ISSN (on-line): 2177-9465
ISSN (impressa): 1414-8145
Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
COPE
ABEC
BVS
CNPQ
FAPERJ
SCIELO
REDALYC
MCTI
Ministério da Educação
CAPES

Volume 3, Número 3, Set/Dez - 1999

INTRODUÇÃO

A Prática de Ensino em Programas de Saúde é uma disciplina obrigatória do curso de Licenciatura em Enfermagem da Universidade Federal da Paraíba. Sob a forma de estágio supervisionado, prepara o discente para o exercício do magistério junto à clientela do Ensino Fundamental e Médio, abordando aspectos teórico-práticos tais como: planejamento e suas questões básicas, processo de elaboração de planos, habilidades de ensino e estágios de regência.

Assim sendo, a preocupação da referida disciplina centra-se na formação profissional do futuro professor enfermeiro, com base na relação teoria-prática, definida pela coerência que deve existir entre o que se ensina nas instituições formadoras e o que se pratica na esfera do Ensino Fundamental. Para isso procura relacionar o conhecimento teórico produzido no âmbito da academia às demandas da escola básica, enquanto oportuniza ao estagiário colocar em prática tais conhecimento e incorporar novos (Pimenta, 1997, p. 64-5).

Portanto, a formação do professor-enfermeiro vai além da justaposição ou dissociação entre teoria e prática, consistindo, assim, num processo interrelacional prática-teoria-prática (Fazenda et al. 1994, p. 15-16).

Para atendimento a essa prerrogativa, buscamos utilizar uma dinâmica para operacionalização da disciplina Prática de Ensino que possibilitasse aos estagiários não apenas a aprendizagem de conteúdos e habilidades pedagógicas mas também específicas da área da saúde, bem como aplicação e integração desses conhecimentos no seu quotidiano.

O estágio supervisionado vem sendo desenvolvido em escolas da Rede Pública de Ensino, por entendermos que esta instituição constitui o centro da educação sistemática e está integrada na comunidade da qual faz parte. Sob esta perspectiva, cabe à escola "oferecer aos alunos situações que lhes permitam desenvolver suas potencialidades de acordo com a fase evolutiva em que se situam e com os interesses que os impelem à ação" (Turra, 1996, p.17).

Nesse sentido, entendemos que a disciplina Prática de Ensino pode contribuir significativamente para o desenvolvimento dessas potencialidades ao trabalhar conteúdos essenciais à promoção da saúde, favorecendo aos alunos do ensino fundamental a capacidade de cuidar de si próprios.

Com esta expectativa, visualizamos a necessidade de implementar um estudo com os seguintes objetivos:

- Relatar a experiência vivenciada pelos estagiários da disciplina Prática de Ensino em Programas de Saúde e alunos do nível médio;

- Verificar a contribuição desta experiência para alunos do Ensino Fundamental;

- Investigar os assuntos sobre saúde que constituem interesse para esses alunos.

 

RELATO DE EXPERIÊNCIA

O estágio supervisionado foi desenvolvido com sete estagiários da disciplina Prática de Ensino em Programas de Saúde, junto a três turmas de 7ª série do Ensino Fundamental, totalizando 76 alunos, no turno da manhã. Esta população situava-se na faixa dos 12 aos 17 anos de idade, predominando a idade de 13 anos (36,8%) e o sexo feminino ( 60,5%).

Neste relato de experiência abordamos aspectos relativos aos conteúdos, carga horária, procedimentos metodológicos, recursos e avaliação de dois minicursos escolhidos a partir de uma conversa informal dos estágiários da Prática de Ensino com os alunos da 7ª série, além de sugestões do professor de ciências. Os referidos minicursos constituem temas do programa que, geralmente, deixam de ser estudados por dificuldades impostas pelo calendário escolar, ficando assim definidos: "Primeiros Socorros", com duração de 15 horas, e "Doenças Sexualmente Transmissíveis e Práticas Anticoncepcionais", com duração de 10 horas.

Após a elaboração dos planos de minicurso, foi desenvolvido, na UFPB, um estágio de microensino, para treinamento dos estagiários quanto às seguintes habilidades de ensino: olhar, perguntar, introduzir, variar os estímulos, ilustrar com exemplos e reforçar a aprendizagem. Como procedimentos metodológicos, foram utilizadas as técnicas de exposição dialogada, estudo em pequenos grupos, discussão em comum e troca de experiências.

