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Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
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Ministério da Educação
CAPES

Volume 1, Número 3, Set/Dez - 1997

I. INTRODUZINDO O TEMO

 UM ESCLARECIMENTO NECESSÁRIO

 

Para discutir um tema tão complexo quanto a integração docente-assistencial é preciso optar por algumas questões e, por isso, abandonar outras. Decidimos então relevar algumas questões. Primeiro é preciso reconhecer que a Reforma Universitária de 1968 (Lei n° 5.540/68) desempenha um papel histórico extremamente importante para a compreensão da realidade atual, no que diz respeito às questões da integração docente-assistencial. Em segundo lugar, é importante determinar quem são os atores da integração docente-assistencial, e frisar que não temos a ilusão de que a simples troca de papéis, entre docentes e profissionais técnicos, seja capaz de realizar essa integração. Em terceiro lugar, vamos colocar em pauta: por que os docentes resistem mais em assumir a assistência ou, perguntando melhor, de que lado fica a maior resistência? Por último, pensamos que vale a pena questionar como seria possível operar esta mudança potencialmente competente, essa mudança que teria (talvez) condições de garantir a integração docente-assistencial.

Na realidade, a proposta pedagógica, a proposta institucional envolvendo os estudantes, é estruturante de uma integração docente-assistencial possível e, neste sentido, não há mágicas: ou a proposta pedagógica está comprometida com o processo de trabalho, ou vai ser difícil desenvolver qualquer proposta de integração docente-assistencial.

 

 UMA DISTINÇÃO CONCEITUAL

Para iniciar a discussão, cabe uma diferenciação conceituai entre integração ensino-serviço e integração docente-assistencial. A integração docente-assistencial de que vamos falar, aqui, é mais didático-pedagógica, na expressão denotativa do termo, do que a integração ensino-serviço, que caracterizaria mais uma espécie de integração do tipo institucional. A integração docente-assistencial tem implicações conceituais e práticas no projeto pedagógico de formar enfermeiras(os) e no projeto de assistir aos clientes. Implicações que são sérias, mais sofisticadas, e até mais relevantes do ponto de vista da denotação mesma do conceito de integração, do que quando se fala de integração ensino-serviço, que é mais estrutural, mais institucional, mais entre instituições de ensino e instituições de serviço. A integração ensino-serviço tem mais a ver com os significados da extensão universitária. Já a integração docente-assistencial tem um certo significado de mais estreita relação com o projeto acadêmico de ensino, pesquisa e extensão (assistência), e suas implicações são mais acadêmicas do que estruturais.

A integração ensino-serviço, tão propalada atualmente, tem algo mais a ver com as projeções da universidade para os serviços, para as comunidades, para as empresas, para todos os setores que estão no exterior da universidade e, portanto, tem que se haver com as conexões e as trocas institucionais em geral. Ou seja: as projeções da universidade são mais para fora do seu contexto e têm, também, implicações de intercâmbio entre a universidade e a sociedade (por exemplo, a universidade e a empresa, ou uma universidade com outras).

Assim, nesse último sentido, a palavra integração tem a ver com relacionamento de "partícipes" de um empreendimento globalizado, um empreendimento mais pleno, um empreendimento por inteiro. Começa-se com protocolos de intenções, depois com planos de ações definidas, seja em meios ou em fins. Então, integração quer dizer mais com esta globalidade de acordos e conveniências, de intenções e de participação dos interessados em um empreendimento globalizado. A integração ensino-serviço teria que preservar, de algum modo, na sua intencionalidade conceituai, o sentido de uma globalidade de ações, uma globalidade que vai abranger as ações de uns e de outros, e que, em algum ponto da cadeia de relações, as ações teriam que intercambiar interesses, metas, propostas, objetivos, até mesmo resultados ou produtos pretendidos.

Mas se estamos falando da integração docente-assistencial, como uma questão que vem sendo discutida no plano da área da saúde, em que pese a posição das instituições universitárias, de ensino e assistenciais, essa integração docente-assistencial tem mais a ver, especificamente, com o sentido de um projeto acadêmico que interessa à formação de recursos humanos e, por conseqüência, à prestação de serviços, à clientela e aos usuários em geral. E essa questão sempre constituiu uma dificuldade na trama das relações entre escolas e serviços de saúde. Vejamos, pois, como ela surgiu entre nós, e como permanece, ainda, como uma questão não resolvida.

