ISSN (on-line): 2177-9465
ISSN (impressa): 1414-8145
Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
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CAPES

Volume 21, Número 1, Jan/Mar - 2017



DOI: 10.5935/1414-8145.20170008

PESQUISA

Deficiência física na velhice: um estudo estrutural das representações sociais

Tatiane Dias Casimiro Valença 1
Washington da Silva Santos 1
Pollyanna Viana Lima 1
Elaine dos Santos Santana 1
Luciana Araújo dos Reis 1


1 Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Vitória da Conquista, BA, Brasil

Recebido em 02/07/2016
Aprovado em 27/09/2016

Autor correspondente:
Tatiane Dias Casimiro Valença
E-mail: tatidcv@ig.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Conhecer a estrutura das representações sociais de pessoas idosas a respeito da deficiência física na velhice.
MÉTODOS: Estudo qualitativo, exploratório, descritivo, fundamentado na teoria das representações sociais. Participaram 22 pessoas idosas a partir dos 60 anos, de ambos os sexos, com deficiência física adquirida na fase adulta, cadastrados em um centro especializado em reabilitação física e auditiva em Vitória da Conquista/BA. Os instrumentos aplicados foram um questionário sociobiodemográfico e o teste de associação livre de palavras.
RESULTADOS: Resultaram 110 evocações livres, processadas pelo software EVOC gerando um quadro de quatro casas. A estrutura da representação social revelou que a aquisição da deficiência física pode produzir dependência e tristeza, mas deve ser enfrentada e superada.
CONCLUSÃO: Conhecer essas representações é importante para o desenvolvimento de estratégias que visem melhorar a qualidade de vida e diminuir o estigma dessa população.


Palavras-chave: Idoso; Envelhecimento; Pessoas com Deficiência Física; Preconceito

INTRODUÇÃO

O envelhecimento da população se apresenta como um fenômeno mundial na atualidade, sendo que o Brasil é um país que envelhece a passos largos. De acordo com dados do censo demográfico de 2010,1 as pessoas com 60 anos ou mais somam 23,5 milhões, mais que o dobro do registrado em 1991, quando a faixa etária contabilizava 10,7 milhões de pessoas idosas. A apresentação desse cenário pode ser reflexo da combinação de diversos fatores, como a diminuição das taxas de fecundidade, redução da mortalidade, ampliação da expectativa de vida ao envelhecer, melhoria dos serviços de saúde, o uso de novas tecnologias em geral, entre outros.1

Dentro deste grupo cada vez maior de pessoas idosas no país, também é possível detectar um número elevado de pessoas com deficiência física.2 Este fenômeno pode estar associado ao aumento da incidência das doenças crônico-degenerativas não curáveis, como o diabetes mellitus, doenças do aparelho circulatório, acidente vascular encefálico, entre outras, que têm maior incidência nessa faixa etária, e que podem ter como consequência a amputação de um membro ou a instalação de uma hemiplegia.1 Além disso, outro fator que predispõe a pessoa idosa a adquirir uma deficiência física é o próprio processo de envelhecimento humano, no qual estão envolvidos diversos fatores, como o biológico, fisiológico e neurológico, que podem levar à perda natural e gradual da visão, audição e capacidade funcional.2,3

Mesmo com esta presença marcante em termos de percentuais demográficos e epidemiológicos, o envelhecimento e a deficiência física ainda povoam a mente humana com preconceitos, sendo descritos como algo negativo, um período da vida em que impera a fragilidade, doença, dependência, incapacidade e improdutividade. A sociedade, geralmente, adota uma postura estigmatizada, determinando para estes indivíduos um papel secundário nos vários contextos sociais, como no trabalho e na família.4

Todavia, é observado que pessoas idosas com algum tipo de deficiência física, possuem, em sua história de vida, experiências de adaptação e superação dos desafios advindos do envelhecimento e da aquisição da deficiência física, sentindo-se ainda capazes e produtivas dentro do contexto social onde vivem.4

