Volume 3, Número 3, Set/Dez - 1999
INTRODUÇÃO
Este artigo busca a reflexão sobre a adoção das categorias "sofrimento" e "prazer" no trabalho da enfermagem e justifica a pertinência de seu estudo pela abordagem das Representações Sociais (RS). A finalidade destas reflexões é a de ajudar futuros trabalhos que sejam desenvolvidos sobre esta temática.
Iniciei o meu curso de doutorado em março de 1995 e defendi a tese em julho de 1998. Considero, como principal atividade do doutorado, a elaboração da tese, que implica na escolha e no esclarecimento de dois aspectos básicos. O primeiro é ó referencial teórico adotado e o segundo a temática de enfermagem escolhida. O referencial teórico deve apresentar as balizas ou pressupostos teóricos a serem empregados, para estudar o objeto ou o fenômeno. Por exemplo, o estudo adotaria uma visão dialética, de que corrente? Adotaria um enfoque fenomenológico, mas em que abordagem?
O segundo aspecto relaciona-se à temática de enfermagem escolhida para o desenvolvimento do estudo. No caso de minha tese de doutorado, a escolha recaiu sobre as RS de enfermeiras assistenciais sobre o sofrimento e o prazer, em seu cotidiano de trabalho.
Os autores considerados, para compor tanto o referencial teórico quanto a temática específica, tiveram de apresentar afinidades conceituais, para que o desenvolvimento do estudo não implicasse na presença de contradições estabelecidas desde o início.
Nos últimos anos, notei um aumento do número de trabalhos que utilizam as RS tanto em dissertações de mestrado como em teses de doutorado. Elas têm sido utilizadas tanto como teoria que instrui o desenvolvimento desses trabalhos acadêmicos como metodologia que demarca a escolha dos instrumentos utilizados para desenvolvê-los.
A CONCEPÇÃO DE TRABALHO E A ENFERMEIRA
Antes porém de apresentar minhas posições sobre as questões das representações sobre o trabalho, considero como parte relevante deste artigo a abordagem das concepções sobre o trabalho da enfermeira. Muitos trabalhos abordam o trabalho considerando-o como um "processo de trabalho"1.
Nessa concepção, o trabalho é um processo no qual os seres humanos atuam sobre as forças da natureza submetendo-as ao seu controle e transformando os recursos naturais em formas úteis à sua vida. Ao modificar a natureza, o trabalhador coloca em ação suas energias físico-musculares e mentais. No processo de intercâmbio com as forças naturais, ele transforma a si mesmo ao imprimir, no material sobre o qual opera, um projeto que já houvera idealizado anteriormente, atribuindo um significado ao seu próprio trabalho (LIEDKE, 1997).
Entretanto, são raras as pesquisas que contextualizam a prática da enfermagem dentro do mundo do trabalho e, mais ainda, a prática da enfermeira e seu mundo do trabalho. Entre outras possibilidades de contextualização destacam-se: o sentido do trabalho, a motivação para ele, a segurança derivada dele, a satisfação e a insatisfação obtidas através dele. Outros aspectos relativos a essa contextualização referem-se à maneira como o trabalho de enfermagem foi organizado ou desorganizado e evoluiu até a atualidade e como agora ele se apresenta em novas formas de trabalho, na sua ausência - desemprego e na presença de emprego.
Muitos estudiosos começam seus artigos apresentando recortes de passagens bíblicas, quando o homem, ao ser expulso do paraíso, precisou suar para ganhar o pão de cada dia, o que traz uma impregnação e uma herança de sofrimento ao trabalho. Dando um enorme salto histórico, outro ponto de referência importante sobre o trabalho situa-se na revolução industrial, no século XIX. Nesse período, iniciou-se o controle social através da medicalização, com o surgimento de políticas higienistas, e o estabelecimento de uma separação radical entre o trabalho remunerado e o trabalho doméstico.
