ISSN (on-line): 2177-9465
ISSN (impressa): 1414-8145
Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
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Ministério da Educação
CAPES

Volume 2, Número 1, Jan/Ago - 1998

INTRODUÇÃO

O propósito deste estudo é mostrar algumas das modificações ocorridas no perfil das alunas de enfermagem ao ingressarem na Escola de Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde Pública (1923-9) e na atual Escola de Enfermagem Anna Nery/UFRJ (década de 90).

A criação da Escola de Enfermeiras do DNSP permitiu que uma nova categoria profissional feminina fosse legitimada na sociedade. Para tanto, adotaram-se critérios rigorosos para o recrutamento e seleção das futuras alunas, processo este que era realizado pelas dirigentes da Escola, as quais detinham a prerrogativa do que Pierre Bourdieu (1989, p. 156) denominou "monopólio da assinatura", ou seja, tinham o poder de inserir ou excluir candidatas, dependendo do resultado da apreciação que fizessem de cada uma delas. A avaliação baseava-se principalmente no desempenho das candidatas durante a entrevista individual, nas condições sócio-eco-nômicas de seus familiares, no nível de instrução que possuíam à época da seleção e se já tinham experiência anterior com a prestação de cuidados a pessoas doentes. E ainda mais, "se procurava evitar aquelas que apresentassem estigmas, inscritos no próprio corpo ou revelados pelo comportamento, que pudessem desacreditar a nova profissão perante às elites dominantes" (Barreira, 1997,p.173).

Portanto, eram estes critérios que determinavam o perfil das alunas nos primórdios da Escola. Com o passar dos anos, o perfil do alunado foi modificado, principalmente pela extinção de determinados requisitos e dá própria conjuntura social, sendo o mais importante ponto de ruptura da situação vigente a Lei da Reforma Universitária de 19681, que modificou profundamente a organização e o funcionamento do sistema de ensino superior e, em especial, a inserção mesma da carreira de enfermagem na Universidade.

 

DIRETRIZES TEÓRICAS E METODOLÓGICAS

O presente estudo é do tipo descritivo e a problemática foi estudada em seu contexto e dimensão histórica. A coleta de dados foi realizada mediante consulta ao acervo do Centro de Documentação da Escola Anna Nery e aplicação de um questionário a todos os alunos do curso de graduação desta Escola, com matrícula ativa no 2º período letivo de 1997.

Portanto, as fontes primárias desta pesquisa são as que se seguem: instrumentos legais, registro das candidatas por ocasião do ingresso no curso; relatórios das Diretoras; revista "As Pioneiras" e as respostas dos atuais alunos de enfermagem ao questionário. Deste questionário constavam, dentre outros, os seguintes itens: idade, sexo, estado civil, número de filhos, local de residência, com quem mora, renda, ano e semestre de ingresso no curso, número de vestibulares prestados antes e/ou depois de entrarem na Escola; a pretensão de realizar vestibular para outra carreira (durante ou após o curso de enfermagem); havia ainda um espaço reservado para comentários sobre o que o levou a fazer enfermagem e outros julgados necessários.

Os dados quantitativos foram tratados a partir da estatística descritiva, com distribuição de freqüência simples e relativa; os qualitativos, mediante análise e classificação do conteúdo dos documentos. Com o fim de apoiar a discussão dos achados, utilizamos literatura da área de enfermagem, com destaque para os trabalhos de Barreira (1997, 1996), Baptista (1988), Baptista e Barreira (1997), Sauthier (1996), e os conceitos: habitus e campo social (Bourdieu & Passeron, 1975; Bourdieu, 1989).

