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Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
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Ministério da Educação
CAPES

Volume 1, Número 1, Jan/Abr - 1997

INTRODUÇÃO

Primeiramente agradeço o convite da direção da Escola de Enfermagem Anna Nery para proferir a aula inaugural deste ano de 1995 desta Instituição de Ensino Superior. Agradeço não só o honroso convite, mas o respeito e a atenção com que os docentes, alunos e funcionários desta casa têm me recebido quando aqui tenho estado principalmente na Pós-Graduação, para colaborar na ministração de disciplinas e no delineamento de algumas estratégias políticas.

Sou testemunha de quanto a Escola de Enfermagem Anna Nery, através de seu corpo docente, administrativo e de alunos, seja na Graduação e Pós-Graduação, tem batalhado para manter e elevar o seu padrão de ensino, pesquisa e extensão de serviços ao nível das exigências do mundo pós-moderno, seja da academia, da profissão de enfermagem, dos serviços de saúde, dos usuários e daqueles que não conseguem ter acesso aos serviços de saúde e outros bens necessários para sua sobrevivência.

Estas lutas da Anna Nery se aliam às da enfermagem brasileira que vão desde impor e apontar alternativas de formação escolar e específica para os atendentes de enfermagem, à manutenção da carreira do enfermeiro na Universidade procurando cumprir e sobrepujar os critérios do rigor acadêmico, passa pelo significado da profissão na sociedade, pois sabemos que seu prestígio social não está dado, mas sim tem que ser reconstruído no dia-a-dia, passa pela organização dos serviços de saúde questionando a qualidade dos mesmos, pelas condições dos profissionais de saúde quanto ao quantitativo, qualitativo e formação ética no assistir as pessoas e vai se ancorar nas condições de vida, trabalho, moradia, educação, e direitos de cidadania da população brasileira. E mais, sem deixar de estar atenta para o fenômeno da globalização e aí para a saúde internacional e os necessários intercâmbios de conhecimento, não só nacionais mas também com as outras nações, inclusive as nefastas conseqüências deste fenômeno para as políticas sociais dos países capitalistas periféricos

Com esta sintética introdução ao tema podemos dizer que ensinar, pesquisar e fazer enfermagem se articulam diretamente com as políticas sociais e aí incluídas as políticas de saúde.

 

ENFERMAGEM E POLÍTICAS DE SAÚDE: RELAÇÃO NEM SEMPRE PRESENTE NAS PRÁTICAS E MUITAS VEZES EXTERNA AOS SUJEITOS SOCIAIS.

Começamos esta reflexão fazendo a afirmação de que a compreensão da relação entre enfermagem e políticas de saúde deveria estar presente de forma positiva e que a todo instante deveria ser reiterada, pois no dia-a-dia do ensinar, pesquisar e do fazer enfermagem, na teoria bem como na prática e na representação social de grande parte dos profissionais de enfermagem, esta relação com as políticas de saúde tem estado muitas vezes ausente. Diria que não só dos profissionais da enfermagem, mas daqueles da saúde de um modo geral. Talvez duas razões podem ser apontadas para esta pobre e, muitas vezes, ausente consciência crítica. A primeira pelo fato de a enfermagem bem como as profissões da saúde terem uma natureza bastante técnica na sua formação e no exercício das mesmas. E mais, este embasamento técnico-científico tem como fio condutor o biológico e os critérios do que é normal e patológico advindo do conhecimento da fisiopatologia, que a nível da doença individual e do curativo tem possibilitado resultados positivos. Mas quando passamos a ter como necessidades a manutenção e promoção da saúde não só individual, mas de grupos de pessoas, de bairros, de um município, o fio condutor do conhecimento do biológico tem que se ampliar e trazer outros conhecimentos e outros saberes para dar conta desta outra necessidade social. Aí entram a epidemiologia, a ecologia, a educação em saúde, o social, o político e outros paradigmas para entender o processo saúde-doença da população e permitir uma vida mais saudável.

