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Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
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Ministério da Educação
CAPES

Volume 1, Número 3, Set/Dez - 1997

INTRODUÇÃO

A enfermagem é hoje no Brasil uma profissão universitária, como desejavam as enfermeiras americanas da missão técnica de cooperação para o desenvolvimento da enfermagem, que aqui implantaram o Sistema Nightingale, na década de 20. Entretanto, o movimento de ingresso da carreira de enfermagem na universidade, que se iniciou no final da década de 30, ainda não lhe proporcionou situação igual à das carreiras mais antigas da área da saúde, apesar de algumas conquistas efetuadas, ao longo dos anos. A reflexão sobre a trajetória das escolas de enfermagem na sociedade brasileira permitiu uma melhor compreensão dos dilemas vividos e as respostas historicamente dadas pelas enfermeiras para atender às exigências de cada época. A análise já realizada, foi organizada em tomo de quatro vertentes, a saber: - reações à hegemonia da Igreja católica nos hospitais; - o "padrão Ana Neri": obstáculos à sua difusão; - as escolas de enfermagem nas universidades e o nível de escolaridade; - a Reforma Universitária e a carreira da enfermeira.

 

I - REAÇÕES À HEGEMONIA DA IGREJA CATÓLICA NOS HOSPITAIS

No Brasil, desde os tempos coloniais, até meados do século 20, a assistência e a administração da maioria dos serviços de enfermagem dos hospitais brasileiros, era exercida por religiosas, que entretanto, não possuíam diploma de enfermeira.

As primeiras escolas de enfermagem governamentais criadas no Rio de Janeiro, em 1890 e em 1916 (Escolado Hospício Nacional de Alienados e Escola da Cruz Vermelha), de um ponto de vista técnico, tiveram como finalidade resolver problemas conjunturais, ligados ao atendimento de certo tipo de doentes ou a feridos de guerra. Essas escolas, eram vinculadas a hospitais, e nem se integraram ao sistema oficial de ensino, nem adotaram o modelo da enfermagem moderna, que já era conhecido em vários países da América do Sul, desde os últimos anos do século passado (Souza, 1982).

Em São Paulo, nos primeiros anos do século 20, ocorreu a primeira tentativa de implantação do sistema nightingale no Brasil, na Escola de Enfermeiras do Hospital Samaritano. Também partindo da sociedade civil foi a iniciativa da criação da Escola da Cruz Vermelha de São Paulo, no mesmo ano do início da Ia Grande Guerra.

O que têm em comum essas iniciativas é a característica de representarem, por razões de naturezas diversas, uma contraposição à hegemonia que a Igreja católica vinha mantendo, desde os tempos coloniais, em relação aos hospitais brasileiros.

 

A ESCOLA DO HOSPÍCIO NACIONAL DE ALIENADOS

A primeira iniciativa de sistematização do ensino de enfermagem no Brasil aconteceu em 1890, com a criação da Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras do Hospício Nacional de Alienados, atual Escola de Enfermagem Alfredo Pinto/UNI-RIO, no Rio de Janeiro. Este hospital, que até então chamava-se Hospicio Pedro II, fora criado em 1841, inaugurado em 30 de novembro de 1852, e dirigido pela Irmandade da Santa Casa da Misericordia (Moreira, 1990).

Até à proclamação da República, a Igreja tinha a exclusividade do tratamento e do cuidado dos doentes nas Santas Casas da Misericórdia, onde o pessoal médico era subordinado administrativamente ao pessoal religioso. O cuidado do doente baseava-se essencialmente em um discurso de cunho religioso-caritativo, não havendo a preocupação com um respaldo científico (Machado, 1978).

No Governo Provisório da República, de forte inspiração positivista, portanto cientificista e anticlerical, ocorreu um choque nas relações entre o Estado e a Igreja (Machado, 1978). No bojo desta questão, a classe médica, buscando autonomia profissional, passou a criticar as precárias condições dos hospitais da Santa Casa, alegando que as instalações, a aparelhagem e as condições gerais de trabalho oferecidas ao médico, prejudicavam a qualidade da assistência prestada e impediam a geração de conhecimentos sobre as doenças, especialmente a loucura.

Logo em 1890, o Hospício Pedro II foi desanexado da Santa Casa da Misericórdia, passando ao controle do Governo e recebendo a denominação de Hospício Nacional de Alienados. A campanha pela hegemonia médica nos hospitais culminou com a substituição das irmãs de caridade na direção do Hospício, que foi assumida pelo médico Teixeira Brandão (Machado, 1978). Retirava-se assim das irmãs de caridade o poder e prestígio que lhes eram conferidos pela responsabilidade da administração do hospital. A nova direção resolveu ainda que as irmãs não deveriam trabalhar com os doentes homens e designou para este tipo de serviço "enfermeiros" e "guardas" (Moreira, 1990).

As irmãs de caridade, cerceadas em suas funções, principalmente as administrativas, terminaram por ser retiradas do serviço do hospício, o que causou uma enorme baixa no quadro de pessoal. A direção do hospício contratou então, em caráter provisório, "enfermeiras" francesas para assumir o serviço de enfermagem (Carvalho, 1976). Assim, a substituição das religiosas2 pelas enfermeiras francesas "não se fez pelo louco, mas para atender a um confronto entre a corporação médica amparada no Estado Republicano e o antigo poder clerical" (Miranda, 1990).

Para contornar a situação, tratou-se de criar no interior do hospício uma escola de enfermagem, a qual deveria atender às exigências do novo sistema de tratamento dos doentes mentais que vinha sendo propugnado pelos médicos. Este era baseado na persuação moral e na ordenação do espaço nosocomial, segundo o modelo do Hospital de Salpetrière, fundado nos preceitos de Philippe Pinei, que havia promovido a reforma dos manicômios franceses no século anterior (Cavalcanti, 1993).

 

A ESCOLA DE ENFERMEIRAS DO HOSPITAL SAMARITANO

O Hospital Samaritano foi criado, como relata Carvalho (1980), porque um rico comerciante de origem chinesa, quando necessitou internar-se na Santa Casa de São Paulo, sentiu-se discriminado pelo fato de ser evangélico. Assim, ao morrer, em 1884, José Pereira Achou deixou por disposição testamentária, um fundo destinado à construção de um hospital evangélico. Esta é a origem da Sociedade Hospital Samaritano, criada em 1890, que logo instituiu uma comissão para planejar a construção do hospital. Esta entidade era formada por médicos ingleses e americanos que, conhecedores do sistema nightingale, contrataram cinco enfermeiras inglesas para trabalhar no hospital e posteriormente iniciar um curso de preparação de enfermeiras, o que ocorreu em 1900 ou 1901.