 

A CARACTERIZAÇÃO DAS(OS) ALUNAS(OS): ONTEM E HOJE

O perfil da aluna da Escola de Enfermeiras do DNSP

De acordo com os dados primários desta pesquisa, podemos observar que, nos primeiros anos de vida da Escola, a decisão das candidatas por realizar o curso de enfermagem baseava-se na religiosidade (renúncia aos prazeres) e no espírito patriótico (ser útil ao país): "lendo um prospecto, que por casualidade me veio as mãos, resolvipraticar a caridade e, deste modo, ser útil ao meu país" (ISL, 1925); na idéia de vocação (força propulsora interna) e na enfermagem arte (cuidado): "desejo obter o lugar de enfermeira por sentir que é uma vocação que a isto me impele, pois tenho uma enorme piedade por todo aquele que padece. A minha maior vontade é poder desempenhar a missão confiada a contento geral e poder aliviara dor alheia" (ICA, 1925); na intenção de trabalhar para os ideais da eugenia: "Atualmente da enfermeira, mais do que ninguém, depende o aperfeiçoamento da raça. É ela, pois, a esperança da humanidade! " (JR, 1927); e, ainda, pela oportunidade de participarem da vida pública, mesmo reconhecendo as relações de poder entre homens e mulheres na sociedade, as quais, na enfermagem, se traduziam pela submissão ao profissional médico: "quanto ao objetivo, é o de secundar os médicos na cura dos enfermos, cumprindo as suas prescrições a risca, independente da vontade do enfermo, porém com todo carinho e humanidade" (ISC, 1926). Pelos depoimentos, parece que, à época, a idéia mais marcante era a da obrigação moral de cuidar dos que sofrem, visando a aliviar o sofrimento alheio.

Entretanto, mesmo não sendo de se esperar, algumas candidatas diziam que procuravam a profissão para alcançar a independência financeira: "Desejo dedicar-me a carreira de enfermeira, porque acho-a das mais propícias para a mulher, visto ser uma profissão que, proporcionando um meio de vida, exige muita dedicação e paciência, próprias da mulher" (LBT 1925).

As candidatas de origem humilde/ pobre também eram recebidas, contanto que fossem moças de "boa família". Parece que essas alunas vieram devido ao anúncio de um jornal da época, "Correio da Manhã", e pelo próprio folheto de divulgação do curso, intitulado "A enfermeira moderna: apello às moças brasileiras", o qual explicitou tratar-se de uma profissão exclusivamente feminina. A nova profissão representou, mesmo que discretamente, a emancipação da mulher com honra. O curso de enfermagem trouxe para as mulheres uma perspectiva de vida honesta para uma moça pobre além de propiciar-lhes o prosseguimento de seus estudos (Barreira 1997, p.168).

Parece que o mesmo não acontecia com as candidatas de etnia negra. Por isto, para se evitar despesas desnecessárias, as professoras responsáveis pela seleção solicitavam às candidatas uma foto recente a fim de que pudessem ter uma idéia de suas características fisicas. Esse fato repercutiu de tal forma que, em 1926, foi denunciado pelos jornais de oposição da época. A própria Ethel Parsons2 reconhecia que a política da Escola era a de dar preferência à melhor classe de mulheres para a recente profissão, evitando, assim, a entrada de alunas negras. Miss Parsons alegava, entretanto, que as candidatas negras não foram selecionadas por outros motivos que não a etnia, e mencionava que havia na Escola três alunas "brancas" com traços oriundos do "sangue negro" (Barreira 1997, p.169).

Nesse período, a candidata deveria ser do sexo feminino, solteira, viúva ou legalmente separada do marido. Caso desejasse casar-se, deveria abandonar o curso. A mulher da década de 20 tinha uma orientação voltada para o lar e para o culto à figura de Maria. Acerca da questão, Sauthier (1996, p.163) faz o seguinte comentário: "A Escola preferia as alunas que apresentassem uma identificação com as virtudes dasfilhas de Maria que eram moças católicas, virgens, que se consagravam com o objetivo de imitar as virtudes da Virgem Maria", sendo tidas como exemplos para as outras mulheres da sociedade. Além de ter que apresentar boa aparência pessoal, modos refinados, procurava-se alunas com comportamento e hábitos enquadrados à época, como "boas maneiras".

