Volume 21, Número 1, Jan/Mar - 2017
PESQUISA
Emergência oncológica: atuação dos enfermeiros no extravasamento de
drogas quimioterápicas antineoplásicas
Nauã Rodrigues de Souza
1
Magaly Bushatsky
1
Eudanusia Guilherme de Figueiredo
1
Jessica Thamires da Silva Melo
2
Daniela de Aquino Freire
1
Isabel Cristina Ramos Vieira Santos
1
1 Universidade de Pernambuco. Recife, PE, Brasil
2 Hospital Getúlio Vargas. Recife, PE, Brasil
Recebido em 18/07/2016
Aprovado em 11/10/2016
Autor correspondente:
Nauã Rodrigues de Souza
E-mail:
nauan_1@hotmail.com
RESUMO
OBJETIVO:
Investigar a atuação dos enfermeiros no extravasamento de quimioterápicos
antineoplásicos.
MÉTODOS:
Estudo transversal, com abordagem quantitativa, realizado em um hospital de
referência em oncologia, com uma amostra de 21 enfermeiros. Os dados foram
coletados por meio da aplicação de questionário semiestruturado, nos meses
de outubro e novembro de 2015, analisados por meio da frequência simples e
percentual.
RESULTADOS:
Os enfermeiros evidenciaram conhecimento suficiente quanto aos fatores de
risco, prevenção e reconhecimento de sinais e sintomas da ocorrência de
extravasamento por quimioterápicos. No entanto, o mesmo não foi verificado
quanto às questões relacionadas a: classificação das drogas antineoplásicas
e intervenções voltadas à ocorrência do agravo.
CONCLUSÃO:
Os resultados encontrados são importantes, vez que apontam para questões que
devem ser refletidas por gestores hospitalares e de instituições formadoras,
assim como profissionais preocupados com a melhoria da assistência à
população acometida por essa patologia.
Palavras-chave: Extravasamento de materiais terapêuticos e diagnósticos; Antineoplásicos; Cuidados de enfermagem
INTRODUÇÃO
Câncer é o nome dado para designar tumores malignos localizados em diferentes regiões do organismo; suas células malignas podem se disseminar devido ao constante e rápido processo de divisão. A Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que, no ano de 2030, pode-se esperar 27 milhões de casos incidentes e cerca de 17 milhões de mortes por essa enfermidade. No Brasil, estimativas para o ano de 2016 apontaram a ocorrência de 600 mil casos novos de câncer. O que significa que esta patologia constitui uma importante causa de mortalidade, configurando um grande problema de saúde pública.1,2
Dentre as modalidades de tratamento das neoplasias, a quimioterapia é a que detém a maior incidência de cura.3 Trata-se de um método que utiliza compostos químicos chamados quimioterápicos e, quando aplicada ao câncer, a quimioterapia antineoplásica ou antiblástica aumenta a sobrevida dos portadores da doença, mesmo aqueles com tumores muito avançados.4
Entretanto, alguns agentes antineoplásicos podem acarretar toxicidade dermatológica decorrente do extravasamento, definido como a infiltração dessas substâncias, por via endovenosa, para os tecidos circunjacentes ao espaço puncionado. O escape destas drogas é considerado emergência, devido à capacidade de alguns agentes de causar danos ao paciente, que podem ser desde dolorosos edemas eritematosos, no caso das drogas irritantes; ou até mesmo lesões com necrose, necessitando desbridamento e enxerto de pele, no caso das drogas vesicantes. Este agravo acidental pode ocorrer em cerca de 6% dos pacientes que fazem tratamento quimioterápico antineoplásico endovenoso.3,5
Emergência oncológica é definida como uma situação que pode acontecer durante o andamento da doença, incluindo complicações acarretadas pelo câncer em si ou os efeitos colaterais da terapia, havendo necessidade de intervenções rápidas, evitando risco de vida iminente ou lesão permanente. Pode ter início insidioso e levar meses para se desenvolver, ou então se manifestar em horas, acarretando implicações devastadoras, em que nem sempre é possível fazer a prevenção, o que torna imprescindível o conhecimento das emergências oncológicas para imediatas intervenções evitando lesões ao paciente.6
