ISSN (on-line): 2177-9465
ISSN (impressa): 1414-8145
Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
COPE
ABEC
BVS
CNPQ
FAPERJ
SCIELO
REDALYC
MCTI
Ministério da Educação
CAPES

Volume 3, Número 3, Set/Dez - 1999

"Mas em todas estas coisas, somos mais que vencedores àquele que nos amou". E o que nos diz São Paulo, em célebre epístola, enquanto nos adverte "a confiar em Deus por algo que ainda não aconteceu, e confiar para conseguir algo que ainda não temos". O apóstolo nos diz, também, que "é o Espírito Santo que fala no íntimo de nossos corações e nos ensina a esperar com paciência e certeza" (Epístola aos Romanos: 8-16; 24 e 25;37). No que me concerne o dom e a faculdade de apreciar com justiça as coisas que nos acontecem, nada melhor do que as exortações do apóstolo dos gentios para expressar o que devemos sentir em ocasiões como esta.

Hoje é 12 de Maio - Dia Internacional da Enfermeira, do Enfermeiro, dos Enfermeiros. Data do nascimento de Florence Nightingale, a insigne fundadora da Enfermagem Moderna. Dia que demarca o início das comemorações da Semana da Enfermagem. Aqui, nesta Escola, além de notável, a data tem um sentido histórico marcante. O primeiro evento comemorativo, no Brasil, com a designação de 1ª Semana de Enfermagem, realizou-se no âmbito desta Escola, através de um programa social e científico, na Semana de 12 a 20 de Maio de 1940; uma promoção e conquista pessoal da então Diretora Laís Netto dos Reys (Escola Anna Nery - 1ª Semana da Enfermeira, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional/Brasil, 1946). Atualmente, o evento é uma promoção da Associação Brasileira de Enfermagem, e é amplamente cultivado por todo o pessoal da enfermagem brasileira.

Nesta oportunidade, eu quero destacar a importância desta data em duas outras ocasiões significativas da vida desta Escola. A primeira vez, quando concluímos a elaboração das diretrizes filosóficas que norteiam o atual Currículo de Graduação -12 de Maio de 1977. Naquela 38ª Semana de Enfermagem, realizamos a III Oficina de Trabalho do "Projeto Novas Metodologias", cujo objetivo maior era o de discutir os documentos básicos que serviriam ao desenho e à estruturação do currículo. Aquela foi, de fato, uma oficina de trabalho memorável, não só porque integramos, com as atividades da mesma, a programação cultural e científica do evento associativo, mas pelos subsídios obtidos; e muito mais, ainda, pelos resultados subseqüentes, em que pese todo o esforço coletivo para avançarmos pelos caminhos da mudança curricular. E conseguimos, com o atual Currículo de Graduação, dar uma demonstração de qualidade pedagógica de importância indiscutível.

A segunda ocasião é esta agora, quando nos reunimos aqui para dar início, de modo concreto, à Fase de Implantação do Doutorado em Enfermagem, tão esperado, tão desejado por todos. Ouso interpretar, neste momento, o que alguns de nós sentem e afirmam que, se não fosse pelo Projeto Novas Metodologias, poderiamos estar agora, talvez, não iniciando esta fase de implantação, mas avaliando o que teríamos já realizado em um Curso de Doutorado desta Escola. Eu, porém, pessoalmente, acredito que "todas as coisas têm seu tempo, e todas elas passam debaixo do céu segundo o termo que a cada uma foi prescrito. Há tempo de nascer, e tempo de morrer. Há tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou" (Eclesiastes: 3-1 e 2). Além de um salto de qualidade, nós nos enriquecemos com as novas experiências curriculares do ensino na Graduação. Agora, certamente, estamos mais intelectualmente maduros para enfrentarmos os desafios de realizar uma nova experiência programática, qual seja esta de Pós-Graduação em nível de Doutorado. Mas, sem dúvida alguma, estamos também mais maduros, intelectualmente, porque já sabemos acerca dos meandros de um Programa de Pós-Graduação em nível de Mestrado. Eu creio firmemente que agora, mais do que antes, temos tudo para acertar, porque temos principalmente a vontade deliberada, consciente, de que vamos realizar o que queremos e de que vamos acertar.