Em relação ao minicurso de "Primeiros Socorros", foram demonstradas técnicas de ressuscitação cárdio-respirató-ria, imobilização de membros e transporte de acidentados, utilizando-se modelos anatômicos e os próprios alunos, como voluntários. Em relação aos temas Queimaduras e Prevenção de Incêndio, convidamos o Corpo de Bombeiros da cidade de João Pessoa que demonstrou técnicas de prevenção e controle de incêndio, bem como técnicas de primeiros socorros em queimados.

Para a abordagem do tema Picada de Animais Venenosos, contamos com o apoio do Centro de Toxicologia do Hospital Universitário Lauro Wanderley / UFPB, que nos cedeu espécimens de animais peçonhentos e alguns boletins informativos sobre o assunto.

Para o minicurso "Doenças Sexualmente Transmissíveis e Práticas Anticoncepcionais", contamos com o apoio da Secretaria Estadual de Saúde e da BENFAM que forneceram filmes, folhetos, contraceptivos e álbuns seriados. Além desse material, utilizamos também recursos visuais confeccionados pelos estagiários.

Nesse minicurso, foram trabalhados os conteúdos de Doenças Sexualmente Transmissíveis relativos aos temas: AIDS, Sífilis, Herpes Genital, Gonorréia, Linfo-granuloma Venéreo, Tricomoníase, Candidíase e Métodos Contraceptivos, enfatizando os métodos naturais, de barreira, hormonais e cirúrgicos.

Os minicursos foram avaliados em relação aos alunos e aos estagiários. A avaliação do alunado foi processada considerando sua participação e, reconhecida, pela habilidade em perguntar, expor, desenvolver e devolver as demonstrações. Quanto aos estagiários da Prática de Ensino em Programas de Saúde, a avaliação era feita após cada encontro educativo, numa sessão de crítica, quando discutia-se o desempenho do estagiário no que se refere à interação com os alunos, ao domínio de conteúdo e à habilidade de manusear equipamentos e modelos.

No final do estágio, verificamos a contribuição da referida disciplina para os alunos que participaram do minicurso "Doenças Sexualmente Transmissíveis e Práticas Anticoncepcionais".

 

CONTRIBUIÇÃO DA DISCIPLINA PRÁTICA DE ENSINO EM PROGRAMAS DE SAÚDE PARA OS ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL

A contribuição do minicurso "Doenças Sexualmente Transmissíveis e Práticas Anticoncepcionais", para o alunado do nível fundamental, foi verificada através da aplicação de um instrumento contendo questões pertinentes à mudança de hábitos em relação à saúde e ao interesse de informações sobre saúde.

O gráfico 1 mostra a opinião dos alunos quanto aos tópicos abordados no minicurso que mais contribuiram para a mudança de hábitos prejudiciais à saúde.

 

 

Observa-se que os tópicos mais apontados pelos participantes foram "prevenção de DST" - 76; "comportamento sexual" - 56; "cuidados corporais" - 48; "riscos da automedicação" - 39, e "procura de serviços de saúde" - 36

Atribui-se esses resultados às orientações dadas nas aulas, tais como: uso de preservativo nas relações,sexuais, redução do número de parceiros, postergação do sexo, uso de seringas descartáveis, diagnóstico e tratamento adequado dos doentes. Tais orientações estão de acordo com as medidas de prevenção e controle recomendadas pelo Ministério da Saúde ( 1999).

A ação educativa concernente aos três primeiros tópicos apontados pelos alunos é de grande relevância, dada a crise de sexualidade na adolescência que atualmente enfrentamos.

A falta de orientação segura, em casa e na escola, e, ainda, a influência negativa dos meios de comunicação de massa, bem como dos vícios das drogas e do álcool, têm resultado na iniciação sexual precoce com graves conseqüências físicas, psíquicas, sociais e econômicas, como: promiscuidade sexual, gravidez na adolescência, abortamento, doenças sexualmente transmissíveis e problemas emocionais (Ankerberg & Weldon, 1997, p.175-188).

Cremos que o processo educativo que observe com seriedade esses problemas, discutindo suas causas e fatores favoráveis à sua redução, proporcionará ao adolescente maior liberdade para gozar uma adolescência sadia e divertida.

O número de respondentes quanto ao tópico "riscos da automedicação" sugere uma prática de risco entre os estudantes do Ensino Fundamental que compromete a saúde, principalmente se estiver relacionada às doenças sexualmente transmissíveis, cuja medicação utilizada, via de regra é antibiótica, exigindo conduta terapêutica precisa com relação à dosagem, via de administração, freqüência e duração do tratamento. A não observância de um esquema adequado de tratamento constitui um problema social, podendo atingir indistintamente todas as camadas sociais por não ter havido a quebra da cadeia de transmissibilidade . Este problema agrava-se com as facilidades de aquisição de medicamentos nas farmácias, sem prescrição médica (Araújo, 1996, p.89). Por outro lado, a ineficiência do Sistema Público de Saúde e a falta de recursos financeiros para custear os cuidados com a saúde levam as pessoas, de modo particular, as populações economicamente carentes, a procurar soluções muitas vezes inadequadas ou perigosas, como é o caso da automedicação (Oliveira et al" 1994, p. 64).