Frente a estas reflexões surgiram algumas questões: como fica caracterizado o trabalho da Enfermagem? A Enfermagem Moderna, que se iniciou com Florence Nightingale e foi transferida para o Brasil por iniciativa conjunta com os EEUU, apresentava uma formação impregnada pela ideologia americana.E a implantação das Santas Casas, antes disso? Como essas duas heranças históricas da Enfermagem brasileira influenciaram e influenciam a nossa prática?
Com relação ao trabalho, também surgiu uma questão associada à enfermagem: como o mundo do trabalho em geral (leis trabalistas, organização do trabalho, qualidade total, gerência) articula-se à enfermagem e à realidade vigente? Não se pode, a um só tempo, responder a todas a essas questões. Mas, tentarei esclarecer algumas neste artigo de cunho reflexivo.
A ESCOLHA DAS RS COMO ABORDAGEM POSSÍVEL PARA UMA PESQUISA SOBRE O TRABALHO DA ENFERMEIRA
O que busco esclarecer agora é o que aconteceu comigo, durante o percurso do curso de doutorado: de como pude escolher a temática sobre o mundo do trabalho da enfermeira e estudá-la através das RS. Fui uma das muitas interessadas que se convenceu da potencialidade teórica e instrumental das RS. Sem dúvida, essa não foi uma escolha fácil, pois a questão era profunda. Optar pela utilização das representações sociais acarretou, com certeza, na revisão de três grandes questões pessoais:
- A primeira disse respeito às implicações da escolha e da utilização das RS pela e para a própria pesquisadora;
- A segunda referiu-se à necessidade de maior conhecimento sobre a teoria, para haver a sedimentação da informação;
- A terceira vinculou-se à operacionalização da teoria em uma investigação.
Essas três questões serão agora apresentadas e discutidas com o objetivo de esclarecer o caminho que percorri e, quem sabe com isso, ajudar as enfermeiras na escolha do referencial teórico-metodológico para suas teses ou dissertações, a partir de minha experiência prática.
AS IMPLICAÇÕES DA PESQUISADORA E AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
O primeiro tópico que quero abordar é o das implicações para a própria pesquisadora na escolha desse referencial para sua aplicação na tese de doutorado. Para esclarecer melhor o leitor, o objeto da tese do meu doutorado tratou das representações sociais sobre o sofrimento e o prazer da enfermeira assistencial no seu cotidiano de trabalho.
Considerei adequada a escolha das RS como seu referencial, uma vez que são sempre representações de alguém e sempre sobre alguma coisa (informações, imagens opiniões, teorias, idéias, atitudes, acontecimentos). Ou seja, a representação é determinada tanto pelo sujeito - sua história, seu passado -como pelo sistema social e ideológico no qual ele se insere e mantém vínculos (MOSCOVICI, 1961; JODELET, 1989).
Esse alguém que representou foram as enfermeiras assistenciais, no caso da tese realizada. Em outros estudos poderiam ser outros sujeitos - indivíduo, pessoa, família, grupo. Eles estão inseridos numa sociedade, com sua economia e cultura.
As enfermeiras representaram sobre seu sofrimento e seu prazer advindos do trabalho cotidiano. Esse objeto de estudo estava inscrito em um contexto dinâmico que foi o contexto do trabalho hospitalar. A representação dessas enfermeiras sobre o objeto foi, na verdade, a (re)apresentação diferente do mesmo.
As RS são uma modalidade de conhecimento particular que têm por função a produção de comportamentos (e não a reprodução) e a comunicação entre indivíduos. De acordo com Moscovici (1961), as representações não consistem apenas em selecionar/completar um ser objetivamente determinado, com um suplemento de alma subjetiva. E um pouco mais que isso. Significa edificar uma doutrina que facilite a tarefa de decifrar, predizer ou antecipar os seus atos.