Neste ponto, e porque eu entendo como da máxima relevância a vontade deliberada de que vamos realizar o que queremos e de que vamos acertar, desejo fazer ainda duas considerações. Uma, mais relacionada com a faculdade e a competência daqueles que se colocam na posição de conducentes do processo, tão preocupados com o balizamento legal, normativo, e também econômico, de toda a programação. A outra, mais relacionada com a faculdade e a competência dos que estão se candidatando ao Doutorado. As duas considerações não são excludentes por si mesmas; não têm um caráter distintivo em absoluto. Complementam-se, na verdade, e têm tudo a ver com a capacidade impar daqueles que empreendem, com audácia, a aventura de antecipar as coisas na dimensão do futuro.

Louvo-me na visão de Arthur C. Clarke, para a primeira consideração. Renomado escritor de ficção científica (Cf. Perfil do Futuro, Petrópolis RJ: Vozes, 1970), alerta-nos para a importância dos cientistas como profetas. "Com poucas exceções - diz ele - os cientistas não parecem valer muito como profetas; isto é surpreendente, pois a imaginação é um dos primeiros requisitos de um bom cientista. O grande problema ao que parece é encontrar uma pessoa que combine, em si, um sólido conhecimento científico - ou pelo menos o sentido da ciência - com uma imaginação realmente flexível".

Nas palavras deste escritor, os cientistas em geral preocupam-se demasiado com as limitações de seus projetos, sem considerar "os limites dentro dos quais devem situar-se os possíveis futuros". A profecia é a qualidade que permite lidar com o futuro, a que permite "escolher entre muitos superlativos em competição uns com os outros"; e ainda levar o cientista a considerar mais as possibilidades do que as limitações. E preciso não descurar a possibilidade de que, no futuro, "a política e a economia talvez não sejam tão importantes como o foram no passado". Enquanto nos preocupamos com limitações presentes, com normas e com escalas de tempo, outros se preocupam com metas, avançam em seus projetos, e podem ultrapassar-nos na antecipação do futuro. E preciso não esquecer que "a ciência dominará o futuro mais do que já domina o presente". Mas a profecia é uma qualidade que envolve sérios riscos. Na opinião de Clarke, os mais comuns são: o malogro por falta de ousadia e o malogro por falta de imaginação. (Tratemos de esclarecer os dois).

"A falta de ousadia é mais comum; ocorre quando, mesmo dado todos os fatos relevantes, o pretenso profeta não consegue ver que apontam para uma conclusão inevitável. Alguns cometem a tolice de declarar, publicamente, que tal projeto é impossível. No presente ritmo de progresso é impossível imaginar qualquer façanha técnica que não possa ser realizada, se é que pode ser realizada nos próximos quinhentos anos". O interesse do cientista deve concentrar-se, portanto, no que e não no quando.

A segunda espécie de insucesso é menos digna de censura. Surge quando todos os fatos disponíveis são apreciados e ordenados corretamente, mas como os fatos realmente vitais ainda não estão descobertos, a possibilidade de sua existência não é admitida. O escritor resume e corporifica suas alegações na seguinte proposição:

• "Quando um cientista ilustre declara que alguma coisa é possível, quase certamente tem razão. Quando declara que alguma coisa é impossível, muito provavelmente está errado".

Ele admite, ainda, com sabedoria: "como imaginação demais é menos freqüente do que imaginação de menos, é melhor ser considerado culpado por falta de imaginação, e não por falta de ousadia".

A segunda consideração a ser feita, retirei-a da Bíblia de Jerusalém. O grande retórico é, novamente, São Paulo (Primeira Epístola aos Corintios: 12-4 a 11,e31; 13-4 e 8; 14-1 a 6,e 20) quando nos fala sobre os dons do Espírito ou "carismas". As proposições do apóstolo são as seguintes:

• "Há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo; diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo; diversos modos de ação, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos. Cada um recebe o dom de manifestar o Espírito para a utilidade de todos. A um, o Espírito dá a mensagem da sabedoria; a outro a palavra da ciência segundo o mesmo Espírito; a outro, o mesmo Espírito dá a fé; a outro, ainda, o único e mesmo Espírito concede o dom das curas; a outro, o poder de fazer milagres; a outro, Ele dá a profecia; a outro, o discernimento dos espíritos; a outro, o dom de falar em línguas; a outro, ainda, o dom de as interpretar. Mas, isso tudo, é o único e mesmo Espírito que o realiza, distribuindo a cada um os seus dons conforme lhe apraz".

