Volume 1, Número 1, Jan/Abr - 1997
A CENA EMERGENTE
As inundações na Cidade do Rio de Janeiro, em 1988, colocaram sua população em polvorosa. Os desmonoramentos e o aumento dos desabrigados fez com que várias instituições, entre elas, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) se mobilizassem para atender aos desabrigados, resgatando e transportando-os para lugares mais seguros, e para cuidar de seus ferimentos e de suas dores físico-espirituais.
Com a mesma intenção as Enfermeiras Anna Nery1 realizaram uma assembléia, no Pavilhão de Aulas, em 22/02/88, para decidir, juntamente com os alunos e enfermeiros recém-graduados, "o que" e "como" fariam para cuidar das vítimas, oferecendo seu conhecimento de quase 70 anos, sua força de trabalho e, enfim, o seu "que-fazer". Decidiram que era o momento de (re)tomar o Hospital Escola São Francisco de Assis - HESFA, um espaço que (entendiam) lhes pertencia, desde o Decreto N° 15.799/22, o mesmo no qual se cria, também, a Escola de Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde Pública -DNSP (atual EEAN/UFRJ).
Não é possível deixar de registrar, como testemunho desta retomada histórica, que as Enfermeiras Anna Nery foram capazes, no meio do "cao" instalado na cidade, de "pensar e agir" para encontrar um novo sentido para o HESFA. Como afirma VESCHI (1), inspirado nos gregos, não é possível se pensar em agir no caos antes que ele aconteça, mas quando instalado, ele, o próprio caos, se torna, sobretudo, "princípio da possibilidade de tudo". Pensando assim, as enfermeiras instalaram-se no "Velho Chico", como é carinhosamente chamado o HESFA, que estava ali bem próximo da EEAN, abandonado, depredado, desativado pela própria UFRJ, e saindo de uma luta judicial de mais de cinco anos, empreendida em prol de sua retomada e de vez que vinha sendo utilizado indevidamente por alguns serviços de saúde que não pertenciam à UFRJ.
Aproveitar esse momento crítico, o caos na cidade, foi uma grande estratégia, e um verdadeiro "golpe de mestras" das enfermeiras Anna Nery. A idéia era: entrar no HESFA e nunca mais dele sair.
Mas a retomada do HESFA, considerada, também, uma invasão em nome da solidariedade, e que podemos chamar ainda de "invasão solidária", teve a nosso ver três motivos: o resgate histórico de um espaço de lutas profissionais; a criação de um espaço acadêmico e político; e a construção e implementação de um modelo assistencial de vanguarda. Esses motivos constituem o conteúdo deste trabalho e, de certa forma, delineiam seu contexto, o que detalhamos a seguir.
A importância de registrar esse momento histórico marcante - qual seja a (re)tomada do HESFA pelas Enfermeiras Anna Nery - é fundamental e necessária para a EEAN que tem feito de sua história, durante seus mais de 70 anos, um fato indiscutivelmente relevante. A nossa intenção, pois, é registrar, aqui, como as Enfermeiras Anna Nery se comportaram, na ocasião, e o que construíram no HESFA.
(RE)TOMANDO COMO SUA A HISTÓRIA DO HESFA E NÃO DEIXANDO AS ÁGUAS CARREGAREM OS SONHOS DE TANTOS ANOS
Em 1987, as enfermeiras-docentes da Escola Anna Nery já pensavam em retomar o HESFA. A Professora Vilma de Carvalho, então Diretora da EEAN, havia feito uma solicitação de providências, nesse sentido, ao Decano do Centro de Ciências da Saúde, Professor Cesar Martins de Oliveira, usando como argumento ser o HESFA, patrimônio da União, e da área da saúde, principalmente destinado para servir de treinamento para estudantes de enfermagem, conforme Decreto Lei N° 9363/46. Em documento datado de 25/03/87 é reafirmado que a destinação do HESFA à Escola, nesse instrumento legal referido, havia sido uma conquista pessoal da Diretora Lais Netto dos Reis e que, nesse ano de 1987, ano em que a Escola completava 50 anos de vida universitária, ela, a Professora Vilma de Carvalho, precisava contar com o apoio do Decano do CCS para ocupar e utilizar, novamente, as áreas físicas do Hospital. Pelas razões históricas, ela (a Professora Vilma) esperava que seu pedido fosse devidamente considerado. Pedido que deveria ser resolvido logo, pois a Faculdade de Medicina, o Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira e o de Instituto de Tisiologia e Pneumologia, também, tinham planos para o uso do hospital. A pergunta que se colocava era: Com quem, finalmente, ficaria o HESFA? Certamente, com quem tivesse mais força, mais poder.