 

II. A QUESTÃO EM SI NA TRAJETÓRIA EVOLUTIVA

 UM POUCO DE HISTÓRIA

A questão da integração docente assistência [começou a se firmar mais definitivamente, na área da saúde, a partir dos anos 70 com os documentos resultantes das Reuniões dos Ministros da Saúde das Américas (OPAS-OMS, 1973). Contudo, em que pese o tema colocado, pode-se dizer que, para a enfermagem brasileira, ela começou com a Missão Técnica de Cooperação para o Desenvolvimento da Enfermagem no Brasil, e com a vinda das enfermeiras norte-americanas para implantar o Serviço de Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde Pública - DNSP (Parsons, 1928). No bojo da Missão Técnica, surgiu a recomendação de criar-se uma Escola de Enfermeiras que pudesse formar profissionais capazes de, posteriormente, substituir as enfermeiras estrangeiras. Algumas dessas enfermeiras iriam para os Serviços e outras permaneceriam na Escola de Enfermeiras1, de forma a garantir a continuidade do processo de formação de recursos humanos. Ethel Parsons era a Chefe dessa Missão e Superintendente do Serviço de Enfermeiras do DNSP2, e Clara Louise Kieninger foi a primeira Diretora da Escola de Enfermeiras do DNSP (Carvalho, 1976; Carvalho 1994). A Missão durou dez anos, de 1921 a 1931, sendo que o Programa de Instrução - Primeiro Currículo de Enfermagem - foi iniciado em 19 de fevereiro de 1923, e a primeira turma de enfermeiras graduou-se em 19 de junho de 19253 (EE/DNSP, 1925). Desde então, as Enfermeiras Diplomadas, posteriormente ditas Anna Nery, poderiam estar nos serviços ou nas salas de aula. Pouquíssimas eram as que ministravam apenas aulas. A maioria atuava nos campos de prática (no Hospital do DNSP - atual Hospital Escola São Francisco de Assis da UFRJ -, e nos Distritos), com a responsabilidade de administrar e de assegurar, principalmente, a prestação da assistência de enfermagem. As enfermeiras da Missão Técnica desempenhavam - quanto ao ensino - uma espécie de papel de instrutora ou de supervisora. A diferença quanto aos papéis, se é que havia, era operada pela conveniência do Serviço de Enfermeiras e da própria Escola de Enfermeiras, e a partir da Superintendência de Enfermeiras do DNSP (Fraenkel, 1934). Vale mencionar que a Escola de Enfermeiras passa a denominar-se Escola de Enfermeiras Dona Anna Nery, através do decreto nº17.268/26. Isso era o que acontecia até 1937, quando a EEAN entra para a Universidade do Brasil - UB (Lei n° 452/37). Nessa contingência, cabe esclarecer que a Faculdade de Medicina da UB possuía "clínicas" e "serviços" espalhados em Instituições de Saúde pelo Rio de Janeiro, onde os então Professores Catedráticos eram os Chefes. A partir dos anos 40, a Faculdade de Medicina passa a ocupar algumas clínicas e enfermarias do Hospital Escola São Francisco de Assis (HESFA), enquanto a assistência de enfermagem continua na dependência direta da EEAN.

A partir de 1951, a EEAN começa a organizar seu corpo de docentes enfermeiras. Antes, as enfermeiras lotadas na Escola podiam estar em qualquer setor do HESFA, ou em outros Serviços da Universidade, e eram chamadas a dar aulas na base de suas experiências e de sua liderança, e por iniciativa, principalmente, da Diretora da EEAN. Havia, nessa ocasião, um Comitê Técnico Administrativo da EEAN, que era composto pela Diretora, pelas Chefe da Divisão de Ensino e Chefe da Divisão de Estágios, e por professoras que a Diretora convocava ("ad hoc"). Esse grupo discutia, entre outros assuntos, a seleção de jovens enfermeiras, que ocupariam os cargos, na dependência das vagas. Durante esse tempo, a regra geral era entrar como enfermeira para atuar nos serviços. Algumas enfermeiras (poucas) tinham o cargo de Professora (Instrutor de Ensino Superior) ou de Professora Encarregada de Curso ou de Disciplina, contratada para tal fim. Nas décadas de 50 e 60, a EEAN ganhou mais alguns cargos de Instrutor de Ensino Superior; algumas enfermeiras ocupavam esses cargos, mas trabalhavam nos serviços e só mais tarde começaram a dar aulas.

