Volume 1, Número 1, Jan/Abr - 1997
A partir da leitura e análise dos documentos constantes em estudo nacional da CAPES2 sobre a pós-graduação brasileira e da discussão com os docentes componentes das Comissões Adjuntas de Mestrado, Doutorado e Latu Sensu da EEAN/UFRJ3, elaboramos, neste artigo, um contraponto entre os principais aspectos levantados por esses documentos e a realidade vivenciada na nossa Pós-Graduação. Do ponto de vista do atendimento de algumas estratégias gerais apontadas para resolver alguns problemas considerados centrais na pós-graduação brasileira, constatamos que muitas delas já vêm sendo implementadas na EEAN.
Um dos principais problemas apontados é a longa duração dos cursos, provocando uma escassa titulação de doutores vis-à-vis as necessidades das nossas IES. Na EEAN, o tempo médio de formação de doutores, mesmo seguindo o modelo seqüencial Mestrado-Doutorado, totaliza cinco anos; sendo muito menor (a metade) do que a média nacional (dez anos). Isto é possível, sem prejuízo da qualidade do produto final, graças a estratégias didático-pedagógicas utilizadas nas disciplinas obrigatórias (duas para o Doutorado e três para o Mestrado) que desde o primeiro momento focalizam a pesquisa de dissertação/ tese do aluno, além de um acompanhamento permanente e assíduo do orientador em todas as etapas do trabalho discente. As áreas de interesse específicas dos alunos no que se refere às suas dissertações e teses são contempladas por disciplinas eletivas (discutidas e definidas em conjunto com seus orientadores) que podem ser cursadas dentro ou fora da EEAN.
Com respeito à priorização das regiões carentes do país em termos de qualificação docente e investimento em pós-graduação, a EEAN também vem formando mestres e doutores para as IES situadas nessas regiões. Além disso, já adotamos como estratégia a assinatura de convênios de cooperação (na modalidade de extensão) para a qualificação de docentes a distância e para a criação de cursos de Mestrado e Doutorado nessas IES.
Cabe assinalar como limitação a essa estratégia o ainda necessário esforço para qualificar nossos próprios docentes recém-concursados pela UFRJ, que foram contratados em início de carreira. Este problema se associa à evasão de um grande número de professores qualificados, dado o incremento recente das aposentarias no Serviço Público Federal em geral e nas Universidades Federais em particular. Mesmo diante da impossibilidade de recontratação dos nossos professores aposentados, estes vêm participando, na EEAN, como orientadores e como membros de bancas, aproveitando sua experiência e seu saber acumulados.
Outra estratégia compensatória que estamos empregando é a contratação de professores-visitantes doutores, priorizando, inclusive, sua qualificação em outras áreas que não a Enfermagem, permitindo-nos, dessa forma, a necessária ampliação interdisciplinar do conhecimento, sobretudo em nível de pós-graduação, e combatendo a tão criticada "endogenia" em nossos cursos. No entanto, existem duas limitações para esta estratégia: o número de vagas oferecidas para esses professores é ainda insuficiente diante das nossas necessidades e os empecilhos para a contratação e pagamento desses professores na UFRJ ainda são enormes (muitos dos nossos professores-visitantes têm trabalhado sem remuneração por longos períodos).
Por outro lado, a denominada "via rápida" de capacitação docente através da abertura de concursos públicos com vagas privativas para professores já titulados4 encontra algumas barreiras significativas: o baixo número de vagas oferecidas pela nossa Universidade Federal (ao menos aquelas destinadas à Escola de Enfermagem); a "via pouco rápida" no processo de abertura de vagas, admissão e contratação dos referidos professores; e ainda a pouca oferta de docentes de enfermagem qualificados (com titulação de doutor) disponíveis no mercado.
Todo o investimento em qualificação docente feito pela pós-graduação da EEAN, para dentro e para fora da instituição, bem como o aumento do número de vagas oferecidas para seus cursos de Mestrado e Doutorado, têm demandado muito esforço e dedicação dos docentes doutores. Isto tem imposto limitações à participação dos mesmos na ampliação de estratégias de integração Pós-Graduação/Graduação, integração esta também apontada como questão importante e crítica na avaliação da pós-graduação brasileira. Apesar dessas limitações, temos tratado de promover essa integração através da participação em alguns programas de âmbito nacional e de estratégias de nossa própria iniciativa.
Com relação aos Programas, temos participado do Programa de Iniciação Científica - IC, contando com alguns bolsistas e com razoável produção científica, devidamente orientada por professores da pósgraduação. No entanto, neste último ano, tivemos nossos pedidos de financiamento de Projetos Integrados recusados pelo CNPq, o que está colocando em risco não apenas a continuidade de algumas linhas de pesquisa em nossa Escola, como também está fechando a possibilidade de ampliação do número de bolsistas de IC em novas linhas de pesquisa.