As enchentes impediram que os sonhos das "Anna Nery" fossem por "água abaixo". Por causa das chuvas torrenciais de 1988, elas - as enfermeiras - retomaram seu espaço histórico, que consideravam parte de seu habitat natural, a EEAN.
Mas, as coisas para as enfermeiras não são tão fáceis assim. Entrar no HESFA, como entraram, em situação emergencial, significou o desencadeamento de lutas internas - com vários setores da Universidade, especialmente com os que detinham o poder.
A primeira luta foi para obter a autorização do Decano do CCS que se reunia com o Conselho de Centro, exatamente no mesmo dia em que as enfermeiras deliberaram em favor da (re) tomada do Hospital. Eles (no CCS) com uma idéia, e elas (na EEAN) com outra. Então, foi autorizado que o HESFA fosse utilizado para atender às vítimas durante 60 dias - período estabelecido pelo Governador do Rio de Janeiro como de "calamidade pública".
O segundo momento crucial de luta foi no dia 06/01/89 - "Dia de Reis" dia em que a Egrégia Congregação da Escola de Medicina com 120 conselheiros presentes e 2 enfermeiras (a Diretora e a Vice-Diretora do HESFA), as quais não podiam votar. Afinal os "Reis", ali, eram outros os que queriam explicação do Reitor por ter designado uma enfermeira para dirigir o HESFA. No auge das discussões, um notável acadêmico da cirurgia disse: "é uma indecência colocar-se uma enfermeira para dirigir um hospital, os médicos não vão aceitar".
Enquanto isso, outra luta era travada no Conselho Regional de Medicina, que encaminhou documento à EEAN, solicitando a observação do artigo 24 do Decreto 20.931/32, que dispõe: "Os Institutos hospitalares ...( ... ) só poderão funcionar sob responsabilidade e direção técnica do médico"...
Outro espaço de luta foi na Fiscalização da Medicina, quando, em 03/08/89, o Departamento Geral de Higiene e Vigilância Sanitária se recusava a resgistrar o Hospital, para que o mesmo pudesse receber atestados de óbito e poder funcionar dentro dos trâmites legais. Ao explicar a "razão social' e a denominação "Hospital Comunitário" (registrado em impresso próprio daquele órgão), mais uma vez as "Anna Nery" ouviram o que não queriam. Para os representantes da Fiscalização, as enfermeiras estavam "querendo brincar de hospital", pois não tinham a devida competência para administrar uma Instituição, cujo funcionamento e responsabilidade só aos médicos cabia. Após muitos argumentos e exposição sobre os propósitos do HESFA, o mesmo foi registrado com a indicação de "reativado" (Protocolo de n° 110918 de 03/08/89 -vide: Fontes/Relatórios do HESFA).
Mas a luta não parou aí. Uma outra iniciou-se no Centro de Ciências da Saúde e que perdura até os dias de hoje. Luta de arranjar recursos financeiros para o Hospital. Ninguém, principalmente uma Instituição desse quilate, sobrevive - mesmo que as águas passem -, sem recursos financeiros. A fronteira de lutas mudou, e mudou da Ilha do Fundão para Botafogo, para Fundação Universitária José Bonifácio (FUJB), que administra recursos financeiros da UFRJ. Ali, na FUJB, está um reduto do poder da UFRJ, local onde se delibera sobre o patrimônio e os recursos da Universidade, e outros assuntos como financiamento de Projetos e verbas relacionadas com o Sistema Único de Saúde (SUS), e que são gerenciados e manipulados de acordo com a "Carta da UFRJ". Mas, as "Anna Nery" não queriam " dinheiro" elas queriam autonomia, para poder gerar dinheiro, ofertando o principal produto de seu "saber-fazer" - o cuidado de enfermagem.
