ISSN (on-line): 2177-9465
ISSN (impressa): 1414-8145
Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
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Ministério da Educação
CAPES

Volume 2, Número 3, Set/Dez - 1998

INTRODUÇÃO

A temática deste trabalho está relacionada com o movimento sindical brasileiro, tendo por objeto de estudo as diretrizes políticas que orientaram as ações dos membros da primeira diretoria do Sindicato dos Enfermeiros do Rio de Janeiro (SERJ), no período 1978-1981.

Ao recorte temporal corresponde o período de reorganização e início da expansão do sindicalismo como força política inserida na conjuntura de "abertura" do regime militar, implantado no Brasil em 1964.

Para a realização da presente pesquisa, estabelecemos os seguintes objetivos: analisar a trajetória do movimento sindical dos enfermeiros do Rio de Janeiro, no bojo do movimento sindical brasileiro, e discutir a atuação da primeira diretoria do SERJ no cenário político sindical.

Os sujeitos do estudo são as enfermeiras que integraram a primeira diretoria do SERJ e as fontes primárias de dados são : documentos pertencentes aos arquivos do SERJ e depoimentos dos sujeitos do estudo, os quais foram tomados na perspectiva da História Oral.

Quando refletimos sobre o movimento sindical das enfermeiras, é preciso lembrar que, por um lado, ele foi orientado pela ideologia do próprio movimento sindical como um todo, o que se refletiu na atuação de suas dirigentes, e, por outro lado, sofreu a influência da ideologia da profissão, que por sua vez é influenciada pela ideologia dominante na sociedade. O nascente movimento sindical das enfermeiras entrou no cenário político sindical carregado da cultura do sindicalismo oficial que lhe deu origem.

As enfermeiras, de um modo geral, estavam habituadas com as estratégias tradicionais de luta da ABEn, como busca ativa de oportunidades de colocar seus pleitos junto aos poderes executivo e legislativo, principalmente através de suas comissões de educação e legislação. A categoria via o sindicato como órgão legal de defesa da classe, encarregado de intermediar as reivindicações trabalhistas junto às autoridades, mas, ao mesmo tempo, representava o sindicato como algo duvidoso e suspeito, associando sua imagem a grupos com intenções de desestabilização da ordem e tendência ao confronto e à confusão (Comino; 1993; 100).

O presente estudo, de cunho histórico social, caracteriza-se por uma abordagem crítico-dialética que "é o método do desenvolvimento e da explicação dos fenômenos culturais partindo da atividade prática objetiva do homem histórico." (Kosik; 1995; 39). A aproximação da totalidade do processo de atuação da primeira diretoria parte das representações sociais das dirigentes sindicais sobre o sindicalismo, através da atuação concreta do sindicato, tendo como pressuposto que o sindicato, como entidade de classe, além de lutar para atender aos interesses econômicos da categoria, inclui, em seu programa de ação, uma proposta política para a sociedade. Estas representações são consideradas como um dado do real em direção da compreensão da estrutura da sociedade, no que se refere ao modo como o sindicato é concebido pelas dirigentes sindicais (Minayo; 1994; 193-196).

Para analisar os achados desta pesquisa, selecionamos a categoria Sindicato pois a mesma tem sido objeto de estudo de cientistas políticos, como Ricardo Antunes, Armando Boito Jr., dentre outros, os quais vêm contribuindo para a discussão do movimento sindical ao longo dos anos, em diversas conjunturas sócio-políticas.

Antunes (1990) estudou a questão da consciência de classe do operariado brasileiro enfocando a atuação concreta da classe, sua resistência sindical ao controle estatal e sua disposição grevista no período varguista de 30-35. Suas formulações são baseadas na dialética marxista, trazendo a contribuição de teóricos como Lukács, Gramsci e outros. Ao longo de seu trabalho, analisa o movimento operário em sua relação com o Estado, focalizando os primeiros anos da década de 30, quando o governo Vargas contribuiu para conformação de uma estrutura sindical controlada pelo Estado.

Boito (1991) analisa a estrutura sindical brasileira demonstrando que, com a abertura política, dentro do processo de reorganização e expansão do sindicalismo, o modelo sindical entra em crise. Em face disto, o movimento sindical respondeu de maneira ambígua, pois rompeu com os efeitos do modelo ditatorial, mas manteve a antiga estrutura do sindicalismo de Estado no Brasil.

