Volume 2, Número 3, Set/Dez - 1998
INTRODUÇÃO
Embora a formação em sentido amplo, que ultrapassa o âmbito da aquisição de saber não seja uma atribuição específica da escola, sabemos que o processo de transmissão/assimilação de conhecimento não é neutro, podendo tanto contribuir para a produção de novas relações sociais como para reproduzir relações existentes na sociedade. Penso que o modelo de formação adotado na gênese da Escola de Enfermagem Anna Nery,1 na década de vinte deste século, contribuiu para reforçar relações conservadoras existentes na sociedade brasileira daquele período, como a dominação de gênero.
Analisando documentos pertencentes ao Acervo Histórico da Escola de Enfermagem Anna Nery, foi possível identificar que a formação idealizada e ministrada na origem da referida escola, no que se refere à relação entre as duas principais categorias que realizam trabalho no campo da saúde os médicos e as enfermeiras, estabelecia como princípio um papel de subaltemidade das enfermeiras em relação aos médicos. Tal princípio, uma vez incorporado no processo de formação da Enfermagem, deixou sua marca indelével nas gerações posteriores dessa, profissão.
Este trabalho, que resulta de uma produção paralela a elaboração da dissertação de mestrado, tem como objetivo explicitar alguns pressupostos que caracterizaram o ensino ministrado no início do funcionamento da primeira Escola de Enfermagem brasileira, a Escola de Enfermagem Anna Nery, que adotou o Sistema Nightingale como diretriz para a formação das enfermeiras. Por muito tempo essa Escola se constituiu em "Escola Padrão" e modelo para as demais Escolas brasileiras que foram criadas no país, difundindo assim seu modelo de formação.
No processo de pesquisa realizado durante o mestrado, cuja dissertação foi defendida em 1995 na Faculdade de Educação da UNICAMP com o título (RE)VENDO A QUESTÃO DA ORIGEM DA ENFERMAGEM PROFISSIONAL NO BRASIL: a Escola Anna Nery e o mito da vinculação com a Saúde Pública, embora não sendo objeto da investigação, foi "saltando aos olhos" a dinâmica de gênero que se estabeleceu entre a Enfermagem e a Medicina, a partir da institucionalização da Enfermagem Profissional neste país. Neste sentido, este trabalho não se propõe a grandes análises sobre a questão mas, a partir de um estudo bibliográfico e documental, contribuir com a discussão sobre gênero, presente na Enfermagem brasileira na atualidade.
A explicitação e análise de alguns princípios e diretrizes encontrados em documentos do período estudado, justifica-se na medida em que a compreensão da gênese da relação entre a Enfermagem e a Medicina, pode contribuir para o entendimento de uma questão que perpassa o trabalho da Enfermagem até os dias atuais, a relação entre gêneros que se dá nos espaços de atuação desses profissionais. Ainda hoje vemos a Enfermagem ser caracterizada como uma profissão que exige doação, bondade, desprendimento, entre outros adjetivos, evidenciando a impregnação de princípios que estão vinculados, de um lado a formação fundamentada em princípios cristãos, e de outro, a uma forma de organização da sociedade que aceita a exploração e a desigualdade entre as pessoas num mesmo contexto de trabalho.
Segundo HELMAN (1994), as sociedades humanas dividem suas populações basicamente em duas categorias sociais: masculinas e femininas, essas categorias fundamentam-se em pressupostos retirados da cultura sobre os diferentes atributos, comportamentos e crenças próprias aos indivíduos pertencentes àquela categoria. Embora universal, essa divisão da humanidade em dois gêneros, ao ser estudada atentamente revela-se um fenômeno complexo com muitas variações que se assumem particularidades nos diferentes grupos culturais.
Algumas interpretações sugerem que a subordinação feminina é fenômeno universal, comum a todas as sociedades humanas. Entretanto, outras interpretações partem do pressuposto de que essa relação é mais complexa e cada caso deve ser analisado distintamente. No caso da saúde, embora a maioria dos profissionais que prestam assistência sejam do sexo feminino, os empregos cuja remuneração e prestígio são mais elevados, eram e são geralmente ocupados por profissionais médicos, do sexo masculino. Nesse sentido, podemos afirmar que a profissão médica, até décadas recentes, se constituiu em uma expressão do sistema econômico e da ideologia dominante, incluindo as divisões em classes sociais e a divisão sexual do trabalho. (HELMAN, 1994).