Escolhi as RS como a abordagem metodológica da tese. Existem controvérsias a respeito desse tipo de escolha: podem as RS serem utilizadas como uma teoria ou apenas como um suporte metodológico? No desenvolvimento da tese, parti do princípio de que a base teórica do estudo estava na posição dos autores escolhidos para dar sustentação aos conceitos de trabalho, sofrimento, prazer e cotidiano.
Reflito sempre acerca das implicações da escolha desse objeto de estudo a partir de mim. Eu precisava rever minha própria posição sobre o sofrimento e o prazer no trabalho cotidiano da enfermeira e precisava esclarecer como eu os identificava, como os vivia. Principalmente, precisava saber o que havia de comum entre o que eu percebia e o que as minhas colegas percebiam sobre a temática. Além disso, precisava explorar como, numa comunicação corriqueira, eu e elas definíamos o sofrimento e o prazer. Como éramos influenciadas por essa sociedade moderna, polirreligiosa, pluripartidária, mediática, cheia de mitos, neoliberal e globalizante.
A resposta encontrada não foi a realidade em si mesma, o mundo exterior. Foi a tradução que fiz, uma (re)apresentação da realidade. Como as RS poderiam contribuir nesse caso? Acredito, em concordâcia com Moscovici (1986. In: MADEIRA, 1991), que "as nossas representações comuns parecem, assim, determinar a natureza de nossos comportamentos e de nossas informações".
O CONHECIMENTO SOBRE AS RS E O SEDIMENTAÇÃO DA INFORMAÇÃO
Com relação ao segundo tópico proposto, o conhecimento da teoria das RS e a sedimentação dessa informação muito me ajudaram as leituras e a realização de uma disciplina eletiva durante o curso, para aprofundar o conhecimento que detinha sobre as RS.
Foi na década de 60 que o termo representações começou a ser reutilizado, após a publicação do trabalho de Moscovici (1961) sobre as RS da Psicanálise. A origem dessa retomada ocorreu no âmbito da Psicologia Social, a partir do conceito de representação coletiva de Durkheim. Também, os estudos de Piaget relacionados à criança e os de Freud relacionados à teoria sexual muito influiram e até hoje esclarecem aspectos das RS (ARRUDA, 1992).
A representação coletiva tem uma conotação diferente da conotação das RS, uma vez que o termo coletivo tem a força coercitiva sobre os indivíduos e o termo representação guarda em si o valor individual de cada um, mesmo sem se saber como essa marca foi concebida ou modelada (crenças, tradições e comportamentos compartilhados por todos).
Apesar de o estudo de Moscovici ter tido uma certa repercussão àquela época, o conceito ficou latente por quase vinte anos. Cabe ressaltar que, na década de 60, o behaviorismo era a abordagem mais utilizada, com seus estudos sobre atitudes e opinião. Somente nos anos oitenta ressurgiram os estudos de outros autores na linha das RS.
O conceito de RS não é fácil de se apreender, uma vez que nele existe uma posição mista, decorrente de uma encruzilhada entre uma série de conceitos sociológicos e uma série de conceitos psicológicos. Entretanto, esse conceito difere das noções e dos fenômenos que lhe correspondem.
As RS encontram-se na fronteira entre o psicológico e o social. Como diz Jodelet (1984. In: ARRUDA, 1992), a interface do psicológico com o social refere-se à forma como nós, sujeitos sociais, apreendemos: os fatos da vida corrente, os dados, as informações do meio, as pessoas que nos cercam de perto ou de longe; o conhecimento do senso comum ou o pensamento natural (em oposição ao pensamento científico), o conhecimento socialmente elaborado e partilhado e o conhecimento prático que concorre para a construção social da nossa realidade.
