inferiorizadas, demonstrando medo e vergonha de se expor, principalmente para um médico. O exame ginecológico, em especial o exame de prevenção do câncer de colo do útero, foi o exame mais citado pelas mulheres como temido e vergonhoso15.

Corroborando os nossos achados, a vergonha também foi um sentimento revelado por uma mulher em um estudo de caso sobre a percepção da mulher sobre o exame preventivo, com associação desta à sexualidade. A forma como algumas mulheres se manifestaram ao terem que expor seu corpo, tê-lo manipulado e examinado por um profissional, revela o quanto a sexualidade tem influência sobre a vida da mulher; afinal, trata-se de tocar, manusear órgãos e zonas erógenas. Daí talvez o fato de as mulheres associarem sempre a exposição das genitálias à sexualidade, produzindo sentimento de vergonha em relação às suas partes. Nesse sentido, trabalhar com a sexualidade é lidar com um tema especial, abrangente e complexo, pois, mesmo com vasta bibliografia, envolve questões não comumente abordadas com liberdade pelas pessoas16. Diante desse resultado e demais estudos realizados, é preciso que os profissionais de saúde procurem maneiras para tentar minimizar esse sentimento de vergonha, visto que, ao sentir vergonha, a mulher pode até deixar de realizar a prevenção. Por isso, deve-se procurar demonstrar empatia e fazer com que a mulher se sinta o mais à vontade possível. Deve-se levar em consideração, também, o fato de muitas pessoas serem extremamente tímidas, independente da circunstância em que se encontram, e é claro que nesta situação a timidez tende a aumentar muito. Então, o atendimento dessas pessoas requer maior sensibilidade e compreensão. Portanto, muitas vezes, por vergonha, preconceito e medo de realizarem os exames ginecológicos de rotina, as mulheres colocam desnecessariamente sua saúde em risco. A vergonha prevalece quando o profissional que está atendendo a mulher é do sexo masculino17.

O sentimento de vergonha também pode ser apreendido por essas mulheres como uma sensação de impotência, desproteção e perda do domínio sobre o próprio corpo que a posição ginecológica proporciona. Neste sentido, presume-se que tudo isso pode ser ocasionado pelo instrumental médico-hospitalar, pelo toque ginecológico, pela introdução do espéculo e a utilização do foco luminoso em suas partes íntimas, embora essas mulheres reconheçam tudo isso como importante e necessário para a realização do exame12.

5- Necessidade de modelo de comportamentos adequados à prevenção de saúde

[...] as mulheres da minha família nunca fizeram o exame preventivo e ninguém teve câncer[...] (M4).

[...] eu não tenho preocupação de mudar muito minha maneira de ser e de pensar, sempre vivi bem, lá em casa todo mundo sempre viveu bem e ninguém se preocupa com muitas doenças[...] (M16).

Apesar de ser a prevenção a forma mais eficaz para evitar o câncer, a adesão dos indivíduos aos comportamentos preventivos de saúde ainda é dificultada devido aos modelos e padrões de reconhecimento e valorização de aspectos culturais que não contribuem na mudança de atitudes15.

[...] muitas vezes eu penso, a gente tem saúde, não sente dor, então não precisa ficar se preocupando[...] (M17).

Em fase precoce, o câncer do colo do útero habitualmente não apresenta sintomas. Por isso, é tão importante que a mulher faça seu exame periodicamente e não espere que apareçam sintomas. Desta forma, a chance de detectar lesões ainda totalmente curáveis é bem maior1.

A atitude de prevenção é determinada pelas crenças e percepções da mulher sobre o que é saúde, doença, o exame de prevenção e, também, pelas experiências vivenciadas por ela, para prevenção, manutenção ou tratamento de sua saúde 15.

6- Dificuldades para a realização do exame

- Dificuldades de acesso ao serviço

[...] sempre morei na zona rural e ficava difícil para eu vir até o posto de saúde[...] (M11).

[...] moro longe e não tinha como vir, porque tenho que vir de circular e me faltava o dinheiro. Agora falei com a assistente social da prefeitura e ela me deu passe do circular[...] (M10).

[...] eu sei que tenho que fazer, mas minha patroa dizia que ficava difícil para ela ficar sem mim. Agora estou em outro emprego e a patroa me libera para vir fazer [...](M13).