Portanto, a todo instante os pólos saúde individual e saúde coletiva têm que se aproximarem e se integrarem para que ocorra a promoção da saúde, prevenção, cura e recuperação da doença.

Até para compreender os determinantes que levam os serviços públicos de saúde a concentrarem os recursos, que sempre são escassos nas ações curativas e de natureza individual em detrimento daquelas coletivas, é preciso entender as relações sociais que permeiam o setor saúde e a sociedade, e aí jogam papel preponderante as diretrizes das políticas sociais e de saúde.

A outra razão da alienação dos profissionais da saúde em relação às políticas de saúde e que está ligada à natureza técnico-científica dando uma valorização maior aos trabalhos na saúde, principalmente daquela profissão que na escala social hierarquicamente é a mais valorizada, que é a médica, é a "desvinculação da idéia geral de trabalho", aparentando ser o trabalho na saúde mais nobre, mais livre das injunções materiais que costumam estar associadas ao estereótipo "do mundo do trabalho" como algo pesado, sofrido, repleto das leis férreas da necessidade e distante da criatividade e liberdade" (GONÇALVES, 1992).

Assim o trabalho na saúde é tomado do lado da arte, do sacerdócio com um corpo de conhecimento técnico-científico que tem um lugar seleto do ponto de vista da ciência e não se mistura com as outras práticas sociais.

Esta alienação pode ser exemplificada em uma pesquisa que realizamos a fim de caracterizar como se dava a organização do trabalho de enfermagem na rede básica de saúde em Ribeirão Preto (ALMEIDA, 1991). Entrevistamos profissionais de saúde de algumas destas unidades sobre a representação que têm do trabalho que realizam e dentre várias questões havia uma sobre as relações das suas atividades com as políticas de saúde. As enfermeiras e médicos tinham uma concepção homogênea frente às políticas de saúde; consideravam que esta interferia diretamente no trabalho que as unidades básicas realizavam e no seu próprio trabalho. Consideravam esta interferência negativa, pois no nosso entender, tomavam as políticas como externas ao seu trabalho, arbitrárias, feitas de cima para baixo, distantes das práticas, realizadas por "políticos" e não técnicos, normativas e difíceis de serem viabilizadas e como uma prática eleitoreira.

Em relação aos auxiliares de enfermagem e aos escriturários sobre as políticas de saúde, houve uma divisão em duas características, a primeira semelhante a dos médicos e enfermeiras, como uma coisa externa mal feita e não correspondendo aos anseios da população e nem dos trabalhadores da saúde e a segunda é que as políticas não interferiam no trabalho dos mesmos, pois eles não dependiam delas. Entendiam que era uma prática de favoritismos.

Perguntamos se esta é uma das características da cultura brasileira que vê a política como externa às pessoas, como "politicagem", como sempre pejorativa e como uma camisa de força. Perguntamos se nós, trabalhadores da saúde, não somos também atores sociais, ou se somos meras peças da engrenagem?

É importante ressaltar que houve algumas representações, se bem que poucas, sobre a compreensão dos aspectos positivos da relação entre o trabalho e as diretrizes políticas, mostrando que o trabalhadores são atores sociais que fazem parte do sistema e, assim como recebem influências, também podem atuar nas mudanças.

Outra posição muito frequente na liderança da enfermagem brasileira e com a qual temos que estar atentos pois é confortável, é a conivência com as decisões e diretrizes traçadas a nível central e mesmo internacional, sem uma discussão crítica das mesmas, como se o que houvera sido deliberado fosse bom para tudo e todos.

Apontamos, portanto, três posições negativas que podem ser tomadas em relação ao âmbito das políticas, ou seja: a visão de interferência sempre negativa nas nossas vidas; no trabalho, nas práticas; como se fosse uma camisa de força e o oposto como se as políticas nada tivessem a ver com as nossas vidas e com o trabalho e a terceira posição de conivência e cooptação.