Diante dessa realidade, buscou-se desenvolver este estudo adotando como aporte teórico-metodológico a teoria das representações sociais propos ta por Moscovici,5 que define as representações como um sistema complexo de opiniões, atitudes, crenças e informações relativas a um dado objeto social que influencia os comportamentos sociais, conhecimentos e comunicação entre as pessoas. As representações sociais compreendem um conjunto de conceitos, afirmações e explicações pelas quais se procede à interpretação e mesmo à construção das realidades.6 Elas abarcam pensamentos, sentimentos, emoções, práticas, afetos e cognições, que, apesar de certa durabilidade, se apresentam em constante mudança no tempo e na história. Assim, pode-se considerar que as representações sociais das pessoas idosas a respeito da deficiência física podem influenciar diretamente na maneira de ser, pensar e agir destas pessoas.5

Uma das abordagens de estudo das representações sociais é a estruturalista ou teoria do núcleo central desenvolvida por Jean-Claude Abric6,7 sendo esta uma "abordagem complementar" à teoria das representações sociais de Moscovici, de onde emanam suas características mais marcantes do envolvimento sistemático com a prática experimental, e assim, lhe proporciona uma complementaridade mais proveitosa.6 Esta abordagem enfatiza as representações sociais e possui conteúdos sujeitos a uma estrutura hierarquizada formada por dois sistemas sociocognitivos: o núcleo central (rígido, coerente, estável, consensual, que define a homogeneidade do grupo, ligado ao coletivo) e o sistema periférico (flexível, sensível, integrando as experiências individuais, onde se manifesta a heterogeneidade do grupo).6,7

O núcleo central da representação seria balizado pelo conhecimento consensual, que é partilhado pelo grupo, fornecendo homogeneidade e assegurando a continuidade do grupo. Este núcleo central é que fornece o significado e determina a organização de todos os elementos de uma representação.6,7 O sistema periférico é mais flexível, permitindo a diferença e as contradições no grupo, se adaptando à realidade e à diferenciação do conteúdo da representação e na proteção do sistema central.6,7

Deste modo, a representação social é uma organização de significados que funciona como um sistema de interpretação da realidade que rege as relações dos indivíduos com o seu meio físico e social, determinando seus comportamentos e suas práticas.8 Tal determinação é realizada pelo próprio sujeito através de sua história e de sua vivência, ou pelo sistema social e ideológico no qual ele está inserido e pela natureza dos vínculos que venha a estabelecer com este sistema social.8

Sendo assim, a relevância em realizar este estudo está no fato de que as pessoas idosas com deficiência física constituem um segmento cada vez maior da população brasileira. Ao ter conhecimento da percepção e do sentido atribuído à aquisição de uma deficiência física pela pessoa idosa, é possível conhecer de maneira mais ampla e aprofundada as dificuldades, desafios e adaptações vivenciadas por estas pessoas, e, assim, implantar e desenvolver ações nas áreas da saúde, assistência social, direito, acessibilidade, entre outras, que venham garantir melhores condições de vida para este segmento, que ainda é visto de forma estigmatizada pela sociedade.