Essas e outras exigências, comentadas a seguir, podem ser entendidas se considerarmos que a preocupação das dirigentes da Escola era a de elevar a enfermagem brasileira à condição de profissão "digna e respeitada" até mesmo porque, à época, "o estereótipo da enfermeira correspondia a padrões morais inferiores das pessoas que a praticavam" (Alcântara, 1966, p.31). Parece que o empenho/exigências das dirigentes da Escola era em muito valorizado pelas alunas. Tanto que as formandas da primeira turma demonstraram seu reconhecimento à Miss Claire Louise Kieninger7 por "doar ao nosso País o maior serviço social moderno, abolindo o preconceito de não poder ser enfermeira sem corar"8. Cabe comentar que o preconceito contra a profissão está ligado também ao fato de que a enfermagem, durante séculos, foi exercida por pessoas socialmente desvalorizadas/ desqualificadas, como escravos, pessoas de precárias condições sócio-econô-micas, mulheres de baixo padrão social, moral e cultural, e que fugiam aos padrões convencionais.de esposa e mãe (Silva, 1986, p.53).

Como podemos constatar na Tabela 1, das 118 alunas que se formaram entre 1925 e 1931, houve predomínio, 48 eram oriundas da Capital Federal, representando quase metade do universo de alunas . A maioria delas provinha da classe média/alta da sociedade, tanto que algumas estudaram nos melhores colégios da época, como nos mostra Sauthier (1 996, p.165): "estudar em Sion era um privilégio de poucas, das mais abastadas". A maioria das alunas freqüentou escolas que ofereciam o curso normal e /ou fizeram curso ligado à área comercial.

 

 

Se, por um lado, a Escola fazia exigências para o ingresso, por outro, oferecia às candidatas e aos seus familiares ou responsáveis inúmeras vantagens, tais como: internato; segurança; alimentação; transporte; remuneração; contagem do tempo de serviço; lazer.

As alunas tinham direito à residência (Barreira, 1997, p.167), num "regime de internato", onde recebiam alimentação, cuidado com a roupa, remuneração (90 mil réis) e transporte para a Escola. No primeiro ano de existência da Escola, a residência localizava-se em um prédio ao lado do atual Hospital São Francisco de Assis9.

Em 1926, a residência das alunas foi transferida para Botafogo. O internato era dirigido pela Superintendência de Enfermeiras que mantinha uma rígida disciplina moral e atmosfera social elevada, como se observava nos melhores colégios de moças (Sauthier, 1996, p.128). Apesar da rígida disciplina e da vigilância, as alunas tinham regalias na Escola, pois havia quem cuidasse de seu vestuário e alimentação, transporte particular e não estavam sob a tutela dos pais. As dirigentes organizavam atividades como piqueniques e saraus dançantes, onde tinham como convidados os internos de medicina, amigos e familiares das estudantes, propiciando assim, atividades de lazer, sempre, porém, sob a vigilância das dirigentes da Escola (Sena e cols., 1996, p.5).

As alunas representavam à época mão-de-obra para o Hospital São Francisco, devido a toda uma conjuntura de déficit desse-novo profissional no mercado de trabalho. Contudo, era uma atividade remunerada e as alunas podiam contar esse tempo de serviço para aposentadoria. A remuneração era baixa quando comparada com o salário dos demais profissionais da área de inspeção de higiene, entretanto, apesar de não ser compensatório, era um salário superior aos pagos às mulheres da época (Barreira, 1997, p.172).

O curso tinha duração de "dois anos e quatro meses, com quinze dias de férias anuais"10, sendo que, nos primeiros quatro meses11, havia uma prestação de trabalho de 48 horas semanais, não estando incluída, nessas horas, a instrução teórica.

Como consta na Tabela 2, a idade das alunas que ingressaram no período 1923-29 variava entre 17 a mais de 37 anos, com média de 20 anos. Entretanto, existiam alunas com idade inferior ou superior ao estipulado, pois, "atendendo a casos especiais, poderá a Superintendente Geral do Serviço de Enfermeiras12aceitar candidatas de idade superior a 35 ou inferior a 20 anos"13, como foi o caso, por exemplo, das alunas Olga Campos Salinas14, que contava apenas 17 anos e pertencia à alta sociedade da época, tendo estudado em escola normal, e Lydia Salgado15, que tinha 40 anos de idade e já havia cursado dois anos de medicina, na Faculdade de Medicina do RJ, e enfermagem, na Cruz Vermelha, durante dois anos. Essas exceções ocorreram porque, no entendimento das dirigentes da Escola, essas moças apresentavam fortes indícios de virem a ser boas enfermeiras (Sauthier, 1996, p.161). Esses indícios eram evidenciados pelas dirigentes através da análise dos documentos das alunas, da entrevista individual, da indicação, dentre outros.