Essa interface entre o psicológico e o social dá o tom de polêmica, na Psicologia Social. A Psicologia, por um lado abrange as questões referentes a percepção, pensamento, raciocínio e aprendizagem como tópicos separados da cultura. Por outro lado, os teóricos das RS enfatizam a vinculação estreita entre a Psicologia Social e a Antropologia, a História e a Psicologia do Desenvolvimento. Eles acreditam que não deve haver dissociação entre o que é mental e o que é social. Os teóricos postulam que esse processo não pode operar no indefinido, no vago. Pensam que ele está vinculado à historia do sujeito.
O adjetivo sociais adiciona diversos significados ao substantivo representações. Ele fomece toda uma dimensão de grupos sociais (por ex.: as enfermeiras assistenciais) e significa que as representações são produzidas coletivamente - um diálogo entre indivíduos e grupos. Entretanto, não é o bastante qualificar que uma representação é social pela definição do agente que a está produzindo. O que justamente a distingue de outros sistemas, que são igualmente coletivos, não é só saber quem produz a representação, mas sim como ele a produziu.
De acordo com Moscovici (1961), as RS contribuem para os processos de formação de condutas e de orientações das comunicações sociais. E para estabelecer o equilíbrio, o indivíduo define-se como um "eu generalizado". Logo, ele age como um porta-voz de um grupo, de sua classe (a classe das enfermeiras), e não como uma pessoa particular. As RS orientam-nos mais na direção das condutas imaginárias e simbólicas da existência ordinária das coletividades.
Os trabalhos de Jodelet (1989) muito contribuiram para o desenvolvimento da teoria das RS. Ela apresentou conceitos importantes para o desenvolvimento da teoria. Para ela as RS:
"são imagens que condensam um conjunto de significações, ... são sistemas de referência que nos permitem dar um sentido inesperado ao que nos acontece, de fato,... são categorias que servem para classificar as circunstâncias, os fenômenos, os indivíduos com os quais nós temos contato".
Complementando sua posição, Jodelet (1989) refere que as RS são:"uma maneira de interpretar e de pensar a nossa realidade cotidiana, uma forma de conhecimento social. E, correlativamente a atividade mental desenvolvida pelos indivíduos e grupos para fixar sua posição com relação a situações, eventos, objetos e comunicações que lhes concernem".
Madeira (1991), contribuindo para a conceituação das RS, destaca que:
"as representações são fenômenos complexos que extrapolam categorias puramente lógicas e invariantes. Organizam-se como um saber acerca do real que se estrutura nas relações do homem e com este mesmo real".
Para essa autora, as RS apresentam cinco características fundamentais, que diferem do fato de representar:
- As RS são sempre representações sobre um objeto;
- as RS têm um caráter imaginante e a propriedade de tomar intercambiáveis o sensível e a idéia, o percepto e o conceito;
- as RS têm um caráter simbólico e significante;
- as RS têm um caráter construtivo;
- as RS têm um caráter autônomo e criativo.
Existem dois processos de formação ou gênese das RS. São processos nos quais o social transforma um conhecimento em representação e a representação transforma o social. Eles são a objetivação e a ancoragem.
A objetivação duplica um sentido por uma figura, dá materialidade a um objeto abstrato, naturaliza-o, objetiva-o. E uma operação imaginante e estruturante, pela qual se dá uma forma ou uma figura específica ao conhecimento acerca do objeto, tomando concreto, quase tangível, o conceito abstrato -materializa a palavra. Objetivar é descobrir a qualidade icônica de uma idéia ou ser impreciso, reproduzir um conceito em uma imagem. Na tese desenvolvida durante o curso, a objetivação ocorreu quando as enfermeiras explicitaram, nas entrevistas, o que pensavam e sentiam sobre sofrimento e prazer no seu trabalho cotidiano.
Jodelet (1989) descreve três fases no processo de objetivação: (a) seleção e descontextualização de elementos da teoria, em função de critérios culturais normativos; (b) formação de um núcleo figurativo, a partir dos elementos selecionados, como uma estrutura imaginante que reproduz a estrutura conceituai; (c) naturalização dos elementos do núcleo figurativo pela qual, finalmente, as figuras - elementos do pensamento tomam-se elementos da realidade referentes ao conceito.