Um segundo Programa do qual estamos tratando de participar é o PROIN (Programa de Apoio à Integração Graduação/Pós-Graduação), lançado em 1995 pela CAPES. Já enviamos projetos para os dois editais de convocação neste último ano: todos foram recusados. A nosso ver, a existência pretérita de atividades integradas de graduação/pós-graduação, de demonstrada eficácia e relevância social, como é o caso da EEAN, é que deveria contar como critério para receber suporte desse tipo de Programa. Cabe aqui citar uma crítica mais geral sobre os critérios de avaliação dos projetos do PROIN, enunciada por César Zueco em um dos documentos da avaliação da CAPES:
"Os critérios qualitativos para a seleção interna dos projetos a serem apresentados acabam, por vezes, sucumbidos por outros critérios e razões: necessidades emergenciais de um determinado curso no âmbito da instituição, influência dos interessados na estrutura de poder (o grifo é nosso), critérios de revezamento, etc. Por outro lado, o simples enquadramento do projeto nos critérios estabelecidos em nível nacional torna-se complicado e, às vezes, injusto, quando olhado do ponto de vista dos pares na instituição. Sugere-se, pois, a abertura de espaço para critérios institucionais que possam incluir, dentre outros, a real viabilidade da implementação da proposta diante das condições da instituição, o currículo da equipe e a comprovada capacidade de realizar, referendada pelo sucesso de outros projetos já realizados na instituição.
Com relação às estratégias de integração Pós-Graduação/Graduação de nossa própria iniciativa, constatamos que já estamos realizando todas aquelas medidas que o autor acima referido considera como "medidas que devem ser implementadas no âmbito das IES, independentemente de financiamentos especiais, para que se propicie a integração desejada e, indiscutivelmente, necessária entre os cursos de pós-graduação e graduação, com reflexos positivos na vida do país.6
No tocante às medidas agrupadas como "Formação docente", a EEAN tem investido na capacitação contínua de seus docentes, liberando carga horária para que os mesmos possam participar em cursos de pós-graduação, além de congressos e reuniões técnico-científicas.
Entre as chamadas "Atividades docentes didático-pedagógicas" de integração estão:
- Participação ativa dos docentes mais "altamente capacitados" na discussão dos currículos e práticas metodológicas dos cursos de graduação. Alguns docentes da EEAN, dado o seu intenso envolvimento com as atividades crescentes da pós-graduação, têm tido uma participação discreta nos rumos da graduação. Com o aumento do número de doutores, pretendemos, gradualmente, envolver-nos cada vez mais nas oficinas de trabalho regularmente programadas para discussão e avaliação da graduação.
-Ministração, coordenação ou, pelo menos, supervisão das disciplinas iniciais dos cursos de graduação. Apesar das limitações já apontadas, a maioria dos docentes de pós-graduação têm ativa participação nas disciplinas da graduação, ministrando aulas e supervisionando estágios.
- Avaliação conjunta e participativa dos resultados do processo ensino/ aprendizagem de determinado curso ou das disciplinas de determinado departamento. Aqui existe uma particularidade da EEAN: as disciplinas da graduação são integradas em Programas Curriculares Integrados, distribuídos entre os Departamentos; enquanto que as disciplinas da pós-graduação não estão sob a responsabilidade de cada Departamento, e sim de determinado docente ou equipe de docentes (geralmente interdepartamental).
- Participação nas atividades administrativas da instituição, executivas e colegiadas, centrais e setoriais, possibilitando a influência na formulação de políticas departamentais e institucionais, evitándo os "feudos" ou "ilhas isoladas" da pós-graduação. Os professores da pós-graduação da EEAN têm participado ativamente das atividades administrativas da unidade, influenciando nos rumos departamentais e institucionais. Por outro lado, existe o Conselho de Ensino de Pós-Graduação e Pesquisa, órgão colegiado, de caráter essencialmente democrático, do qual participam todos os chefes de departamento, os coordenadores dos cursos da pós-graduação, o coordenador da Graduação, bem como os representantes dos alunos de Mestrado e Doutorado.
No tocante aos currículos, a EEAN possui uma trajetória pioneira de construção de um currículo integrado a nível de Graduação4. Nesse sentido, os aspectos de flexibilização e integração curricular apontados no documento da CAPES, já vêm sendo atendidos há muito tempo em nossa escola. Na pós-graduação esse modelo foi adaptado, implementando nas disciplinas obrigatórias (como já foi apontado) uma integração curricular entre ensino e pesquisa, sendo esta última (enquanto projeto de tese ou de dissertação) o foco central em torno do qual são construídos os contéudos teórico-práticos necessários.