Parece-nos que agir nestas direções não nos permite o desenvolvimento de consciências críticas e de estruturas organizativas mais consistentes, objetivas, visíveis e que atendam às necessidades sociais.

O fato de a enfermagem estar, hierarquicamente, na divisão social do trabalho na área da saúde, subordinada ao trabalho médico, esta desconfortante posição social e as desiguais relações sociais que se estabelecem entre estes trabalhos, têm proporcionado aos agentes da enfermagem, mesmo que enquanto resistência, e ainda de forma incipiente, uma reflexão crítica e uma aproximação com as políticas sociais. Isto nos tem permitido perguntar quais as necessidades sociais da constituição desta profissão?

 

ENFERMAGEM E POLÍTICAS DE SAÚDE: RELAÇÃO DIALÉTICA SEMPRE PRESENTE E NECESSÁRIA.

A função peculiar do enfermeiro é prestar assistência de enfermagem ou o cuidado ao indivíduo doente ou sadio, família ou comunidade, no desempenho de atividades para promover, manter e recuperar a saúde e prevenir a doença.

Esta pode ser considerada uma definição universal. No momento em que nos detemos, mesmo que rapidamente, na definição de que a função específica do enfermeiro é prestar o cuidado, uma avalanche enorme de questionamentos e de realidades concretas das práticas dos serviços de saúde no Brasil e do exercício profissional da enfermagem vem à tona e àquela conceituação universal se agregam outras concepções apontando o que de fato é ser enfermeiro no Brasil, em determinados períodos históricos ou conjunturas sociais, em diferentes instituições ou programas de prestação de serviços de saúde, ou serviços públicos e privados, ou ainda em diferentes regiões do país. Surge assim uma conceituação histórico-social da enfermagem.

So este pequeno fato é elucidativo de que a enfermagem, além de um campo de competência técnico-científico específico e formalizado legalmente, é um campo de práticas sociais.

Continuando a defesa de que a enfermagem é uma prática social, olhemos para o objeto de sua prática que é o cuidar ou "fazer com que sejam cuidadas" as pessoas que necessitam de assistência. O corpo, como diz FOUCAULT (1990), antes de ser uma unidade biológica é uma unidade política, está investido da socialidade e, como tal, a doença manifesta-se e tem uma representação diferente do lado do corpo de cada doente.

Deixando o nível da assistência em saúde individual e passando para a saúde coletiva, mais claramente verifica-se que, para o controle da saúde de uma população, tem que se agregarem outros conhecimentos como os da epidemiologia e das ciências sociais e das ciências políticas dentre outros.

E como os serviços se organizam para prestar a assistência em saúde? Com quais recursos econômicos, de pessoal, de infra-estrutura e de recursos materiais, equipamentos laboratoriais e medicamentos são colocados e operados para o atendimento em saúde? Todos os brasileiros, independente da situação social, cultural e econômica, têm tido os mesmos direitos ao consumo em saúde, quanto à quantidade e qualidade?

Sendo, portanto, a saúde um campo de práticas sociais e aí inserida a enfermagem enquanto parcela deste trabalho, está articulada e relaciona-se com a sociedade através das instâncias econômica, política e social. Esta parcela que é a enfermagem, mesmo sendo um trabalho específico, contém em si mesma as determinações presentes na sociedade.

Além destas determinações mais estruturais, estas práticas são realizadas e operadas por sujeitos que podem ser atores sociais, no sentido de que nas suas lutas cotidianas constituem-se em forças sociais de resistência e transformação que, além de executarem ou negarem as políticas, podem refazê-las e encaminharem outras opções e outros projetos.

Examinando-se o conceito de saúde elaborado na 8ª Conferência Nacional de Saúde - CNS -, em 1986 (BRASIL, 1987), que explicita ser ela "a resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde", tem-se, segundo os dizeres de ESCOREL (1989), que "saúde é um componente fundamental da democracia e da cidadania".

