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Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
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Ministério da Educação
CAPES

Volume 3, Número 3, Set/Dez - 1999

INTRODUÇÃO

No decorrer das últimas décadas, percebemos em vários países, a preocupação das autoridades sanitárias em controlar o número de casos de tuberculose, visto que a doença vem causando grande impacto para a saúde dos indivíduos, principalmente nos países em desenvolvimento.

Através de resoluções técnicas e estratégias de marketing, a Organização Mundial de Saúde tenta resgatar a tuberculose do descaso a que foi relegada, declarando o estado emergencial da doença no ano de 1993 (WHO, 1994).

A distribuição geográfica da tuberculose tem relação direta com os índices sócio-econômicos das diversas nações. As taxas de incidência da doença são baixas nos países desenvolvidos e muito altas naqueles países cuja população está sujeita a desnutrição e às más condições de habitação (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1995).

No Brasil, devido às condições só-cio-econômicas precárias, a incapacidade dos serviços de saúde em detectar e tratar os casos novos da doença, além do aparecimento da epidemia da AIDS, contribuíram para o aumento do número de casos de tuberculose.

Ao compararmos dados da Secretaria do Estado do Rio de Janeiro, quando a taxa de adoecimento, em 1987, era de 80/100.000 habitantes e, em 1995, esta taxa evoluiu para 140/100.000 habitantes em determinadas regiões, tem-se a dimensão do aumento expressivo da doença, mesmo numa região considerada desenvolvida sob o ponto de vista econômico, quando comparada a outras mais pobres do País (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1992).

Em decorrência do número crescente de casos, hospitais gerais e especializados passaram a receber clientes portadores de tuberculose, associada ou não a AIDS, independentemente das condições das instituições para prestar este tipo de atendimento.

Em regiões onde tem ocorrido um aumento do número de casos de tuberculose associado à infecção pelo HIV, provavelmente o risco de infecção e adoecimento por tuberculose entre os profissionais de saúde esteja aumentando. Grande número de hospitais não dispõe de condições de biossegurança necessárias ao atendimento dos clientes com tuberculose (KRITSKI et al, 1995).

Ao considerarmos questões relacionadas à biossegurança dos profissionais de enfermagem para prestar assistência à clientela com tuberculose, verificamos que, muitas vezes, trabalham em condições insalubres, não dispõem de recursos materiais adequados e sofrem estresse pelas condições sociais a que são submetidos (OLIVEIRA, 1996).

Juntamente com a equipe de enfermagem, atuam acadêmicos de enfermagem de diversos períodos participando das mesmas atividades assistenciais e, portanto, sob semelhante risco. Esta preocupação tem originado alguns estudos no Rio de Janeiro, tais como os de SILVA & KRITSKI (1997), KRITSKI (1994) e OLIVEIRA (1996), sobre os profissionais de saúde, alunos de medicina, ambientes, condições de trabalho e risco de adoecimento por tuberculose em hospitais. Toma-se necessário também um estudo que possa acompanhar a viragem tuberculínica dos acadêmicos de enfermagem.

Considerando que o portador de tuberculose é um cliente que pode receber, em qualquer enfermaria ou ambulatório, os cuidados de enfermagem sob responsabilidade dos acadêmicos, julgamos importante conhecer a real condição de infecção e adoecimento dos alunos pelo Myicobacterium tuberculosis, durante suas vidas acadêmicas.

O curso de graduação em enfermagem da Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN) está dividido em cinco etapas curriculares, compostas de 13 Programas Curriculares Interdepartamentais (PCIs), sendo que as primeiras experiências de atendimento a grupos específicos da população, com patologias que requerem acompanhamento ambulatorial ou hospitalar, ocorrem a partir da Segunda Etapa Curricular, no PCI-IV (quarto semestre), onde são desenvolvidas atividades em Unidades Básicas de Saúde. A partir desta etapa, as experiências de ensino-aprendizagem se dão em diversos setores hospitalares a cada semestre letivo.

Um dos testes de detecção da infecção por tuberculose é o PPD (Derivado Proteico Purificado). A prova tuberculínica permite estimar a prevalência da população infectada pelo bacilo da tuberculose e representa um dado fundamental para traçar a estratégia de luta contra a tuberculose e avaliar seus resultados. Em decorrência disto, consideramos o PPD um critério indispensável para a quimioprofilaxia em populações de alto risco, como os profissionais e alunos da área da saúde, que prestam assistência direta e indireta à clientela durante o curso.