A análise desses dados mostra ter havido um despertar dos participantes deste estudo para a gravidade de hábitos prejudiciais à saúde. Esta constatação sugere a elaboração de um programa que viabilize a continuidade do estudo junto aos alunos do Ensino Fundamental, oferecendo-lhes oportunidade para refletir sobre suas práticas de saúde, na perspectiva da mudança de hábitos prejudiciais, garantindo melhores condições do autocuidado com a saúde.

 

ASSUNTOS DE INTERESSE PARA OS ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Questionados acerca dos temas abordados nos minicursos que despertaram maior interesse, foram indicados os temas relacionados no quadro a seguir, por ordem decrescente, segundo a importância a eles atribuída pelos estudantes.

Quadro demonstrativo de temas de interesse para os alunos

 

 

Vale ressaltar, neste quadro, que somente uma pessoa considerou de seu interesse "Riscos da Automedicação", o que sugere ser a prática da automedicação. uma questão encarada como coisa normal para eles; por isso, não há interesse em estudá-la.

Outro dado bem evidente é o assunto "Doenças Sexualmente Transmissíveis", com 22 respostas, tema de maior interesse para os estudantes. Isto revela a necessidade de essas pessoas obterem maiores informações sobre o assunto, como já foi demonstrado anteriormente.

 

CONCLUSÃO

Concluímos que os tópicos ministrados na disciplina Prática de Ensino em Programas de Saúde que mais contribuíram para a formação de hábitos favoráveis à saúde dos participantes foram: "Prevenção de Doenças", "Comportamento Sexual", "Cuidados Corporais", "Riscos da Automedicação" e "Procura de Serviços de Saúde". Temas estes que coincidiram com os de maior interesse para os alunos, pois constituíram a maioria das respostas: "Doenças Sexualmente Transmissíveis", "Todos os temas abordados" e "Prevenção de Doenças".

Assim, mediante os dados apresentados, e considerando as deficiências da educação básica que prepara os alunos de Ensino Fundamental e Médio para o cuidado com a saúde, destaca-se a importância da disciplina Prática de Ensino como forma relevante de contribuição para o desenvolvimento de uma compreensão crítica de suas necessidades e conseqüente mudança de hábitos prejudiciais à saúde.

A experiência vivenciada toma realidade prática, uma das intenções da Universidade, que é a integração com a comunidade, mediante a experiência do estágio curricular no âmbito da escola de Ensino Fundamental, o que oferece subsídios para o planejamento dos cursos subseqüentes e garante maior proximidade da escola, enquanto órgão formador, com a comunidade.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. ARAÚJO, C. R. D. de,. Autocuidado na administração de medicamentos cardiovasculares: proposta educativa em enfermagem. Dissertação de Mestrado em Enfermagem. CCS/UFPB. João Pessoa, 1996. 139 p.

2. BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE. Fundação Nacional de Saúde. Programa de agentes Comunitários de Saúde. Acompanhado a Saúde da Mulher. Parte II: Ações Educativas em Planejamento Familiar, Controle do Câncer, DST/AIDS e Climatério. Brasília, 1994.96p.

3. FAZENDA, et al. A prática de ensino e o estágio supervisionado. 2.ed. Campinas, Pa, 1994.139p.

4. JOHN, Ankerberg & JOHN Weldon. O mito do sexo seguro, Camburci/SP. Cultura Cristã, 1997. pl75-188.

5. JOSH McDowel. Os mitos da educação sexual. São Paulo, Candeia, 1995.340p.

6. NAUD, P. et al. Doenças Sexualmente Transmissíveis e AIDS. Porto Alegre, Artes Médicas, 1993.318p.

7. PENNA, G. O. et al. Doenças infecciosas e parasitárias: aspectos clínicos de vigilância e de controle-guia de bolso. Brasília: M.SÆN.S./C.N.E. 1999.208p.

8. PIMENTA, S. G. O estágio na formação de professores: unidade, teoria e prática? 3.ed. São Paulo, Cortez, 1997.200p.

9. TURRA, C. M. G. etal. Planejamento de ensino e avaliação. 11.ed. Porto Alegre, Sagra-DC Luzzatto, 1996. p!7.

© Copyright 2024 - Escola Anna Nery Revista de Enfermagem - Todos os Direitos Reservados
GN1