Em 1931, esse curso não cumpriu as determinações da lei de equiparação das escolas de enfermagem à Escola Anna Nery, continuando entretanto a funcionar. Somente em 1950, por força da lei 775/49, o curso foi desativado e criado o de auxiliar de enfermagem. Em 1959, foi reativado o curso superior de enfermagem e a Escola passou a denominar-se Lauriston Job Lane, em homenagem ao diretor do Hospital Samaritano no período de 1901 à 1942. Esta Escola funcionou até 1970, quando, por dificuldades financeiras, encerrou suas atividades (Carvalho, 1980).

 

AS ESCOLAS DA CRUZ VERMELHA

Henri Dunant, que já era conhecedor dos sucessos de Florence Nightingale na Guerra da Criméia, presenciou a sangrenta batalha de Solferino, em 1859, na Itália, entre as tropas francesas, comandadas por Napoleão III, e as austríacas, comandadas pelo Imperador Francisco José. Dunant, impressionado com a falta de assistência aos feridos, publicou um artigo3no qual sugeria a realização de uma conferência internacional sobre o assunto. A Sociedade Genebrina de Utilidade Pública durante o ano de 1863 promoveu reuniões para estudar as idéias de Dunant e, em 1864, como recomendação da Convenção de Genebra, foi criada a Cruz Vermelha Internacional. A nova organização logo comprovou sua utilidade, atuando nas guerras entre a Rússia e a Áustria (1866) e entre a França e a Prússia (1871), quando atendeu a mais de 500 mil pessoas.

O Comitê Internacional da Cruz Vermelha entre outras funções, tem as de: promover a adesão dos governos à Convenção de Genebra; criar agências internacionais para socorrer prisioneiros e feridos, bem como para promover a comunicação entre estes e suas famílias; convencer os governos, povos e grupos de várias nacionalidades, da necessidade de apoiarem um programa de assistência humanitária, nos períodos de guerra e de paz (Enciclopédia Brasileira Mérito, 1962).

A Cruz Vermelha Brasileira começou a funcionar no final do ano de 1908, e teve como primeiro presidente Oswaldo Cruz (Paixão, 1963), então diretor do Departamento Nacional de Saúde. Para atender a necessidades da Primeira Guerra Mundial criou, em São Paulo (1914) e no Rio de Janeiro (1916), escolas práticas de enfermeiras, subordinadas ao Ministério da Guerra. A partir de 1917, a duração destes cursos passou de 1 para 2 anos e suas denominações foram modificadas para Escola de Enfermagem da Cruz Vermelha.

Após a guerra, a Cruz Vermelha Brasileira, seguindo as recomendações da Convenção de Genebra, atuou principalmente no atendimento a situações de emergência, como as inundações e as secas ocorridas no Nordeste, epidemias, como a gripe espanhola, em 1918, além de outros desastres ou catástrofes. Também mantinha hospitais e cursos de voluntários. Várias das candidatas a estes cursos pertenciam a famílias ilustres e muitas delas eram parentas de militares. Essas mulheres eram consideradas beneméritas, pelo alto significado moral e patriótico de sua atuação na assistência aos necessitados, tanto em tempo de paz, como em tempo de guerra. Para elas, desenvolver um trabalho fora de casa, inclusive algumas vezes fora de seu Estado e mesmo fora do País, trabalho este altamente valorizado pela sociedade, por seu caráter quase caridoso, despreendido de interesses econômicos, apresentava-se como uma opção para seu ingresso na vida pública, numa época em que as oportunidades da mulher atuar fora de casa eram quase nulas.

II - "O PADRÃO ANA NERI" OBSTÁCULOS À SUA DIFUSÃO

Não obstante o antecedente da Escola do Hospital Samaritano, pode-se considerar que a implantação oficial do sistema nightingale no Brasil inicia-se em 1923, com a criação e implantação, no Rio de Janeiro, da atualmente denominada Escola de Enfermagem Anna Nery, pela missão de enfermeiras norte-americanas. Em 1931, a Escola Anna Nery é considerada legalmente a escola padrão, para efeito de reconhecimento das demais escolas, situação que perdura até a promulgação da lei do ensino da enfermagem (775/49), quando tal atribuição é tomada a si pelo governo, através o Ministério da Educação e Saúde. Nesse período, de dez anos, observam-se forças contrárias à expansão do “padrão Ana Neri”, principalmente enquanto profissionalização civil e laica.

 

A REFORMA CARLOS CHAGAS E A ENFERMAGEM MODERNA

O fim da escravidão no Brasil determinara o surgimento de um mercado de trabalho para as ocupações ligadas ao comércio externo e à incipiente industrialização nos centros urbanos. Esta procura de mão-de-obra e as desfavoráveis condições de trabalho no campo determinaram uma forte migração para a capital federal que, não estando preparada para esse aumento populacional, crescia desordenadamente. Multiplicavam-se os bairros pobres, onde eram precárias as condições de vida; a taxa de desempregados era alta e os salários, baixos (Costa, 1985).

Esta situação foi agravada com a Primeira Guerra Mundial, que determinou a recessão econômica no Brasil, "devido à interrupção do fluxo de dinheiro do exterior e à cobrança da dívida externa pelos credores, o que gerou desemprego, super-exploração do trabalho, elevação geral do custo de vida, desabastecimento, concordatas e falências" (Costa, 1985). As péssimas condições de vida da população e as epidemias que assolavam a cidade, começaram a ser denunciadas pela imprensa. A participação dos médicos sanitaristas nesse debate resultou na fundação da Liga "Pró-Saneamento do Brasil" que, liderando um movimento em prol da saúde pública como responsabilidade governamental, culminou com a criação do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP). Carlos Chagas foi nomeado diretor do DNSP e com um grupo de jovens sanitaristas liderou a reforma sanitária, com o apoio da Fundação Rockfeller, o que assinalava a intensificação da entrada do capital norte-americano no Brasil (Costa, 1985).

No bojo da reforma sanitária foram criados: um serviço de enfermeiras de saúde pública; um hospital geral de assistência (atual Hospital Escola São Francisco de Assis/UFRJ); e uma escola de enfermagem, vinculada a esse hospital. Os três órgãos de enfermagem eram subordinados à Superintendência do Serviço de Enfermeiras, a qual ligava-se diretamente ao Diretor Geral do DNSP. Essa foi a primeira Escola organizada e dirigida por enfermeiras e cujo quadro de pessoal de ensino contava com a maioria de enfermeiras. Para isto, veio para o Brasil uma missão de enfermeiras norte-americanas, liderada pela Sra. Ethel Parsons, ainda sob os auspícios da Fundação Rockfeller.