O outro processo formador das RS é a ancoragem, que tem por função duplicar uma figura por um sentido, fornecer um contexto inteligível ao objeto, interpretá-lo. Segundo Moscovici (1961), ancorar é classificar, é denominar. É a integração cognitiva do objeto representado a um sistema de pensamento social preexistente e nas transformações implicadas. A função da ancoragem consiste em integrar a informação sobre o objeto, dentro do nosso sistema de pensamento, tal e como já está constituido (GRACIA, 1986). Na minha tese de doutorado, esse mecanismo de gênese significou a ligação do sofrimento e do prazer das enfermeiras àquele sistema de pensamento social e profissional que já existia sobre o seu trabalho.
Um dos pontos centrais e atuais da discussão sobre as RS é seu núcleo central (SA, 1996). Esse núcleo é que determina sua significação e sua organização. É preciso entender a dinâmica do núcleo central das RS, sua complexidade e amplitude. Com relação a isto, Madeira (1991) dizque:
"Quanto mais significativo for o objeto representado para aquele que o representa, mais profundamente esse eu estará envolvido na representação e, de forma mais radical, o núcleo central desta articular-se-á com a sua identidade" .
A OPERACIONALIZAÇÃO DE UMA PESQUISA SOBRE RS DO TRABALHO DA ENFERMEIRA: SOFRIMENTO E PRAZER
O terceiro ponto diz respeito à operacionalização da teoria das RS em investigações. Considerando o objeto de estudo da minha tese de doutorado, as RS funcionaram como um marco metodológico, um instrumental de trabalho. Considerei fundamental saber como as próprias enfermeiras pensavam e sentiam sobre seu sofrimento e seu prazer no trabalho assistencial que realizavam junto aos clientes internados. Todo o meu trabalho teve seu ponto de partida e de chegada no seu conhecimento, ou seja, no seu senso comum sobre o prazer e o sofrimento.
Acredito que, trabalhando no mundo real da enfermeira, o trabalho real (nada experimental ou abstrato), pude encontrar uma forma de conhecimento prático, o saber do senso comum socialmente constituído, para dar sentido ao seu cotidiano. O corpo de conhecimento da enfermagem é discutido muito ainda hoje. Interrogamo-nos sobre o que é nosso e sobre o que ainda emprestamos de outras ciências, para dar luz aos nossos estudos.
Mas, concordo com spink (1989), que classifica os estudos da área da saúde que se utilizam da teoria das RS e aponta a sua fertilidade no campo de estudos sobre o processo saúde - doença. Ela diz que as RS são férteis, digo inclusive, para estudar questões profissionais:
"porque permitem explorar a interface entre o senso comum e o pensamento científico, seja este concebido como corpo de conhecimentos ou como relações sociais com um grupo definido corporativamente como detentor do saber".
A coleta de dados de RS pode ser realizada de diversas maneiras. Outras colegas, em suas investigações sobre as RS, têm utilizado técnicas de criatividade e sensibilidade desenvolvidas através de modelagem, desenhos e colagens de gravuras. Optei pela entrevista semi-estruturada e a observação livre. Ao fazer as entrevistas, o que perceb era que a escuta do pesquisador tinha de estar de acordo com os dados que iam ser colhidos. O que eu queria saber? Como as enfermeiras identificavam o que era prazer e o que era sofrimento, no seu cotidiano de trabalho? Que palavras utilizavam para denominá-los? Quais foram as figuras de linguagem que elas adotavam? Quais foram as situações identificadas por elas? Como elas reproduziam o real, no plano subjetivo?
Muito menos em decorrência dos motivos pelos quais sofriam ou tinham prazer, o que me interessou foi como as enfermeiras viam e viviam as situações e qual a relação entre suas histórias de trabalho.
