ISSN (on-line): 2177-9465
ISSN (impressa): 1414-8145
Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
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CAPES

Volume 6

INTRODUÇÃO: UM POUCO DE HISTÓRIA

A história da civilização demonstra que o cuidar sempre esteve presente nas diferentes dimensões do processo de viver, adoecer e morrer, mesmo antes do surgimento das profissões, conforme documentam os escritos de Waldow (1998) e Collière (1999). Estas autoras, assim como outras, tem se empenhado em dar maior visibilidade ao cuidar em enfermagem o qual, com a expansão tecnológica e ênfase no tratamento e na cura das doenças, foi se tornando cada vez mais invisível e desvalorizado. O cuidar, independente do pouco ou nenhum valor a ele atribuído, continuará sendo essencial para a sobrevivência das espécies, promoção da vida e preservação do planeta. No entanto, a própria história humana registra evidências de coexistência de ações que manifestam descuido, descaso, abandono, negligência, violência e outras formas implícitas ou explícitas de agir, nas sociedades ditas civilizadas, que ameaçam as diferentes formas de vida e o planeta.

Na história da enfermagem, mesmo antes de ser ela uma profissão, é possível identificar que eram desempenhadas ações para a manutenção da vida. Mas é através dos escritos de Florence Nightingale (1969) que a história documenta os efeitos destas ações na redução da mortalidade humana. Embora Nightingale não tenha aprofundado no estudo do conceito cuidar, mas sim nos conceitos de saúde e ambiente, é indiscutível sua contribuição na definição do papel da enfermeira como uma profissional que se dedica a provisão de ambiente propício para que a natureza possa agir, fortalecendo o poder vital das pessoas. Em outras palavras, Nightingale foi pioneira em propor e demonstrar os efeitos dos ambientes de cuidado na promoção da saúde das pessoas. Outros registros sobre o papel das enfermeiras no desenvolvimento de ações de cuidar podem ser encontrados nas teorias de enfermagem desenvolvidas desde 1950 (MARRINER-TOMEY, 1994; MELEIS, 1997), apesar de apenas algumas delas focalizarem o cuidar, como veremos mais adiante.

O desenvolvimento teórico do cuidar em enfermagem iniciou na década de 50 com Madeleine Leininger quando passou a defender as concepções de que cuidado é uma necessidade humana essencial e cuidar é a essência da enfermagem e um modo de alcançar saúde, bem estar e a sobrevivência das culturas e da civilização. Segundo Leininger (1990 , p.21-22) a literatura de enfermagem nas décadas de 50 e 60 não evidenciava a presença do conceito cuidar como um fenômeno a ser explicado ou interpretado; o interesse era voltado para a tecnologia médica e novos tratamentos descobertos durante a segunda guerra mundial. A tarefa principal das enfermeiras consistia em levar a cabo tratamentos médicos e procedimentos de cura. Havia um predomínio da ideologia médica do sistema hospitalar e era possível identificar que o cuidado tinha um sentido ambíguo e limitado e o que existia na literatura ou na documentação clínica não proporcionava suporte para discussão dos aspectos epistemológicos, ontológicos e históricos do cuidado humano levantados nas suas pesquisas. Os resultados de suas pesquisas, naquela época, revelavam ações de cuidar genérico que tinham significados de vigilância, nutrição afetiva, proteção e prevenção, e que a enfermagem deveria desempenhar ações que fossem congruentes com os valores, significados e expressões de cuidado genérico.

Leininger foi pioneira em conceber enfermagem como arte e ciência do cuidar mesmo antes de formalizar sua teoria. Segundo ela a teoria se origina de investigação de significados, padrões e práticas originadas em uma abordagem indutiva a partir da perspectiva das pessoas (emic) e não a partir da visão do pesquisador (etic), (LEININGER,1990). E foi sob a influência desta concepção que, a partir de 1976 um grupo de estudiosas nos Estados Unidos, lideradas por Leininger, começaram a discutir maneiras para avançar o conhecimento sobre as dimensões filosóficas, teóricas e epistemológicas do cuidar. O trabalho destas pessoas resultou na realização em 1978, na Universidade de Utah, da I Conferência Nacional de Pesquisa sobre Cuidado Humano, a qual passou a realizar-se anualmente. Outras enfermeiras foram se aliando ao grupo; o interesse sobre o tema Cuidado Humano e Cuidado Transcultural de Enfermagem foi crescendo gerando um movimento profissional que foi se expandindo mundialmente, conforme menciona Gaut (1993). No período de 10 anos de realização das conferências anuais da Associação Nacional de Cuidado Humano - NAHC (em 1988 denominada International Association of Human Caring), uma variedade de pesquisas1 desvelaram (a) dimensões filosóficas, (b) componentes, processos e padrões na perspectiva cultural, (c) associação do conceito cuidar às práticas de cuidado de enfermagem, (d) proposta de modelos alternativos para a prática e a pesquisa de enfermagem e (e) cuidado administrativo dentro de cultura organizacional ou institucional. Assim, as concepções acerca do Cuidado Humano foram sendo aprofundadas (GAUT, 1993).