Acreditamos que este estudo possa contribuir para o conhecimento da prevalência de infecção tuberculose no universo acadêmico de enfermagem e, a partir da evidência de dados concretos, fornecer subsídios para trabalhos futuros no campo da prevenção.

 

OBJETIVOS

- Determinar a prevalência de tuberculose infecção e "booster" entre os estudantes de enfermagem;

- Descrever fatores preditivos da positividade do PPD em alunos de enfermagem, incluindo idade, sexo, local de estágio, estado de BCG, entre outros.

 

METODOLOGIA

Foi realizado estudo seccional, que, segundo ROUQUAYROL (1994, 169), "pretende dar idéia de um seccionamento transversal, um corte no fluxo histórico da doença, evidenciando as características apresentadas por ela naquele momento". Buscou-se então descrever a prevalência de PPD forte reator e os fatores associados entre os alunos matriculados no segundo semestre de 1997 do Curso de Enfermagem e Obstetrícia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

A população de estudo foi constituída pelos alunos ativos, matriculados no Curso de Enfermagem e Obstetrícia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no segundo semestre de 1997 e que desejaram participar da pesquisa.

Uma vez que a hipótese inicial do estudo era de que o risco de PPD forte reator seria maior entre os alunos que estivessem em PCIs mais adiantados, já que estes teriam maiores chances de contato com a doença durante as atividades específicas de enfermagem, o grupo estudado foi dividido em dois: 1) básico, constituído pelo total de estudantes que cursavam as disciplinas do ciclo básico e os três primeiros Programas Curriculares Interdepartamentais, ou seja, PCI I, PCI II e PCI III oferecidos nos três primeiros semestres da graduação e 2) específico, formado pelos alunos matriculados no ciclo profissional, cujas atividades são desenvolvidas em unidades básicas de saúde e unidades hospitalares e que cursavam os PCIs IV a XIII.

Critérios de inclusão:

- alunos ativos inscritos no curso de graduação em enfermagem no segundo semestre de 1997, que aceitaram submeter-se ao teste tuberculínico.

Critérios de exclusão:

- Alunos com matrícula trancada no momento da pesquisa, bem como aqueles que informaram já terem tido tuberculose.

Utilizou-se questionário autopreenchido, jáque os alunos apresentavam bom nível de escolaridade, sendo que o mesmo foi elaborado por equipe do CDC/EUA. O preenchimento do mesmo foi feito nas próprias salas de aula, sendo que os pesquisadores estiveram à disposição para esclarecer dúvidas durante as respostas.

Aos participantes foi garantida a participação voluntária, bem como a segurança do sigilo das informações, sendo que os mesmos foram submetidos ao teste tuberculínico somente após preenchimento do "Termo de Consentimento para Participar em Pesquisa Científica".

O questionário abrangeu informações sobre dados de identificação, socio-demográficos, história patológica pregressa de tuberculose, trabalho anterior ao ingresso na Universidade, doenças pulmonares anteriores, sinais e sintomas de tuberculose e vacinação anterior com BCG.

Foi realizada em cada participante, com ausência de história anterior de tuberculose, a aplicação de teste PPD-S, através de técnica de Mantoux, 0,1 ml de tuberculina na superfície volar do antebraço esquerdo, com leitura 48-72 horas após a aplicação. Considerou-se teste cutâneo PPD positivo a induração 3 a 10mm. Novo PPD foi aplicado uma semana após o primeiro teste para os alunos que tiveram reação menor do que 10mm, sendo que, se obtivessem induração 3 10mm e um incremento superior a 6mm de diâmetro em relação à leitura anterior ("booster" positivo), passaram a ser considerados fortes reatores (DOOLEY,1997). Todos os alunos classificados como fortes reatores foram encaminhados ao serviço de RX da Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, para investigação de possíveis lesões antecedentes ou atuais relacionadas à tuberculose. Em todos os alunos foi investigada a presença de cicatriz BCG-ID, em ambos os braços.