 

O SINDICALISMO NO BRASIL

Várias foram as diretrizes orientadoras do movimento operário no Brasil, desde o surgimento do sindicalismo no final do século XIX. A partir de então, a luta dos trabalhadores vem ocorrendo em um processo contínuo e rico de experiências, com avanços e retrocessos no sentido de conquistar os direitos fundamentais do trabalho e de reorientar a estrutura econômica, política e social imposta à sociedade. Contudo, devido principalmente à formulação de táticas e estratégias diferenciadas, dissidências e lutas pela hegemonia, parece não haver, entre os interessados nesse processo, unidade de prática política.

A orientação anarquista preponderou no movimento sindical, desde seu início até a década de 20. Os anarquistas propunham a destruição do Estado capitalista e a construção de uma sociedade igualitária1. No plano dos princípios, os anarco-sindicalistas definiam o sindicato como um órgão de luta aberto aos operários de todas as tendências políticas (Fausto, 1986, p 75), mas não admitia a criação da organização político-partidária das classes subalternas. Nesta perspectiva, além de isolarem-se no cenário político, os anarco-sindicalistas não buscaram concretamente a necessária política de aliança com os demais setores dominados, especialmente o campesinato (Antunes; 1990;64).

Em 1922, com a criação do Partido Comunista Brasileiro (PCB) surge uma nova concepção acerca das diretrizes a serem adotadas pelo movimento sindical. O ponto central dessas diretrizes visava a organização político-partidária com o objetivo de orientar a massa operária (Antunes; 1990;65).

Com a "Revolução de 30"2, que levou Getúlio Vargas ao poder e que constitui um marco no processo de modernização e expansão do capitalismo, instala-se uma estrutura sindical que definiu o sindicato como órgão consultivo e de colaboração com o poder público, adotando o princípio de unicidade sindical (um sindicato para cada categoria profissional) e a subordinação dos sindicatos ao Estado que se explicitava na proibição dos mesmos exercerem qualquer atividade política e ideológica, na exigência do reconhecimento ministerial para seu funcionamento, no controle de suas finanças e na cassação de mandato dos dirigentes quando se verificasse o não cumprimento das normas. Assim, para Antunes (1990:80), apolítica sindical adotada pelo governo Vargas buscava substituir a idéia da luta de classes pela de colaboração entre classes.

Contudo, o movimento sindical reagiu ao controle do Estado, mas essa reação só atingiu maior dimensão no início dos anos 50, já no segundo governo Vargas, alcançando seu ápice no governo Goulart, quando avançava nas indústrias através das comissões de fábricas. As reivindicações fundamentais eram contra a fome e a carestía, mas não se limitavam ao plano econômico pois também aconteceriam manifestações em prol da liberdade sindical, contra a presença das forças imperialistas no país, em defesa das riquezas nacionais, etc.

Cabe dizer que, independente da orientação política, as lutas dos trabalhadores sempre estiveram relacionadas às lutas gerais pela liberdade democrática, tendo obtido conquistas importantes, tais como a jornada de trabalho de oito horas, o direito a férias remuneradas, o 13° salário e a regulamentação do trabalho da mulher e dos menores, dentre outras.

Em 1964, foi implantado no Brasil o regime militar, que violou os princípios básicos da democracia, fechando várias vezes o Congresso Nacional e criando mecanismos legais para cassar mandatos de parlamentares, realizar prisões, intervir nas organizações de estudantes e trabalhadores (Fausto;1996:465-467). Entretanto, mesmo o país sob estado ditatorial, a sociedade brasileira organizou-se, de várias maneiras, para reagir à arbitrariedade praticada pelo Estado; segmentos da Igreja Católica, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e a ABI (Associação Brasileira de Imprensa), entre outros, desempenharam papel importante no despertar e na articulação da sociedade civil (Alves; 1989:181). Tanto que, participando desses movimentos de oposição ao regime vigente, os trabalhadores puderam voltar a se organizar, rearticulando o movimento operário e sindical, após um longo período de silêncio.