Leininger formalizou na década de 80 sua teoria transcultural do cuidado posteriormente denominada Diversidade e universalidade do cuidado cultural: uma teoria de enfermagem Nesta obra Leininger (1991) publicou os aspectos conceituais e operacionais do método de pesquisa denominado de etnoenfermagem, juntamente com uma coletânea de estudos que utilizaram esta metodologia. Menciona Leininger (p.353) que as pesquisas realizadas, em um período de 30 anos, com pessoas de 54 culturas diferentes, apontam para um total de 175 construtos sobre significados e ações de cuidar, sendo que 10 destes foram descobertos na década de 60, 37 na de 80, 100 em 1988 e 175 em 19902.

Embora não tenha encontrado registros da participação de Josephine Paterson e Loretta Zderad no grupo de estudiosas do cuidar, fica evidente que a teoria prática de Enfermagem Humanista (1976) influenciou as concepções teóricas sobre o cuidar em enfermagem, principalmente de Anne Boykin e Jean Watson.

Outras perspectivas teóricas sobre cuidado humano em enfermagem foram surgindo, a partir dos anos 80, com a adoção, em larga escala, da abordagem qualitativa nas pesquisas de enfermagem tais como a fenomenologia, a teoria fundamentada nos dados (grounded theory), a representação social, a etnografia e a etno-metodologia. Grande parte do avanço do conhecimento referente à esta temática, neste período, teve origem nas concepções de enfermeiras norteamericanas como Jean Watson (1989), Marilyn Ray (1989), Anne Boykin e Savina Schoenhofer (1993). Estas concepções de cuidado, de natureza humanista, deixam evidentes a influência de filosófos, teólogos e estudiosos de enfermagem e de outras áreas do conhecimento.

Foi a partir da década de 90 que o movimento profissional sobre o cuidar em enfermagem se difundiu mais amplamente no mundo e se incrementaram as perspectivas teóricas e/ou filosóficas e as pesquisas para a compreensão dos significados de cuidar.

Nesta oportunidade registro os esforços empreendidos no Brasil por enfermeiras, grupos de pesquisa e instituições, para a difusão do conhecimento acerca desta temática. Dentre eles: a) a criação em 1993 do Programa Integrado de Pesquisa Cuidando e Confortando - PIP C&C, concebido por mim e por Alcione Leite da Silva, na época minha orientanda no curso de doutorado em filosofia de enfermagem na UFSC (NEVES-ARRUDA; SILVA, 1998) o qual resultou na criação de uma rede de núcleos de pesquisa sediados em Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre e Santa Maria; b) a criação de grupos de pesquisa sobre cuidar em outras universidades - UNIRIO, UFRJ, UERJ, UFF -, além de outros grupos já consolidados ou emergentes, em todo o país; c) a realização em 1996 do I Encontro Brasileiro de Cuidado e Conforto em Enfermagem - ENBRACCE, promovido pelo PIP C&C no Hotel Plaza Itapema em Santa Catarina, que resultou na publicação de um número especial, Cuidando e Confortando: Uma perspectiva de enfermagem para o terceiro milênio da Revista Texto & Contexto (1998); d) a criação da Revista da UNIRIO - "Cuidado é Fundamental"; e) a inclusão do cuidar como tema oficial em eventos científicos nacionais3 (ABEN, 1999); d) a produção de livros4 que tornam acessível ao público a reflexão sobre o cuidar em enfermagem; f) a produção de pesquisa realizada principalmente nos cursos de pós graduação e grupos de pesquisa que tem contribuído para a compreensão dos significados de cuidar e confortar na perspectiva dos usuários dos serviços, dos estudantes e dos profissionais de enfermagem.

Deixo de mencionar nomes de autores de trabalhos que avançam na compreensão dos significados do cuidar e confortar, até mesmo para não arriscar-me a excluir inadvertidamente algum, já que todos oferecem relevante contribuição científica à área da saúde. No entanto, menciono aquelas concepções às quais tive acesso e que, no meu entender, contribuem para o desenvolvimento teórico referente ao cuidar, objeto desta revisão. Dentre as autoras enfermeiras brasileiras apresento meu entendimento das concepções de Silva (1997); Polak (1997); Erdmann (1997), Figueiredo (1997), Santos (1997) e das americanas Paterson & Zderad (1976), Leininger (1984;1991), Watson (1989, 1999), Ray (1989), e Boykin & Schoenhofer (1993).

 

CONCEPÇÕES ACERCA DO CUIDAR EM ENFERMAGEM

Considero a "enfermagem como uma disciplina profissional que adota uma perspectiva teórico - filosófica característica das ciências humanas, que tem uma finalidade prática e social e é exercida através de um processo de trabalho compartilhado entre os membros da profissão e que acontece em um sistema que é de natureza interdisciplinar". Como tal, o conhecimento desenvolvido pelas enfermeiras tem sido influenciado tanto pelas ciências que deram origem às disciplinas acadêmicas - psicologia, antropologia, sociologia, física - como pelas humanidades que deram origem às disciplinas profissionais - filosofia, ética, história, arte (NEVES, 2001, p.9).