O Conselho Federal de Enfermagem (COFEn) determina ser competência do enfermeiro planejar, organizar, supervisionar, executar e avaliar todas as ações de enfermagem em clientes submetidos ao tratamento quimioterápico antineoplásico. Assim, cabe também ao profissional de enfermagem a responsabilidade pela promoção da segurança e manutenção da qualidade da assistência, participando na educação da sua equipe e nos cuidados ao paciente.7
No que concerne à atuação deste profissional na prevenção e manuseio do extravasamento, é importante fornecer uma assistência efetiva aos pacientes nos quais se utiliza a rede venosa periférica para o tratamento com antineoplásicos. São necessários habilidades e conhecimentos específicos para que a detecção precoce de complicações e intervenções seja realizada com brevidade, uma vez que o retardo no atendimento apropriado acarretará prejuízos ao paciente.8
De acordo com as diretrizes curriculares nacionais, as instituições superiores preconizam a formação do enfermeiro generalista, considerando que este profissional, ao ingressar no mercado de trabalho com carências nas competências relacionadas ao processo saúde/doença, no âmbito do atendimento e das intervenções às necessidades de pacientes com câncer,9 vai necessitar de um aprendizado complementar, especializado, através de cursos de Pós-graduação.
Diante deste cenário instigante, destaca-se a importância de pesquisas que investiguem o conhecimento relacionado às intervenções para uma promoção efetiva da atuação assistencial e gerencial no que se refere à complexidade do extravasamento de drogas antineoplásicas, visto que o cenário atual requer do enfermeiro o desenvolvimento de um pensar crítico e reflexivo. Assim, este trabalho objetiva investigar o conhecimento e a atuação dos enfermeiros em oncologia sobre o extravasamento de drogas antineoplásicas.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo de delineamento transversal e exploratório, com abordagem quantitativa. Foi realizado no Centro de Oncologia (CEON) e Centro de Oncohematologia Pediátrica (CEONHPE) do Hospital Universitário Oswaldo Cruz (HUOC) da Universidade de Pernambuco, localizados na cidade do Recife, referência regional no serviço de oncologia.
Participaram da pesquisa todos os enfermeiros (n = 21) que atuavam nos setores de oncologia há, no mínimo, seis meses, no período diurno, e que aceitaram participar, mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
O instrumento de coleta de dados foi um questionário estruturado elaborado pelos autores, a partir de busca na literatura pertinente, atualizada, nacional e internacional,3,10-12 dividido em duas partes: 1) Questões de caracterização dos sujeitos (sexo, idade, graduação, especialização, mestrado, tempo de atuação em oncologia e quimioterapia, capacitação, abordando extravasamento, número de empregos e jornada de trabalho) e 2) Teste de conhecimento com perguntas de múltipla escolha, em que o respondente deveria escolher uma resposta correta em um conjunto de alternativas. As questões versaram sobre a classificação das drogas antineoplásicas, sinais e sintomas do extravasamento, principais fatores de risco no extravasamento, fatores que influenciam a gravidade do extravasamento, ações de prevenção, sequência do local para a punção venosa periférica, cuidados prestados diante de um extravasamento e aplicação de compressas fria e quente após extravasamento, de acordo com a droga antineoplásica. O questionário foi aplicado pelos pesquisadores, em data e horário previamente agendados com os profissionais, entre os meses de outubro e novembro de 2015.
Os questionários foram tabulados e analisados por meio de frequência simples e percentual. As médias de acertos foram avaliadas quanto ao setor de atuação, instituição onde cursou a graduação, especialização, tempo de atuação com drogas antineoplásicas e jornada de trabalho, através do teste t-student, com apresentação das diferenças de médias e intervalos de confiança de 95%. O banco de dados foi organizado e os cálculos estatísticos realizados por meio do software SPSS versão 21.0 e posteriormente confrontados com a literatura.