Interessada no trabalho das enfermeiras, a então Presidente da FUJB. Professora Ana Maria de Castro, providenciou o CGC - Cadastro Geral de Contribuintes junto à Receita Federal de Copacabana que recebeu o n° 42429480/00001-50, e o carimbo dessa agência que tem o n° 70050/6001. Mais uma etapa era vencida, dando lugar a outras que surgiam, diariamente, dentro do HESFA e fora dele. Logo depois, era necessário negociar com a Secretaria de Estado de Saúde no interesse do Projeto - Modelo Assistencial para o HESFA. Após um ano de encontros entre e com os poderes que decidiam quanto ao SUS - Sistema Único de Saúde, e com os poderes de dentro da UFRJ, o convênio HESFA/ UFRJ/FUJB/SUS foi finalmente assinado, em 17 de novembro de 1988, conforme Portaria MPAS - SSM n° 379. Com isso, o espaço histórico foi realmente retomado, muito depois do tempo estabelecido, como período de calamidade para que o HESFA pudesse manter-se aberto.
NO ESPAÇO POLÍTICO E ACADÊMICO AS ENFERMEIRAS ANNA NERY "NÃO BRINCAM DE HOSPITAL" - FAZEM SUA HISTÓRIA.
Aqui é necessário um parêntese para afirmar que as enfermeiras Anna Nery são movidas pela paixão que sentem pela profissão e pelo amor que têm por tudo que fazem, seja na esfera do pensar ou na de fazer as coisas, para "cuidar de seus clientes".
O amor que as enfermeiras sentem é o "amor investimento? no dizer de PECK (2). E a paixão é o sentimento mútuo, solidário de "pertencer". Esses dois sentimentos fizeram principalmente com que elas estivessem presentes em todos os momentos e movimentos de lutas pelo HESFA. Na assembléia em que se decidiu retomar o HESFA e durante toda a implementação do modelo. Mas é necessário dizer que no dia 22/08/88, as enfermeiras presentes à assembléia e movidas por esses sentimentos atravessaram a Rua Afonso Cavalcanti, e passaram do Pavilhão de Aulas da EEAN para o Hospital, munidas de baldes, vassouras, panos de chão e muita garra. E tudo isso para criar um ambiente propício para receber, inicialmente, os desabrigados da Casa de Saúde Santa Genoveva, os idosos. Mas só mesmo em uma ação tão simples como essa, de uma extrema singularidade, pode transformar-se a experiência vivida em fato histórico relevante. É quando se faz a história, quando a realidade é transformada por aqueles que, além do amor e da paixão, pensam, sentem, querem, e julgam o seu "que-fazer".
Em uma assembléia geral, realizada em 15/08/88, quando foi indicada uma enfermeira para dirigir o HESFA, foi criado o precedente e objetivada a ocupação. Com o ato do Reitor Horácio Macedo estava sendo delegado poder e autonomia a elas, às Anna Nery, e criando-se um espaço político para a enfermagem brasileira. Nada lhes parecia mais justo, porquanto foi no HESFA que as "enfermeiras Anna Nery" iniciaram a aprendizagem de sua profissão, nos idos de 1923, e foi no HESFA que, a partir de 1988, elas mostraram como edificar "um novo conhecimento" sobre administração de instituição de saúde. Tema esse, aliás, tratado pela Diretora do HESFA, em Concurso Público de Livre-Docência da Universidade do Rio de Janeiro (Nébia Maria Almeida da Figueiredo - A Edificação: novos caminhos para a administração para os serviços de saúde - uma experiência - Tese defendida em 06/09/91). Além dessa tese, outras foram e vêm sendo desenvolvidas no e sobre o HESFA, - área da História da Enfermagem Brasileira e de Modelos Assistenciais de Enfermagem.
Desde então, várias instituições de saúde dirigidas por médicos se viram obrigadas a participar das mesmas mesas de negociação, dentro e fora da UFRJ, produzindo recursos, negociando Projetos e articulando trabalho, com essas enfermeiras. E muitos encontros, negociados e aprazados com diretores de Hospitais, foram cancelados, quando descobriram que os dirigentes do HESFA eram enfermeiras. Mas a persistência é uma das característica das enfermeiras, que insistiam, retornavam, mostravam-se, mexiam-se, incomodavam, reagiam e se tornavam presentes. Depois de algum tempo, já era comum ouvir outros profissionais: "as enfermeiras sabem o que querem e sabem falar sobre o que lhes interessa".
IMPLANTANDO O MODELO ASSISTENCIAL: AS ENFERMEIRAS DEMONSTRAM SEU "SABER-FAZER" NA ESTRATÉGIA "QUERENDO BRINCAR DE HOSPITAL".