As concepções acerca do cuidar em enfermagem tiveram origem tanto nas reflexões das enfermeiras a partir de suas crenças pessoais e profissionais e de suas experiências no convívio com clientes e profissionais da área da saúde, como a partir do conhecimento gerado em outras disciplinas acadêmicas e profissionais. No entanto, é importante considerar que as concepções sobre o cuidar trazem em seu bojo a essência humanitária. Isto implica em dizer que cuidar em enfermagem inclui a execução de procedimentos técnicos aliados à expressão de atitudes condizentes com princípios humanísticos, dentre os quais a manutenção do respeito, dignidade e responsabilidade entre os seres envolvidos na relação de cuidado, sem o que tais ações poderiam ser entendidas como descuidar.

Entendendo que cuidar envolve múltiplas dimensões de natureza empírica, ética, estética e pessoal, decidi agrupar as concepções de autoras americanas e brasileiras, de acordo com a abordagem dominante, em correntes teórico - filosóficas compatíveis com a perspectiva cultural, organizacional, estética, existencialista e transdimensional.

 

A PERSPECTIVA CULTURAL

A perspectiva cultural surge a partir do reconhecimento de que os seres humanos vivem em diferentes lugares e contextos e que as enfermeiras precisam procurar compreender e trabalhar com estas pessoas. Mais evidente fica esta necessidade em um mundo globalizado em que as mudanças ocorridas e a presença de forças sociais, políticas, econômicas, tecnológicas e de cuidado a saúde tendem a aproximar as pessoas. Leininger (1990) refere que suas concepções emergiram da convicção de que a enfermagem passaria a ser multicultural e necessitaria de um corpo de conhecimento diferente (distante da dependência da medicina). Sua contribuição se caracteriza pela oferta de uma perspectiva humana - holística e transcultural do cuidado, viabilizada pela teoria do cuidado cultural, como um instrumento confiável que oferece uma base epistêmica significativa para o futuro da enfermagem como disciplina e profissão, além de oferecer conhecimento útil para outras disciplinas e profissões.

A perspectiva cultural considera que: a) todas as culturas humanas tem formas, padrões, significados, símbolos, expressões e estruturas de cuidado para conhecer, explicar e predizer estados de bem estar, saúde ou doença; b) cuidado não é uma atividade ou ação isolada, mas um fenômeno-intelectual abstrato que vai além disto e que por esta razão suas várias dimensões epistêmicas e ontológicas precisam ser compreendidas; c) sendo a enfermagem uma profissão e uma disciplina global e universal é imprescindível que ela identifique o que é universal, ou seja o que prevalece de comum, e o que é diferente no cuidado humano e no cuidado profissional de enfermagem em uma diversidade de culturas no mundo (LEININGER, 1991).

Cuidar em enfermagem concebido por Leininger (1991) contém ambas dimensões - humana e científica - no desempenho de atividades e processos de cuidar podem levar a pessoa à cura, especialmente reconstituindo5 sua condição humana. Por isso mesmo se constitui em um modo humano de ser/estar com outros para assisti-los quando necessitam ou ajudá-los a manter o bem estar ou a saúde. Na dimensão humana, cuidar é compreendido a partir de descobertas indutivas. Cuidar humano foi definido por Leininger em 1978 como a compreensão dos seres humanos da forma mais natural possível, sendo/estando com ele de modo a assisti-lo, ajuda-lo, orienta-lo e facilitar o alcance de certos objetivos, melhorar ou aliviar uma condição humana ou modo de vida, enfrentar a incapacidade ou ajuda-lo a morrer. Na dimensão científica cuidado científico foi concebido como aqueles indicadores precisos, predefinidos dedutivamente, lógicos e mensuráveis, identificados para assistir as pessoas utilizando variáveis. Assim, segundo a referida autora, o conhecimento acerca do cuidar em enfermagem pode ser avançado a partir de pesquisas que utilizem tanto abordagens qualitativas como quantitativas.

 

A PERSPECTIVA ESTÉTICA

A perspectiva estética representa uma possibilidade de desenvolver conhecimento além dos limites da ciência tradicional. Juntamente com os padrões de conhecimento empírico, ético e pessoal, o padrão estético compõe a totalidade do conhecimento em enfermagem (CARPER, 1978; CHINN E WATSON, 1994). O conhecimento empírico é aquele presente na pesquisa e na experiência; o ético diz respeito aos fundamentos morais, enquanto o pessoal implica no uso de si mesmo e o estético consiste na manifestação artística ou seja na arte da enfermagem. Como afirmam Chinn e Watson (1994) a arte da enfermagem, ou estética, é particularmente importante como um padrão integrador já que requer e se constrói a partir das demais formas de conhecimento.

No meu entendimento, inspirada nas afirmações das autoras anteriormente referidas, a concepção acerca do cuidar, nesta perspectiva, consiste na arte de experienciar a situação - sendo/estando presente por inteiro no momento, apreendendo com todos os sentidos o conhecimento que se origina na práxis, e de criar com a intuição e a imaginação o que for necessário para a realização do ato. E porque a práxis envolve as pessoas - cliente e profissional - a arte de cuidar está imersa em significados pessoais e culturais e em compromissos mútuos. Penso também que esta perspectiva, por ressaltar a subjetividade característica da condição feminina, desafia qualquer método ou modelo pré determinado relacionado ao fenômeno saúde - doença que se fundamente apenas na racionalidade, característica do gênero masculino. Assim, cuidar em enfermagem é ao um só tempo ciência e arte pois, ao focalizar a experiência humana na saúde e na doença, utiliza instrumentos, métodos e processos que favorecem a compreensão do ser, do saber, do fazer e do saber fazer utilizando as sensações e percepção sensível.