O objetivo principal deste estudo foi conhecer a estrutura das representações sociais das pessoas idosas a respeito da deficiência física, e revelar que essa percepção pode ir além da visão preconceituosa que prevalece no contexto histórico-cultural.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa, de natureza exploratória, descritiva, que teve como suporte teórico-metodológico a abordagem estrutural ou núcleo central7 da teoria das representações sociais.5 O campo de investigação empírica foi um centro especializado em reabilitação física e auditiva, localizado no município de Vitória da Conquista/BA, tendo como participantes 22 pessoas idosas, de ambos os sexos, que apresentavam algum tipo de deficiência física adquirida na fase adulta, sendo este número determinado pelos critérios de inclusão a seguir: indivíduo com 60 anos ou mais de idade; que apresentava algum tipo de deficiência física adquirida a partir dos 60 anos de idade; cadastrado no centro de reabilitação no período da coleta dos dados; com condição cognitiva preservada para responder aos instrumentos de pesquisa. A condição cognitiva foi verificada através da aplicação do Mini Exame do Estado Mental/MEEM,9 teste que fornece informações sobre diferentes parâmetros cognitivos, composto por questões agrupadas em sete categorias. Cada categoria é planejada com o objetivo de avaliar "funções" cognitivas específicas como a orientação temporal (5 pontos), orientação espacial (5 pontos), registro de três palavras (3 pontos), atenção e cálculo (5 pontos), recordação das três palavras (3 pontos), linguagem (8 pontos) e capacidade construtiva visual (1 ponto). O escore do MEEM pode variar de um mínimo de 0 pontos, o qual indica o maior grau de comprometimento cognitivo dos indivíduos, até um total máximo de 30 pontos, o qual, por sua vez, corresponde à melhor capacidade cognitiva.8 Neste estudo, o ponto de corte foi a pontuação ≥ a 19 pontos, estando os participantes aptos do ponto de vista cognitivo para participarem da pesquisa.

Foram identificados 76 idosos cadastrados no centro de reabilitação no início da coleta dos dados, sendo que 31 apresentavam algum tipo de deficiência física. No entanto, dos 31 idosos apenas 22 (70,9%) estavam frequentando o centro de reabilitação no período da coleta. Mesmo sendo um número pequeno de participantes, a amostra se revelou representativa (70,9%) em relação ao número total de idosos com deficiência física cadastrados no centro de reabilitação. Vale ressaltar que o referido centro é referência no atendimento de pessoas com deficiência física na rede pública do município.

A respeito da representação social na abordagem estrutural, a literatura salienta que o número de participantes deve ser de 100 ou mais para ter representatividade.6,8 Entretanto, autores declaram ser possível chegar a resultados conclusivos mesmo com um grupo menor de participantes,10 sendo isso observado em alguns trabalhos científicos já publicados na literatura científica.11,12

Primeiramente, o estudo foi apresentado à coordenação do centro de reabilitação, sendo solicitada autorização para realização da pesquisa no referido cenário. Em seguida, foram selecionados os participantes de acordo com os critérios de inclusão, sendo os mesmos contatados quando se apresentavam para as sessões de fisioterapia. Nesse momento, eram informados pelo pesquisador sobre o objetivo e metodologia da pesquisa. Ao aceitarem contribuir com a pesquisa, era marcado dia e horário, no próprio centro, em local reservado, para aplicação dos instrumentos de coleta de dados de forma individual. A coleta de dados foi realizada durante o mês de agosto de 2015 e todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido seguindo as normas éticas para realização do estudo com seres humanos.

Como instrumentos para coleta dos dados, foram utilizados um questionário sociobiodemográfico elaborado pelos pesquisadores e o Teste de Associação Livre de Palavras (TALP).13,14 Primeiramente, foi apresentado e explicado à pessoa idosa o TALP, que é uma técnica projetiva que permite ter acesso aos conteúdos formadores de representações sociais e que os entrevistados se expressem de forma livre.14 Essa técnica também possibilita a atualização de elementos implícitos ou latentes que poderiam ser perdidos ou mascarados com a utilização de outros métodos.14

Assim, o pesquisador solicitou à pessoa idosa que evocasse cinco palavras ao ouvir o estímulo indutor: "deficiência física". Logo após, o pesquisador pediu à pessoa idosa que desse uma hierarquia às palavras evocadas, procedimento fundamental para a constituição dos elementos centrais e periféricos da representação, sendo as mesmas anotadas pelo pesquisador. Para uma melhor aplicação da técnica, foi realizada uma simulação utilizando outro estímulo indutor visando familiarizar os participantes com o instrumento.