A pesquisa está de acordo com a Resolução 466/12, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde (CNS/MS). Foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Oswaldo Cruz/Pronto Socorro Cardiológico de Pernambuco, em 09 de setembro de 2015 (CAAE n° 45920115.4.0000.5192).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O total da amostra foi de 21 enfermeiros. A caracterização dos profissionais, apresentada na Tabela 1, constatou o predomínio de participantes do sexo feminino (n: 19) desempenhando o trabalho de enfermagem no setor de oncologia. Este fato se afirma pela predominância de atributo histórico da enfermagem, ofício desempenhado quase que tão somente por mulheres, desde as suas práticas iniciais.13 No que se refere à idade, mais da metade dos enfermeiros (n: 14) tinham menos de 40 anos e, destes, 12 estavam na faixa etária entre 30-39 anos.
Características socioprofissionais | Setor de atuação | Total (n = 21) | |
---|---|---|---|
Quimioterapia | Enfermaria | ||
Sexo | |||
Feminino | 12 | 7 | 19 |
Masculino | 1 | 1 | 2 |
Idade | |||
20-29 | 2 | 0 | 2 |
30-39 | 8 | 4 | 12 |
40-49 | 2 | 3 | 5 |
50-59 | 1 | 1 | 2 |
Tipo de instituição onde cursou a graduação | |||
Pública | 4 | 5 | 9 |
Privada | 9 | 3 | 12 |
Especialização | |||
Sim | 10 | 7 | 17 |
Não | 3 | 1 | 4 |
Mestrado | |||
Sim | 0 | 2 | 2 |
Não | 13 | 6 | 19 |
Tempo de atuação em enfermagem | |||
Até 2 anos | 3 | 0 | 3 |
3 a + anos | 10 | 8 | 18 |
Tempo de atuação em oncologia | |||
Até 2 anos | 8 | 4 | 12 |
3 a + anos | 5 | 4 | 9 |
Tempo de atuação com drogas quimioterápicas | |||
Até 2 anos | 9 | 4 | 13 |
≥ 4 anos | 4 | 4 | 8 |
Capacitação abordando extravazamento de quimioterápicos | |||
Sim | 7 | 3 | 10 |
Não | 6 | 5 | 11 |
Número de empregos | |||
Único | 7 | 0 | 7 |
+ de 1 | 6 | 8 | 14 |
Jornada de trabalho | |||
30 horas | 4 | 3 | 7 |
36 horas | 1 | 0 | 1 |
40 horas | 8 | 5 | 13 |
Conforme verificado na Tabela 1, 12 entrevistados têm formação em instituições privadas, fato justificado pela expansão do ensino superior no Brasil, que ocorreu especialmente nas instituições particulares, fator que esclarece a disposição mercadológica do ensino superior. Dados demonstram que, no período de seis anos, houve um crescimento de 218% dos cursos de graduação em enfermagem em instituições particulares, passando para 582 cursos, sendo 18% federais e 82% privados.14
Em termos de aprimoramento dos estudos, 17 participantes referiram ter especialização lato sensu concluída e quatro declararam ainda estar em andamento na área de oncologia; dois enfermeiros mencionaram ter especialização em nível de mestrado (stricto sensu).