 

 

Para candidatar-se ao curso da Escola de Enfermeiras do DNSP, as dirigentes também exigiam que as candidatas apresentassem atestado médico objetivando certificarem-se da "constituição, resistência e mentalidade, não podendo a candidata apresentar defeitos físicos, problemas orgânicos, nem moléstia transmissível"12. Outro requisito da época era a apresentação de carta de referência das qualidades morais e intelectuais das candidatas, sendo dada preferência para aquelas com experiência em direção doméstica, ensino, cuidado com enfermos e ainda experiência no comércio.. Na primeira turma (1923-1925) formada pela Escola, conforme a Tabela 3, havia alunas (46,2%) com experiência no comércio, bordadeira, "enfermeira", professora de línguas estrangeiras e piano e auxiliar de dentista, como podemos constatar em suas fichas de inscrição. Percebemos também na Tabela 3 que havia alunas (30,7 %) que não tiveram ocupação anterior e que 23,1 % delas não preencheram o item da ficha de inscrição referente à ocupação anterior.

 

 

No que se refere à escolaridade, a exigência para ingressar na EEAN era a de que as candidatas devenant ter cursado a escola normal ou realizado estudos equivalentes. Caso contrário, eram submetidas a uma prova de suficiência que constava de questões referentes às seguintes matérias: "arithimética", "portuguez", "geo-graphia", "chorografia"13, história do Brasil, história natural, "phísica" e "chimica". Essa exceção viria a ser questionada a partir da aprovação da Lei 775/ 49 (art.5°), que tornou obrigatório o curso secundário completo para o ingresso de alunos na carreira de enfermagem.

Apesar da exigência dessa Lei, ainda se permitiu o ingresso de alunas sem tal requisito por mais sete anos (até 1956). Esse fato ocorreu porque, à época, poucas mulheres conseguiam concluir seus estudos secundários. Além disso, a enfermagem possuía estereótipos negativos na sociedade, que contribuíam para a redução da procura pelo curso. No ano de 195618, mesmo com as professoras de enfermagem cientes da necessidade do cumprimento da lei para que a enfermagem fosse considerada um curso de nível superior, postergou-se mais uma vez a exigência do curso secundário, alegando-se a necessidade de tempo para preparar o corpo docente para o ensino de nível superior. Os diplomas fornecidos aos formandos porém, eram registrados na Diretoria de Ensino Superior do Ministério da Educação e Cultura.

Como podemos perceber, a Escola levou 12 anos para cumprir definitivamente os termos da Lei de 1949. Com essa mesma Lei, cessou a exigência de equiparação ao "padrão Ana Néri" para criação de novas escolas, cabendo à Diretoria do Ensino Superior do Ministério da Educação e Saúde a avaliação e a autorização sob a jurisdição do Ministro e o reconhecimento sob a do Presidente da República. Também tornou-se obrigatório o vínculo das escolas aos Centros Universitários ou Faculdades de Medicina. Nesses moldes, observou-se que em tal Lei não se havia determinado o tipo de administração que as escolas deveriam adotar. Finalmente, em 1961, o presidente João Goulart sancionou a lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que, dentre outras exigências, tornou obrigatória a conclusão do ciclo colegial ou estudos equivalentes para qualquer candidato que pretendesse ingressar nos cursos de nível superior (Baptista 1995; p.41-3).