Como precaução, foi mantido um Kit de tratamento anafilático contendo epinefrina, para possíveis reações adversas à tuberculina.

A aplicação do questionário, técnica de aplicação do PPD, bem como a sua leitura, foram feitas pelos próprios autores desta pesquisa, após treinamento específico recebido por pesquisadores do CDC/EUA

Após a obtenção dos dados, estes foram digitados em computador e trabalhados através do software EPI-INFO, versão 6,0. Os mesmos foram submetidos a técnicas estatísticas exploratórias e apresentados em tabelas. Foram avaliadas associações estatísticas através de razões de chances, com intervalos de confiança de 95%. Diferenças entre proporções foram testadas através de teste qui-quadrado e diferenças entre médias através do teste t de Student e análise de variância.

 

RESULTADOS

O Curso de Enfermagem, durante o segundo semestre de 1997, contava com cerca de 600 alunos matriculados ativos, sendo que, dentre estes, 414 aceitaram participar da pesquisa e em 402 (97% dos participantes) alunos foi possível proceder a todas as etapas do estudo. Os resultados apontaram grupo jovem, média e mediana em tomo de 21 anos, e 90,3% dos alunos eram do sexo feminino

A tuberculose é uma doença presente entre os alunos de enfermagem da referida Escola, uma vez que 3 (0,7%) deles relataram já terem tido diagnóstico da doença.

Entre os alunos investigados, a leitura do teste revelou 19% de PPD positivo. Não foi observado, nos resultados, a existência de associação entre período da graduação e aumento do risco de PPD forte reator, uma vez que se encontrou alta prevalência de fortes reatores em quase todos os períodos da graduação, bem como não se observou um aumento linear, de acordo com o tempo decorrido de estágio e portanto maiores oportunidades de contágio durante a assistência de enfermagem a clientes portadores de tuberculose, conforme supúnhamos na hipótese inicial (Tabela 1).

 

 

Na Tabela 2, pode-se observar que a prevalência de PPD forte reator foi semelhante entre os alunos do básico e do específico (p=0,92).

 

 

Neste estudo, não foi possível identificar associação do resultado do teste tuberculínico e as variáveis: faixa etária, sexo, número de moradores no domicílio, trabalho anterior ou atual em hospital, tempo em que trabalhou e tabagismo, como descrito na Tabela 3. Por outro lado, a mesma tabela mostra que os alunos que apresentavam cicatriz BCG-ID tiveram cerca de 5 vezes maiores chances de serem fortes reatores (OR=5,61: IC95%: 1,62;23,34).

 

 

Os principais sintomas relacionados com a tuberculose foram investigados entre os estudantes, como mostra a Tabela 4. A Tabela 5 descreve a relação entre sintomas possivelmente relacionados à tuberculose entre as pessoas que moravam com os alunos entrevistados. Em ambas as tabelas, nota-se que não houve associação significativa destas variáveis com teste tuberculínico.

Tabela 4 - Distribuição dos alunos segundo os principais sintomas de tuberculose apresentados no últimos 6 meses e resultados do teste tuberculínico entre os 402 alunos investigados, EEAN/UFRJ, 2º semestre acadêmico de 1997.

 

 

Tabela 5 - Relato da história anterior de tuberculose apresentada por pessoas que moram com os entrevistados e resultados do teste tuberculínico entre os 402 alunos investigados, EEAN/UFRJ, segundo semestre acadêmico de 1997.

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Encontrou-se que, dentre os alunos investigados, 19,4% deles apresentaram teste PPD positivo. Este resultado aproxima-se com o da pesquisa realizada com alunos de enfermagem da Universidade Federal do Espírito Santo, em 1997, quando 20,3% dos 178 alunos investigados foram considerados com teste tuberculínico positivo (MACIEL, 1999, p.33).

Contudo, entre os alunos de graduação da EEAN/URFJ, não se detectou associação entre os resultados do referido teste com período de graduação cursado, bem como variáveis, tais como: faixa etária, sexo, número de habitantes no domicílio, tabagismo, período do curso de graduação, história de doença pulmonar; trabalho anterior ou atual em hospital e tempo de trabalho.