Em 1977, quando o governo admitiu que havia ocorrido um erro nos cálculos dos índices de inflação de 1973, que resultara em reajustes salariais inferiores aos que eram estabelecidos pela política salarial então vigente, os metalúrgicos de São Bernardo iniciaram uma campanha pela reposição desses percentuais, que culminou com a famosa greve dos metalúrgicos no ABC paulista, em 1978. Este episódio marcou o recrudescimento da ação sindical e grevista no país. Mesmo sem atingir seus objetivos, o movimento do ABC paulista serviu para demonstrar que os trabalhadores organizados podiam enfrentar a ditadura e a partir daí surge o que se denominou de "novo sindicalismo" com uma eclosão de greves no país. Apesar desses movimentos terem aparência de uma luta exclusivamente econômica, na realidade tinham uma importante dimensão política (Antunes;1991:64-65).

O novo sindicalismo, que surgiu no Brasil a partir de 1977 e se desenvolveu reconstruindo os instrumentos de luta dos trabalhadores, resultou nas três principais tendências que hoje influenciam o sindicalismo brasileiro: a classista, que se vincula à lutas econômicas específicas e assume, dentro de uma perspectiva anti-capitalista, uma postura de defesa do socialismo, subordinando a luta sindical à luta de classes; a reformista, de fundo social democrata, que também vincula suas lutas econômicas às políticas, mas se restringe aos limites da luta por um capitalismo com melhor distribuição de renda; e, finalmente, a de resultados, que defende o capitalismo como bandeira de luta.

 

SURGE O SINDICALISMO ENTRE OS ENFERMEIROS

O Sindicato de Enfermeiros Terrestres foi fundado em 19333, de acordo com a estrutura sindical do governo Vargas. Legalmente, este sindicato representava os enfermeiros diplomados e os enfermeiros "práticos"; entretanto os primeiros não reconheciam sua legitimidade. Vale ressaltar que a Associação Brasileira de Enfermagem4, desde os primórdios da implantação da enfermagem moderna no Brasil (décadas de 20 e 30), exerceu de fato a liderança dos enfermeiros, uma vez que tomou para si a tarefa de preparar o arcabouço jurídico do ensino e da prática da profissão. Assumiu, também, o papel de defensora da categoria até a criação dos primeiros sindicatos próprios de enfermeiros no Brasil, no final da década de 70.

O processo de implantação da enfermagem moderna no Brasil, com o surgimento da enfermeira como categoria profissional assalariada, é bem conhecido. Existem vários trabalhos sobre o assunto que mostram, dentre outras coisas, a origem da enfermagem brasileira no processo de expansão do capitalismo, o desenvolvimento e a institucionalização da profissão e ,sobretudo, a luta desenvolvida pelas enfermeiras brasileiras para criar, conquistar e preservar um mercado de trabalho, bem como espaço nas instituições5.

No bojo da luta pela regulamentação da profissão, encontramos as primeiras manifestações das enfermeiras com relação à necessidade de ampliar legalmente suas entidades de classe, uma vez que havia necessidade de fiscalização do exercício profissional e de um órgão específico de defesa dos direitos trabalhistas da categoria.

Ao término do trabalho da Missão Parsons6, foi assinado o primeiro instrumento legal visando a regulamentação da profissão no país7. Este decreto determinava que só poderiam usar o titulo de enfermeiros os diplomados por escolas oficiais equiparadas à Escola de Enfermagem Ana Neri8 e os profissionais estrangeiros com diploma reconhecido no Brasil ou registrados no Departamento Nacional de Saúde. Entretanto, a legislação não era de todo cumprida, havendo registros de que o Ministério do Trabalho freqüentemente nomeava pessoal leigo para cargos de chefia de serviços de saúde, cargos esses que a ABEn entendia pertencerem por direito aos enfermeiros. Além disso, outros grupos, como as irmãs de caridade, os enfermeiros da Cruz Vermelha Brasileira, do Exército e da Policia Militar, bem como os enfermeiros práticos9, foram beneficiados com leis que consideraram sua situação à margem da lei do exercício profissional. Nesse embate, o Sindicato dos Enfermeiros Terrestres defendia principalmente os interesses dos "enfermeiros práticos".

Por outro lado, com a promulgação do Decreto-Lei n° 2.381, de 1940, que regulamentou o registro das profissões no Ministério do Trabalho e enquadrou os enfermeiros como profissionais liberais, ou seja, profissão que exigia diploma de nível superior, abriram-se as possibilidades para que as enfermeiras formassem seu próprio sindicato.