"Aspirar aos dons mais altos", diz o Santo Apóstolo, e nos ensina o caminho da caridade que ultrapassa a todos os demais caminhos. Textualmente, recomenda-nos: - "Procurai a caridade. Entretanto, aspirai aos dons do Espírito, principalmente a profecia. Pois aquele que tem o dom das línguas, não fala aos homens mas a Deus. Ninguém o entende, pois o seu espírito enuncia coisas misteriosas. Mas aquele qúe profetiza, fala aos homens: - edifica, exorta, aconselha, consola. Aquele que fala em línguas, edifica a si mesmo, ao passo que aquele que profetiza, edifica a assembléia. Desejo que faleis em línguas, mas prefiro que profetizeis. Aquele que profetiza é maior do que aquele que fala em línguas, a menos que este as interprete, para que a assembléia seja edificada". Por último, o grande apóstolo exorta-nos:

• "Irmãos, quanto ao modo de julgar, não sejais como crianças; quanto à malícia, sim, sede crianças. Mas, quanto ao modo de julgar, sede adultos".

De modo algum devemos, pois, esquecer de que é preciso, em tudo, empreender o caminho da caridade. Não só na celebração dos grandes eventos, ou na realização de coisas importantes, a caridade é necessária. Mas, principalmente, quando empreendemos a busca da sabedoria e do modo de julgar, com maturidade, as coisas que nos interessam ou que nos dizem respeito. Caso contrário, poderemos aprender a dominar as línguas e os nossos ministérios profissionais, mas sem a caridade jamais profetizaremos; edificaremos, talvez, a nós mesmos, mas jamais edificaremos a assembléia. Não podemos esquecer - como nos diz São Paulo - com a maior sensibilidade:

"A caridade é paciente, a caridade é prestativa,

não é invejosa, não se ostenta, não se incha de orgulho.

Nada faz de inconveniente, não procura o seu próprio interesse,

não se irrita, não guarda rancor.

Não se alegra com a injustiça, mas se regozija com a verdade.

Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.

A caridade jamais passará".

Pessoalmente, eu acredito e espero que todos aqueles que venham a relacionar-se, mais objetivamente, com o Doutorado em Enfermagem desta Escola possam de fato não só enriquecer-se mas enriquecer-nos a todos com suas novas experiências. Que possam, com suas novas conquistas no campo da ciência, alcançar o dom da sabedoria e, principalmente, que possam fazer profecias acerca da enfermagem e para o futuro da enfermagem. Que possam contribuir, de modo particular, para refinar o pensamento e o armamentário metodológico capaz de ajudar a impulsionar o progresso da profissão e os avanços desta Escola como instituição acadêmica e social.

No que me concerne à posição de Diretora desta amada Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN/UFRJ), cumpre-me agradecer a todos os que tomaram possível chegarmos hoje, 12 de Maio de 1989, a esta Fase de Implantação do Doutorado em Enfermagem. Uma menção especial às Professoras Titulares (e Docentes Livres) que tiveram a maior boa vontade do mundo em aceitar a missão de desencadear o processo e, particularmente, à Professora Elvira De Felice Souza, agradeço por ter generosamente aceito o desafio de coordenar os trabalhos desta fase inicial.

Acima de tudo, que "todas as graças sejam dadas a Deus, que por Cristo nos carrega sempre em seu triunfo e, por nós, expande em toda parte o perfume de seu conhecimento"(São Paulo - Segunda Epístola aos Coríntios: 2-14).

 

1. Sessão Solene de Inauguração da Fase de Implantação do Curso de Doutorado da EEAN/ UFRJ e Abertura da Semana Brasileira de Enfermagem - Sala 01 do Pavilhão de Aulas da EEAN/UFRJ, 12/05/89.

© Copyright 2024 - Escola Anna Nery Revista de Enfermagem - Todos os Direitos Reservados
GN1