O HESFA tornou-se o 8º Hospital do Complexo Hospitalar da UFRJ. Mas aqueles médicos da Fiscalização da Medicina jamais poderiam imaginar que "querendo brincar de hospital" pudesse resultar em um modelo que talvez revolucionasse tudo aquilo que conheciam como "administração em saúde"
Não se pode negar que, em 10 dias, de 22/02/88 a 02/03/88, as enfermeiras Anna Nery pensaram e escreveram uma Proposta de Modelo Assistencial para o HESFA, em plena situação emergencial, e por que não dizer em pleno "caoP. Tal como afirma NIETZSCHE (3), tudo foi feito como dizia Zaratrusta: "no momento oportuno de uma transformação histórica radical é preciso a coragem de ser um caos para gerar uma estrela dançarina". Pois, tudo que aconteceu no HESFA, e na EEAN, foi histórico e oportuno.
O modelo pensado, entendido inicialmente como Proposta da EEAN, e implementado a partir de março de 1988, foi considerado inovador e apoiava-se em 3 (três) princípios norteadores, a saber:
Cuidado de qualidade a partir da visão dos clientes, entendendo-se "a saúde como bem coletivo que deve ser compartilhado por todos os cidadãos";
"Administração", através de uma estrutura "leve e flexível", possibilitando uma ação articulada entre os diferentes grupos que atuam na Instituição (A departamentalização não é mais por serviços profissionais, mas por agrupamento de clientes); e "Interdisciplinaridade" como marco de referência e método de trabalho, para o exercício da divisão de poder, da socialização, da exploração de potencialidades de cada profissão e da compreensão de seus limites.
Esses princípios contribuíram para a construção de um trabalho inovador, a partir do sujeito coletivo como afirma JANTSCH e BIANCHETTI (4). Deste modo, programas e projetos são elaborados por grupos inter disciplinar es, cujos integrantes pertencendo a várias carreiras, e mediante abordagens diversas a um dado problema, todos se pautam por meta e objetivos comuns. E como pretendido, "esses profissionais que pertencem a várias instituições de educação, saúde e assistência social se juntam à comunidade e se organizam em um esforço comum, intercomunicando-se continuamente" (5).
O propósito principal da oferta do cuidado era a hospitalização de pessoas que necessitassem de assistência de alta qualidade e de menor complexidade. A primazia das ações visava não só aos clientes internados, mas também à população socioativa, numa nova concepção de cuidados de intensidade progressiva, em que a assistência a ser prestada à clientela se daria em diversas instâncias organizacionais.
TRANSFORMANDO "SONHO" EM "REALIDADE" - AS ANNA NERY MOSTRAM A ("IN") DECÊNCIA* DE SEU TRABALHO.
Com quase um ano de (re) tomado o HESFA, o convênio com a Secretaria de Estado de Saúde transformou-se em realidade, através do Protocolo FUJB n° 2318-3 de 23/1/1989.
Em um documento negociado com o SUS, denominado de "Proposta de Restauração do HESFA", reafirmava-se que o hospital seria um espaço de integração ensino-servi-ço. E que a nova proposta se constituiria em um empreendimento singular, na rede de serviços de saúde, a partir da especificidade das ações de enfermagem e na assistência prestada à saúde.
Nesta proposta negociada e aceita pelo SUS, declaram-se o perfil institucional - porte e complexidade, objetivos, demanda, relacionamento inter-institucional; a organização interna do HESFA e o programa operacional. O convênio foi assinado por José Carvalho de Noronha - Secretário de Estado de Saúde; Horácio Macedo - Reitor da UFRJ; Ana Maria de Castro - Presidente do FUJB e Nébia Maria Almeida de Figueiredo - Diretora do HESFA.
De 1988 a 1993, foram implantadas as seguintes Unidades: a de Clientes Internados - UCI; a de Cuidados Básicos de Saúde - UCBS; a de Reabilitação - UR e a de Testagem Anônima para HIV - UTAS/HIV. Do trabalho nestas Unidades, coordenadas por vários profissionais da área da saúde, foram elaborados vários estudos, apresentados em Eventos Científicos e Congressos de Enfermagem; algumas Teses de Mestrado e uma Tese de Livre-Docente.
Alguns Projetos se fortaleceram e permaneceram, dentre eles o PAIPI - Programa de Assistência Integral à Pessoa Idosa. Outros foram modificados como o Projeto Mãos Dadas - Assistência à Criança Abandonada; o Projeto de Assistência Farmacêutica; o Projeto Estimulação Essencial e Controle do Crescimento e Desenvolvimento de Crianças Carentes; o Projeto "Corpus Juntus" - Assistência à Mulher Prostituta; e o Projeto de Reabilitação, objetivando a capacitação profissional: uma proposta de ensino, pesquisa e extensão.