Recurso bastante procurado pelos enfermeiros, a pós-graduação lato sensu vem suprir as necessidades fundamentais na formação dos que lidam com pacientes com câncer, uma vez que a formação específica na área voltada para o cuidado em oncologia fornece a esses profissionais um perfil diferenciado, com atitudes críticas acerca do cuidado construídas a partir do pensamento científico de suas atividades. Sendo assim, os enfermeiros em oncologia devem ter especialização, já que o exercício de suas atividades requer ampla habilidade de compreender cada circunstância, não se perdendo em soluções e diagnósticos sem embasamento científico.9
As inovações tecnológicas e as produções científicas fazem com que os enfermeiros ampliem seus conhecimentos e redirecionem sua técnica assistencial diante da necessidade ressaltada. Sendo assim, é fundamental que a instituição reforce os meios que incentivem as capacitações constantes, os treinamentos e as orientações de seus profissionais, sobretudo em relação ao manejo das intercorrências do tratamento quimioterápico.15
Como indicadores para caracterizar os enfermeiros quanto à sua experiência sobre o tema aqui estudado foram utilizados: o tempo de atuação em enfermagem, o tempo de atuação em oncologia e com drogas quimioterápicas. Constatou-se que 18 enfermeiros tinham tempo de atuação em enfermagem de três a mais anos e, deste quantitativo, o maior número trabalhava no setor de quimioterapia (n = 10). Por outro lado, a maior parte da amostra tinha um tempo de atuação em oncologia e com drogas quimioterápicas de até dois anos.
Embora pouco explorado pela literatura em enfermagem no Brasil, toma-se como referência para os indicadores utilizados neste estudo a definição de experiência proposta por uma teórica em enfermagem norte americana, a qual afirma que defrontar com as condições e situações do paciente não é experiência; ao invés disso, a experiência envolve a reflexão por parte dos enfermeiros acerca das circunstâncias encontradas para refinar a sua tomada de decisão a um nível inconsciente e intuitivo, em cada momento.16
Deste modo, o tempo de atuação em oncologia e com drogas quimioterápicas de até dois anos, embora pareça pouco, pode estar relacionado a uma grande frequência de situações vivenciadas, levando o enfermeiro a maior reflexão sobre a sua prática, conferindo-lhe, portanto, experiência.
A enfermagem, como outras disciplinas práticas, não é meramente um campo aplicado, no sentido de que sua prática é complexa, variada e subdeterminada. A boa prática exige que o enfermeiro desenvolva comportamento ético, hábil, e realize uma boa avaliação clínica baseada em evidência científica e desenvolvimento tecnológico.
O tempo de atuação pode ser um indicativo do tempo de experiência do enfermeiro e de sua relativa maturidade, pois reflete o conhecimento e aptidão em um determinado período. Deste modo, a experiência clínica de enfermagem é fundamental para a qualidade do atendimento. Estudo confirmou que o nível individual de educação do enfermeiro e os anos de atuação estão relacionados com a experiência clínica de enfermagem.17
Com relação ao número de empregos, 14 enfermeiros possuem mais de um, de acordo com a Tabela 1. Também foi observado que 13 enfermeiros exercem suas funções dentro de uma carga horária de 40 horas semanais. Porém, com predominância, 20 desses profissionais trabalham mais de 60 horas semanais, devido a outro vínculo empregatício, tempo este que vai de encontro às reivindicações a respeito da jornada requerida, que é de 30 horas semanais de trabalho para os enfermeiros.
A saúde deste trabalhador pode ser prejudicada devido ao excesso da carga horária e ao afastamento do convívio social e familiar, tornando-o vulnerável ao estresse.18 Longas jornadas de trabalho para a enfermagem têm sido apontadas como fator que interfere na qualidade do cuidado ao usuário e na segurança do trabalhador.19
Diversas intercorrências no tratamento com drogas antineoplásicas podem ser prevenidas ou minimizadas por meio de uma assistência de enfermagem sistematizada e individualizada que incentive a participação do paciente na terapêutica proposta.