Os dados coletados foram processados pelo software "Ensemble de Programmes Permettant 1'Analyse des Evocations" (EVOC) 2000 versão 5.15 Este software permite cruzar elementos de natureza quantitativa - as frequências das evocações - com elementos de natureza qualitativa - as ordens das evocações - resultando em uma tabela de contingência, permitindo ao investigador acercar-se dos elementos que estruturam a organização de uma representação social, ou seja, os elementos centrais e periféricos da representação.16 Assim, a aplicação da abordagem estrutural no processo de produção e análise dos dados contribui para a identificação da estrutura e organização do conteúdo representacional das pessoas idosas acerca da deficiência física na velhice.16

Este estudo foi desenvolvido a partir de uma tese de doutorado, seguindo todas as diretrizes éticas para pesquisa com seres humanos, sendo submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, protocolo nº 1.251.309 em setembro de 2015.

RESULTADOS

Os resultados da aplicação do questionário sociobiodemográfico evidenciaram uma maior frequência de pessoas idosas do gênero masculino (86,0%). Em relação à faixa etária, 45,5% das pessoas idosas apresentaram idade entre os 60 e 65 anos. Sobre o estado civil, 59,1% das pessoas idosas com deficiência física eram casadas. Quando questionados sobre sua profissão, 27,3% referiram trabalhar como agricultores na zona rural com o cultivo da terra, plantio de hortas e o cuidado de animais de pequeno porte e 95,5% apresentam como renda individual um valor entre 1 e 5 salários mínimos, sendo que a maioria recebe apenas um salário mínimo adquirido a partir do benefício social da aposentadoria do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Em relação ao nível de escolaridade, foi possível detectar uma formação predominante no ensino fundamental II (entre o 6º e o 9º ano) com 40,9% das pessoas idosas pesquisadas.

Quanto ao tipo de deficiência física, 77,3% apresentavam a amputação de membro inferior, direito ou esquerdo, em diferentes níveis. Além desta, 22,7% apresentaram a deficiência física caracterizada pela hemiplegia por consequência do acidente vascular cerebral. Em relação ao fator causal da deficiência física, os dados revelaram que a trombose foi responsável pela aquisição da deficiência física em 45,5% das pessoas idosas que participaram da pesquisa. Em seguida, temos a diabetes melitus e seus efeitos na coagulação sanguínea e circulação periférica levando à deficiência física em 13,6% dos participantes. A respeito da condição de moradia, 31,8% residem com o seu cônjuge, seguidos por 22,7% que residem com os filhos. Quando questionados sobre quem os ajuda no cotidiano, 40,9% dos participantes afirmaram contar com o auxílio do cônjuge.

A partir da análise do corpus constituído pelas evoca ções dos participantes, foi verificada a evocação de 110 palavras, as quais, após aproximação semântica, foram sinte tizadas em 44 palavras ou expressões diferentes entre si, com frequência mínima (ponto de corte) de 3, frequência média de 4, e ordem média de evocações de 3. De acordo com a análise, foram desprezadas 66 palavras ou expressões por terem sido evocadas com frequência abaixo do ponto de corte. A partir do processo de agregação semântica e categorização, buscou-se identificar, nas 44 expressões restantes, sentidos mutuamente exclusivos, restando, desta forma, 18 gru pos semânticos, os quais foram evocados com maior frequência, na ordem da 1º à 5º evocação.15

A partir do RANGMOT e do relatório TABRGFR, o software EVOC12 apresentou como resultado o quadro de quatro casas (Quadro 1), o qual expressa o conteúdo e a estrutura das representações sociais das pessoas idosas a respeito da deficiência física. Foi adotado o método da abordagem estrutural8 para realizar a descrição e interpretação dos resultados categoriza dos no Quadro 1. Assim, as palavras evocadas com maior frequ ência e nos primeiros lugares, possivelmente, apresentariam maior importância no esquema cognitivo da pessoa idosa, constituindo o possível núcleo central da representação social.16