Com a Reforma Universitária, a EEAN sentiu a necessidade de reestruturar seus quadros, sendo que uma parte das enfermeiras foi para o Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF/UFRJ), para constituir a Divisão de Enfermagem, e outra parte, considerada mais segura e experiente no ensino, ficou à disposição da EEAN, para garantir as exigências da implantação da Reforma Universitária e de um instrumental técnico-curricular diversificado e expandido, com a inclusão da Pós-Graduação "stricto senso'(Curso de Mestrado em Enfermagem) e, além do mais, com as intenções de promover ou melhorar o "academicismo" e de implantar a pesquisa e a produção científica.

A Reforma Universitária, sem dúvida, alavancou a pesquisa na enfermagem e na universidade. A pesquisa na enfermagem, que inicialmente abrangia relatórios sobre situações-problemas e procedimentos de enfermagem, cresce nos anos 70 com a criação dos cursos de pós-graduação, e hoje, com uma significativa produção, já somos capazes de qualificar melhor as pesquisas e seus resultados. Mesmo assim, na enfermagem, pode-se dizer, nós ainda estamos classificando nossos dados e nossas informações, categorizando alguns fatos e fenômenos que nos interessam, ordenando o referencial teórico fundamental para a pesquisa, dominando métodos e abordagens para avançar nas investigações, e estamos teorizando sobre a prática, o que resulta que as nossas teorias de enfermagem são, ainda, teorizações sobre a prática (Carvalho, 1985).

Voltando à questão da integração docente-assistencial, pode-se dizer que ela já apresenta uma certa cronicidade dentro do plano dos temas discutidos na área da saúde, pelo que nós a consideramos, aqui, como uma questão "não" resolvida. Ou seja: jamais conseguimos resolver e interpretar plenamente, na prática, o que seja integração docente-assistencial. A divisão das enfermeiras, em enfermeiras docentes e enfermeiras assistenciais não foi uma "boa" solução. Antes dessa divisão, pelo menos em nosso contexto universitário, todas se sentiam bem e à vontade, como enfermeiras da EEAN e da UFRJ. Qualquer uma poderia ser contratada para o serviço assistencial e dar aulas, eventualmente. Ou poderia ficar mais nas salas de aula, quando participava de programas de ensino mais intensos, mas podendo ser chamada a contribuir na assistência de uma hora para outra. Havia uma certa participação recíproca, uma mutualidade na troca de papéis, um entendimento (pode-se dizer) sem tendências, sem reações, sem critérios rígidos de separação. Se a questão docente assistencial é uma relação de papéis hierarquizados, essa divisão imposta pela Reforma Universitária, na EEAN, não foi bem resolvida nem para as idéias, nem para as ações de enfermagem, sejam elas entendidas dentro da EEAN ou nos campos de prática da UFRJ.

A proposta pedagógica implantada pelas enfermeiras americanas (modelo Parsons) colocava o aluno como centro de interesse de ambas as enfermeiras, as de serviço e as de ensino. Mas não havia uma divisão literalmente consciente, nas idéias ou nos planos de trabalho, e todas sabiam que tinham que cuidar dos clientes e dos alunos. Ao se chefiar um serviço, ou ao se cuidar de clientes, sabia-se que cada uma era, antes de tudo, uma enfermeira da Escola (não propriamente do Hospital). Hoje essa questão é bem diferente, não parece tão clara, como antes, precisamente por causa da divisão entre enfermeiras docentes e enfermeiras de serviço.