São competências do enfermeiro que atua com quimioterapia a organização, o planejamento do cuidado, o treinamento da equipe de enfermagem e a assistência integral aos pacientes e seus familiares, o processo que facilita a identificação das intercorrências do extravasamento, prevenção e manejo, reduzindo danos ao paciente e contribuindo para sua segurança.20
Em relação à classificação de drogas antineoplásicas vesicantes ou irritantes, foi observado um percentual de acertos de 47,6% (Tabela 2). O entendimento das propriedades dos quimioterápicos é fundamental para que a qualidade dos cuidados prestados ao paciente em tratamento seja efetiva. Essa modalidade terapêutica apresenta características nocivas, pelo fato de serem irritantes ou vesicantes, podendo acentuar tais experiências, na maioria das vezes pautadas na assistência que envolve procedimentos técnicos para manter a segurança da administração.20
Conhecimento sobre prevenção e intervenção para extravasamento por drogas antineoplásicas | Enfermeiros (n = 21) | |||
---|---|---|---|---|
Questões | Acertos | % | Erros | % |
Como classifica as drogas antineoplásicas? | 10 | 47,6 | 11 | 52,4 |
Quais os sinais e sintomas do extravasamento de drogas antineoplásicas? | 16 | 76,2 | 5 | 23,8 |
Quais os principais fatores de risco para o extravasamento de drogas antineoplasicas? | 19 | 90,5 | 2 | 9,5 |
Quais são as ações de prevenção do extravasamento de drogas antineoplásicas? | 18 | 85,7 | 3 | 14,3 |
Quais os fatores que influenciam a gravidade do extravasamento? | 16 | 76,2 | 5 | 23,8 |
Qual a sequência do local para a punção venosa periférica? | 5 | 23,8 | 16 | 76,2 |
Ordene os cuidados prestados diante de um extravasamento. | 5 | 23,8 | 16 | 76,2 |
Quando aplicar as compressas fria ou quente após extravasamento, de acordo com a droga antineoplásica? | 7 | 33,3 | 14 | 66,7 |
O conhecimento dessa classificação pelos profissionais é crucial, já que, em um extravasamento, principalmente se a droga for vesicante, devido ao elevado risco de lesões irreversíveis, será necessária uma intervenção de emergência adequada.21 Fato este que corrobora ainda mais a importância de atualizações sobre o assunto para os enfermeiros que atuam nos serviços de quimioterapia.9
As drogas antineoplásicas são classificadas como vesicantes quando, ao ocorrer o extravasamento, houver a formação de vesículas, destruição tecidual e, em alguns casos, necrose. Já os irritantes, apesar da não ocorrência de infiltração, podem provocar alterações dermatológicas como queimação e dor, sem avançar para necrose tecidual ou formação de vesículas; sendo assim, consideradas reações menos intensas que as vesicantes.3
A identificação imediata das características do extravasamento é ponto decisivo no prognóstico da lesão.20 Observou-se, neste estudo, um índice de assertivas de 76,2% dos enfermeiros, identificando dor, eritema, edema local, diminuição ou ausência de retorno venoso e redução da velocidade de infusão ou mesmo sua interrupção como os principais sinais e sintomas do extravasamento. Este conhecimento é fundamental, uma vez que, diante da ocorrência do extravasamento ou de sua suspeita, a ação inicial é interromper a infusão da droga. Mesmo que, após o relato do paciente, haja dúvidas no tipo de dor e com a inesperada parada do retorno do sangue, deve-se considerar como extravasamento.22
Observou-se um percentual de 90,5% de acertos no que se refere aos fatores de risco do extravasamento. Tal fato decorre de fatores como: escolha do dispositivo para punção inadequado; alterações das veias, como fragilidade e esclerose; local inadequado da punção; alterações nutricionais; condições do membro (terapia antineoplásica ou radioterapia prévia na área puncionada, linfadenectomia, edema, neuropatia prévia), dentre outras. O reconhecimento desses fatores é a melhor estratégia para diminuir os riscos da administração, assegurando uma assistência de enfermagem de qualidade.3,11
Em relação à prevenção do extravasamento, o índice de acerto foi elevado (85,7%), demonstrando que os cuidados preventivos, juntamente com a identificação dos fatores de risco, são de conhecimento da maioria dos profissionais.