Quanto à criação de "estágios de docência" ou "monitoria" como atividade curricular optativa para a complementação da formação pedagógica dos pós-graduandos, capacitando-os enquanto docentes, temos a presença dos nossos alunos de Mestrado nos campos de prática/estágio da graduação que tenham relação com seus objetos de pesquisa de dissertação/tese. Essa presença é contabilizada em créditos e é devidamente acompanhada pelo professor-orientador, já que é parte integrante de uma disciplina regular do curso de Mestrado denominada "Prática de Estágio Curricular". Quanto à formação didático-pedagógica dos doutorandos, tal como já mencionado anteriormente, estes desenvolvem atividades junto às disciplinas de pós-graduação e de graduação como professores em treinamento, contanto créditos para a disciplina de
Resgatando o propósito de melhorara a vida do país, também citado no referido documento da CAPES, não poderiamos deixar de lado outra área de atuação (quase sempre esquecida ou postergada), com grandes possibilidades de integração entre as atividades de graduação e de pós-graduação, que é a da extensão universitária. Aqui, a EEAN vem participando ativamente do projeto de reestruturação e gestão do Hospital Escola São Francisco de Assis, histórico campo de atuação das alunas e professoras enfermeiras da Escola Anna Nery. Desde 1988, momento da sua reabertura, o Hospital vem servindo como campo de atuação da Escola, sobretudo como campo de estágio para os alunos de graduação.
A partir do último ano, professores da pós-graduação têm colaborado com o processo de reestruturação do Hospital e, com apoio formal da Coordenação Geral de Pós-Graduação e Pesquisa da Escola, estão sendo programadas atividades de ensino e pesquisa que envolvam, de forma mais direta, os alunos dos cursos de Mestrado e Doutorado. Alguns professores e alunos da pós-graduação também foram designados membros integrantes das Comissões de implantação e reeestruturação do IDT - Instituto das Doenças do Tórax e da Maternidade-Escola da UFRJ, respectivamente. Esta participação certamente se desdobrará em atividades futuras de pesquisa e ensino para os alunos de Pós-Graduação e Graduação da EEAN. Outro campo de interesse da EEAN é o Projeto de Extensão da Sub-Reitoria de Extensão e Desenvolvimento da UFRJ na Baixada Fluminense8. Este Projeto, de enorme relevância social, por estar situado numa região reconhecidamente carente do Rio de Janeiro, possui grande potencial para o desenvolvimento de atividades de ensino, pesquisa e extensão que, ao mesmo tempo, articulem e integrem a Pós-Graduação e a Graduação.
Outras estratégias apontadas ainda no referido documento9, como a celebração de convênios nacionais e internacionais para, respeitados os critérios de qualidade, possibilitar a mobilidade acadêmica - intercâmbio de estudantes de graduação e de pós-graduação, certamente estão no horizonte próximo da EEAN, com a perspectiva de, no curto prazo, assinarmos convênios com outras IES nacionais e internacionais.
Finalmente, outro problema, de extrema relaevância para a Enfermagem, é a falta de espaço e de apoio aos chamados "grupos emergentes" no cenário da pós-graduação brasileira. Alguns documentos da avaliação promovida pela CAPES10 criticam o fato de serem considerados como "de excelência" apenas aqueles grupos ou núcleos situados fora do país, chamando a atenção para a necessidade de fortalecimento dos centros de excelência nacionais por parte dos órgãos de fomento. Queremos aqui chamar a atenção para outro aspecto do problema, questionando o que vem sendo considerado como campos ou áreas "de excelência", com exclusividade quase que absoluta para as chamadas áreas tradicionais e já consolidadas. Evidentemente que não se trata de abandonar os centros já consolidados. O problema está em, alegando "escassos recursos", negar o apoio a grupos emergentes, sobretudo aqueles relacionados a áreas consideradas "menos nobres" ou "pouco prioritárias" no sentido do retorno econômico imediato, como é o caso da Enfermagem.
Apesar de recente, a pós-graduação em Enfermagem no Brasil, considerada como referência na América Latina, tem dado evidências da sua competência no processo de implantação e consolidação dos cursos de Mestrado e Doutorado em diferentes IES do país, muitos deles com conceito "A" atribuído pela CAPES desde o seu início, como é o caso da EEAN/UFRJ. Como tratamos de evidenciar neste artigo, estamos na fronteira em matéria de estratégias de implantação dos cursos e de metodologias didático-pedagógicas, indo inclusive mais além das propostas encontradas nos documentos constantes da avaliação da CAPES neste ano de 1996. Gostaríamos de ver esse esforço recompensado através do reconhecimento e apoio, por parte dos órgãos nacionais de fomento, a nossos projetos de trabalho e pesquisa, inclusive como um estímulo ao nosso desenvolvimento futuro.
1. CAPES. "Discussão sobre a Pós-Graduação Brasileira". Vol. 1, Brasília, 1996.
2. Escola de Enfermagem Anna Nery/Universidade Federal do Rio deJaneiro.
3. Ver Guimarães, R. e Caruso, N "Capacitação Docente: o lado escuro da pós-graduação. Notas sobre o estado da arte e elementos para uma política", in CAPES, 1996, opcit.
4. Esse processo teve início ao finaldos anos 70, com o chamado "Projeto Novas Metodologias de Ensino", apoiado, à época, pelo SESU/MEC.
5. Assumimos a coordenação deste projeto, como professora da Escola, desde 1995.
6. Zueco, César, in CAPES 1996, opcit.
7. CAPES, 1996, opcit.