Ao tempo em que a Escola preparava as futuras enfermeiras também desenvolvia uma forte inculcação ideológica, segundo a mística da profissão. Nos primórdios da implantação da enfermagem moderna no Brasil, a maioria das candidatas à profissão provinha da classe média-alta, muitas delas tendo sido recrutadas pelos médicos sanitaristas do DNSP. Também, a profissão de enfermagem naquela época representava a única oportunidade nova de acesso da mulher à educação.

Durante os dez anos de permanência da missão norte-americana de enfermeiras, não surgiu, no Brasil, outra escola de enfermagem. Em 1931, antes que os destinos da Escola passassem às mãos de enfermeiras brasileiras, a Escola Anna Nery foi considerada a escola oficial padrão para efeito de equiparação e reconhecimento de outras escolas de enfermagem que viessem a ser criadas, com o propósito de garantir um alto nível de formação profissional de enfermagem no Brasil.

 

LIMITES À EXPANSÃO DO "PADRÃO ANA NERI"

O projeto de implantação da Enfermagem Moderna no Brasil, antes mesmo de sua implementação, criou reações de defesa de interesses corporativos. Assim é que, no mesmo ano da chegada ao Rio de Janeiro, da chefe da missão de enfermeiras norte-americanas, foi aprovado o regulamento do Serviço de Saúde do Exército, em tempo de paz, que criou Escolas de Formação Sanitária Divisionárias, subordinadas à Diretoria de Saúde da Guerra. Estas escolas eram destinadas à formação de "enfermeiros e outros que, no Corpo de Saúde, constituiríam o pessoal subalterno" (Resende, 1961). Tanto a direção da Escola, como o ensino ministrado aos futuros enfermeiros eram de responsabilidade dos médicos da corporação, e os estágios eram feitos em hospitais militares. Só eram admitidos ao curso, alunos do sexo masculino, que recebiam, além da formação técnica em assuntos de saúde, formação militar. O mesmo Decreto previu ainda que o quadro de enfermeiros dos hospitais militares passaria a ser composto exclusivamente por enfermeiros militares, habilitados em concurso realizado no Hospital Central do Exército ou nos hospitais de 1a classe4. A entrada para o quadro de enfermeiros se dava no posto de enfermeiro de 3a classe, que correspondia ao posto de terceiro sargento, e chegava até ao de primeiro sargento (enfermeiro de 1a classe), caracterizando assim sua subaltemidade.

Amainadas as forças históricas que haviam determinado a criação da Escola Anna Nery, tratou-se de atenuar os efeitos de sua instituição como escola oficial padrão, o que se chocava com interesses das corporações militares e religiosas. Em março de 19325, um Decreto aprovou a organização do quadro de enfermeiros do Exército e criou o Curso de Enfermeiros da Escola de Saúde do Exército, com duração de um ano, obrigatório, tanto para os enfermeiros já pertencentes aos quadros dos hospitais militares, quanto para os que desejassem para eles entrar. Os portadores de diplomas de enfermeiro militar ou da Cruz Vermelha Brasileira não tinham seus diplomas registrados no Departamento Nacional de Saúde Pública, mas na Diretoria de Saúde da Guerra.

No mesmo ano, Getúlio Vargas assinou outro Decreto6 conferindo às religiosas direitos iguais aos das enfermeiras de Saúde Pública, desde que apresentassem atestados provando que já contavam naquela data com seis ou mais anos de prática efetiva de enfermeira. Os atestados deveriam ser assinados pelos diretores dos hospitais onde as irmãs desenvolviam prática de enfermagem, e desde que esses hospitais estivessem entregues às congregações religiosas às quais as religiosas fossem vinculadas.

Ao mesmo tempo, e de outro modo, foram tomadas providências para preservar a hegemonia das ordens religiosas na administração dos hospitais, ou seja, mediante a qualificação de religiosas para o exercício da profissão, de acordo com a nova legislação. Nos conventos existiam, como ainda existem, as serviçais e as intelectuais. Estas últimas é que foram encaminhadas para os cursos de enfermagem, no interesse de suas congregações, não só de manterem seus hospitais, mas também de incrementarem a abertura de escolas de enfermagem católicas. Além do curso de enfermagem, muitas religiosas eram encaminhadas a outros cursos superiores, como o de Filosofia ou de Pedagogia. A Igreja, aliada às classes dominantes, tratava de manter sua antiga hegemonia também no setor educacional, empenhada em exercer influência através da formação das elites dirigentes.

A criação da Escola Anna Nery, fora da esfera de influência do clero, provavelmente apresentou-se como uma ameaça ao poder e prestígio das ordens religiosas. Tanto assim que à diminuição da influência das enfermeiras norte-americanas nos destinos da enfermagem nacional, segue-se o reconhecimento das religiosas como enfermeiras, em 1932, e a criação, em 1933, da primeira escola a formar enfermeiras religiosas no Brasil, em Belo Horizonte, por decreto estadual, mas que utilizava como campo de estágio um hospital da ordem de São Vicente de Paulo. A nova Escola teve como patrono Carlos Chagas, criador da Escola Anna Nery, e como primeira diretora Lais Netto dos Reys - ex-aluna desta Escola.

Depois surgiram mais duas escolas de enfermagem de orientação católica: a Escola do Hospital São Paulo/SP (1938), dirigida pelas Franciscanas Missionárias de Maria e a Escola Luiza de Marillac/DF (1939), fundada pela ordem de São Vicente de Paulo. Seitas evangélicas também trataram de proteger seus interesses. Duas escolas foram criadas por iniciativa de igrejas evangélicas, ambas no estado de Goiás: a Escola Florence Nightingale (1933), em Anápolis e a Escola Cruzeiro do Sul, em Rio Verde (1937).

Essas cinco Escolas estavam vinculadas a hospitais, ao contrário do que preconizava a missão norte-americana de enfermeiras, o que sugere, que não existiam, até então, em outras cidades brasileiras, condições históricas equivalentes às que determinaram a criação da Escola Anna Nery no então Distrito Federal, ou seja, o "alto padrão" de ensino de enfermagem adotado pela Escola Anna Nery, em moldes considerados científicos, poderia não corresponder à realidade brasileira da época.