E vários outros foram propostos, iniciados e depois descontinuados, como * o Projeto de Práticas Alternativas em Saúde e o de Atividades Físicas para os profissionais do HESFA. Além das dificuldades entre os profissionais quanto ao "poder e saber" foram enfrentadas dificuldades de "toda ordem".
...NO MEIO DO CAOS O DIA-A-DIA, OLHANDO - NO HESFA - A SEMENTE PLANTADA NO CRESCER...
Não é possível contar tudo o que aconteceu, as dificuldades e o sucesso de uma (re)tomada histórica, num texto como este. Em verdade, parecia impossível querer~se que uma proposta inovadora e, ao mesmo tempo, difícil de ser implementada, principalmente em vista da idéia da interdisciplinaridade, fosse um completo sucesso em tão pouco tempo. As Enfermeiras Anna Nery encontravam-se em espaço geográfico conhecido, mas não estavam num espaço político comum. Mesmo que a história do HESFA e a legalidade da situação assegurasse o direito ao HESFA como se fosse apenas um habitat seu. O espaço era de guerra em "tudo e entre todos" dentro e fora da Universidade. Uma guerra que não é fácil de ser contada aqui. O que se pode dizer é que, com isso, elas, as Anna Nery se transformaram em guerreiras para defender o que acreditavam ser seu direito, contra uma ciência analítica e contra intelectuais e profissionais ortodoxos da saúde e da administração. Elas aprenderam a lutar politicamente, porquanto encontraram, nessa guerra, profissionais insensíveis, elitistas e autoritários; não todos, evidentemente, mas uma grande maioria, inclusive na própria enfermagem.
Por último, mas não por fim, vale citar, ainda, VESCHI (6), quando diz que "o guerreiro vem antes do filósofo e representa, no mundo, uma figura inquietante". Onde se encontra presente a violência, a força na sua ambivalência, obrigando as pessoas a pensarem sobre como podem se defender, surge o guerreiro. Mas ele é, também, uma figura autônoma, especial e que não tem as mesmas características da maioria dos cidadãos. Então, quando "o guerreiro é atravessado pelas fúrias, é íntimo de Deus (e de São Francisco de Assis) e da força maior que o situa, para além dos homens comuns. Suas ações são vistas com receio, e ele é respeitado e temido".
Talvez o HESFA possa continuar pela força que essas enfermeiras têm, força feminina mas extremamente espiritual. Aliás, as Enfermeiras Anna Nery são míticas, no mundo da enfermagem. Para esse mesmo autor, "os mitos tentam ordenar e dar um corpo discursivo à presença perturbadora do guerreiro, o mito fica na fronteira entre o que perturba e as estratégias de "inserção em um continente discursivo". E então mais uma pergunta se coloca:
Será que as Enfermeiras Anna Nery, depois de fazerem tanta História, serão mesmo apenas míticas?
(Mas isto é uma outra história)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1- VESCHI, Jorge Luiz - Caos Sensível. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1993.
2- PECK, M. Scott - A trilha menos percorrida. Rio de Janeiro: ed Imago, 1994.
3- NIETZSCHE, F - Genealogia da Moral: um escrito polêmico. Tradução de Paulo C. Souza. São Paulo: Brasiliense, 1987.
4- JANTSCH, Ari Paulo e BIANCHETTI, Lucídio (org.) - Interdisciplinariedade: para além da filosofia da sujeito. Petrópolis: Vozes, 1995.
5- CASTRO, leda Barreira e, BARRETO, Elaci Sampaio, PEDRO, Maria Cecília Cordeiro et al. EEAN - Uma proposta para o HESFA/1988. Rio de Janeiro, 1988
6- VESCHI - op. cit.
1. Vivina Lanzarini de Carvalho, Nébia Maria Almeida de Figueiredo, Isabel Rosa dos Santos, Ivone Pereira Ferreira (a primeira que teve a idéia de ocupar o HESFA), Cecília Pecego Coelho, leda Barreira e Castro, Suelyde Souza Baptista, Elaci Sampaio Barreto, Dulce Neves da Rocha, Maria Antonieta Rubio Tyrrell, Dulce de Oliveira Azevedo, Jussara Sauthier, Maria Lourdes Moreira Pereira, Maria Cecilia Cordeiro Pedro, e Maria Lúcia Souza Reis.