 

O MOMENTO DE RUPTURA DO ANTIGO PERFIL DAS ALUNAS ANANERI

Ao longo dos anos, aquelas concepções iniciais acerca dos requisitos necessários para o ingresso na Escola sofreram mudanças, sendo que a mais marcante se deu em 1971. A partir daí, o perfil dos alunos da Escola Anna Nery foi radicalmente alterado. E isto porque, com a implantação das diretrizes da Reforma Universitária (RU/68), a seleção de candidatos passou da esfera de responsabilidade da Escola para os órgãos de administração acadêmica da Universidade.

Assim é que a Escola recebe todos os alunos, desde que devidamente aprovados e classificados no vestibular, independente de sexo e estado civil. Além disso, ao adotar provas objetivas (testes de múltipla escolha), corrigidas por "gabaritos",foram eliminados critérios de seleção menos objetivos, mas muito valorizados pela Escola, como aparência pessoal, comportamento e antecedentes.

As turmas de enfermagem passaram a ser constituídas em grande parte por estudantes não especialmente desejosos de ingressar na profissão e, muitas vezes, apenas esperando ter mais êxito no próximo vestibular.

 

 

Como demonstrado na Tabela 4, a escolha da profissão baseia-se principalmente nos alunos terem inclinação para a área da saúde (84,9%). O fato do ingresso no curso ser facilitado(5,2%) pois a relação candidato/vaga é inferior aos cursos de maior prestígio social, também determina a opção dos candidatos.

Muitos alunos prestaram vestibular para medicina (49,6 %) conforme apresentado por Baptista (1994, p.93) e por Menezes e Baptista (66,4%, 1998) antes de ingressarem no curso de enfermagem. Porém, como o ingresso no curso médico é dificultado, porque exige um maior número de pontos, acabaram por fazer enfermagem por ser também uma carreira da área da saúde.

Essas características são evidenciadas nos próprios depoimentos dos sujeitos do estudo: "Gostaria de cursar medicina, mas achei que não podia perder tempo com o curso pré-vestibular ... optei por enfermagem por ter a ver com a área da saude" (PCI7, quest.215).

Como podemos perceber, os alunos de enfermagem muitas vezes optam por essa carreira porque o sistema de seleção à universidade ainda reproduz as diferenças existentes entre as classes sociais, determinando que, nas carreiras de menor "status" social, predominem alunos procedentes das classes de menor poder econômico [e cultural]. Tanto que a maioria dos alunos da instituição estudada continuam optando pela enfermagem por terem finalmente reconhecido que o ingresso em outras carreiras de maior prestígio social, como a medicina, era inacessível para eles.

Devemos considerar que, na atualidade, existem alguns alunos que cursam a enfermagem porque se identificam com o ideal humanitário, uma das características das pessoas que se inserem desde os primórdios nessa profissão, como podemos perceber nos seguintes depoimentos (Menezes e Baptista, 1998): "Por poder lidar de perto com o cliente, podendo estar sempre ao seu lado. Por ser uma carreira muita bonita e humana " (PCI 2, quest. 172); "Por gostar da profissão e achá-la bonita e também por gostar de ajudaras pessoas" (PCI 2, quest.67).

 


*A opção outros refere-se a viúvo e "amigado".

 

 

Nas Tabelas 5 e 6, verificamos que há na escola alunos casados e com filhos, fatos estes que não eram permitidos nos primórdios da nossa Escola. Hoje em dia, ser casado, com ou sem filhos, não se constitui mais em impedimento para o ingresso na Escola. O que interessa agora é qualificar cada vez mais as pessoas para sua inserção no mercado de trabalho.

Ressaltamos também que a identificação das alunas com as "filhas de Maria", obedientes, submissas, não foi perpetuada. Ao contrário, a Escola incentiva os seus alunos a lutarem pelos seus direitos dentro da própria instituição, contribuindo, assim, para os primeiros ensaios para a vida profissional.

Uma outra questão a ser discutida é a de que a aparência pessoal dos alunos ainda é muito valorizada pela Escola. Apesar de não ser um critério para o ingresso, é um dos requisitos avaliados pelos professores em campo de estágio. Os alunos também recebem orientação quanto à "postura profissional" nos campos de atuação conferindo, assim, uma imagem de seriedade nos setores de desenvolvimento das atividades profissionais.