De 1937 a 1945, no Estado Novo, marcado pelo populismo de Getúlio Vargas, foram criadas onze escolas de enfermagem no Brasil. Segundo Gadotti (1992) para o Estado Novo "a escola representava o instrumento ideal para a disseminação da nova ideologia desenvolvimentista, isto é, o mito do desenvolvimento capaz de produzir o bem-estar de todos, independentemente de classe social". Ainda mais, abrir novas escolas era uma maneira de mostrar que o Estado, como realizador dessas benfeitorias, tinha compromisso com o povo, preocupava-se com suas necessidades e agia deforma a suprílas. Assim, merecia o apoio político dos beneficiados e ampliava, cada vez mais, seus dividendos políticos, até mesmo porque, a multiplicação dos estabelecimentos de ensino, por impor o crescimento da burocracia, exigia a criação de novos cargos que seriam preenchidos por "correligionários" e seus "clientes" (Cunha, 1983). Assim, a Constituição de 1937 introduz o ensino profissionalizante que, além das finalidades acima, formava mão de obra qualificada para as empresas. O mesmo vale para os hospitais, para onde grande parte das enfermeiras já começava a se dirigir.

Isto parece explicar, em parte, que o Estado, por apoiar iniciativas de formação de mão de obra qualificada para garantir a manutenção do desenvolvimento urbano-industrial, apoiava também a criação de escolas de enfermagem, que respaldavam a abertura de novos hospitais ou o funcionamento dos vários hospitais ligados aos Institutos de Aposentadorias. Até porque os cursos de enfermagem se assemelhavam aos cursos profissionalizantes: a maioria não exigia o curso secundário e o ensino era voltado para a instrumentalização das alunas para o trabalho manual; embora as enfermeiras fossem consideradas profissionais de nível superior.

A Igreja católica apoiava o Estado Novo alegando que as reformas sociais empreendidas pelo governo Vargas eram inspiradas na doutrina social da Igreja (Gadotti, 1992), mas este apoio não ficava sem retribuição. Assim é que, dessas onze Escolas, dois terços eram vinculadas a igrejas, sendo seis de congregações religiosas católicas, e uma evangélica. Das quatro escolas restantes, três eram estaduais (Escola de Enfermagem da USP, Escola de Enfermagem do Pará e Escola de Enfermagem do Estado do Rio de Janeiro - atual EE da UFF) e uma federal (Escola de Enfermagem Rachel Haddock Lobo - atual Faculdade de Enfermagem da UERJ).

Na década de 40, foram inauguradas catorze escolas de enfermagem, sendo sete vinculadas à congregações religiosas católicas, cinco estaduais e duas federais. Na década de 50, foram criadas quinze escolas de enfermagem no Brasil: onze eram de congregações religiosas católicas, duas federais e duas estaduais. O período de 1933 à 1959 caracteriza-se assim por uma supremacia numérica das escolas de enfermagem religiosas sobre as demais: 22 escolas religiosas em um total de 34 escolas criadas nesse período, o que corresponde a 64,7%.

 

III - AS ESCOLAS DE ENFERMAGEM NAS UNIVERSIDADES E O NÍVEL DE ESCOLARIDADE

Já na virada da década de 30 para a de 40 é que se observa um movimento, ainda que discreto, de ingresso das escolas de enfermagem nas universidades brasileiras. Até mesmo porque, era reduzido o número de universidades e em alguns dos estados nos quais foram criadas escolas de enfermagem, elas inexistiam. Contudo, até a década de 60, mesmo nos estados em que já havia universidade, muitas das escolas de enfermagem foram criadas como estabelecimentos isolados de ensino superior e só posteriormente, a maioria foi integrada às universidades.

Por outro lado, a desfavorável condição da mulher em nossa sociedade contribuiu, durante longos anos, para evitar a elevação do nível de escolaridade exigido das candidatas às escolas de enfermagem, o que se não chegou a impedir sua entrada nas universidades, lhes acarretou uma posição incômoda, em relação às demais escolas de nível superior.

 

AS CONDIÇÕES DE ENTRADA NA UNIVERSIDADE

Em 1931, ano em que a Escola Anna Nery fora decretada escola padrão, também fora decretado o Estatuto das Universidades Brasileiras, que reconhecera o sistema universitário preferencial ao das escolas superiores isoladas. A Universidade do Rio de Janeiro, criada em 1920, até então era composta por apenas três escolas: a Faculdade de Direito, a Faculdade de Medicina e a Escola Politécnica. Na reforma de 1931, foram a ela incorporadas, afora as de outras áreas que não a da saúde, as Faculdades de Farmácia e de Odontologia (Romanelli, 1978). Mas, apesar de se haver cogitado da incorporação da Escola Anna Nery, devido a "conveniências da organização sanitária", esta Escola, apesar de se reconhecer que a mesma atendia "aos bons padrões técnicos encontrados em universidades de outros países"7, permaneceu no DNSP. Somente em 1937, quando a Universidade do Rio de Janeiro foi reestruturada, passando a designar-se Universidade do Brasil, a Escola Anna Nery passou a integrar a nova universidade, mas na qualidade de instituição de ensino complementar.

Na década de 40, das catorze escolas de enfermagem inauguradas, apenas duas foram, desde o início, vinculadas a universidades: a Escola de Enfermagem da USP/SP (1942) e a Escola de Enfermagem da UFBA (1946). A partir de 1945 (Decreto-Lei n°8457/45), as exigências para a criação de universidades ficaram bem mais flexíveis e econômicas. Como diz Cunha (1983): "passava a ser possível instalar-se uma universidade (...) sem as custosas faculdades de engenharia ou medicina", podendo-se optar, por exemplo, por uma faculdade de filosofia, uma de direito e a terceira de economia ou serviço social.

Em 1946, com a redemocratização do país, o Brasil ganhou uma nova Constituição, que estabelecia que à União cabia legislar sobre as diretrizes e bases da educação nacional, ao contrário da Constituição de 1937, que fazia concessões à iniciativa privada, quanto à liberdade de ensino. Neste mesmo ano, quando foi aprovado o Estatuto da Universidade do Brasil, a Escola Anna Nery constava como estabelecimento de ensino superior, mesmo sem exigir das suas candidatas o curso secundário completo (12 anos de escolaridade).

No início da década de 50, ocorreu o fenômeno da "federalização " de estabelecimentos de ensino superior mantidos pelos estados, pelos municípios e por particulares, o que favoreceu o surgimento, em alguns estados, de universidades federais, a partir da aglutinação dessas escolas federalizadas. Mesmo assim, até 1954, só existiam no Brasil dezesete universidades, distribuídas em apenas oito estados: Paraíba, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul.