Quadro 1. Quadro de quatro casas: identificação dos possíveis elementos do núcleo central das representações sociais sobre a deficiência física entre pessoas idosas com deficiência física adquirida, no município de Vitória da Conquista, Bahia, 2015
Núcleo Central 1º Periferia
  Frequência Média ≥ 4 O.M.E. < 3   Frequência Média ≥ 4 O.M.E. ≥ 3
Termo evocado Frequência O.M.E. Termo evocado Frequência O.M.E.
Acostumar 5 3,00 Adaptação 8 3,25
Dependência 4 3,00 Alegria 4 3,25
Dificuldade 5 2,20 Preconceito 4 3,75
Limitação 5 2,60
Superação 5 1,80
Tristeza 7 2,86
Viver 5 2,80
Contraste 2º Periferia
  Frequência Média < 4 O.M.E. < 3 Frequência Média < 4 O.M.E. ≥ 3
Termo evocado Frequência O.M.E. Termo evocado Frequência O.M.E.
Incapacidade 3 1,67 Cuidado 3 4,67
Revolta 3 1,33 Falta 3 3,67
Sofrimento 3 1,67 Lutar 3 4,00
Vida 3 1,33 Medo 3 4,00

Fonte:

Dados da pesquisa.

Quadro 1. Quadro de quatro casas: identificação dos possíveis elementos do núcleo central das representações sociais sobre a deficiência física entre pessoas idosas com deficiência física adquirida, no município de Vitória da Conquista, Bahia, 2015

No quadro de quatro casas (Quadro 1), os eixos vertical e horizontal referem-se, respectivamente, à frequência média e à Ordem Média de Evocação (OME); e os quatro quadrantes representam importantes elemen tos para a apreensão das representações sociais das pessoas idosas sobre a deficiência física na velhice. O quadrante superior esquerdo congrega as evocações "acostumar", "dependência", "dificuldade", "limitação", "superação", "tristeza", "viver", consideradas as mais importantes e mais frequentes em relação à ordem de palavras evocadas, sendo mais significativas para pessoas idosas, constituindo o possível núcleo central e a provável repre sentação do objeto de estudo.

No quadrante superior direito aparecem os elementos "adaptação", "alegria", "preconceito" que fazem parte da primeira periferia, ou seja, reúne os elementos periféricos mais importantes que reforçam os elementos do núcleo central, possuindo maior frequência e maior ordem de evocação, entretanto, com menor importância segundo os sujeitos.

A segunda periferia ou quadrante inferior direito contém as evocações "cuidado", "falta", "lutar", "medo". Estas se configuram enquanto cognições que protegem o núcleo central, exercendo função reguladora, traduzindo os conhecimentos, sentimentos e atitudes vivenciadas pelos sujeitos no cotidiano da dinâmica social em que estão inseridos.

O quadrante inferior esquerdo é constituído pelas evocações "incapacidade", "revolta", "sofrimento", "vida", e apresenta os elementos de contraste da representação, sendo estes os termos menos frequentes, porém, referidos como muito im portantes para poucos participantes. Estas palavras fornecem a sustentação e solidez do núcleo central.13

DISCUSSÃO

Foi observado, a partir da análise estrutural, que a representação que predomina acerca da deficiência física é que este é um processo que traz dificuldades para a pessoa idosa, podendo levar à dependência e limitação na realização de suas atividades diárias, como higiene, alimentação, lazer e trabalho, podendo gerar tristeza para seu viver. Entretanto, as palavras que constituem o possível núcleo central revelam que é necessário um processo de aceitação e superação dos desafios que se apresentam com esta aquisição ocorrida de forma inesperada e traumática.

Para os participantes, essa nova situação não pode ser considerada como o fim da vida, das possibilidades, mas sim, deve ser encarada como uma nova fase da vida, na qual muita coisa ainda pode ser realizada, mesmo com certas limitações e dificuldades impostas pela deficiência física.