Alguns estereótipos do passado ainda estão imbricados na profissão apesar dos esforços das enfermeiras no decorrer das décadas. Assim é que ainda há necessidade de que nós enfermeiros continuemos a refletir sobre nossa identidade profissional para que, cientes do que somos e do que representamos na área da saúde, tenhamos subsídios para nos firmar com o devido reconhecimento e respeito na sociedade.

Quanto à naturalidade, como vimos anteriormente, na década de 20, havia alunas de varias localidades do país, com predominância do Estado do Rio de Janeiro. Na época, existia no Brasil somente a EEAN, nos moldes da enfermagem moderna. Atualmente, ainda há uma predominância dos alunos do Rio e Grande Rio19. Mas, agora, esta realidade se deve principalmente ao fato da existência de um ou mais cursos de graduação em enfermagem em todo o território nacional, com exceção do estado de Tocantins.

 


Fontes: Baptista, S. de S., 1997. Levantamento Nacional das EE (pesquisa apoiada pelo CNPQ). MED, 1996. Cadastro das EE.

 

Os estudos de Baptista (1997) revelaram que existem 109 escolas de enfermagem no país em funcionamento, sendo que 67% destas estão localizadas na região sudeste e sul (Tabela 7), e que dos 27 estados brasileiros, há 26 com uma ou mais escolas de enfermagem.

 

 

Verificamos na Tabela 8 que a faixa dos alunos que tem o maior percentual de renda20 (7,5) atinge o valor estimado de 2 a 3 salários-mínimos21 que, em nossa realidade, é um valor razoável, se considerarmos apenas as despesas com os estudos. Entretanto, a maioria dos alunos (81,3%) não tem renda própria; tal fato nos leva a acreditar que os mesmos são mantidos na universidade com os recursos de seus pais ou responsáveis.

Vimos que nos primórdios, apesar de sua rígida disciplina, a Escola oferecia algumas facilidades para as alunas. Atualmente porém, não existem mais aqueles incentivos, como a moradia. Diante do fato de muitos alunos não possuírem recursos para se manterem na universidade, até meados da década de 90, era oferecido àqueles que comprovassem carência financeira, bolsa de estudos, auxílio transporte e, para os que residissem em lugares afastados da universidade, um local para morar, conhecido como "alojamento", que recebe alunos dos diversos cursos e de ambos os sexos. Todavia, as bolsas de estudo e o auxílio transporte foram cancelados devido à crise financeira que assola a universidade pública. Apesar dessas conquistas terem sido anuladas, há um movimento de estudantes e professores em prol de recuperar esses incentivos que, na maioria das vezes, são imperativos para que muitos possam continuar seus estudos universitários.

No que tange à duração do curso, constata-se que o mesmo consta de quatro anos de duração, com disciplinas básicas nos primeiros períodos e disciplinas vinculadas à prática profissional que se subdividem em Programas Curriculares Interdepartamentais, distribuídos pelos diversos departamentos da Escola.

Como podemos perceber nas Tabelas 2 e 9, quanto à idade, há coincidência entre as antigas e os atuais alunos da Escola, pois estes também apresentam, em média, idades que variam de 17,5 a 40 anos, com uma média de 22,5 anos (Menezes e Baptista, 1998).

Verificamos também na Tabela 9 que ainda é baixo o percentual de alunos homens (9,3%) matriculados no curso de enfermagem. Esta questão pode ser discutida a partir do modelo tradicional de divisão do trabalho entre homens e mulheres e da ideologia da distribuição dos dons entre eles que, em sendo produto das relações sociais, condena, mais freqüentemente, as mulheres que os homens a certos tipos de estudos (Bourdieu & Passeron, 1975, p. 193).

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mediante a análise e discussão dos achados deste estudo, podemos constatar as transformações ocorridas no perfil das(os) alunas(os) que ingressaram na Escola Anna Nery, nos seus 75 anos de vida na história da enfermagem brasileira, uma vez que contrastamos os critérios de seleção adotados pela Escola em seus primórdios com os atualmente vigentes.