A federalização de escolas atendeu a interesses de vários grupos: das antigas entidades mantenedoras, que sempre alegavam dificuldades financeiras; dos estudantes, que sempre reivindicavam o ensino superior público e gratuito; e de professores e funcionários dessas instituições de ensino superior, que reivindicavam os privilégios do funcionalismo público federal (Cunha, 1983).

O movimento de federalização perdeu sua força a partir da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases, quando o Conselho Federal de Educação (CFE), com as atribuições que lhe foram por ela conferidas e sob a alegação de falta de recursos, passou a emitir sucessivos pareceres que defendiam a prioridade da expansão de vagas das escolas superiores oficiais ao invés da federalização de escolas particulares (Cunha, 1983).

Na década de 50, das quinze escolas de enfermagem criadas no Brasil, apenas duas estavam inseridas em universidades: uma federal, em Porto Alegre (1950) e uma estadual, em Ribeirão Preto (1951). Entretanto, dentre as treze restantes, cinco vieram a ser incorporadas à universidades (sendo quatro católicas e uma federal) e a Escola de Enfermagem Luiza de Marillac (criada em 1939), foi agregada à PUC-RJ, em 1953.

 

A RESISTÊNCIA À ELEVAÇÃO DO NÍVEL DE ESCOLARIDADE

Ao final do governo Dutra, foi aprovada a lei do ensino de enfermagem (Lei n° 775, de 6/8/49). O ante-projeto que deu origem à essa lei, foi elaborado pelas enfermeiras Edith de Magalhães Fraenkel e Lais Netto dos Reys, em conjunto com alguns deputados e com membros da então Diretoria do Ensino Superior do MES, em reuniões realizadas na Escola Anna Nery. Aquele anteprojeto foi discutido, em abril de 1949, pelos membros da Divisão de Educação da ABED (Carvalho, 1976).

Por força dessa lei, cessa a exigência de equiparação das escolas ao "modelo ananéri", passando a avaliação das escolas a ser atribuição da Diretoria do Ensino Superior do Ministério da Educação e Saúde. Essa Lei instituiu ainda a obrigatoriedade de vinculação das escolas de enfermagem a centros universitários ou a faculdades de medicina, porém não determinou o tipo de inserção administrativa.

A Lei 775/49 (art. 5º) estabeleceu também a exigência do curso secundário completo para o ingresso de alunas nos cursos de enfermagem. Entretanto, permitia que as escolas continuassem a receber, por mais sete anos, candidatos portadores apenas do certificado de conclusão do curso ginasial ou equivalente. As diretoras de escolas apoiavam tal medida por julgarem que, sendo ainda pequeno o número de mulheres que terminava o secundário, uma exigência maior poderia diminuir muito a procura pelo curso (Pinheiro, 1962). Entretanto, como, em 1953, foi apresentado um novo Projeto de Lei, que adiava, mais uma vez, aquele prazo que fora concedido em 1949, a ABED fez uma consulta às vinte e cinco escolas de enfermagem então existentes no país, cujo resultado foi o de que apenas oito delas opinaram a favor da exigência. Continuava "o temor de que diminuísse de modo assustador a procura dos cursos de enfermagem (Carvalho, 1976). Tanto é que, em 1956, realmente a exigência do curso secundário foi prorrogada, com a anuência da Associação, para que as escolas "pudessem preparar seu corpo docente para o ensino em nível superior" (Carvalho, 1976), o que demonstra que, apesar dos diplomas fornecidos pelas escolas de enfermagem serem registrados na Diretoria de Ensino Superior do MEC, este estatuto era bastante questionável.

O fato é que o prazo para o cumprimento da exigência de doze anos de escolaridade foi prorrogado por duas vezes, totalizando doze anos de adiamento. Sobre isto, Amália Corrêa de Carvalho (1961), comenta que a grande maioria das professoras de enfermagem concordava em que o curso secundário completo devesse ser o requisito mínimo para a admissão nas escolas de enfermagem, "alçando-se assim a enfermagem, definitivamente para o nível superior", o que reforça seu posicionamento anterior. Marina de Andrade Resende, concordava com este posicionamento, mas tinha a expectativa de que haveria um novo adiamento. Referia-se ela ao período de adiamentos como os "onze anos de tolerância no que, desde 1949, deveria ter colocado o ensino de enfermagem em grau superior" devido a "um conformismo a padrões tradicionais" (Resende, 1961). Mas seus receios não se concretizaram pois, em dezembro de 1961, João Goulart, sancionou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que, entre outras providências, exigia a conclusão do ciclo colegial ou equivalente de todos os candidatos aos concursos vestibulares dos cursos superiores.

No que se refere aos cursos de enfermagem, constata-se em 1962, a diminuição, já esperada, do número de candidatos aos cursos, e a retomada gradual do número de matrículas, nos cinco anos subseqüentes (Alcântara, 1969).

 

IV - A REFORMA UNIVERSITÁRIA E A CARREIRA DA ENFERMEIRA

Em 1964 existiam trinta e sete universidades espalhadas pela maioria dos estados brasileiros (Cunha, 1983), observando-se portanto um crescimento de mais de 130% nos últimos dez anos (de 16 para 37).

Com o golpe militar de 1964, a questão da "modernização" da Universidade foi assumida pelo governo, que passou a controlar os movimentos de professores e de estudantes, e alijar a sociedade civil da esfera de decisões. Em nome da organização, da eficácia e da racionalização, que faziam parte da ideologia governamental, as reivindicações foram sistematicamente ignoradas ou combatidas. A estratégia adotada foi a de manipular a inovação, sem ameaçar a estrutura de poder, ajustando-a a um certo padrão de desenvolvimento econômico, com o apoio de outras forças, internas e externas, que não a desses professores e estudantes (interessados na reestruturação da universidade).

Foram constituídos, pelo governo, grupos de trabalho para estudar a situação do ensino no Brasil e oferecer subsídios à Reforma Universitária, assessorados por técnicos norte-americanos pertencentes à United States Agency for International Development (USAID), através de convênios de assistência técnica e financeira. Os acordos MEC-USAID "tiveram o efeito de situar o problema educacional na estrutura geral de dominação, reorientada desde 1964, e de dar um sentido objetivo e prático a essa estrutura" (Romanelli, 1987). Com a assinatura desses Acordos, o ensino superior no Brasil passou a ser encarado como imprescindível ao desenvolvimento econômico e voltado essencialmente à formação de recursos humanos para o setor industrial.

Como nos lembra Germano (1993), a Reforma Universitária não se traduziu numa simples incorporação, pelo MEC, das recomendações dos diversos relatórios dos técnicos da USAID, pois já existia no Brasil, desde o final da década de 40 "um movimento interno em favor da modernização da universidade".