Há o reconhecimento, por parte das autoridades e instituições responsáveis pela prevenção de doenças, de que há um contingente importante de mulheres que os programas não conseguem alcançar para realização do Papanicolaou por inúmeros motivos. Estes vão desde a desinformação, medo, falta de tempo e rotina pesada de trabalho até não ter onde deixar os filhos e o desencorajamento pelo parceiro. Uma forma de alcançar o contingente de mulheres que não vai aos postos de saúde seria dar ênfase à estratégia de Saúde da Família, que já faz parte do conjunto de prioridades do Ministério da Saúde10.

- Deixar filho pequeno em casa

[...] tenho duas crianças pequenas, moro no sítio, tive as duas em casa, não vim nem no médico quando estava grávida, e não tenho com quem deixar as crianças[...] (M14).

[...] eu não tenho com quem contar aqui em casa, pois todos trabalham, e eu não consegui creche para meus filhos, então não posso sair para trabalhar, como também fica difícil eu ir ao médico[...] (M8).

Um estudo realizado sobre os fatores que influenciam a não-realização do exame preventivo também encontrou motivos que estavam associados ao papel da mulher no cuidado com a casa e os filhos, relacionados ao dia-a-dia, repleto de afazeres que socialmente se vêem como necessários, considerando as funções das mulheres que se somam às atividades de casa e ao papel de mãe e à condição de trabalhador fora de casa 18.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse trabalho procurou conhecer os motivos que influenciam as mulheres a não realizarem o exame preventivo do câncer de colo uterino, para compreender, desta forma, os comportamentos preventivos destas mulheres. Conhecer esses fatores é o primeiro passo para definir estratégias de intervenções mais eficientes e adequadas às reais necessidades da população feminina.

Atender as necessidades da realidade dessas mulheres significa aproximar-se da transformação social do comportamento em relação à prevenção.

A transformação só é possível através da modificação do modo de vida, e que seja entendida como benefício e justificativa dos esforços no sentido de concretizá-la. As medidas educativas são, assim, extremamente importantes, para que a prevenção do câncer de colo uterino seja fundamentada para a qualidade de vida das mulheres.

Algumas mulheres têm comportamento que as tornam vulneráveis à doença. Sentem-se constrangidas e envergonhadas ao se submeterem ao exame de prevenção, revelam ainda que a vergonha é mais acentuada quando o profissional que realiza o exame preventivo é do sexo masculino.

Esses fatores contribuem como obstáculos para um comportamento preventivo em relação ao câncer cervicouterino, e podem ainda se perpetuar dentro dos núcleos familiares e sociais, impedindo o estabelecimento de ações eficazes no sentido da prevenção. A prevenção entendida como condição multifacetada, com influências socioeconômicas, políticas e culturais, como responsabilidade da sociedade, é a saída para a redução dos casos de câncer de colo útero3.

A partir do conhecimento desses fatores de impedimento à realização do exame preventivo, considera-se fundamental para essas mulheres a adoção de uma nova postura para prevenção de doenças. Muitas vezes, cabe ao profissional de saúde, quebrar tabus e atuar como um facilitador do acesso das mulheres ao exame de Papanicolaou, fazendo com que haja superação dos fatores de impedimento e uma melhor compreensão de seus sentimentos relacionados ao exame preventivo.

Esse estudo concluiu que é necessária uma atuação diferenciada dos profissionais da saúde com as mulheres em relação ao exame de prevenção. Uma atuação com envolvimento, com respeito à sua intimidade, à sua privacidade, ao seu direito de conhecer e poder conversar sobre o câncer de colo uterino e a prevenção. Estes dados mostram a importância de ações educativas para a população feminina sobre a necessidade e o período para iniciar o exame de prevenção do câncer. O profissional enfermeiro, que se constitui em uma população predominantemente feminina, tem muito a contribuir no que se refere aos fatores indicados como causas de impedimento na realização do exame preventivo, pois as mulheres relatam ser mais fácil de enfrentar o exame quando o profissional é do sexo feminino.

Para que haja diminuição da mortalidade das mulheres e melhora da cobertura dos exames, é necessário rastreamento daquelas que nunca realizaram o exame de Papanicolaou ou que não o realizam com frequência desejada para atender o aspecto da prevenção do câncer de colo uterino.

 

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Recebido em 13/03/2008
Reapresentado em 28/06/2008
Aprovado em 11/09/2008

 

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