No entanto, os dirigentes do ex- Sindicato dos Enfermeiros Terrestres que, em 1943, com a criação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), passou a congregar todos os trabalhadores de estabelecimentos de saúde e a denominar-se Sindicato dos Enfermeiros e Empregados em Hospitais e Casas de Saúde (SEEHCS), perceberam as implicações do fato e solicitaram ao Ministério do Trabalho a retirada dos enfermeiros do quadro de profissionais liberais, no que foram atendidos. Assim, os enfermeiros foram enquadrados na Confederação Nacional dos Trabalhadores do Comércio fazendo parte nos 50 grupos de categorias representadas pelo SEEHCS. Tal fato demonstrou de forma contundente a superioridade política deste grupo, e a necessidade de criar mecanismos mais fortes para consolidar a profissão, tanto no que se refere ao exercício profissional quanto à afirmação da enfermagem enquanto profissão, pois o que estava em jogo era a própria existência do enfermeiro como categoria. O enquadramento do enfermeiro como profissional liberal estava intimamente ligado à questão do exercício profissional, tanto que, em 1943, ano em que os enfermeiros perderam a condição de profissionais liberais, a Escola de Enfermeiras Católicas Luiza de Marilac requereu ao Ministério da Educação e Saúde a autorização para admitir religiosas estrangeiras como alunas, uma vez que, segundo a Constituição vigente à época, somente os brasileiros natos e os naturalizados podiam exercer profissões liberais. Neste processo, o Consultor Geral da República, considerando que a profissão liberal dependia de um diploma, e analisando a situação da enfermagem, deu o parecer dizendo que "a profissão de enfermeira diplomada se deve considerar profissão liberal" (Carvalho; 1976:437).

A preocupação das enfermeiras com relação à questão do sindicato como entidade de classe vai tomando vulto, passando a ser prioridade para as suas lideranças. Tanto que o plano de trabalho da ABEn, gestão 1943-1947, expressava esta preocupação no item: sindicato de enfermeiros nas mãos de práticos (Carvalho, 1976, p.33), uma vez que as enfermeiras estavam agora enquadradas na Confederação Nacional dos Trabalhadores do Comércio, sendo representadas pelo SEEHCS, e por força do princípio de unicidade da estrutura sindical brasileira não havia condições legais para a criação de outro sindicato. Para remover este obstáculo, a ABEn, em 1952, solicitou a inclusão do Enfermeiro na Confederação Nacional dos Profissionais Liberais (CNPL), no que somente foi atendida no início da década de 6010.

Quando o DASP elaborou o Plano de Classificação de Cargos dos Servidores Públicos Civis da União, em 1954, os enfermeiros foram enquadrados como grupo ocupacional de nível médio. O argumento fundamental de que as enfermeiras lançaram mão para reverter tal situação foi o de sua condição de profissionais liberais. Esta luta durou 6 anos, até 1960, quando foi promulgada a Lei de Classificação de Cargos do Serviço Civil do Poder Executivo, tendo as enfermeiras conseguido a condição de profissão técnico-cientifica. Foi uma luta nacional e conjunta da enfermagem ao lado da união Nacional dos Servidores Públicos (Carvalho; 1976:242).

Em 1962, os enfermeiros foram reenquadrados na condição de profissional liberal. Neste mesmo ano, foram criadas as Associações dos Enfermeiros Profissionais Liberais nos Estados da Bahia e da Guanabara e, em 1963, no estado do Ceará. Estas não chegaram efetivamente a funcionar pois, no ano seguinte, a ABEn recomendou a paralisação do processo de criação das Associações Profissionais alegando que a categoria ainda não havia sido incluída no Quadro de Atividades e Profissões da CLT.

No ano de 1970, o Congresso Brasileiro de Enfermagem aprovou uma recomendação aos enfermeiros para que voltassem a envidar esforços no sentido de criar Associações Profissionais em seus Estados. Contraditoriamente, isto aconteceu durante o período de maior repressão do governo militar. Em 11 de agosto de 1971, foi fundada, no Brasi,1 a primeira entidade pré-sindical dos enfermeiros, oficialmente reconhecida pelo Ministério do Trabalho: a Associação Profissional dos Enfermeiros do Estado da Guanabara11. Ao ser registrada a Associação em 1972, o Ministério do Trabalho alterou seu nome à revelia das enfermeiras, registrando-a como Associação Profissional dos Enfermeiros Liberais do Estado da Guanabara (Comino, 1993,p.75-83).