Tecnicamente, esses Acordos estavam voltados para as principais reivindicações do movimento estudantil e de grupos de professores, interessados na reforma do ensino superior, mas nem de longe seguiram os princípios desses movimentos. Sugeriram, sim, que se ampliasse a matrícula de estudantes mas "segundo critérios de racionalização cujo princípio básico vincular-se-ia à máxima produtividade do ensino em relação a um mínimo custo" (Graciani, 1982). Além disso, foram sugeridas medidas para operacionalizar a orientação geral e para coibir os movimentos estudantis.

Com a assistência da USAID, o Ministro da Educação começou a promover mudanças nas universidades federais, paulatinamente difundidas para as demais universidades. Dois decretos8, que estabeleciam os princípios e normas de organização para as universidades federais alteraram a situação de relativa autonomia das unidades universitárias, através da instituição de Departamentos, Institutos e/ou Centros, e também visando o "pleno aproveitamento das vagas e à racionalização das atividades acadêmicas" (Germano, 1993), intitui o ciclo básico.

Esses Decretos "lançaram, portanto, as principais bases das reformas que se seguiram e serviram de fundamento para a principal das comissões brasileiras que completaram a definição da política educacional: a Comissão Meira Matos" (Romanelli, 1987). O relatório dessa Comissão reforçou as medidas sugeridas pelos Acordos MEC-USAED.

Os primeiros meses do ano de 1968 foram marcados pela intensificação das manifestações populares promovidas pela UNE que, mesmo na ilegalidade, protestava contra os acordos que vinham sendo feitos entre o MEC e a USAID. Nessa mesma época, foi elaborado pelo Grupo de Trabalho da Reforma Universitária (GTRU), formado pelo MEC, um anteprojeto que se transformou no texto da lei que fixou as normas para a organização e funcionamento do ensino superior. A reforma universitária instituída ao final do ano, não correspondeu às propostas dos movimentos de alunos e professores, que há cerca de três décadas clamavam por uma reforma estrutural do ensino superior, de cuja inoperância o problema crônico dos "excedentes" era uma expressão.

No entanto, os protestos contra os rumos propostos pelo governo para o sistema de ensino, foram logo silenciados, quando no último dia do ano de 1968, foi promulgado o Ato Institucional n° 5, que retirou do cidadão brasileiro todas as garantias individuais, públicas ou privadas, assim como concedeu ao Presidente da República plenos poderes para atuar nos planos Executivo e Legislativo.

Daqueles dois relatórios (Comissão Meira Matos e GTRU) resultaram medidas legais, que tratavam do aumento do número de vagas no ensino superior, e da contenção de toda e qualquer manifestação de caráter político ou de protesto no âmbito das universidades, sob pena de suspensão para os estudantes e demissão para os funcionários e professores. Esse conjunto de instrumentos legais modificou profundamente o sistema de ensino superior, alterando sua organização, sua administração e o funcionamento de seus cursos.

Dentre as principais mudanças advindas da Reforma Universitária estão as seguintes: *a departamentalização: as cátedras foram substituídas pelos Departamentos que, congregando um conjunto de disciplinas afins, passaram a ser unidades administrativas com lotação de pessoal e de recursos materiais, e autonomia para o desempenho de suas atividades. A departamentalização ampliou a representatividade docente e discente nos órgãos colegiados. Ao tempo em que eliminava a duplicidade de trabalho, aumentava a possibilidade de economia de recursos materiais e humanos; *o regime de créditos "foi a maneira encontrada para que aquela economia tornada possível pela departamentalização se efetivasse" (Cunha, 1989). Assim é que, as disciplinas foram classificadas em obrigatórias e eletivas, sendo que as obrigatórias para uns cursos poderiam ser eletivas para outros, e as eletivas poderiam ser escolhidas por alunos de diversos cursos; *a instituição do ciclo básico: seria a etapa na qual todos os alunos de uma mesma área de conhecimento realizariam seus estudos em conjunto. Objetivava a recuperação de insuficiências evidenciadas pelo concurso vestibular; orientação para a escolha da carreira; realização de estudos básicos para ciclos ulteriores. Pretendia com isto ocupar as vagas ociosas dos cursos de menor procura; *a unificação do vestibular por área de conhecimento e o ingresso por classificação: esta estratégia visava o preenchimento das vagas das escolas, em um único vestibular pois, mesmo que o candidato não conseguisse pontos suficientes para ocupar uma vaga na carreira de primeira opção, podería ingressar em outro curso de menor procura. Esta providência serviu também para eliminar "legalmente a figura do aprovado" (Cunha, 1989) que tantas reivindicações fazia por seu direito de ingressar na universidade; * a fragmentação do grau acadêmico de graduação: a reforma previu ainda a diminuição do tempo de duração dos cursos de graduação e a instituição das habilitações, como opção, para os alunos que desejassem aprofundar seus conhecimentos em determinada área de conhecimento, correspondente ao curso de graduação que tivessem cursado. Como o tempo de permanência dos alunos na universidade diminuiu, aumentou o atendimento da demanda de vagas; *a institucionalização da pós-graduação e o incentivo formal à pesquisa: os objetivos dessa medida eram os de formar professores para os cursos de graduação; preparar pessoal para atuar nas empresas públicas e privadas e apoiar os estudos e as pesquisas que visassem o desenvolvimento do país. Cunha (1989) cita que no texto da Lei aparece, de forma um tanto quanto velada, um outro objetivo desta medida: "manutenção da alta cultura que permanece privilégio de alguns". Diz o autor supra citado, que esse objetivo pode indicar uma função de discriminação social da pós-graduação, ou seja, "a de restabelecer o valor econômico (elegibilidade para as ocupações mais remuneradoras) e simbólico (atribuição de maior quantidade de prestígio) do diploma de ensino superior, degradado em virtude do grande crescimento do número de graduados".

 

A REFORMA UNIVERSITÁRIA NAS ESCOLAS DE ENFERMAGEM

A Reforma Universitária de 1968 determinou uma ruptura na identidade da enfermeira brasileira, e de vários modos. De um ponto de vista quantitativo, primeiramente pela massificação do ensino superior, implementada às custas do incremento do número de vagas; e segundo pela criação de novas Escolas: enquanto que no período 1964-1974, foram criadas catorze escolas de enfermagem, das quais doze inseridas em universidades, sendo nove vinculadas ao governo federal ou estadual; entre 1975 e 1979, foram criados vinte e seis novos cursos de enfermagem, sendo dezessete inseridos em universidades (doze em universidades federais, dois em universidades estaduais e três em universidades particulares). Nove cursos foram criados como unidades isoladas de ensino superior: dois ligados a governos estaduais, um à uma congregação católica e seis a faculdades particulares.