Antes da Reforma Universitária, sempre que uma enfermeira entrava na Universidade, por contrato ou por concurso (porque ganhava uma vaga ou pela forma que fosse), quase sempre a entrada era pela EEAN, ela pertencia à EEAN, e podia ser encaminhada pela Diretora, para atuar nos campos de prática. Os assuntos que envolvessem a responsabilidade profissional ou que comprometessem a ética profissional que a Escola endossava, envolviam diretamente a Diretora da EEAN, e implicavam em um possível recurso ao Reitor. Com freqüência, a Diretora da Escola tinha essa competência, de ajuizar e decidir sobre a localização de enfermeiras nos hospitais e em outros campos de prática.

Atualmente, a questão é outra. Olhando de uma perspectiva geral, os Hospitais Universitários, sobretudo, têm enfermeiras que não se sentem absolutamente responsáveis pelo ensino ou ligadas às Escolas de Enfermagem. E falando do ponto de vista de uma ótica equilibrada, não é possível uma professora trabalhar oito horas diárias como Chefe de um setor no Hospital (porque quatro horas/dia não atende às necessidades do Hospital), e ainda dar aulas neste mesmo horário, atendendo toda a demanda da burocracia administrativa da gestão da Escola dentro da Universidade. Além disso, antes da Reforma Universitária, vale referir, aqui, que todas (ou quase todas) as Escolas de Enfermagem Públicas, no Brasil, gozavam de uma certa autonomia didático-pedagógica e orçamentária, no plano das Universidades; e cada Escola recebia uma verba já discriminada para a execução de seu plano de ação. Com a Reforma Universitária, essas Escolas, em sua maioria, transformaram-se em Departamentos, às vezes Departamentos de Faculdades de Medicina. Com isso, perderam autonomia orçamentária e até didático-pedagógica em razão de uma reforma educacional que não foi facilmente compreendida, principalmente nos termos do Currículo Mínimo de Enfermagem (Parecer CFE n° 163/72 e Resolução CFE n° 04/72), o qual veio atrapalhar, de certa forma, o projeto didático-pedagógico da formação de enfermeiras(os), porque já veio dividido em ciclo básico e ciclo profissional, ou parte pré-profissional e parte profissional. Ademais, nas Escolas ou Faculdades que desenvolviam o currículo pleno, não foi fácil a idéia de implementar as habilitações (Carvalho, 1986).

Destarte, a "não" integração docente-assistencial, ou a desintegração entre docentes e assistenciais, é uma dificuldade, um impedimento, para um melhor ensino e para um melhor serviço. No projeto pedagógico, o que se deveria entender é que enfermeiras de ensino e enfermeiras de serviço, ou enfermeiras docentes e enfermeiras assistenciais, devem ser co-participantes na formação dos alunos e na assistência aos clientes, sendo que as enfermeiras docentes devem exercer, predominantemente, suas atividades na docência, e devem contribuir e colaborar para a assistência de enfermagem que é oferecida para os clientes nas instituições ou nos serviços. Da mesma forma, as enfermeiras da assistência, ou dos serviços, têm uma obrigação primeira para com a assistência de enfermagem e para com os cuidados aos clientes, e em urna segunda, elas devem colaborar e contribuir para o ensino e a formação dos estudantes (Andrade e cols., 1973). Porém, na maioria das situações, isto não é o que acontece. E quando acontece a integração, é que está mais baseada em negociações, de modo particular, do tipo "pessoa-a-pessoa", o que não é bom para a profissão. Daí porque dizemos que esta é uma questão 'não" resolvida.

Com efeito, não custa reiterar que esta questão nunca ficou bem resolvida, nem nas cabeças das professoras e nem nas das enfermeiras de serviço. E é preciso atentar, ainda, para alguns aspectos práticos da aproximação entre ensino e serviço na área da enfermagem, como por exemplo a supervisão dos estágios. As professoras costumam se ater mais ao tempo de estágio esgotado, do que ao cuidado esgotado. Digamos assim: algumas professoras e seus alunos costumam se retirar do campo em hora previamente marcada, que pode coincidir com um cuidado de enfermagem não completado. As enfermeiras de serviços se ressentem dessas situações de trabalho considerado incompleto. Assim, as situações de clientes atendidos por alunos, cujos planos de cuidados ainda não estivessem equilibrados para serem passados para as enfermeiras da assistência, estas situações deveriam manter a presença de professoras em campo, até que a situação de enfermagem do cliente pudesse ser passada para as enfermeiras da assistência, sem maiores dificuldades, sem rupturas, inclusive de planejamento de pessoal, e para assegurar uma certa qualitas ou pelo menos um certo quantum de pessoal e de atividades. As atividades de enfermagem, ou as propostas assistenciais tomadas, para si, pelas docentes e por seus alunos, deveriam ser finalizadas, atingindo-se o final das propostas e não o final do tempo, e esta é uma causa de incompreensões e de discórdia.