No Brasil a produção de dados de pesquisa sob a ótica da perspectiva estética tem originando concepções acerca do cuidar em enfermagem, evidenciadas nos textos de Figueiredo (1997), nos trabalhos sobre Sociopoética (GAUTHIER & SANTOS, 1996) e no método criativo e sensível através de dinâmicas de Cabral (1998), dentre outros Na perspectiva estética destacamos ainda os escritos de Caccavo (2000), Caccavo & Carvalho (2001) que aprofundam a compreensão do conceito da arte da enfermagem em seus nexos com ramos do saber que se ocupam da ciência, arte, estética, oferecendo subsídios para as reflexões sobre a ciência e arte do cuidar em enfermagem.

A seguir apresentarei minha compreensão sobre às concepções de Figueiredo (1997) e o resumo das concepções de Santos elaborado por ela própria. Entendo que, para Figueiredo (1997), cuidar em enfermagem é ação humana, transpessoal, espiritual, política que se caracteriza por um jeito especial de ser e de fazer e que acontece entre corpos sensíveis e envolve: solidariedade, presença; movimentos corporais, impulsos e emoções; energia, disponibilidade para sentir e tocar o outro. E que, o processo de cuidar acontece durante a realização do trabalho da enfermagem o qual, devido sua natureza, se constitui em um "movimento dinâmico, efervescente, variado, cheio de ondulações físicas e emocionais" (p.122), que se torna intrigante, interessante e ao mesmo tempo encorajador.

E é neste trabalho de cuidado à vida que a enfermeira cria sua arte e seus modos de conviver , utilizando estratégias e táticas de sobrevivência para continuar sua trajetória de profissão jovem que procura um lugar estável, uma justificativa, uma referência (p.123).

As concepções de Figueiredo (1997; p. 66-67) são construídas a partir da perspectiva estética, na qual compara o trabalho realizado pelo escultor (artista) e pela escultora (a enfermeira). O trabalho do escultor consiste em criar - restaurar uma obra e o da enfermeira em cuidar/confortar para restaurar uma obra; ambos utilizam seus corpos para executar o trabalho, materiais subjetivos semelhantes, materiais objetivos/racionais diversificados; o trabalho de ambos resulta em escultura, sendo que a da enfermeira é a escultura do cuidado no corpo do cliente; ambos produzem prazer, no entanto o trabalho do escultor produz no cliente admiração, satisfação, imitação enquanto que o trabalho da enfermeira produz no cliente conforto, bem-estar, mal-estar (existem ações de cuidar que são desconfortantes) e saúde (op.cit., p.67), mantendo-o no fluxo da vida.

Encontro nas concepções de Figueiredo considerações sobre tecnologias6, ao referir que nos movimentos corporais-físicos e espirituais, nas suas falas, em suas ações de cuidar/confortar as enfermeiras colocam um outro tom musical e "criam estilos e modos de se relacionar com seu cliente, com sua equipe e com seus parceiros de trabalho" (op.cit., p.165). Identifico concepções referentes à criação de ambientes de cuidado que assegurem a realização do cuidar em enfermagem, em suas dimensões estéticas, políticas, territoriais e subjetivas (op.cit, p.151 ).

Santos (2002)7 concebe o cuidar em enfermagem como uma arte desenvolvida pelo enfermeiro ao se encontrar com o seu sentimento de solidariedade, de amor, de desapego do seu próprio eu, em pról do outro - um ser humano igual a ele. Considera o enfermeiro um ser privilegiado pela possibilidade cognitiva e institucional de compreender o que é humano no ser humano - sua potencialidade para viver e aprender a viver a vida, sua fragilidade diante das incertezas de sua finitude em uma determinada dimensão corporal, e sua imprevisibilidade ao enfrentar o tempo e espaço transicional onde vive e convive consigo, com os outros e com o mundo, algo firmado e reconhecido pela sociedade para a qual sua força de trabalho se destina.

O cuidado em enfermagem, para Santos se torna possível pelo exercício da solidariedade e sensibilidade do profissional. A enfermeira (agente cuidador) identifica a necessidade e desejo do outro (cliente/sujeito/ser cuidado) de ser cuidado, se reconhece como possuidora de conhecimentos e habilidades especiais (saber/fazer), sente uma energia cósmica em seu próprio corpo (instrumento do cuidado que utiliza seus sentidos, como uma antena, na ausculta/escuta sensível das necessidades e desejos de cuidado), sente-se capaz de ajudar o outro, de promover a interação energética entre cuidador e ser cuidado, fazendo acontecer a alquimia do cuidado. O cuidado neste pensar existe quando compreendido e aceito por ambos. O contrário caracteriza o descuidado. O cuidar é o objetivo, a missão da enfermagem visando a transformação da realidade social das pessoas envolvidas. Para que isto aconteça, a enfermeira tem a obrigação moral de tornar-se cada vez mais consciente de sua própria condição humana, convivendo e aprendendo com o outro e ajudando-o a tornar-se cada vez mais consciente, como pessoa e cidadão, do seu compromisso com a vida e com seu bem estar.