Esse aumento do número de vagas no sistema de ensino público, apesar de insuficiente para atender aos milhares de candidatos às demais carreiras oferecidas pela universidade, foi bastante significativo para a carreira de enfermagem. Ao mesmo tempo observa-se uma retração na criação de escolas de enfermagem religiosas, pois das quarenta escolas criadas no período 1964-1979, apenas três eram ligadas a congregações religiosas: duas católicas e uma evangélica. Na década de 80, foram implantados vinte e cinco novos cursos de enfermagem, sendo que dezessete na região sudeste, quatro na região sul, três na região nordeste e um no norte do país. Em 1996, existiam cento e nove cursos de graduação em enfermagem no Brasil distribuídos pelas diversas regiões do país. Destes, cinquenta e nove (54%) estão vinculados ao governo federal, estadual ou municipal, e cinquenta (46%) à instituições privadas.

De outro modo, a Reforma Universitária determinou a mudança do tipo de inserção mesma da carreira de enfermagem na universidade. Algumas das principais transformações ocorridas nas Escolas de Enfermagem das Universidades Federais, em decorrência da Reforma Universitária foram: *como a seleção de candidatos deixou de ser responsabilidade das Escolas e passou para os órgãos de administração acadêmica das Universidades, mediante o sistema de vestibular unificado e classificatório, as turmas de enfermagem passaram a ser constituídas, em grande parte, por estudantes não especialmente desejosos de ingressar na profissão e, muitas vezes, apenas esperando ter mais sorte no próximo vestibular. Posteriormente, tentou-se corrigir essa distorção dando preferência aos candidatos de primeira opção para enfermagem, ainda que com um número de pontos inferior ao alcançado pelos candidatos de segunda opção; *a instalação do vestibular unificado determinou ainda que alunos do sexo masculino tivessem oportunidade de ingressar nos cursos de enfermagem. Até àquela época, a maioria das Escolas mantinha a prerrogativa de incluir, entre os critérios de seleção, o de aceitação exclusivamente de candidatas do sexo feminino, além de outros critérios menos objetivos, ligados à aparência, comportamento, antecedentes, etc; *as Escolas de Enfermagem passaram a integrar os Centros de Ciências da Saúde das Universidades, deixando de ser unidades isoladas, o que possibilitou um sentido mais amplo de integração universitária; *com a instituição do Ciclo Básico, as disciplinas que eram comuns a todos os cursos da área da saúde passaram a ser ministradas ao conjunto dos alunos, e nos Institutos Básicos. Esta situação proporcionou ao aluno de enfermagem a oportunidade de convivência tanto com os professores das ciências básicas como com os alunos de outras carreiras da Saúde, mas o contato do estudante com as professoras de enfermagem foi adiado para o 4º período do Curso. Segundo Oliveira (1981), esta aproximação pretendeu oferecer ao aluno de enfermagem enriquecimento cultural e ampliação de suas expectativas. Por outro lado, vejo que essa inovação retirou deles a convivência com o grupo específico e a ambientação com a carreira escolhida, trazendo novos problemas para os alunos, principalmente no tocante à interação com professores e alunos de outros cursos. No início da década de 80, as disciplinas já não eram ministradas ao conjunto dos alunos, passando cada curso a ter conteúdos diferenciados. A principal razão alegada para que isso ocorresse foi a de que os alunos das carreiras que exigiam menor número de pontos no vestibular, não conseguiam acompanhar os ensinamentos que eram oferecidos principalmente aos alunos de medicina e odontologia; *o sistema de créditos trouxe a necessidade de uma adequação dos conteúdos e do número de horas/aula, tanto teóricas quanto práticas, das disciplinas e inviabilizou as promissoras experiências que vinham sendo feitas com currículos integrados, sob a forma de unidades didáticas; *o CFE fixou o novo currículo mínimo dos Cursos de Enfermagem e Obstetrícia9, devendo as Escolas elaborar seus currículos plenos, tendo em vista as exigências específicas das diferentes universidades; *a exigência de qualificação do corpo docente através da obtenção de títulos de mestre, doutor ou livre-docente determinou que algumas escolas de enfermagem acelerassem o processo de implantação de seus cursos de pós-graduação stricto sensu.

Até a implantação da Reforma Universitária, o número de unidades universitárias brasileiras (em todas as áreas) que ofereciam cursos de pós-graduação stricto sensu era muito reduzido. Até então, os esforços voltados para este tipo de formação incluiam basicamente o financiamento dos estudos em outros países, principalmente nos Estados Unidos, e para um pequeno número de pessoas. Tanto que, a maioria dos docentes universitários não tinha formação acadêmica em nível de mestrado e doutorado e a pesquisa científica ficava restrita a algumas poucas instituições como "os Institutos de Manguinhos (Rio de Janeiro) e Butantã (São Paulo); o Instituto de Biofísica da UFRJ, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, Institutos de Física Teórica e de Energia Atômica, ambos da USP, o Instituto de Matemática Pura e Aplicada" (Germano, 1993).

A Lei da Reforma Universitária previa no seu artigo 2º que "o ensino superior, indissociável da pesquisa, será ministrado nas universidades e, excepcionalmente, em estabelecimentos isolados". Através este dispositivo legal, foi efetivamente implantada a pós-graduação no Brasil, o que possibilitou também o incremento da pesquisa universitária.

Em 1972, foi implantado na Escola Anna Nery/UFRJ, o primeiro curso de mestrado em enfermagem no Brasil. Já em 1973, a Escola de EnfermagemdaUSP/ SP cria o segundo curso de mestrado em enfermagem no Brasil. Essas iniciativas tinham como primeira e mais ampla finalidade qualificar docentes de enfermagem de modo a atender a legislação em vigor. Como quase a totalidade desses docentes não possuía tal qualificação, durante aproximadamente duas décadas, as turmas desses cursos foram formadas quase que exclusivamente por professoras de enfermagem, vindas das diversas regiões do Brasil. Além de encaminhar suas professoras para o curso de mestrado na Escola Anna Nery e na Escola de Enfermagem da USP, as escolas de enfermagem trataram também de incentivar seus docentes para a realização de cursos de mestrado em outras instituições, tanto no Brasil como no exterior, objetivando também a criação de novos cursos.