Da mesma forma, ao estudar a questão das culturas de gêneros e tratamento de saúde, HELMAN (1994:145) coloca a situação do trabalho da enfermagem nos hospitais, como "uma reprodução da divisão de gêneros básica da cultura maior - como ocorre em grande parte das outras instituições da sociedade ocidental".
No mesmo texto, apoiada em Gamamihow, a autora diz que, "As relações entre médicos e enfermeiras ainda refletem a divisão de gêneros da família vitoriana na época em que Florence Nightingale desenvolveu seu modelo de enfermagem. Isto significa que, na estrutura hospitalar, a questão ainda é médico =pai, enfermeira = mãe epaciente = filho. Em termos de relação de poder na provisão de assistência à saúde, a esfera de ação da enfermeira está separada, mais ainda, subordinada à esfera de ação do médico. " (1994:145)
Apesar das mudanças sociais e econômicas deste final de século, a divisão do trabalho por gêneros ainda é uma realidade em muitos campos, particularmente no da saúde que envolve o trabalho da Enfermagem. Profissão, que desde a sua institucionalização, na década de vinte, submeteu-se à esta relação de poder, incorporando e assimilando estes princípios como pressupostos para a formação ministrada nas Escolas de Enfermagem.
O MOMENTO HISTÓRICO DO SURGIMENTO DA ENFERMAGEM PROFISSIONAL NO BRASIL
O surgimento da Enfermagem Profissional no Brasil, ocorreu num momento em que se acentuava o processo de industrialização, exigindo a formação de cidades com outra característica que não a simples extensão da vida rural. As condições históricas para o desenvolvimento da industrialização já haviam começado a se configurar no final do século passado e início deste, sendo possível destinguir alguns fatores decisivos para isso. Dentre eles, destacam-se:
1) a substituição da mão de obra escrava por trabalhadores assalariados livres, oriundos de intenso processo imigratório;
2) a concentração de um razoável excedente de capital em poder de uma minoria, os produtores de café da região Centro-sul, que detinham também o poder político;
3) a concepção de racionalidade econômica, que já impregnava os fazendeiros de café e os exploradores em geral, contribuindo para a acumulação e o redirecionamento desse capital para o ramo da indústria; e
4) a existência de consumidores para os produtos industrializados, constituídos em grande parte pelos próprios trabalhadores imigrantes. (RIZZOTTO, 1995).
Essas transformações no plano econômico, proporcionaram uma ampliação no mercado de trabalho também para as mulheres, que até então limitavam sua atuação na esfera privada do lar. Isso no entanto, não significou uma independência e uma maior liberdade dessa categoria, pelo contrário, o ingresso das mulheres no mercado de trabalho, implicou na necessidade de utilizar outros mecanismos de controle que neutralizassem o "perigo" que esse trabalho feminino fora do lar pudesse representar. Nesse sentido, o discurso ideológico dominante, carregado de um forte apelo moral, procurava inculcar novos valores e percepções, tentando descaracterizar e dissimular a imposição e o exercício do poder, ao mesmo tempo em que conferiam legitimidade ao mundo social e a divisão entre os sexos, a ponto dessa divisão parecer natural e universal.
As formas utilizadas para o exercício do controle sobre as mulheres, foram desde a disciplinarização rígida dos espaços até a medicalização da sociedade. Segundo HELMAN (1994:147), Existem muitas explicações para a medicalização. Muitos sociólogos médicos argumentam que a Medicina moderna atua cada vez mais como um agente de controle social (especialmente sobre a vida das mulheres ) o que toma as pessoas dependentes da profissão médica e do vínculo com a indústria farmacêutica. Além disso, tem sido visto como uma forma de controle do comportamento social "desviante" (...). Outra razão possível para o aumento da medicalização é a de que, se alguns homens ainda vêem as mulheres e suas filosofias femininas como representantes da "natureza" sem controle, imprevisível e perigosamente poluidora, então os rituais e a tecnologia médica representam uma forma de "domesticar" o incontrolável e de tomá-lo mais "cultural" no processo.
No caso das mulheres enfermeiras, o discurso feito por homens da época, que pregavam a sua cultura no mundo feminino, enaltecia o papel da mulher na nova sociedade, sua necessidade de participar do processo produtivo, sem no entanto deixar de exercer o controle sobre elas, nem diminuir sua responsabilidade secular de cuidar do lar, educar bem os filhos e proporcionar uma boa saúde para os futuros trabalhadores. Exemplo dessa postura pode ser constatado em fala de CARLOS CHAGAS (1921:11), então diretor do DNSP:
"Encarada em seu aspecto social, e interpretada na grandeza moral de seus objetivos, a função de enfermeira virá constituir para a mulher brasileira um vasto campo de atividade produtiva, na qual se exercitam todas as excelências de sua alma piedosa e altruistica, na qual se efetivam seus altos ideais de emancipação pelo trabalho nobilitante.(...) Sobram às nossas patrícias predicados de sentimentos, todas as energias da abnegação e da bondade, que as habilitam a mister de tanta monta; e cabe ao Estado o dizer irrecusável de aproveitar, em beneficio coletivo, as mesmas virtudes da mulher, que fazem o encanto de nossos lares ".