A partir daí, as enfermeiras da Guanabara iniciaram o processo para fundação do sindicato, travando uma luta burocrática e jurídica com o SEEHCS no sentido de que a denominação original fosse mantida e que fosse retirada a denominação "enfermeiros" do outro sindicato, para caracterizar á unicidade sindical vigente. Em 1974, as enfermeiras conseguiram vencer este obstáculo quando o Ministério do Trabalho determinou a exclusão da palavra "liberal" do nome da Associação12.

Ao se analisar os inícios da vida sindical das enfermeiras, cumpre sinalizar de que forma os membros da categoria se incorporaram ao movimento sindical e como alguns vieram a ocupar cargos na direção da entidade. Quando a APEMRJ mobilizou a categoria para reunir o número de afiliados necessário para a obtenção da Carta Sindical, algumas das enfermeiras aderiram a este movimento, tomando-se inclusive dirigentes sindicais e o fizeram por influência de um grupo mais antigo. E o que podemos perceber neste depoimento: "Comecei a conhecer pessoas que tinham envolvimento com as entidades de classe. (...) Engrossei o grupo que fazia cobrança e associava os enfermeiros, (...) para fundação do sindicato dos enfermeiros, assim comecei a dar minha contribuição. A partir desse trabalho voluntário (...) participar mais de perto do trabalho do sindicato, foi assim que cheguei a integrar o grupo de diretores, pessoas que deram uma contribuição direta para aquela entidade. " (dep. 8).

Finalmente, em 22 de agosto de 1977, as enfermeiras receberam a Carta Sindical que transformou a APEMRJ em Sindicato dos Enfermeiros do Município do Rio de Janeiro13 (Comino, 1993, p. 83-96).

 

CONSTRUINDO O "SINDICATO OFICIAL"

Recebida a Carta Sindical, a APEMRJ organizou o processo eleitoral para eleição da primeira Diretoria do Sindicato. Cabe dizer que a questão sindical apresentava-se para as enfermeiras, naquele momento singular, como uma novidade, porém, a experiência que tinham com eleições era rica e importante, advinda da vivência na ABEn.

Segundo uma depoente, a constituição da chapa foi coordenada por Maria Jalma Rodrigues Santana Duarte, então Presidente em exercício da APEMRJ: "a Maria de Jesus (presidente da APEMRJ) entrou de férias e deixou a Jalma substituindo-a como vice-presidente (...) ela entregou à Jalma a responsabilidade de promover as eleições, vamos dizer, organizar a chapa. Naquele tempo a chapa não se organizava naturalmente, alguém tinha que puxar, organizar. " (dep. 1).

Historicamente, a formação de chapas para concorrer às eleições é muito difícil, pois entre as enfermeiras é difícil conseguir quem deseje participar da diretoria do sindicato, como declara esta depoente: "As pessoas tinham maior afinidade pela ABEn " (dep. 4). Para integrar a chapa concorrente à primeira diretoria do SERJ, foram convidadas enfermeiras de prestígio profissional, como declara Maria Bemadete Bandeira dos Santos, primeira presidente eleita: "o que pesou realmente foi meu nome ...na época eu coordenava a enfermagem do INAMPS, a nível regional. (...) já era um nome de certa forma respeitado e conhecido ". A primeira diretoria contou ainda com outras enfermeiras que ocupavam cargos de direção e assessoria nos serviços de saúde do Rio de Janeiro e professores universitários.

Comino (1993, p.100) concluiu que à época da fundação do SERJ as enfermeiras percebiam o sindicato como "uma entidade de menor ou inferior importância, ligada à organização operária, a pessoas sem qualificação Isto explica, em parte, porque as enfermeiras, ao formar a primeira chapa para a direção do SERJ, tiveram a preocupação de convidar pessoas de destaque na profissão; talvez uma tentativa de mudar aquela visão, procurando mostrar para a categoria que sindicato também era para professores, chefes, etc.

A primeira diretoria foi eleita em março de 1978 e tomou posse em 27 de junho do mesmo ano, na sede do Sindicato, em reunião interna com a presença do Consultor Jurídico do Sindicato.