Em 1995, onze escolas de enfermagem brasileiras (nove federais e duas estaduais) ofereciam cursos de mestrado. Essas escolas estão assim distribuídas pelas diversas regiões do país: sudeste - seis; sul - uma; nordeste - três e norte -uma. Destas onze escolas, cinco (três federais e duas estaduais) oferecem o curso de doutorado, sendo que quatro estão localizadas na região sudeste e uma na região sul. Algumas dessas escolas oferecem também, em outros estados, cursos de mestrado ou doutorado em sistema de extensão.

Assim é que, a Reforma Universitária de 68 modificou a situação da carreira de enfermagem. Do ponto de vista quantitativo o crescimento ocorreu tanto pelo incremento do número de vagas como pela criação de novas Escolas. Como podemos constatar, a situação das escolas de enfermagem, no que se refere à dependência administrativa à instituições mantenedoras, se inverteu a partir do final da década de 80, pois até esta época, a grande maioria das escolas ou eram vinculadas aos governos ou mantidas por congregações religiosas, sendo que na maioria destas instituições, o curso era gratuito. Qualitativamente, a principal alteração foi em relação à produção científica, pois a abertura dos cursos de pós-graduação stricto sensu veio a favorecer o aumento significativo da produção científica de enfermagem, ainda que restrita ao âmbito da academia e principalmente para atender às exigências dos cursos de mestrado e doutorado. Como pudemos observar, de todos os modos a Reforma Universitária de 1968 determinou uma ruptura na formação da enfermeira brasileira.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A história da enfermagem moderna no Brasil insere-se no passado recente do país, caracterizando um desenvolvimento tardio em relação a outras carreiras da área da saúde, como a medicina, a farmácia e a odontologia, profissões já regulamentadas no século 19, antes mesmo da existência de universidades no Brasil, e que passaram a integrá-las desde as primeiras décadas do século 20.

O sistema implantado pela missão técnica de enfermeiras norte-americanas no DNSP, feria os interesses econômicos e políticos das corporações militares e religiosas às quais não convinha a difusão do "padrão Anna Nery". Após a substituição total das enfermeiras norte-americanas por enfermeiras brasileiras, tendo como pano de fundo os governos populistas (da década de 30 a meados da década de 60), observase um crescimento exponencial do número de escolas de enfermagem católicas, em sua maioria ligadas a hospitais, ao contrário do que preconizavam as enfermeiras norte-americanas.

O exame do processo de formação das enfermeiras nos mostra que várias escolas foram criadas anexas a faculdades de medicina e o currículo de enfermagem já então atendia às incipientes especialidades médicas. O corpo docente das escolas de enfermagem era composto por médicos e enfermeiras; àqueles cabia lecionar além das disciplinas básicas, a parte teórica relacionada aos "princípios científicos", bem como as clínicas básicas; às professoras enfermeiras cabia relacionar aqueles conteúdos teóricos à arte ou à técnica de enfermagem, em cada uma dessas áreas (que correspondiam aos campos clínicos), em sala de aula, nos laboratórios de enfermagem e nos estágios supervisionados, onde muitas vezes desempenhavam funções de chefia.

Deste modo, o ensino da enfermagem no Brasil foi configurado como uma área ou disciplina da área médica, ou seja, como se dizia, uma profissão paramédica. No entanto, a dependência na qual se achava o ensino de enfermagem, correspondia a uma situação de consentimento ou até de aquiescência das próprias escolas de enfermagem. Essa característica de nossa formação levou a que muitas turmas de enfermeiras fossem formadas sem maiores questionamentos sobre a razão de ser da profissão na sociedade brasileira, posto que estavam, na maioria das vezes, voltadas para os interesses em função dos quais tinham sido formadas. Por esses motivos e também devido à falta de atrativos da profissão para grande parte do pequeno contingente de mulheres de classe média que completava o curso secundário, as escolas de enfermagem de modo geral chegaram tardiamente à universidade, se considerarmos que o projeto inicial de implantação da enfermagem moderna no Brasil já previa a sua inserção no que hoje se chama ensino de 3º grau.

Assim, no longo período que se estende desde a criação das primeiras escolas de enfermagem até a Lei da Reforma Universitária, em 1968, emerge, em linhas bastante nítidas, o sentido no qual se processou o desenvolvimento da enfermagem brasileira. Apesar da institucionalização do modelo nightingale em 1923, apenas em meados deste século acentuou-se o ingresso de escolas de enfermagem na universidade. Esse movimento foi favorecido pela política de federalização de instituições de ensino superior, as quais tiveram que se aglutinar, de modo a atender os requisitos mínimos exigidos pelo Ministério da Educação, para a criação de universidades. Assim mesmo, somente a partir da década de 60, passou-se a exigir das candidatas ao curso de enfermagem doze anos de escolaridade, correspondentes ao curso secundário completo. Nesta mesma década é que se observou o incremento do processo de laicização do ensino e do exercício profissionais.

Portanto, somente a partir da década de 60 é que as escolas de enfermagem, por razões até alheias à sua vontade, mudaram sua configuração, qualitativa e quantitativamente. Primeiro, pela exigência do curso secundário para a seleção, passando a ter uma feição propriamente universitária; depois, por sua inclusão em Centros de Ciências da Saúde, ou Centro Biomédicos; e finalmente pela instituição da pós-graduação stricto sensu e da pesquisa. Em uma perspectiva quantitativa, além das quarenta escolas de enfermagem criadas entre 64 e 79, houve a ampliação do número de vagas ofertadas para a carreira de enfermagem, no bojo do processo geral de massificação do ensino superior e de secularização da enfermagem.

 

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1. Este trabalho Corresponde ao resumo de parte do retório de pesquisa enviado ao CNPq referente ao projeto integrado "Trajetória das escolas de enfermagem na sociedade brasileira"
2. Neste trabalho, a palavra religiosa será usada com o sentido de: "mulher que fez votos monásticos" (Die. Aurélio, 1975).
3. Memória de Solferino, Genebra, 1862.
4. Entretanto, ficaram asseguradas as vantagens concedidas aos enfermeiros do H.C.E. nomeados em 1911 (Decreto n° 8647, de 31/3/1991), ficando os nomeados posteriormente sujeitos às disposições da nova regulamentação.
5. Decreto n° 21 141, de 10/3/1932.
6. Decreto n° 22 257, de 26/12/1932. Este decreto só foi revogado pela Lei n° 2 604/55, quando as irmãs foram enquadradas como enfermeiras práticas ou práticas de enfermagem.
7. Decreto n° 20 109/31 - 4º Considerando.
8. Decreto-Lei n° 53, de 18/11/1966 e Decreto-Lei n° 252, de 28/02/1967
9. Resolução n° 4/72, do CFE e Parecer n° 163

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