Para obter sucesso na terapia foram identificadas como principais ações relacionadas à prevenção: seleção correta da área puncionada, escolhendo preferencialmente as veias calibrosas, com bom fluxo sanguíneo e no membro não dominante; seleção do dispositivo adequado; não dar "tapinhas" sobre a veia; orientar o paciente para evitar a movimentação excessiva; certificar-se do posicionamento antes de aplicar a droga antineoplásica; manter a área puncionada sob observação constante durante o período de infusão; orientar os pacientes sobre os sinais e sintomas do extravasamento; não administrar drogas vesicantes por mais de 60 minutos em veia periférica.10
Para a realização da assistência de enfermagem segura, a prática sistematizada deve ser pautada na prevenção, sobretudo no que se refere à implantação de intervenções ativas diante das intercorrências surgidas durante a administração das drogas antineoplásicas. São de responsabilidade do enfermeiro a análise e o acompanhamento dos fatores de risco e a intervenção sobre eles, abrangendo ações educativas para o melhor ajustamento físico e global dos pacientes e a eficiência, segurança e responsabilidade da administração desses fármacos.23
Em relação ao conhecimento sobre os fatores que influenciam na gravidade da lesão tecidual, os enfermeiros tiveram 76,2% de acertos. A gravidade está relacionada à potencialidade vesicante da droga, sua concentração, quantidade extravasada, duração da exposição no tecido, local da punção, dispositivo venoso e técnica de inserção da agulha e respostas teciduais individuais. Com o extravasamento dessa droga e dependendo da área infiltrada, há possibilidade de acometimento dos tendões, dos nervos e até mesmo dos vasos importantes. Quando incide em articulações e em quantidade considerável, pode induzir a dano funcional do membro.24
Essa ocorrência geralmente exige um maior tempo de hospitalização do paciente, requerendo uma assistência multiprofissional para prevenção de danos psicológicos e/ou físicos ou até mesmo lesões permanentes. Em relação aos aspectos físicos, os mais comuns são: lesão endurecida na área infiltrada, fibrose localizada, hiperemia e dor.20
Observou-se, nos enfermeiros entrevistados, uma lacuna no conhecimento relacionado às questões teórico-práticas, o que demonstra a necessidade de educação permanente efetiva como plano estratégico para melhorar a assistência. Esta carência se evidencia pela análise da sequência do local para a punção venosa periférica, quando os entrevistados tiveram um baixo índice de acertos (23,8%).
A via endovenosa é mais segura e mais utilizada para administração dos quimioterápicos; sendo assim, diversas veias podem ser empregadas para a infusão. Adverte-se que seja preferencialmente na seguinte ordem: antebraço, dorso da mão, punho e fossa antecubital.5
Para evitar complicações nos pacientes que recebem quimioterapia, o acesso vascular deve ser selecionado criteriosamente, a fim de que proporcione a máxima proteção às articulações, tendões e nervos, de modo a prevenir dano no membro do paciente. À vista disso, o acesso vascular deve ser selecionado da localização distal para proximal. Entretanto, o dorso da mão, que na sua composição apresenta pouco tecido subcutâneo e grande quantidade de tendões, não é indicado para infusão de drogas vesicantes, pois extravasamentos nessa área costumam ser mais complicados.5
Além de conhecer as possíveis intercorrências no tratamento quimioterápico, o enfermeiro necessita dispor de conhecimento para a pronta intervenção do extravasamento. Foi identificado, neste estudo, um baixo índice de acertos (23,8%) relacionados aos cuidados prestados diante de um extravasamento, ratificando os achados de estudo no qual 92,8% dos profissionais entrevistados não souberam descrever o manejo adequado dos eventos adversos, ações de avaliação clínica ou de tratamento farmacológico/não farmacológico.15