Em relação às experiências vivenciadas após a aquisição da deficiência física, todas as pessoas idosas entrevistadas descreveram essa fase da vida como um processo difícil de ser enfrentado, caracterizado por mudanças, desafios e adaptações a serem realizadas em vários aspectos do seu viver, como no trabalho e no convívio social. Em um estudo realizado com pessoas idosas com deficiência,17 o corpo passou a ser visto pelos participantes como objeto de vergonha. A deficiência física é encarada a partir de uma representação negativa, sendo descrita pelos participantes com expressões que indicam preocupação, angústia, medo, pena, incapacidade, tristeza e preconceito, influenciando na sua autoimagem. Geralmente, estes sentimentos estão presentes a partir do momento em que esses indivíduos passam a apresentar alguma incapacidade em relação ao padrão vigente de produtividade e estética estabelecido pela sociedade.17

No contexto social atual, o envelhecer em condições de dependência física e social já é caracterizado como algo difícil de ser enfrentado pelo indivíduo, pela família e pela sociedade. Quando há o acúmulo do contexto do envelhecimento com a presença de uma deficiência física, o cenário pode se tornar ainda mais complexo, uma vez que pode trazer, além dos transtornos físicos, problemas de ordem econômica, social e comportamental, que vão influenciar diretamente na qualidade de vida dessas pessoas idosas e dos que estão à sua volta.18

Assim, o fato de perder uma parte do corpo pode significar uma alteração na existência dessa pessoa idosa, pois ela terá que vivenciar uma incompletude que irá influenciar a sua forma de ser e agir. Com isso, é necessário se adaptar, readaptar, aprender a viver novamente, adotando outra perspectiva do mundo para si e para os outros.19

Deste modo, é importante ressaltar que as pessoas idosas, mesmo na presença da deficiência física, podem equilibrar suas limitações com suas potencialidades e viver e envelhecer com qualidade de vida. Foi observado que alguns participantes buscaram perceber o mundo e a vida com outros sentidos, buscando desenvolver novas habilidades e superar os obstáculos impostos por uma deficiência física, buscando viver com alegria. Neste sentido, pode-se dizer que o homem não é um espectador passivo no mundo, mas está lançado no mundo, interagindo com ele, não se prendendo à nenhuma situação, mas buscando se tornar algo novo.19 Isso fica evidente com o termo "superação" presente no núcleo central e pela palavra "adaptação", presente na primeira periferia, que reforça o núcleo central.

Geralmente, no imaginário social, ainda pode ser identificada a presença marcante da representação e da categorização generalista das pessoas com deficiência física, estando este imaginário impregnado de uma visão preconceituosa e estigmatizante sobre a pessoa idosa e o deficiente físico. Muitas vezes, ao se reportarem às suas lembranças, a leitura que as pessoas fazem da deficiência física e do envelhecimento é de piedade, estranheza e afastamento do sujeito que se diferencia dos demais. As pessoas com deficiência física são identificadas somente pelas suas dificuldades no plano físico, sofrendo estigma e preconceito por parte dos outros indivíduos nas suas relações sociais.20

Deste modo, na atualidade, ainda é largamente dominante a abordagem da deficiência a partir do chamado modelo biomédico, o qual enfoca as características biológicas para fundamentar e explicar as desvantagens que a pessoa com deficiência enfrenta em seu cotidiano. Esta visão associa a deficiência a uma tragédia pessoal, passando o indivíduo a ser vítima, um ser vulnerável, dependente e que requer cuidados e proteção especial da sociedade.20 No entanto, o modelo social defende que os impedimentos advindos da deficiência ultrapassam a esfera biológica chegando ao universo social. Deste modo, o problema não está na pessoa ou na sua deficiência, mas assume uma dimensão social que leva à exclusão.20

Na primeira periferia está presente o termo "preconceito", revelando que as pessoas idosas participantes do estudo ainda são vítimas de atos preconceituosos. A situação de ser uma pessoa idosa e deficiente física pode se agravar, gerando uma situação duplamente estigmatizante, pois tanto a pessoa idosa como a pessoa com deficiência física são geralmente taxadas pela sociedade como incapazes, dependentes e inúteis.