Quando falamos sobre a formulação de políticas, imediatamente estamos falando sobre o Estado, a sociedade civil, a cidadania e a representação de interesses e sobre o poder estatal bem como dos micropoderes que atravessam as instituições.

"Desde o século XVIII a política social constituiu um âmbito de reflexão no sentido de problematizar se o Estado deve intervir ou não para suprir ou remediar as carências ocasionadas pela pobreza; se a pobreza deve ser atribuída à incapacidade das pessoas ou se, pelo contrário, é movimento natural da economia e suas flutuações que geram pobreza" (GERSCHMAN, 1989: 119).

 

QUADRO ATUAL DAS POLÍTICAS DE SAÚDE NO BRASIL: A LUTA PELO DIREITO À SAÚDE, CONTINUA.

A partir de meados da década de 70, em meio ao regime militar autoritário e dos primeiros sinais de esgotamento do crescimento económico, dá-se início ao processo de transição democrática com a crescente mobilização e organização da sociedade pela redemocratização do país.

É neste clima de redemocratização que se conforma o movimento sanitário com a participação de técnicos do setor, parte da burocracia, intelectuais, profissionais dos serviços, sindicatos e organizações-populares. Todos se mobilizaram de forma a dar início ao que se chamou a Reforma Sanitária que visava à garantia do direito universal à saúde e o Estado assegurando-o através de um sistema único e estatal.

É também neste período que ocorre a maior crise da Previdência Social que possibilitou excessiva privatização da assistência médica e ocorre também degradação das condições de saúde da população brasileira.

Este período foi de intensas mudanças nas políticas de saúde, culminando com um novo texto na Carta Constitucional de 88 que incorporou grandes avanços como saúde um direito social universal e um dever do Estado, a criação do SUS segundo os princípios da descentralização e comando único, a integração da saúde na seguridade social. Em decorrência, foram elaboradas as Leis Orgânicas de Saúde 8080/90 e 8142/90, servindo de apoio jurídico-legal para a continuidade da luta política do Movimento Sanitário.

Como a dinâmica social é contraditória e representada por grupos com interesses divergentes, junto ao processo da Reforma Sanitária foi-se construindo também e com a adesão de grupos fortes de tendência privatizante, o projeto conservador da saúde que, segundo MENDES (1993), pode ser denominado de "projeto neoliberal que criou um subsistema privado forte e de baixa regulação pelo Estado - o da atenção médica supletiva - que se consolidou através da sua autonomização do sistema público, seja na forma de financiamento, seja na lógica de expansão, que se dá pela perda de qualidade do subsistema público, provocando a expulsão, para esse subsistema privado, de contingentes crescentes da população, provocando o universalismo excludente".

Ainda conforme relata MENDES (1993), o projeto neoliberal consolidado no final dos anos 80 é composto por três subsistemas: o de alta tecnologia que consome 30% dos recursos públicos do SUS e atende 2 a 3% da população, o de atenção médica supletiva, hegemônico, que em 89 cobria 22% da população, composto pela medicina de grupo, sistemas próprios, seguro-saúde, cooperativas médicas e planos de administração, e o subsistema público que atende à grande maioria da população brasileira".

Desta forma, as políticas de saúde, mesmo tendo uma mudança consubstancial no que diz respeito ao direito universal à saúde, vivem um clima de grande tensão entre o poder público e o privado e a dimensão da intervenção do Estado. Num país onde as desigualdades sociais são gritantes, com grande concentração de renda em pequena parcela da população e com 30 milhões vivendo na miséria e fome, é essencial que o Estado proporcione atenção médica, tanto individual como ações coletivas.