 

A PERSPECTIVA ORGANIZACIONAL

As concepções acerca do cuidar a partir de uma perspectiva organizacional são aqui representadas por Ray (1989) e por Erdmann (1997). Ambas defendem a necessidade das organizações hospitalares, enquanto empresas que vendem seus serviços, compreenderem e apoiarem o lado humano da prática da enfermagem. Isto as leva a examinar a estrutura dinâmica do cuidado sob a ótica da complexidade das organizações.

Ray (1989), considera o hospital como uma organização cultural regulada e controlada pela burocracia e refere que queiramos ou não, a autoridade e o poder presentes neste fenômeno mundial - a burocracia que está dirigindo a humanidade - precisam ser compreendidos se é que um dia virão a ser controlados, mesmo que parcialmente.

Com base nestes pressupostos, Ray (1989) realizou pesquisas que originaram as seguintes categorias estruturais de significados sobre o cuidar: político, econômico, legal, tecnológico / fisiológico, educacional, social, espiritual / religioso. O cuidar político diz respeito à estratificação de funções e questões de gênero, tomada de decisão, padrões de comunicação, atividades sindicais e processos de negociação e confronto, influências do governo e das companhias seguradoras, uso do poder prestígio e privilégios, competição pelos escassos recursos (humanos e materiais). O cuidar econômico, às finanças, orçamento, sistemas de seguro saúde, alocação de recursos, manutenção da viabilidade econômica ; legal - responsabilidade, comprometimento com a sociedade (accountability), regras e princípios norteadores dos comportamentos, consentimento livre e informado, direitos dos clientes e dos profissionais, direito a privacidade, problemas de má prática e prática defensiva dos profissionais da medicina e enfermagem. O cuidar tecnológico / fisiológico, à utilização de equipamentos para a manutenção do bem estar fisiológico do paciente, recurso não humano e conhecimento e habilidades necessárias para operar equipamentos para apoiar o paciente. O cuidar educacional, se refere às informação, ensino, programas de educação formal e informal e uso de meios audio visuais; social - comunicação, interação social e apoio, compreendendo as interrelações, o envolvimento e a intimidade, conhecendo pacientes, famílias e colegas, potencial de crescimento e desenvolvimento pelos atos de compaixão e preocupação, amor e empatia; o cuidar espiritual / religioso, à oração e atos de fé, de amor fraterno, de ser espiritual. E o cuidar ético diz respeito aos atos corretos de respeito, confiança e dedicação às pessoas, estabelecidos pelos padrões de comportamento religiosos, legais e morais.

A partir destas categorias de significados Ray (op.cit., p.37) desenvolveu uma teoria (grounded) do cuidar burocrático que resultou da síntese dialética entre a tese do cuidar como humano, social, educacional, ético e religioso/ espiritual (elementos da cultura da enfermagem) e a antítese do cuidar econômico, político, legal e tecnológico (elementos da burocracia). O desafio que permanece para nós enfermeiras é compreender a co-existência destas forças aparentemente antagônicas e atuar no sentido de tornar possível a manutenção da natureza humana da profissão.

Para Erdmann (2002), segundo texto por ela própria elaborado por minha solicitação, nesta dimensão de cuidado organizacional, os processos relacionais, interacionais e associativos que estruturam os sistemas de cuidados possibilitam uma nova concepção de cuidado, sustentada pelas propriedades deste sistema auto-eco-organizador, cujas formas de organização reconhecem os espaços sociais, os movimentos dos seres animados e inanimados, os sentimentos e as determinações em limites ambíguos, e as possibilidades dos movimentos de autopoiése.

Assim, acrescenta Erdmann, na minha concepção Erdmann (1996), o sistema de cuidados de enfermagem se configura por movimentos/ondulações de relações, interações e associações em estruturas e propriedades de processos auto-eco-organizadores de dimensões variadas de cuidado. Estas são desde o cuidar de si, de si junto com o outro, de sentir o sistema pessoal processar o cuidado do corpo por si próprio, de ser/estar no sistema de relações múltiplas de cuidado até a dimensão de cuidado com a natureza integrando-se com os demais sistemas sociais/naturais, fortalecendo o sentimento de pertença, aproximando os seres na busca de melhor sobrevivência/vida/civilidade humana.

 

A PERSPECTIVA EXISTENCIALISTA

A perspectiva existencialista nas concepções sobre o cuidar em enfermagem se faz presente, predominantemente, em Paterson e Zderad (1976), Watson (1989), Boykin & Schoenhofer (1993) e Polak (1997). Influenciadas pelos pensamentos de filósofos, estas concepções focalizam a experiência humana.

Patterson e Zderad (1976) afirmam que as pessoas são livres e responsáveis e tem possibilidades de crescer experienciando o relacionamento autêntico, que ocorre no encontro dialógico, em que as pessoas mostram a sua natureza de ser / estar bem e tornar-se cada vez mais e melhor. Cada pessoa é única, traz consigo sua história e responde às situações da vida de uma maneira que lhe é peculiar, fazendo suas escolhas dentro dos limites de suas possibilidades. Para elas, a pessoa - paciente é aquela que se preocupa, sofre, é um ser em um corpo do qual depende; e é através deste corpo que seu ser é tocado e afetado permitindo-lhe estar alerta ao toque de outros seres que lhe apoiam. A pessoa - enfermeira é aquela que responde ao chamado de seres humanos com necessidades em sua qualidade de vida na saúde - doença; por isso a pessoa - enfermeira é uma presença junto às pessoas com questões relacionadas à saúde e a sobrevivência; a pessoa - enfermeira porque se identifica com a profissão é responsável por ela e se compromete em expressar por inteiro seu significado humanístico, nutrindo o potencial humano.