Bem diferente é a situação dos Médicos - Chefes de Clínicas, Chefes de Serviços -, que são professores da Faculdade de Medicina, portanto sendo apenas médicos ou sendo chefes, nomeadamente e titularmente falando, eles podem ter um trânsito mais livre, um entrar e sair mais liberado. Portanto, o processo de trabalho e o serviço mesmo não pára, e as enfermeiras assistenciais, que aceitam essa situação para a categoria dos médicos, não aceitam a mesma situação para as enfermeiras docentes. Não há este reconhecimento inabalável da Chefia de Enfermagem dos Setores, nas Instituições de Saúde (Universitárias ou não). E esse aspecto da questão é um verdadeiro "complicandum".

 

 IDÉIAS DE MUDANÇA EM PERSPECTIVA

Na UFRJ - Centro de Ciências da Saúde existe uma proposta, que não consegue caminhar com facilidade na Escola de Enfermagem, uma proposta de transformar uma parte dos cargos de enfermeiras do Hospital em cargos de professoras, desde que haja a garantia contratual de que, ao menos metade da carga horária, seja exercida nos hospitais. Mas a EEAN não consegue responder a essa proposta, porque esta questão da integrarão docente-assistencial não está bem resolvida, bem deliberada e bem acertada nos colegiados da Escola e na concepção das enfermeiras do HUCFF. Não é claro como poderemos operar esta mudança.

Contudo, as enfermeiras docentes já enfrentam a idéia de que, em um prazo talvez não muito longo, terão que demonstrar o seu "que-fazer" nos campos de prática, e de uma maneira que não seja interpretado só como docência. Elas sabem (talvez) que terão que traduzir seu papel de professora universitária, não só como professora de enfermagem, mas como enfermeira, profissionalmente capaz, também, de participar e de intervir na assistência.

Entendemos, então, que a Divisão de Enfermagem e as principais Chefias de Setores deveriam ser dirigidas por docentes. No entanto, há que se atentar para a necessidade de uma alternância permanente entre atividades de ensino, de pesquisa e de assistência, porque, ao atender-se às peculiaridades assistenciais da profissão de enfermeira, costuma haver incidência freqüente de prejuízo para as atividades de ensino e de pesquisa, o que também não é bom para a profissão. E entendemos, ainda, que operar uma mudança para conseguir uma integração docente-assistencial, não se fará através de convencimento, mas somente através de um projeto institucional globalizado.

Vale enfatizar que, a nosso ver, cabe-nos a responsabilidade de repensar o papel das Escolas de Enfermagem, a posição e o papel das professoras de enfermagem no que concerne aos campos de prática. Portanto, cabe-nos o dever moral de reconsiderar o papel das docentes de enfermagem no plano da assistência, - no plano gerencial e no plano administrativo -, o que tem tudo a ver com a assistência de enfermagem aos clientes.

 

III. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesse sentido, por último, mas não por fim, resta dizer: nós precisamos nos preocupar com as ações substantivas e não somente com as ações correspondentes a atribuições. Não só nesta questão da integração docente-assistencial, mas em outras da prática da enfermagem. Os desempenhos que correspondem às atribuições e que favorecem a enfermagem são valiosos, porém mais valiosos para a consistência conceituai são as ações substantivas, aquelas denotativas da profissão. Temos que nos haver não apenas com o "saber-fazer", mas com o "que-fazer" mesmo. E não apenas com o caráter administrativo ou gerencial das atividades profissionais, porque isto pertence às estruturas e possui, digamos assim, caráter e implicações conceituais no sentido "exo-consistência" As nossas atividades de enfermeiras têm que apresentar caráter inerente e implicações conceituais no sentido "endo-consistência" (Deleuze e Guattari, 1992). Ou seja: temos que nos prender menos aos rodeios, aos tangenciamentos, às gerências, às administrações, para nos aproximarmos mais da essencialidade dos cuidados, entendidos como "care giving" (na expressão inglesa do "cuidar/cuidado"). Somente se envolvidas diretamente na esfera do cuidar, dos cuidados, poderemos assegurar a unicidade da enfermagem como prática profissional, prática social e prática crítica. O afastamento ou o distanciamento da arte de cuidar tem sido sério para as enfermeiras em geral, porque temos' delegado os atos de cuidar para contribuintes da equipe de enfermagem. Mais sério é o que já está acontecendo agora, posto que já vamos perdendo lugar para outros tecnológos da área da saúde.