Na ocorrência do extravasamento, a intervenção rápida e correta diminui substancialmente o risco de lesões e de incômodo do paciente.15 Além de que a intervenção instantânea na presença do extravasamento reduz prováveis custos do tratamento, como, por exemplo, situações que demandem fisioterapia, intervenção cirúrgica, ou outras práticas complementares. Salienta-se, também, que uma das consequências mais críticas é o retardo do tratamento quimioterápico, o qual prejudica o prognóstico do paciente. Diante disso, a ocorrência de extravasamento ou a suspeita devem ser abordadas como emergência.11
Outro ponto teórico-prático analisado foi a aplicação de compressas quentes ou frias após o extravasamento, de acordo com a droga antineoplásica. Neste aspecto, o índice de assertiva foi de 33,3%. Destaca-se que as compressas quentes são recomendadas para os seguintes tipos de antineoplásicos: alcaloides da vinca (vincristina, vimblastina e vinorelbina), Etoposide, Teniposide, Oxaliplatina; do mesmo modo que as compressas frias são recomendadas para as antraciclinas (doxorrubicina, daunorrubicina, epirrubicina, idarrubicina), entre outras.10
A aplicação de compressa quente proporciona a vasodilatação, facilitando o aumento da absorção e distribuição do citostático. Já o mecanismo de ação das compressas frias é baseado na vasoconstricção, com a diminuição da velocidade de infusão da droga nos tecidos, diminuindo a área de danos.22 No entanto, não existem evidências científicas de que a compressa fria favoreça a diminuição da formação de lesões, seus benefícios podem se limitar a diminuir o incômodo local.25
Ao contabilizar os resultados quanto ao percentual de acertos, a maior frequência dos enfermeiros entrevistados (n = 7) apresentou valores inferiores a 50% (ver Tabela 3). Esse fato é devido ao pouco conhecimento da classificação das drogas antineoplásicas e às questões teórico-práticas referentes à sequência correta do local da punção, aos cuidados prestados diante de um extravasamento e quanto à aplicação das compressas frias e quentes nessa intercorrência.
Porcentagem de acertos | Enfermeiros (n = 21) | |
---|---|---|
N | % | |
< 50 | 07 | 33,4 |
50 - 60 | 05 | 23,8 |
60 - 70 | 02 | 09,5 |
70 - 80 | 01 | 04,8 |
80 - 90 | 04 | 19,0 |
90 - 100 | 02 | 09,5 |
As modalidades terapêuticas disponíveis para a oncologia exigem profissionais críticos e reflexivos que respondam as demandas atuais. Entretanto, há uma lacuna na formação do enfermeiro, não preconizando a integração entre a teoria e a prática, e não revelando as competências exigidas para uma atuação qualificada do mesmo.9 Sendo assim, em muitas ocasiões essa prática é permeada por insegurança e imperícia.26
Para minimizar as lacunas e qualificar os profissionais, as instituições hospitalares devem proporcionar meios para capacitações e atualizações necessárias à prática especializada com qualidade, por meio da educação continuada.9 Porém, na instituição pesquisada, essa atividade é pouco realizada, apenas 10 enfermeiros referiram ter recebido treinamento sobre extravasamento de antineoplásicos, questão preocupante, pois, a oncologia é uma área em constante modificação, que demanda atualização permanente dos profissionais envolvidos no tratamento.
Esses dados corroboram os achados de dois estudos realizados em instituições de oncologia. Um deles, no Estado do Paraná, evidenciou que, dos sete profissionais de enfermagem entrevistados, somente um referiu ter recebido treinamento; e outro, realizado em duas instituições na Paraíba, mostrou que somente 25% dos profissionais receberam capacitação para trabalhar com quimioterapia, ao mesmo tempo em que 75% relataram não ter recebido treinamento algum.27,28
Por ser uma atividade complexa, a falta de treinamento específico e de atualização sobre os cuidados dos pacientes em tratamento quimioterápico pode aumentar os riscos de possíveis erros e, consequentemente, de eventos adversos expondo a saúde do paciente.27
Os resultados apresentados na Tabela 4 demonstram diferença significativa estatisticamente entre a média de acertos, de acordo com o setor de atuação e a instituição onde o entrevistado cursou a graduação. Aqueles que trabalham no setor de quimioterapia apresentaram maior média. Esses dados podem ser justificados pelo fato de que os enfermeiros dos setores de quimioterapia têm mais contato com os antineoplásicos.