Para elas a enfermagem, sendo arte - ciência, consiste em conhecer, ser e fazer manifestando ao mesmo tempo sua natureza objetiva, subjetiva e intersubjetiva. É uma combinação de ser - com e fazer - com o paciente em uma situação de enfermagem. Conhecer, implica em um processo de investigação científica e no uso da intuição. Ser e fazer se fundamenta no conceito de enfermagem como presença, cujos atributos incluem expontaneidade, disponibilidade, reciprocidade e mutualidade, bem como no conceito de enfermagem como diálogo que ocorre em um processo transacional de via dupla. Assim, a intervenção é feita com a participação da pessoa como sujeito ativo, sendo importante destacar que os atos que ocorrem nas situações de enfermagem são experienciados de maneira diferente por quem cuida e quem é cuidado.

Embora Patterson e Zderad não tratem especificamente do conceito cuidar, mas sim da enfermagem humanística, suas concepções influenciaram de alguma maneira as concepções de Watson, Boykin e Schoenhofer, e até mesmo de Polak.

Watson (1989, p.220), em sua filosofia e teoria do cuidado humano na enfermagem, considera "o cuidar humano como o ideal moral da enfermagem que consiste em tentativas transpessoais, intersubjetivas para (1) proteger, melhorar e preservar a humanidade, ajudando a pessoa a encontrar significado na doença, sofrimento, dor e existência; e (2) para ajudar o outro a aumentar o auto conhecimento, o auto controle e a auto - reconstituição/ recomposição8". Como resultado deste processo de transação entre seres humanos, a sensação de harmonia interior é restaurada independente de circunstâncias externas.

Cuidar é assim concebido por Watson (1989) a partir da compreensão de que a enfermagem é uma ciência humana que diz respeito às experiências de saúde - doença - reconstituição, que são mediadas por transações de cuidado profissional de natureza pessoal, científica, estética e ética. A intersubjetividade no cuidar transforma o processo de enfermagem em algo que é transpessoal e metafísico e que não ignora o método científico mas procura elucidar e reconhecer outras dimensões que são igualmente importantes para compreender a pessoa, o cuidado humano e o processo de reconstituição na saúde e doença.

Como ela mesmo afirma, sua filosofia e teoria do cuidado humano é permeada por valores que incluem: a) o respeito profundo pelos mistérios da vida, reconhecendo sua dimensão espiritual e o poder do cuidar humano no processo de reconstituição; b) respeito e reverência à pessoa e à vida humana, o que requer autonomia e liberdade de escolha; c) valorização do mundo subjetivo da pessoa que está experienciando o processo; d) ênfase no processo relacionai entre a enfermeira e a pessoa no sentido de ajudá-la a reconstituir-se. Estes valores estão explicitados nos 10 fatores de cuidado, publicados por Watson em 1979 que precederam a formulação da sua teoria.

As concepções de Watson em sua teoria do cuidado humano tem base na filosofia e na visão metafísica sobre ser humano, sua existência, sua natureza transcendente que o leva a progredir a níveis cada vez mais altos de consciência e a encontrar harmonia. Isto implica em que a pessoa, em sua essência, possui uma alma (espírito, eu superior) que é maior do que sua existência física, mental e emocional naquele determinado tempo; esta noção de pessoa transcende o aqui e agora e reconhece a capacidade de coexistência ao mesmo tempo do passado, presente e futuro. Assim, o cuidar em enfermagem é um momento transacional que oferece a possibilidade de transcender às noções convencionais do mundo físico e que tem a finalidade de promover o crescimento mental -espiritual (para si e para outros), bem como descobrir o poder de reconstituir-se e controlarse alcançando a saúde.

Boykin & Schoenhofer (1993), ao conceberem o cuidar em enfermagem como modelo transformador da prática, assumem que todas as pessoas cuidam porque elas são humanas, mas que para melhor cuidar precisam conhecer-se a si mesmas, fazendo crescer a cada dia sua competência para expressar-se e viver como gente que cuida. Isto implica em admitir que embora alguns atos humanos se caracterizem como não cuidado a pessoa permanece como um ser de cuidado que está desenvolvendo a competência para cuidar no próprio processo de ser e viver. Tal concepção, conforme referem as autoras, se fundamenta em Mayeroff ao descrever cuidado como algo que tem a finalidade de ajudar o outro a crescer e em Roach quando o descreve como um processo de trazer à tona esta capacidade inerente ao ser humano, capacidade que se manifesta pela preocupação e respeito a pessoa como pessoa.