Tais argumentos evidenciam a lógica de uma sociedade dominada pelos homens, onde as mulheres deveriam se integrar ao mercado de trabalho, principalmente através das profissões cujas funções se aproximassem daquelas já desempenhadas no lar, como ser professora - educando, ser enfermeira - cuidando, ou costureira na indústria têxtil.
A ENFERMAGEM COMO PROFISSÃO: UMA NECESSIDADE HISTÓRICA
A demanda pelo trabalho de Enfermagem se acentuou com o processo da industrialização/urbanização, tanto pelo aumento das doenças infecto-contagiosas, como pela opção em concentrar os doentes num mesmo espaço físico-os hospitais. A conseqüente aglomeração de pessoas em precárias condições de vida, eram fatores que facilitavam a proliferação de doenças infecto-contagiosas, agravando o péssimo estado de saúde da população. As epidemias que não eram novidade, mas que nessa conjuntura ganhavam outra dimensão, impunham medidas urgentes por parte do Estado, isso contribuiu para que, nos primórdios da República, a Saúde Pública aparecesse como preocupação do governo; não só para tentar reverter a péssima imagem que o Brasil estava produzindo no exterior, em decorrência de problemas dessa natureza, mas, porque a "nova ordem republicana", balizada nos princípios liberais, embora política e economicamente excludente, defendia a universalidade de certos benefícios, como a saúde e a educação.
As medidas utilizadas na tentativa de resolver os graves problemas da saúde, como a construção de hospitais e a implantação de serviços de saúde pública, ao mesmo tempo em que atendiam as reivindicações da população se caracterizavam em novas formas de disciplinar e ordenar a vida das pessoas. A Medicina, nesse período, distinguiu-se por uma estreita relação com o Estado, dando respaldo cientifico e técnico para o exercício do poder. O controle médico, estava presente desde a vida privada dos indivíduos até as organizações coletivas e os espaços públicos, pouco podia ser feito sem ordem médica.
Para implementação desse processo de "medicalização da sociedade", ocorrida no Brasil de forma mais intensa a partir da segunda década deste século, não cabia mais o constrangimento físico, a força, mais sim a utilização de outros instrumentos menos agressivos como o convencimento e a persuasão. As mulheres enfermeiras, sob a supervisão e orientação médica, foram as pessoas escolhidas para essa tarefa de entrar nos lares e "educar as pessoas" através do aconselhamento e das "orientações corretas" sobre os cuidados de saúde. Além do trabalho "de campo", as enfermeiras teriam também a incumbência de executarem os cuidados de enfermagem às pessoas doentes que não se encontravam mais nos lares, mas concentradas nos hospitais, racionalizando o atendimento médico e os cuidados de enfermagem.
Com a mudança na função dos hospitais, tomando-se espaço de diagnóstico, tratamento e cura de doentes, "ocorre o encontro das práticas médicas e de enfermagem no mesmo espaço geográfico - o do hospital-e no mesmo espaço social - o do doente. Torna-se necessário treinar formalmente o pessoal hospitalar para dar assistência de enfermagem e, ao mesmo tempo, disciplinar o comportamento da enfermeira para minimizar os então chamados efeitos negativos do ambiente hospitalar' e,(...) dos perigos decorrentes da presença feminina nesses ambientes de trabalho".(WALDOW, 1995:69)
A herança histórica do envolvimento de prostitutas na realização do trabalho de Enfermagem, nos antigos hospitais abrigos, fez com que no momento do surgimento da Enfermagem Profissional brasileira, o grupo responsável pela criação da Escola de Enfermagem Anna Nery, tivesse como uma das preocupações centrais a imagem social do trabalho de enfermagem, a fim de que "... as senhoras brasileiras das melhores camadas sociais se interessassem por ele... "(CHAGAS, 1922).