De sorte que precisamos revisar, ou reconsiderar, nossos desempenhos. Porque eles são distintivos de nosso papel nos campos de prática dos cenários universitários, distinção que deve valer para a diferenciação entre profissionais na mesma área de atuação, como a da saúde. Além do mais, as conseqüências não são apenas administrativas e estruturais, mas são pedagógicas, para o modelo de formação profissional da enfermeira, para hoje e para amanhã, e implicam ainda na formação das mentalidades e das condutas dos herdeiros da profissão. E esse nosso atual modelo pedagógico e assistencial de enfermagem está mal focalizado para o aluno, não só em termos de conduta mas, sobretudo, de mentalidade profissional ou de consciência crítica.

Conseqüentemente, a nosso ver, a enfermagem deve preservar, a todo custo, o princípio Níghtin-galeano de "demonstrar-se pelo exemplo", porque esse princípio envolve um compromisso ético com o modelo de ensino e de prática da enfermagem moderna que aprendemos a exercer e a respeitar.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRADE, Maria Dolores Lins de et al. O curso de graduação da Escola de Enfermagem da UFRJ. Currículo pleno face ao parecer CFE 163/72. Publicação da Programação Científica do XXV CBEn. João Pessoa, 1973.

CARVALHO, AnaydeCorrêa. Associação Brasileira de Enfermagem 1926 - 1976: documentário. Brasília: ABEn, 1976.

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Tangenciando o pensamento de Pedro Demo e suas alegações por uma prática crítica. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE TEORIAS DE ENFERMAGEM, 1985, Santa Catarina. Anais... Santa Catarina: UFSC / Departamento de Enfermagem, 1985.

O ensino de graduação na área de enfermagem: considerações essenciais e críticas. In: SEMINÁRIO DE ENSINO SUPERIOR DE ENFERMAGEM NORTE NORDESTE, 1981, Recife. Relatório Final... Recife: MEC/SESu, 1986.

DELEUZE, Guilles GUATTARI, Felix O que é a filosofia? Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992

ESCOLA DE ENFERMEIRAS DO DEPARTEMANTO NACIONAL DE SAÚDE PÚBLICA. Livro das pioneiras, Rio de Janeiro, (publicação das alunas diplomadas em 1925)

FRAENKEL, Edith de Magalhães. Histórico do Serviço de Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde Pública. Annaes de Enfermagem, v. 5, n. 5, out. 1934.

ORGANIZAÇÃO PANAMERICANA DE SAÚDE. Plano decenal de Salude para Ias Américas. Informe Final de la III Reunión Especial de Ministros de Salud de Ias Américas. Documento Oficial n° 118, ene. 1973.

PARSONS, Ethel. A Enfermagem Moderna no Brasil. Archivos de Hygiene (exposições e relatórios). Rio de Janeiro: DNSP, 1928.

 

1. Trabalho apresentado na II Jornada Científica do Hospital Universitário Federal de Santa Catarina - HU/UFSC, 1995.
2. A Superintendência de Enfermagem, na Estrutura do DNSP , tinha posição equivalente às Inspetorias de Saúde e abrangia duas Divisões: a Divisão do Serviço de Enfermeiras de Saúde Pública e Divisão de Instrução de Enfermeiras, a qual integrava a Escola de Enfermeiras (atual EEAN); durante a Missão Técnica, a Sra. Parsons exercia competência decisoria sobre todos os assuntos referentes à enfermagem, fossem de ensino ou de serviço.
3. O dia 19 de junho é comemorado, na EEAN, como o Dia da Ex-aluna.

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