Afirmam ainda que, ao experienciarmos a nós mesmos como pessoas que cuidam, se torna mais fácil nos permitirmos e permitir aos outros espaço e tempo para desenvolver as capacidades inatas de cuidar e de ser autêntico. E porque cuidar é viver no contexto de responsabilidade relacionai, ele é ao mesmo tempo um ato intencional que requer prontidão e vontade para experienciar a si e ao outro, manter sua identidade de ser único e ter coragem, humildade e confiança para, honestamente, conhecer a si mesmo e libertar-se das próprias amarras, transcendendo o momento, encontrando novos significados e comprometendo-se em assumir responsabilidades pela própria vida. Como conseqüência, quanto mais abertura a pessoa tem para se conhecer, se apreciar e tentar compreender o mundo do outro, mais consciência ela terá de que a pessoa é um ser completo (inteiro) que está em conexão com outras pessoas e que estas também são seres que por sua natureza cuidam.

Polak (1997, p.23-24), no meu entendimento, é uma das enfermeiras brasileiras cujas concepções apresentam-se na perspectiva existencialista. É ela própria quem afirma que o existencialismo, cujo tema central é a existência humana, "nos leva a refletir sobre o que somos, como nos relacionamos com o outro e com o mundo, e sobre nosso poder decisorio; preconiza o retorno do homem à natureza, à valorização do belo, dos sentimentos, a sentir saudade de si próprio, do outro e de um mundo mais humano". Fundamentando suas idéias em Merleau Ponty, que vê o homem como intencionalidade, como consciência encarnada, que revela sua unidade a partir do sensível e da experiência de ser-no-mundo, a autora utiliza o conceito corporeidade para apresentar suas concepções sobre enfermagem e o cuidar, com a intenção de resgatar o aspecto humano da enfermagem.

Polak (1997) afirma que o homem precisa ser corpo e não apenas ter um corpo que usa para o desempenho de suas funções e papéis; que a enfermagem consiste em um "processo contínuo de percepção, de reconstituição, de construção, de reconstrução e de harmonização de corpos" (p.117)... que envolve presença, suporte, ajuda, proteção, nutrição; e, acrescenta, enfermagem é empatia que se concretiza no encontro de vidas, de corporeidades. Para a autora (op.cit.,p.119) "as ações de enfermagem não podem ser reduzidas ao automatismo da técnica, nem serem norteadas por sinais e sintomas... elas resultam do conhecimento construído..." pelas pessoas envolvidas no encontro. O conhecimento é a chave do processo de cuidar. Cuidar é um processo vivido no cotidiano da enfermagem e se constitui em uma ação intencional, voltada para situação específica, única e intransferível para outrem sem prévia análise.

Percebo, nas concepções da autora, que o saber e o fazer da enfermagem é constituído na e pela corporeidade, pelo sair de si e projetar-se para o outro no encontro de corpos viventes que se cuidam e cuidam de outros corpos viventes no sentido de promover a vida ou experienciar seu término com dignidade, vivenciando rituais, expressando na presença autêntica, sua criatividade, sua competência técnico - científica, sua postura humanística e política.

 

A PERSPECTIVA CONSCIENCIAL/ TRANSDIMENSIONAL

A perspectiva consciencial/transdimensional é aqui ilustrada pelas concepções de Silva (1997; 2002) e de Watson (1999).

Silva (2002), neste texto elaborado por minha solicitação, considera que esta emergente cosmologia do cuidado incorpora ciência, arte, ética e filosofia, buscando expandir a consciência humana para o amor e a sabedoria no cuidado do self, do outro e de todas as coisas vivas. Esta perspectiva integra e transforma pelo cuidado do ser e de seu meio, ultrapassando o processo saúde - doença e tendo como prioridade a vida em suas mais diversificadas formas de expressão. Busca resgatar o sentido de reverência para com a vida; sentido este que não pode ficar omisso quando se tem como meta a crescente complexidade de qualidade de vida no planeta.

O cuidado nesta perspectiva tem como foco as histórias de vida, através de sua teia de significados, os quais refletem a singularidade e complexidade dos seres. Deste modo, requer o engajamento da enfermeira e de outros profissionais da saúde juntamente com a pessoa cuidada nos significados das experiências vividas, para que em conjunto teçam um novo mosaico de significados. Conseqüentemente, o cuidado se constitui em um processo eminentemente participativo e reflexivo, em que os seres envolvidos, através de uma interação dinâmica, intuitiva e criativa, oportunizam um caminhar rumo a novas experiências, nas quais, de forma original e única, se auto-conheçam e se auto-transformem.

O cuidado representa uma forma essencial de participação e, conseqüentemente, de solidariedade. Assim, todos os seres envolvidos no processo doam e recebem simultaneamente, ampliando suas formas de expressão consciencial e contribuindo para uma nova ordem de possibilidades