A solenidade comemorativa pela posse foi realizada no dia 7 de novembro, por ocasião da abertura da Primeira Jornada de Enfermagem da ABEn/RJ. Nela estavam presentes, além dos representantes das demais entidades de enfermagem - Conselho Regional de Enfermagem (COREN), Conselho Federal de Enfermagem (COFEN), os representantes da Delegacia Regional do Trabalho, da Confederação Nacional dos Profissionais Liberais (CNPL) e várias autoridades14. É importante ressaltar que um representante da Delegacia Regional do Trabalho acompanhava desde a instalação do processo eleitoral até a posse da diretoria, efetivando assim o controle do sindicato pelo Ministério do Trabalho.

O jornal do sindicato15 publicou uma matéria intitulada "Conheça os Membros de seu Sindicato", na qual divulgou o resumo do currículo de cada membro da diretoria recém-eleita e um "parecer" em relação ao sindicato por parte dos diretores eleitos. Pelo conteúdo genérico das declarações, podemos perceber que o grupo não tinha uma filosofia de trabalho definida, mostrando entretanto o compromisso com a luta: "Para que nossas conquistas sejam permanentes, faz-se necessário que a luta seja permanente. " (Maria Therezinha Nóbrega da Silva - 2a secretária); a necessidade de união da categoria: "Nós não devemos nos preocupar com que o Sindicato faz ou é capaz de fazer por nós, pois nós é que fazemos o Sindicato: e assim temos é que nos preocupar em nos unir para realizar cada vez mais, pois em nome do Sindicato estaremos fazendo por nós mesmos." (Maria Aparecida Francisco da Silva - 2a tesoureira); disposição para buscar com a categoria a definição dos rumos do sindicato: "A nossa profissão é nova e seus horizontes são largos. Depende dos próprios membros da classe se unirem e trabalharem pelas nossas definições e nossos anseios" (Doralice Regina Ayres - Membro do Conselho Fiscal); e para defender os interesses da categoria: "O sindicato como órgão capaz de conseguir melhorias para a classe e valorização do mercado trabalho" (Maria Carmelita Henrique - Membro do Conselho Fiscal).

 

O PROGRAMA DE TRABALHO E A ATUAÇÃO DA PRIMEIRA DIRETORIA DO SERJ

O plano de trabalho da primeira diretoria foi elaborado após a eleição, pois, segundo a presidente eleita, "não foi apresentada plataforma de trabalho na campanha eleitoral" (dep. 1). O referido plano foi elaborado a partir de discussão em reunião de diretoria16, depois de quatro meses de atividade, sendo apresentado à categoria pela presidente eleita na solenidade de posse. O plano constava dos seguintes itens: salário-mínimo profissional; estudo sobre organização de creches nos hospitais; pecúlio pós-morte para os associados e bolsa de estudos para os filhos dos associados; melhores condições de estágio para os residentes de enfermagem; cursos; atividades sociais; ampliação da biblioteca; redução da jornada diária de trabalho para 6 horas; aposentadoria aos 25 anos de serviço e direito de acumulação de cargo17. Podemos notar que a pauta abrange itens concernentes a serviços assistenciais (creches, pecúlio e bolsa de estudo), à época, atividade principal da maioria dos sindicatos oficiais, e itens que podem ser caracterizados como economicistas.

Vale ressaltar que tanto o plano de trabalho quanto as atividades realizadas pela primeira diretoria do SERJ são marcadas pela conjuntura política geral e pela atuação por ela determinada no campo da saúde. Como vimos anteriormente, a partir do final da década de 70, os trabalhadores assalariados da "classe média" (funcionários públicos, médicos, professores, bancários e outros) se incorporam na luta geral dos trabalhadores, fortalecendo a ação sindical. Os servidores públicos se inseriram na ação grevista de luta pelas liberdades democráticas reivindicando o direito de sindicalização e de greve, dando um significado político ao seu movimento de organização (Guedes: 1994: 404-421). Os trabalhadores da saúde começaram a desenvolver um processo de contestação à política governamental de saúde e de arrocho salarial do servidor público. No Rio de Janeiro, o sindicato dos médicos, a partir de 1978, com a eleição e posse de uma diretoria com a proposta da corrente do Movimento de Renovação Médica - REME, se engajou no movimento sindical dos trabalhadores em geral e basicamente deram um novo enfoque ao movimento sindical da saúde. O REME propunha a reconstrução das entidades médicas, apontando-as como inoperantes e desligadas dos interesses da categoria, e enfatizava as questões referentes ao assalariamento dos médicos e mantinha uma postura de oposição ao regime militar. Nesta mesma direção, os alunos residentes, dos serviços federais de saúde, liderados pelos residentes de medicina, iniciam uma campanha pelo aumento da bolsa de estudos, e procuram se organizar em nível nacional através da Comissão Nacional de Residência Médica.