Características socioprofissionais | Acertos | |||
---|---|---|---|---|
Média (DP*) | ≠ Média | IC (95%) | p ** | |
Setor de atuação | ||||
Quimioterapia | 6,13 (1,36) | 2,51 | 0,84-4,18 | 0,005 |
Enfermaria | 3,62 (1,98) | |||
Instituição onde cursou a graduação | ||||
Pública | 5,67 (1,93) | 1,92 | 0,12-3,72 | 0,038 |
Privada | 3,75 (1,96) | |||
Especialização | ||||
Sim | 4,53 (2,12) | 0,22 | 2,32-2,76 | 0,858 |
Não | 4,75 (2,50) | |||
Tempo de atuação com drogas quimioterápicas | ||||
Até 2 anos | 4,31 (1,88) | 0,69 | 1,34-2,72 | 0,485 |
≥ 4 anos | 5,00 (2,56) | |||
Jornada de trabalho | ||||
30-36 horas | 4,00 (2,21) | 0,92 | 1,09-2,93 | 0,349 |
40 horas | 4,92 (2,10) |
Comparando a média de acertos quanto à instituição onde cursou a graduação, os enfermeiros graduados por universidades públicas obtiveram maior média, quando comparados àqueles formados por instituições privadas.
Atendendo a demanda de produção dos serviços de saúde, a enfermagem acompanhou a tendência de expansão dos seus cursos formadores, impulsionada por dois marcos regulatórios importantes: o Plano Nacional da Educação (PNE) e a Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/61), em que o ensino passou a ser considerado livre para a iniciativa privada, ocasionando o aumento quantitativo destas instituições, no Brasil.29,30
Tem sido argumentado que a formação acadêmica do enfermeiro, que prioriza a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, é pouco estimulada nas instituições privadas, estratégia esta em desacordo com as demandas contemporâneas e complexas relacionadas às práticas de saúde, que se modificam constantemente. É de se esperar, portanto, que os gestores e governantes reflitam sobre o possível impacto que a dissociação teoria-prática possa ter sobre a qualidade da assistência de enfermagem e da saúde da população,31 e que daí resulte a adoção de medidas para modificar esta situação.
No que pesem os resultados significativos quanto à instituição onde realizou a graduação e a média de acertos, é interessante notar que não se verificou diferença estatística entre o resultado do teste e ter especialização em oncologia e, embora não seja objetivo do estudo, tal resultado chama a atenção para a necessidade de avaliação dos programas de especialização.
No tocante ao tempo de atuação com drogas quimioterápicas, o fato de não se observar diferença estatisticamente significativa pode estar relacionado aos tamanhos similares dos dois grupos analisados, da mesma forma como observado quanto à variável jornada de trabalho. Vale salientar que os autores não encontraram, na literatura, outros estudos metodologicamente comparáveis a esses resultados.
CONCLUSÃO
À luz do objetivo deste estudo, os enfermeiros que constituíram a amostra demonstraram conhecimento suficiente quanto aos fatores de risco, prevenção e reconhecimento de sinais e sintomas da ocorrência de extravasamento por quimioterápicos. No entanto, o mesmo não foi verificado quanto às questões relacionadas a: classificação das drogas antineoplásicas e intervenções voltadas à ocorrência do agravo. As médias de acertos estiveram significativamente associadas ao setor de atuação e à instituição onde o enfermeiro cursou sua graduação.
Apesar das limitações relacionadas à metodologia de corte transversal e à pequena amostra, os resultados deste estudo são importantes, na medida em que apontam para questões que devem ser refletidas por gestores hospitalares e de instituições formadoras, assim como pelos profissionais preocupados com a melhoria da assistência à população acometida por essa patologia.
REFERÊNCIAS