Como consequência, as pessoas idosas com deficiência podem desenvolver sentimentos de vergonha e inferioridade, pois convivem com a segregação realizada por outras pessoas, impulsionada por concepções de declínio físico, de inutilidade, da diferença e da perda do papel social.21 Neste contexto, diante de uma deficiência adquirida recentemente, a pessoa idosa, ao tomar consciência de vir a ser também "uma pessoa com deficiência", traz consigo a possibilidade de estigmatização, conflito e sofrimento.22

No caso do indivíduo com uma deficiência física, o estigma consiste em "marcas corporais", parte dos sinais está corporificada na aparência, forma, tamanho e funcionalidade, denunciando a diferença.22 Esta percepção da aparência física pode afetar o status moral, deteriorando a identidade do indivíduo ao diferenciá-lo de forma depreciativa, podendo gerar comportamentos sociais defensivos (que amenizam a identificação da sua condição) ou, mesmo, o isolamento social. Assim, o estigma constitui uma das grandes marcas das experiências vivenciadas pelos participantes desse e de outro estudo, se apresentando como um potencial gerador de isolamento social e depressão.22

Para vencer o preconceito é necessário, portanto, se adaptar a essa nova condição de vida, buscando enfrentá-la e superá-la. Há evidência crescente de que eventos estressantes nem sempre geram resultados negativos e esses eventos fazem com que algumas pessoas se tornem mais fortes psicologicamente.23 Para alguns autores, a pessoa com deficiência física pode tornar-se resiliente e adaptar-se à sua condição, buscando lutar para alcançar novas metas pessoais e procurando um ajustamento psicológico positivo.19 Resiliência aqui descrita como um padrão de funcionamento adaptativo diante de riscos biológicos, socioeconômicos e emocionais.24

Assim sendo, entende-se que as atitudes e as crenças que as pessoas idosas com deficiência física detêm sobre si mesmo e sobre suas relações com o mundo, sua integridade cognitiva e dos mecanismos de autorregulação do self, podem ativar mecanismos de adaptação para enfrentar a deficiência física e suas consequências na sua funcionalidade e nas relações sociais.4 Logo, envelhecer com deficiência física é um processo que demanda resiliência e competência adaptativa aos eventos da vida e aos desafios ocasionados pela presença desta condição.4

A aquisição da deficiência pode gerar sentimentos diversos na pessoa idosa, sendo o medo um dos mais frequentes, conforme observado na segunda periferia. Com a chegada da deficiência física, uma nova situação se apresenta em seu viver, gerando muitas dúvidas em relação ao seu futuro, sua capacidade de locomoção, de trabalhar, de manter o seu sustento e de sua família e de manter suas relações sociais.

No entanto, os participantes reconhecem, como ficou evidente nos termos da segunda periferia, que eles precisam lutar contra as adversidades acarretadas com a obtenção da deficiência física, buscando superar e vencer tais dificuldades. Para isso, é necessário contar com o apoio e o cuidado de outras pessoas, como os seus familiares e amigos, conforme relatam os participantes. Portanto, o apoio social é um importante recurso que pode beneficiar as pessoas idosas com deficiência física.25

A assistência familiar e as políticas sociais existentes no país também devem ir ao encontro das demandas dessa população, garantindo o cumprimento dos seus direitos como cidadão. É importante destacar que o Estatuto do Idoso26 coloca a família como parte essencial da proteção do idoso. A família é uma instituição natural e tem a proteção, afetividade, alimentação, habitação, respeito e companheirismo como princípios de subsistência de seus próprios membros, bem como de especial relevância para o próprio desenvolvimento da sociedade. Muitos dos participantes revelaram não conhecer ou não terem tido acesso aos seus direitos constituídos por lei, contando exclusivamente com o apoio da família.