O movimento dos residentes do setor saúde buscava na prática um espaço para a organização dos servidores públicos, que não tinham direito à sindicalização, através da criação de associações, pois o movimento sindical brasileiro contestava a política econômica do governo militar, lutando pela conquista dos direitos democráticos e organizando-se fora dos sindicatos oficiais.

Logo após sua posse, a direção do SERJ foi procurada por enfermeiras residentes do INAMPS que buscavam apoio para o movimento de reivindicação de aumento da bolsa. Em resposta, a diretoria do SERJ divulgou uma nota de apoio na imprensa, que dizia: "O Sindicato dos Enfermeiros do Rio de Janeiro se posiciona favorável às manifestações dos residentes enfermeiros em busca das conquistas de suas reivindicações18.

A relação do SERJ com os demais profissionais de saúde teve início em fevereiro de 1979, quando da divulgação do Plano de Classificação de Cargos e Salários do Estado do Rio de Janeiro. Este plano gerou insatisfação geral no funcionalismo estadual pois, além de não contemplar os funcionários regidos pela CLT e os inativos, não atendeu aos anseios da categoria, porque a maioria dos enfermeiros do Rio de Janeiro era de funcionários públicos.

A declaração da Presidente do SERJ, apesar da posição firme adotada, mento da estrutura sindical" (Boito; 1990: 54).Trata-se de uma ideologia estatista que se apresenta sob a forma de um legalismo sindical. Isto significa que, para ser sindicato, a entidade tem necessidade de ser reconhecida em lei, como tal. Todavia, não basta ao sindicato ser reconhecido pela lei, é preciso que a categoria o veja como seu representante; tal reconhecimento deve acontecer no decorrer da própria vida sindical.

O surgimento do sindicalismo entre as enfermeiras se deu em decorrência da institucionalização da profissão na sociedade, iniciando-se com a luta pelo enquadramento do enfermeiro como profissional liberal e pelo direito de formar o sindicato da categoria. O pleito justificava-se pelo descontentamento de pertencer a um sindicato que englobava enfermeiros e outras categorias auxiliares.

As enfermeiras, ao assumirem o SERJ, demonstraram compromisso com a luta para as conquistas específicas da enfermagem, e entendiam a necessidade de união da categoria para com ela definir dos rumos do sindicato. Atuaram em um contexto marcado pela renovação da vida política nacional no processo de abertura política na busca da democratização do país.

O SERJ desenvolveu suas atividades em um processo político contínuo, com a visão de sindicato como órgão oficial atrelado ao Estado. Os dirigentes sindicais, inicialmente, não ousavam se opor àquela estrutura oficial, por força da ideologia dominante na sociedade e pela própria ideologia da enfermagem. Não obstante, ao longo do período de gestão, com as demandas surgidas internamente na enfermagem mesma, na saúde e na sociedade como um todo, gradativamente a diretoria vai adquirindo experiência, rompendo com esta visão e se inserindo na luta dos trabalhadores da saúde, ao tempo que o movimento sindical geral apresentava uma nova proposta de atuação.

A comparação da participação dos enfermeiros na luta que eclodiu em 1979 (com a divulgação do Plano de Cargos e Salários do Estado do Rio de Janeiro) com a que ocorreu em relação ao projeto Julianelli nos dá a dimensão da evolução do processo político do SERJ, já no final desta primeira gestão.