Essas reflexões nos permitiram a compreensão das diversas situações enfrentadas pelas dirigentes da Escola e pelas(os) candidatas(os) ao curso, nos diferentes momentos históricos (décadas de 20, 30 e 90).

Verificamos ainda que documentos legais, tais como as Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional/61 e a da Reforma Universitária/68, foram os instrumentos que determinaram rupturas no perfil das alunas da escola Anna Nery, sendo que o mais importante foi a Reforma Universitária de 68.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. BAPTISTA, Suely de Souza. A luta da enfermagem por um espaço na universidade. Rio de Janeiro: UFRJ/EEAN, 1997.

2. BARREIRA, Ieda de Alencar. Os primórdios da enfermagem moderna no Brasil. Escola Anna Nery Revista de Enfermagem. Rio de Janeiro, v.1, p.161-176, jul.1997. Número especial de lançamento. ____A enfermeira Ananéri no país do futuro. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997.____Graduação em enfermagem da EEAN: o perfil do aluno de graduação. Rio de Janeiro: UFRJ / EEAN, 1997.

3. FERREIRA, Aurélio Buarque de H. Novo dicionário da língua portuguesa. 2. ed. rev. aum. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

4. ENEZES, Simone dos Santos, BAPTISTA, Suely de Souza, LUIZ,Sérgio Felipe de Oliveira. Os alunos e a carreira de enfermagem: a opção possível? Rio de Janeiro, 1997(mimeo).

5. SAUTHIER, Jussara. A missão de enfermeiras norte- americanasna capital da república. Rio de Janeiro: UFRJ, 1996. Tese (Doutorado em Enfermagem) - Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

6. SENA, Antonia Regina Messias F. et al. Moça de boa família como figura-tipo de candidata à enfermeira. Rio de Janeiro, 1997. (mimeo).

 

1. Esta pesquisa integra os estudos que vêm sendo desenvolvidos junto ao projeto integrado/ CNPq intitulado: A carreira e a profissão de enfermagem na sociedade brasileira Prêmio"A Lâmpada" concedido pelo NUPHEBRAS por ocasião do 5° Pesquisando em Enfermagem, período de ¡4 a 16 de maio de 1998. Menção Honrosa, categoria profissional.Lei n 5540, de 28/11/68.
2. Chefe da Missão Parsons
3. Primeira dire'tora da Escola Anna Nery
4. Declaração constante do álbum de formatura(DNSP, 1925, p.6-7)
5. Essa residência tinha capacidade para 16 alunas; posteriormente (1924-6), as alunas residiram numa casa na Tijuca, na rua Vai Paraízo.
6. Regulamento da Escola de Enfermeiras. Localização :UFRJ, EEAN, CD, Mód. A, Caixa 10, Doc.62.
7. Período considerado probatório no curso de enfermagem.
8. Miss Ethel Parsons - Chefe da Missão de Cooperação Técnica para o Desenvolvimento da Enfermagem no Brasil, que dentre outras coisas criou a Escola de Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP), atual Escola de Enfermagem Anna Nery/UFRJ.
9. Decreto-lei n° 16300, de 31 de dezembro de 1923, capítulo XVI, referente à matrícula; Artigo 411, letra "a", 2U parágrafo - UFRJ/EEAN/CD, Localização: Regimento UFRJ e Leis.
10. Aluna da primeira turma da EEAN (1925) - UFRJ/EEAN/CD, Localização: Módulo L, Caixa
11. Origem: Graduação em Enfermagem, 1925-7.Aluna da. segunda turma da EEAN (1926) - UFRJ/EEAN/CD, Localização: Módulo L, Caixa 1, Origem: Graduação em Enfermagem, 1925-7.
12. Requisitos para admissão - UFRJ/EEAN/CD, Localização: Módulo A, Caixa 9, doc. 53.
13. Chorografia (corografía), segundo o dicionário Aurélio quer dizer estudo ou descrição geográfica, de um país, região, província ou município.
14. Lei n° 2995/56

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