Em suas concepções filosóficas publicadas em 1979 e teórico - filosóficas em 1985, Watson já reconhecia a natureza metafísica do cuidado em enfermagem. Por exemplo, mencionava a presença de forças existenciais - fenomenológicas e espirituais e referia-se à dimensão espiritual como a essência ou eu interior9, que permite níveis crescentes de consciência e força interior que levam a transcendência do eu usual10. A aparente complexidade desta concepção, aliada à concepção positivista de ciência, pode ter sido responsável pelas críticas de que seu pensamento não era suficientemente científico. No entanto afirma Watson (1999) que apesar das críticas continuou nesta linha de pensamento, que se torna cada vez mais aceita à medida que o paradigma de ciência muda e surgem novos modelos explicativos. Assim, estas idéias são aprofundadas em sua publicação de 1999 que enfoca enfermagem na pós-modernidade e além dela (WATSON, 1999). Nesta obra a autora propõe a desconstrução - reconstrução do modelo vigente de assistência à saúde. Para isto não basta somente mudar de paradigma; é preciso ir além do pensamento pós moderno e proceder uma mudança ontológica mais profunda, transformar nossos seres, reconsiderar a relação simbiótica que existe entre humanidade - tecnologia - natureza e universo. Reconstruir, em sua concepção, significa desmontar ética e cientificamente o modelo vigente, deslocando para o centro o cuidado - reconstituição que atualmente está na periferia e trazendo do centro para a periferia o modelo convencional médico de cura. Assim, o cuidado - reconstituição passa a ser integrativo, transformador, transdisciplinar. Neste sentido o modelo, inicialmente concebido para a enfermagem se torna transdisciplinar e pode servir de matriz fundamental para o pensamento no terceiro milênio.

No meu entendimento das idéias de Watson (1999), cuidar é visto como uma maneira de ser em que a enfermeira, a partir de um trabalho regular e contínuo de auto-conhecimento, que é intencional, espiritual, meditativo, recompõe-se de energia, e aprende a cultivar a habilidade de estar e ser no mundo, de centrar-se, energizar - se, ampliando cada vez mais sua consciência, reconstituindo-se e compartilhando a relação transpessoal com o outro, ajudando-o a descobrir seu próprio poder de reconstituir-se e alcançar a saúde. Esta maneira de ser implica em que a enfermeira desenvolve constantemente a habilidade para estar presente para si e para o outro sem julgamento, para abrir-se às experiências únicas do momento, para receber e desprenderse de energias negativas, enfim implica em saber como exercer a consciência transpessoal do cuidado - reconstituição para si e para outros.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo tem a finalidade de resgatar o cuidar em enfermagem como um movimento internacional para promover a vida dos seres humanos e do planeta. As concepções de enfermeiras americanas e brasileiras se complementam na busca de melhor clarificar este constructo abstrato, aparentemente complexo, mas que dá conta de explicar algo que diz respeito à natureza da enfermagem, enquanto arte e ciência prática e humana.

As concepções sobre o cuidar em enfermagem constituem-se em construções mentais de natureza concreta - abstrata, objetiva - subjetiva, simples - complexa, tudo ao mesmo tempo. Até porque, conforme concebe Erdmann (1996, p.57), "o cuidado é parte e é todo, é conteúdo e é processo, é estilo e é estética, é sistema e é elemento componente de sistemas, é estrutura e propriedade da manutenção de vidas...".

Portanto, independente das inúmeras construções teórico - filosóficas sobre o cuidar, ele é realizado por meio de um processo que tem como finalidade última a promoção de níveis crescentes de conforto (NEVES-ARRUDA; NUNES, 1998)11 e de qualidade de vida das pessoas envolvidas.

No entanto, acredito que nenhuma concepção é capaz de esgotar a grandiosidade e amplitude do conceito mas que, no seu conjunto, as diferentes correntes teórico - filosóficas, aqui discutidas, poderão incentivar-nos a prosseguir no sentido de aprofundar a compreensão deste fenômeno, ainda tão vago na enfermagem.

 

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NOTAS

1 Pesquisas e trabalhos apresentados nestas conferências anuais foram publicados na forma de livros, conforme documentam Leininger (1990) e Gaut (1993); deixo de mencioná-los devido limitação de espaço.

2 Uma lista destes construios consta nas páginas 368-370 do livro editado por Leininger em 1991.

3 tais como o 6° Enftec realizado em São Paulo em 1996 e o 50" Congresso Brasileiro de Enfermagem realizado em salvador em 1998.

4 Aqui são registrados apenas aqueles que não foram comentados em outra seção neste texto, tais como Leopardi, 1994; Waldow, V.R, Lopes, M.J.M; Meyer, D.E., 1995; Lopes, M.J.M., Waldow, V.R. e Meyer, D.E., 1998; Waldow, V.R., 1998; Neves-Arruda e Gonçalves, 1999, cujas referências foram excluidas devido limitação de espaço.

5 Reconstituindo ou recompondo foi traduzido do original inglês "healing" pois o sentido é mais amplo do que o termo cura

6 Tecnologia aqui entendida como uma proposição ou explicação de um modo de fazer; para aprofundamento consultar Nietsche, E. A. e Leopardi, M.T. O saber da enfermagem como tecnologia: a produção de enfermeiros brasileiros. Texto e Contexto Enferm., Florianópolis, v.9,n.1, p.129-152, jan./ abr.2000.

7 texto elaborado por ela própria por minha solicitação em 2002.

8 para mim reconstituir-se ou recompor-se é o termo mais próximo do significado de self-healing.

9 Inner self

10 usual self

11 O conceito conforto não é tratado neste artigo, mas é a ele que tenho me dedicado em minhas pesquisas. Gomo o cuidar, conforto é multidimensional e consiste em uma experiência que é única para cada pessoa, mas que revela componentes que incluem sensações de liberdade, integração, melhora, segurança/proteção, comodidade e sentir-se cuidado. Eu considero que confortar é um dentre muitos elementos do processo de cuidar e que o conforto é um dos resultados alcançados no processo de cuidar.

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