Essa preocupação materializou-se no processo rígido e elitista de seleção das alunas. A intenção de formar uma elite, estava explícito tanto nas falas das autoridades envolvidas como nos próprios objetivos da escola. "(A Escola) visa preparar moças brasileiras que queiram ocupar posição de responsabilidade no (DNSP) Departamento Nacional de Saúde Pública, nos hospitais do Brasil e nos domicílios onde houver doentes. " (PARSONS, 1921:7), "O fim principal da escola era ensinar a arte de enfermagem de saúde pública às moças de boa base social.DNSP, 1926:2).
Apesar desse discurso "chamativo", a formação e o trabalho destinado para as enfermeiras, não deixava possibilidades à realizações independentes e autônomas, a hegemonia no campo da saúde era da Medicina. Essa hegemonia não foi resultado de projetos localizados, mas foi construída durante séculos a partir de alguns processos que deram legitimidade e poder à essa ciência, inicialmente, isso se deu através da incorporação do saber popular sobre as doenças e sua cura ao saber médico; através da organização corporativa de seus membros que buscaram a aproximação com o aparelho do Estado, passando a orientar e definir as políticas públicas no setor da saúde e finalmente, com a institucionalização da Medicina no espaço hospitalar, que deixou de ser um depósito de marginalizados que ali ficavam até morrer, para se transformar em centros de tecnologia para tratamento, cura e pesquisa.
Como foi indicado anteriormente, é no espaço hospitalar que a Enfermagem Profissional se tornará indispensável, dadas as características do trabalho em equipe dentro dessas instituições e a falta de profissionais de Enfermagem nesse campo. A carência desses profissionais era agravada pela redução no número de religiosas que tradicionalmente tinham assumido o trabalho de Enfermagem nos hospitais, particularmente nas Santas Casas de Misericordia. O afastamento das ordens religiosas dessas instituições decorria de diversos fatores. Devia-se, em parte, a transformação na função dos hospitais, que deixavam de ser essencialmente caritativos para se tomarem empresas lucrativas. Concomitante a isso, ocorria uma mudança do papel da mulher na sociedade, que poderia assumir outras funções "dignas" de vida e de trabalho além das atividades de dona - de - casa ou de religiosa.
A Enfermagem vinha a ser uma dessas profissões que não alterava substancialmente o papel de submissão da mulher em relação ao homem, já que nesse tipo de trabalho a relação entre os gêneros não apresentava mudanças significativas, continuava a receber ordens dos homens - os médicos, não adquiria uma independência financeira e, não se afastava muito de seu papel de mãe, apenas transferia seus cuidados para outras pessoas, os doentes.
A institucionalização dos cuidados aos doentes e a profissionalização da Enfermagem, basicamente significou a disciplinarização da conduta do pessoal de enfermagem nos hospitais e do próprio ambiente do doente, através da adoção do modelo "vocacional e disciplinar de Florence Nightingale". Esse modelo "legitimou o poder através da hierarquia e teve a função ideológica de valorizar o trabalho de enfermagem degradante dos hospitais, através do discurso da sublime arte " (WALDOW, 1995:70).
Nos princípios constitutivos desse modelo estava explícita a forma de submissão e obediência das enfermeiras em relação aos médicos, isto pode ser evidenciado na citação que segue, extraída de WALDOW (1995:70) "... o treinamento é para capacitar a enfermeira para agir da melhor forma na execução de ordens (...) e torná-la não servil, mas fiel às ordens médicas e de autoridades. "
Esse papel de subordinação da enfermagem ao profissional médico, como caráter intrínseco à profissão, presente desde a sua concepção como "Enfermagem Moderna", com Florence Nightingale em 1860, não foi questionado pela primeira Escola de Enfermagem brasileira, pelo contrário, foi incorporado e reproduzido nas demais Escolas de Enfermagem. A formação ministrada, nesta Escola deixava bem claro os limites em que as enfermeiras atuariam, bem como seu papel de subaltemidade em relação aos médicos.
Isto pode ser verificado na fala de EDITH FRAENKEL (1932:10), então diretora da Escola em questão: enfermeira por certo não receita e nem diagnostica, mas os seus estudos têm de ser paralelos com os do médico, mantendo porém uma linha de demarcação bem definida. Ela precisa saber, saber muito bem, para ter perfeita compreensão da sua missão de colaboradora e auxiliar inteligente do médico ".