Em relação à variável BCG-ID, que foi a que apresentou forte associação nesta investigação, já que os alunos que apresentavam cicatriz vacinai tiveram mais freqüentemente forte reação ao PPD, este resultado vem a confirmar os estudos de que a vacinação em crianças e adolescentes com cepas atenuadas de Mycobacterium bovis é considerada como um dos fatores que influenciam na interpretação do teste tuberculínico (LIMA FILHO, 1992).

Vale ressaltar, ainda, que estudo semelhante ao dos alunos de enfermagem da EEAN foi realizado com alunos da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sendo que os dados apontaram incremento das taxas de prevalência de tuberculose infecção, de acordo com o tempo decorrido de curso, sendo 2,4% no início, 7,2% no sexto período e 32% no final do curso (SILVA & KRITSKI, 1997). Supõe-se contudo, que os alunos que ingressam no curso de medicina diferenciam-se, quando comparados aos alunos de enfermagem, no que diz respeito às condições socio-econômicas. Acreditamos que os alunos de enfermagem apresentem, freqüentemente, condições sociais menos favorecidas, apesar de estas considerações não terem sido objeto deste estudo. Isto pode explicar, pelo menos em parte, as discrepâncias encontradas na proporção de alunos que ingressam nas duas faculdades com teste tuberculínico positivo.

Concluímos que a taxa de tuberculose infecção foi elevada entre os alunos de graduação da EEAN desde o ingresso no curso, não sendo possível investigar através deste desenho de estudo, que relaciona fator e efeito num mesmo momento histórico, risco aumentado a partir do contato dos alunos com doentes de tuberculose durante a assistência de enfermagem nos campos de estágio.

Devido ao escasso número de estudos deste tipo entre alunos da área da saúde, bem como o desconhecimento da transmissão nosocomial da tuberculose entre eles (que pode ser realizada através de adequado monitoramento da viragem tuberculínica), e ao elevado risco de infecção anual por M. tuberculosis na comunidade em nosso meio (SILVA & KRITSKI, 1997, MUZY DE SOUZA e cols. 1997), consideramos necessário prosseguir esta pesquisa. Uma nova investigação já está sendo realizada através do acompanhamento dos alunos não-reato-res no momento do ingresso no curso, detectando viragem tuberculínica, após as experiências curriculares nos cenários de prática/ estágio durante o curso.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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2.BRASIL/Ministério da Saúde. Secretaria Nacional de Programas Especiais de Saúde. Divisão de Pneumologia Sanitária. Campanha Nacional Contra a Tuberculose . Controle da tuberculose: uma proposta de integração ensino-serviço. 3 ed. Rio de Janeiro, 1995. t .

3.BRASIL/Ministério da Saúde. Secretaria Estadual de Saúde do Estado do Rio de Janeiro. Relatório de Atividades do Programa Nacional Contra a Tuberculose. Riode Janeiro, 1992. .

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7.MACIEL, Ethel Leonor Noia. Infecção por Mycobacterium tuberculosis em estudantes de enfermagem: um estudo dé incidência através do Teste PPD. Dissertação (Mestrado em Enfermagem). Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1999.

8.MUZY, de SÒUZA e al. Controle de infecção hospitalar por tuberculose. Pulmão. Rio de Janeiro, v.6,n. 4, p.220-226,1997. '

9.NUNES, A., ROCHA, C. Funcionários têm o bacilo da tuberculose.O Globo. Rio de Janeiro, 02 set. 1994, Segundo Caderno, p. 13.

10.OLIVEIRA, J.R, Saúde, tuberculose e condições de trabalho: representações dos trabalhadores de enfermagem. Dissertação. (Mestrado) Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1996.

11.ROUQUAYROL, M.Z. Epidemiología & Saúde. 4. ed., Rio de Janeiro, MEDSI, 1993.

12.SILVA, Vânia, KRITSKI, A. Teste tuberculínico entre 342 alunos da Faculdade de Medicina da Universidade Federal dò Rio dé Janeiro, 1997. Mimeo.

13.WHO. Report on the TB Epidemic. TB. A Global Emergence. WHO/TB. 1994. P-177.

 

Agradecimentos:

- aos alunos que aceitaram contribuir com este estudo.

- Ao Dr. Afrânio Lineu Kritski - Unidade de Pesquisa em Tuberculose do HUCFF/UFRJ.

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