E assim chegamos em 1995 com um governo de tendência social-democrata que deseja modernizar a máquina estatal e todas as instâncias econômicas, tributárias, políticas e sociais. Vive-se um clima de modernização e recessão, de avanços na política e retrocessos. Nesta tensão, a reforma da Constituição Brasileira está colocada, e perguntamos o quanto estamos mobilizados e com espírito crítico para participar deste processo que pode atender aos anseios sociais de parcela significativa da população ou que pode atender a força hegemônica de pequenos grupos de poder?

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pensamos que, mesmo neste pequeno espaço de uma aula inaugural, é possível falar sobre o papel social que a profissão de enfermagem juntamente com os profissionais da saúde podem realizar, na conformação das políticas sociais, visando a melhores condições de saúde, principalmente da grande parcela da população brasileira excluída dos bens e serviços.

Esta atuação tem sido realizada de diversas formas e em vários níveis, bem como na internalidade da área de enfermagem e também nos espaços possíveis da sociedade civil e do Estado.

Esta atuação se faz no cotidiano bem como em momentos políticos mais representativos. De forma genérica, apontamos alguns dos momentos ou situações do nosso cotidiano onde a luta tem que ser constante: vamos nos restringir à área de ensino da enfermagem universitária sem fazer desta uma torre de marfim. Tomando esta posição, não deixamos de apontar a importância da atuação e participação da enfermagem nos serviços, nas entidades associativas, nos grupos organizados da sociedade civil, nos partidos políticos, nas lutas por melhores condições de saúde e vida. Ficamos restritas à área de ensino porque é onde temos mais vivência e experiência.

 

EM RELAÇÃO AO ENSINO DE GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM

Estamos com um Currículo Mínimo novo que deverá ser tomado como paradigma. Este foi fruto de reflexão de toda a comunidade de enfermagem frente ao quadro de saúde do Brasil e das diretrizes políticas. Uma diretriz curricular e programática é importante, mas não suficiente na formação dos enfermeiros; é preciso um grande investimento para o desenvolvimento de consciências críticas junto com o conhecimento técnico-científico e com uma visão da integralidade da assistência em saúde. Não é possível só reproduzirmos o que está dado ou o que o mercado dos serviços de saúde demanda.

Outra questão que se coloca é quanto ao preparo do corpo docente. Perguntamos qual teria sido a preocupação com sua contínua formação teórica, técnico-científica e política? Os docentes têm sido sujeitos sociais portadores de projetos de transformação dos alunos em consciências críticas? Como a academia se integra com os serviços para permitir um ensino mais articulado e próximo à realidade? Como o conhecimento produzido nas pesquisas de enfermagem e da área da saúde e outras áreas está sendo colocado para o ensino, para os serviços e para a população?

 

O NÍVEL DE ENSINO NA PÓS-GRADUAÇÃO

A pós-graduação em enfermagem "stricto sensu" conta com 22 anos. Estamos com 20 programas, sendo 6 de Doutorado. Temos ainda um grande déficit na formação de doutores principalmente para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país.

Assim como o empenho com a graduação é fundamental, também é preciso que ocorra o mesmo com a pós-graduação. A academia tem uma função básica que é a formação de pessoal de nível superior qualificado e a produção de conhecimento novo. Só a reprodução do conhecimento não é suficiente e para a produção do novo é preciso um grande investimento intelectual e de infra-estrutura.

Aqui deparamos ainda com grandes dificuldades como, qual é a natureza da pesquisa em enfermagem? Quais são os problemas da área que necessitam de investigação? Quais são nossos objetos de trabalho? Quais as fundamentações teórico-metodológicas que são pertinentes às pesquisas de enfermagem? Como preparar e atualizar os orientadores nas questões teóricas e metodológicas? Como a pesquisa está fortalecendo a área da enfermagem e garantindo a permanência da mesma na Universidade?