E em discurso proferido pela superintendente do serviço de Enfermagem do Departamento Nacional de Saúde Pública, Ethel Parsons, por ocasião da formatura da primeira turma de enfermeiras da Escola de Enfermagem Anna Nery, em maio de 1925. "Eu as vejo como uma verdadeira bênção para os doentes, tanto ricos como pobres. Vejo-vos indo as casas e aos hospitais, tanto público como particulares, socorrendo os doentes, sem distinção de raça, cor ou religião, pelos vossos serviços habilitados; salvando as vidas de muitos por cumprirem com as ordens dos médicos, inteligentemente efielmente (AS PIONEIRAS, 1932:10)
Estes pontos de vista, que concebem a enfermeira como "colaboradora e auxiliar inteligente do médico" e as vêem cumprindo "com as ordens dos médicos, inteligentemente e fielmente ", vindas de enfermeiras diretamente envolvidas com o processo de formação e mesmo responsável por ele, evidenciam a aceitação da subordinação da Enfermagem em relação a Medicina. Tais pressupostos, uma vez incorporados no processo de formação e na prática social desta profissão, em sua gênese, vão acompanhar, de alguma forma, a história da Enfermagem brasileira.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mesmo sem uma pesquisa aprofundada sobre a dinâmica atual da prática social da Enfermagem e do processo de ensino ministrado nas escolas brasileiras e, resguardando as diferenças qualitativas que caracterizam cada instituição e situações particulares, é possível afirmar que, apesar dos esforços empreendidos por intelectuais da área, por órgãos representativos e por instituições formadoras em modernizar o ensino de Enfermagem no Brasil e romper com padrões arcaicos de formação, o processo educacional vigente em muitas Escolas de Enfermagem ainda mantém parte da essência do modelo adotado na origem desta profissão.
Não obstante todo o movimento de libertação da mulher e dos movimentos feministas da década de 70, a questão da submissão da Enfermagem em relação à Medicina, em muitas situações, parece não ter se alterado significativamente no decorrer da história. Isso nos leva a pensar que o problema não se limita a uma questão de gênero, mas se vincula a uma questão de classe, onde determinadas profissões desenvolvem-se vinculadas a determinada classe social e outras, pela própria procedência de seus membros, pelo papel a ser desempenhado na sociedade e pelo predomínio de uma determinada categoria na sua composição, farão parte do conjunto de profissões que se caracterizam por um tipo de trabalho explorado.
Com isso podemos pensar que a vontade individual ou mesmo coletiva de um grupo ou categoria de pessoas é necessária mas não suficiente para provocar mudanças em processos que não tem como base apenas aspectos conjunturais, mas fazem parte da própria estrutura da sociedade. Neste sentido, revisitar a história nos ajuda a compreender que a relação entre a Enfermagem e a Medicina, não se restringe a uma questão de gênero, mas está determinada e se encontra impregnada por elementos que fazem parte da estrutura social em que vivemos, portanto, a luta pela sua superação implica também na luta pela superação desta forma societária de viver.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. CHAGAS, Carlos. A enfermeira moderna: apello às moças brasileiras. Rio de Janeiro: Officinas Graphicas da Inspectoría de Demographia Sanitaria, Educação e propaganda, 1921. Prefácio.
2. Prospecto Informativo do DNSP, 1922.
3. COSTA, A., BRUSCHINI, C. Uma questão de género. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 1992.
4. DEPARTAMENTO NACIONAL DE SAÚDE PÚBLICA. Prospecto de informações. Rio de Janeiro, 1926.
5. FRAENKEL, E. A enfermagem no Brasil. Annaes de enfermagem v. 1, n. 1.maio,1932
6. HELMAN, C. G. Cultura, saúde e doença. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas,1994.
7. PARSONS, E. A enfermagem moderna: apelo às moças brasileiras. Rio de Janeiro: DNSP, 1921.
8. Recepção de Toucas. As pioneiras. Escolas de enfermeiras, 1925.
9. RIZZOTTO, M. L. F. (Re) vendo a origem da enfermagem profissional no Brasil: a Escola Anna Nery e o mito da vinculação com a Saúde Pública. Campinas: São Paulo, UNICAMP, 1995. Dissertação (Mestrado em Enfermagem).
10. WALDOW, V .R, et al. Maneiras de cuidar,maneiras de ensinar: a enfermagem entre a escola e a prática profissional. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
1. Esta Escola de Enfermagem, foi criada em novembro de 1922, com o nome de "Escola de Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde Pública" - DNSP, passou a chamar-se "Escola de Enfermeiras D. Anna Nery" em 1926 por meio de Decreto presidencial de 31 de março daquele ano, num tributo à brasileira Anna Nery, pelos serviços prestados como voluntária na Guerra do Paraguai. Neste trabalho vou utilizar a denominação de "Escola de Enfermagem Anna Nery " independente do período a que estiver me referindo, por ser, na atualidade, conhecida com este nome.