Concordo com Malinowski (1978), quando ele diz que:
"é importante que pela observação se veja os fatos (os costumes, os diálogos, a rotina de tabalho) inúmeras vezes; obtendo-se exemplos das situações vividas cotidianamente ... ".
Então, a carne e o sangue da vida preenchem o esqueleto da busca, sejam eles originais, singulares ou sensacionais. Esse foi o levantamento geral de todos os dados ou fenômenos concretos sobre todos os fatos observados, pelos quais pude começar a fazer a análise e as inferências.
Esses "imponderáveis da vida real" são parte integrante da vida grupai (MALINOWSKI, 1978). Através da observação, participei da intimidade da vida cotidiana do trabalho das enfermeiras. Nessa situação, foi importante documentar não somente o acontecimento mas, principalmente, os detalhes e o tom do comportamento.
Com relação à análise dos dados da tese, ela se deu através da análise de conteúdo. Este foi um passo muito importante, assim como foi o da coleta de dados. Utilizei a análise de conteúdo preconizada por Bardin (1977), que muito auxiliou no desenvolvimento da fase de análise e interpretação dos resultados do estudo.
Quis trazer à discussão os aspectos que definiam o status próprio do senso comum, a partir da leitura sobre as RS. Cabe ressaltar que o estudo foi realizado considerando uma das tendências em crescimento no movimento das RS, na qual existem questionamentos fortes, principalmente quanto à generalidade do conceito e o sentido do social nas RS. Logo, as RS não se constituem em uma teoria que está completa, mas sim uma teoria que está em processo de construção.
Cabe destacar, ainda, um aspecto de fundamental importância. Existe o uso da mesma terminologia "representações sociais" em outras posições teóricas, que são muito diversas e que comportam até categorias de análise antagônicas às RS, sobre as quais estou escrevendo.
Concluindo a partir de tudo o que foi partilhado neste artigo, acredito que a teoria das RS oferece uma maneira produtiva de estudar as questões do "sofrimento" e do "prazer", partes intrísecas do trabalho das enfermeiras.
BIBLIOGRAFÍA
1.ARRUDA, A. Representações sociais: emergência e conflito na Psicologia Social.Texto baseado em conferência realizada em 26/05/92. Org. LaSP.
2.BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70,1977.
3.GRACIA, I.T. Estructura y mecanismos internos de las representaciones sociales. In: Ideologia de la vida cotidiana. Barcelona: Sendeli, 1986.
4.GUARESCHI, P., JOVCHELOVITCH, S (orgs.) Textos em representações sociais. Petrópolis: Vozes, 1995.
5.JODELET, D. Representaciones sociales: phenomenes, concepts e theorie. In: Representaciones sociales. Paris: Presses Universitaires de France, 1989 (traduzido e mimiografado).
6.LIEDKE, E.R. Processo de trabalho. In: Trabalho e tecnologia: Dicionário Crítico. Petrópolis: Vozes, 1997.
7.MADEIRA, M. C. Representações sociais: pressupostos e implicações. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília, v. 72. n. 171,mai./ago. 1991.
8.MOSCOVICI, S. A psicanálise, sua imagem e seu público. 1961.
9.SA, C. P. de Núcleo Central das Representações Sociais. Petrópolis: Vozes, 1996.
10.SALLES, L. M. F. Representação Social e Cotidiano. Didática. São Paulo, v. 26, n. 27,1991.
11.SATO, L. O Conhecimento do trabalhador e a teoria das representações sociais. In: CODO, W., SAMPAIO, J. J. C. (orgs.). Sofrimento psíquico nas organizações: saúde mental e trabalho. Petrópolis: Vozes, 1995.
12.SPINK, M. J. (Org.). O conhecimento no cotidiano: as representações sociais na perspectiva da Psicologia Social. São Paulo: Brasiliense, 1993.
1. Processo de trabalho foi uma expressão desenvolvida por Marx, em O Capital.