Quando falamos de pesquisa, outras questões ainda se colocam que é o desenvolvimento de grupos/núcleos de pesquisa com intercâmbios nacionais e internacionais. Falar do pesquisador isolado hoje quase não é possível. As instituições de fomento estão priorizando projetos integrais, grupais e multidisciplinares e a amplitude do conhecimento aponta nesta direção.

E quando deve iniciar a motivação para a pesquisa? Para que possamos avançar e minimizar os anos perdidos e nos colocarmos em situação de igualdade com as outras áreas acadêmicas, esta motivação precisa começar na graduação, com professores preparados e dispostos a permitir que a criatividade dos jovens seja trabalhada. Há vários projetos de fomento que estão permitindo a iniciação científica de graduandos, e os docentes têm que se atualizarem para acompanharem o processo.

As mudanças do mundo atual são de uma rapidez incrível; o fenômeno da globalização, segundo MARTINS (1996), produz efeitos benéficos e maléficos. "Enquanto possui um grande potencial de legitimação, confirmando a hipótese central do liberalismo com a maior quantidade de bens e serviços disponíveis no mercado mundial, acumulam-se, no reverso da medalha, fontes de deslegitimação no campo social, espacial, cultural e político, como a exclusão social com taxas elevadas de desemprego, a marginalização de países pela não incorporação à economia mundial, a quebra de valores éticos, normas e instituições, a desestruturação das famílias e o consumo voraz. Em relação às implicações políticas, o impacto é arrasador, ocorre o esvaziamento do Estado, obsolescência da democracia, e o desmoronamento dos partidos políticos".

As consequências da globalização na saúde são bastantes nefastas tanto para a qualidade de vida da população como para a organização e produção dos serviços de saúde. A exclusão de parte considerável de brasileiros do mercado de trabalho e de acesso a bens e serviços e a grande concentração de renda, em ínfima parcela da população, já são resultados do processo de globalização que se intensificou nesta década de noventa.

O estudo das políticas públicas, sociais e de saúde e a compreensão da conformação e dinamicidade das mesmas são imprescindíveis para entender as contradições da prática de enfermagem e para propor superação dos limites. Somos uma parte do processo que, cotidianamente, estabelece relações internas e externas de grande dinamicidade com o todo social.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, M. C. P. de O trabalho de enfermagem e sua articulação com o processo de trabalho em saúde coletiva: rede básica de saúde em Ribeirão Preto. Ribeirão Preto, 1991, 297 p. Tese (Livre Docência) - Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, 1991.

BRASIL. Ministério da Saúde. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE, 8., Brasília, 1987. Anais: Brasília: Centro de Documentação do Ministério da Saúde, 1987.

CARVALHO, G. L; SANTOS, L. Sistema Único de Saúde. Comentários à Lei Orgânica da Saúde (Lei 8080/90 e Lei 8142/90). São Paulo: HUCITEC, 1992.

FOUCAULT, M.. Microfísica do poder. Tradução Roberto Machado. 9. ed., Rio de Janeiro: Graal, 1990.

ESCOREL, S. Saúde: uma questão nacional. In: TEIXEIRA, S. F. (Org.) Reforma Sanitária em busca de uma teoria. São Paulo: Cortez, 1989, p. 181-192.

GERSCHMAN, S. Sobre a formulação de políticas sociais. In: TEIXEIRA, S. F. (Org.) Reforma Sanitária em busca de uma teoria. São Paulo: Cortez, 1989, p. 119-138.

GONÇALVES, R. B. M. Práticas de saúde: processos de trabalho e necessida des. São Paulo: Prefeitura Municipal de São Paulo, 1992. 53p. (Cadernos CEFOR)

MARTINS, C. E. Da globalização da economia à questão da democracia. Campinas: Instituto de Economia/UNICAMP, 1996, 35 p. mimeogr.

MENDES, E. V. (Org.) Distrito sanitário: o processo social de mudança das práticas sanitárias do Sistema Único de Saúde. 1. ed. São Paulo: HUCITEC/ABRASCO, 1993.

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