A atuação do sindicato passa pela questão da consciência de classe da categoria, pelo reconhecimento do sindicato como um órgão de luta dos trabalhadores que busca não apenas os direitos econômicos mas também uma sociedade mais justa e igualitária, visto por este angulo: os dirigentes do SERJ apresentavam inicialmente um nível de consciência económico-corporativa que é o primeiro momento de manifestação da consciência política da categoria. Nesta fase existe uma unidade homogênea corporativa, que percebe a necessidade de organizar o grupo profissional, mas esta consciência é restrita a tal segmento, não abrangendo a unidade do grupo social mais amplo, a classe (Antunes; 1990: 35).

E interessante ressaltar que os enfermeiros buscaram a unificação da enfermagem e a constituição de um bloco de trabalhadores da saúde que atuaram de forma coesa em defesa dos direitos fundamentais do trabalho. Apesar de ser uma luta específica e imediata, ela possibilitou a unificação do movimento espontâneo, apresentando-se como um momento favorável para se elevar a consciência de classe. Como nos ensina Antunes, percebe-se a manifestação da consciência de classe, mesmo no terreno exclusivamente econômico, se existe solidariedade no contexto e amplitude de uma classe (Antunes; 1991: 35 e36).

Apesar de as enfermeiras demonstrarem estar preocupadas principalmente com as reivindicações específicas da categoria, elas também reconheciam a necessidade de entrosamento com os demais trabalhadores.

 

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14. SAUTHIER, Jussara. A missão das enfermeiras norte-americanas na capital da República. Orientador: leda de Alencar Barreira. Rio de Janeiro: UFRJ/ EEAN, 1996.258p. Tese (Doutorado em Enfermagem) - Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Fedral do Rio de Janeiro, 1996.

15. SILVA, Graciette Borges da. Enfermagem profissional: análise crítica. 2.ed. São Paulo: Cortez, 1989.143p.

16. VIANNA, Luiz Wemeck. Liberalismo e sindicato no Brasil. 3.ed.. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1989.289p.

 

1. Sobre o anarcosindicalismo no Brasil ver Fausto, B. Trabalho urbano e conflito social Difel, 1986. O autor faz uma análise das correntes organizatórias do movimento operário brasileiro, desde a formação da classe operária, nos últimos anos do século XIX, até o início dos anos 20.
2. Sobre a Revolução de 30, existem diversos trabalhos históricos inclusive com opiniões divergentes a respeito do processo da Revolução. Podemos citar Fausto, B. 1996, op. cit. , Viana, L. W., Liberalismo e sindicato no Brasil. Paz e Terra, 1989. Antunes, R. Classe operária, sindicatos e partidos no Brasil. Cortez, 1990.
3. Fundado como Associação Profissional
4. Primeira entidade de classe da enfermagem, fundada em 1926 com a denominação de Associação Nacional de Enfermeiras Diplomadas.
5. Ver, dentre outros, Silva, G. B. da. Enfermagem Profissional: análise crítica. Rio de Janeiro: Cortez, 1989. Baptista, S. de S. e Barreira, 1. de A. A luta da Enfermagem por um espaço na Universidade. Rio de Janeiro: EEAN/UFRJ, 1997. Barreira, I. de A. A enfermeira ananéri no país do futuro: a aventura na luta contra a tuberculose. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1997. Carvalho, A. Associação Brasileira de Enfermagem 1926 - 1976. Rio de Janeiro: Folha Carioca, 1976.
6. Expressão utilizada por Sauthier (1996) para designar a Missão de Cooperação Técnica para o Desenvolvimento da Enfermagem no Brasil, a qual permaneceu no pais de 1921 a 1931.
7. Decreto 20.109, de 15 de junho de 1931.
8. Primeira escola de enfermagem do Brasil, nos moldes da enfermagem moderna, fundada em 1923, como Escola de Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde Pública, considerada escola oficial padrão de 1931 a 1949 (Carvalho, A. C. 1976, p.9).
9. Carvalho, A.C. op. cit. p. 210-213.
10. Mediante a revisão da CLT.
11. Depois Associação Profissional dos Enfermeiros do Município do Rio de Janeiro (APEMRJ).
12. Portaria Ministerial 3.311 de 1974.
13. Hoje, Sindicato dos Enfermeiros do Rio de Janeiro (SERJ).
14. Jornal Traço de União, no 15, nov./dez de 1978
15. Jornal Traço de União no 15, set./out. de 1978.
16. Ata de reunião de Diretoria, junho de 1978.
17. Jornal Traço de União, nov./dez de 1978.

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