Mesmo com as mudanças nos arranjos sociais que ocorreram no Brasil nas últimas décadas, como a inserção da mulher no mercado de trabalho, com a redução no tamanho das famílias e o aumento do divórcio e das separações, fatos esses que podem enfraquecer os laços familiares, o sistema familiar ainda permanece como porto seguro para seus membros quando apresentam alterações em sua saúde, como a obtenção de uma deficiência física na velhice.18 Deste modo, a família é considerada extremamente importante na vida de pessoas idosas com deficiência física e aparece como a principal fonte de apoio para a manutenção da qualidade de vida desses indivíduos.

Esse cuidado e atenção da família e de outros envolvidos remete à importância dos vínculos e das relações sociais que podem ser estratégicos no enfrentamento das situações do cotidiano.27 O apoio social à pessoa idosa com deficiência física pode ter maior significado porque ele vai além das questões práticas da vida diária, uma vez que pode conferir ao indivíduo um sentimento de ser querido e um senso de pertencimento a esse grupo, identificando-se com o mesmo, encontrando motivação e significado na vida. Isso porque o cuidado faz parte da essência de todo homem, formando a base que possibilita considerar a existência humana como humana. Também representa uma atitude de ocupação, preocupação, responsabilização e envolvimento afetivo com o outro.28

Indivíduos que têm altos níveis de apoio social e estão satisfeitos com a qualidade de sua rede de relações têm maior senso de bem-estar.27 Desta forma, o suporte social familiar parece ser fundamental para a emergência do bem-estar subjetivo e da qualidade de vida da pessoa idosa com deficiência física.

De acordo com as evocações presentes na zona de contraste, alguns participantes representam a deficiência física na velhice como sinônimo de incapacidade e sofrimento, sendo que estes indivíduos apresentam um sentimento de revolta em relação ao fato da adquirirem a deficiência e do modo de vida que passaram a ter após tal aquisição. Ao se depararem com a notícia da deficiência física alguns poucos participantes fizeram questionamentos, como "por que eu?", "por que agora?", "como?", buscando uma explicação e um entendimento sobre o evento. Assim, algumas pessoas idosas apresentaram um sentimento de revolta contra Deus e contra as pessoas que estavam ao seu redor naquele momento, como os familiares, amigos e até os profissionais de saúde que prestavam assistência. Um dos participantes revelou que preferiria perder a vida do que estar naquela situação, com um membro inferior amputado.

Assim, o impacto da chegada de uma deficiência física, como a amputação de um membro, na vivência da pessoa idosa, pode ser traduzido em sua imagem corporal, como também em seu ajustamento psicológico.29 Muitas pessoas, após adquirirem a deficiência física, se deparam com um profundo sentimento de estranhamento de si mesmas. Elas dizem não se reconhecerem nem fisicamente, nem no que diz respeito às suas reações emocionais. Descrevem viver uma angústia profunda, podendo esta evoluir para um quadro de depressão.29

Os elementos estruturais centrais e periféricos supracitados apontam aspectos importantes para reflexão do que é adquirir e viver com uma deficiência física na velhice a partir da percepção desses indivíduos que vivenciaram tal fato. De acordo com Moscovici,5 representar uma coisa, um estado, não consiste simplesmente em desdobrá-lo, repetí-lo ou reproduzí-lo. Assim, as pessoas idosas com deficiência física participantes deste estudo, ao elaborarem a representação social da deficiência física, trouxeram elementos que lhes são úteis no cotidiano e que são vivenciados por eles mesmos. As representações sociais se alimentam não só das teorias científicas, mas também dos grandes eixos culturais, das ideologias formalizadas, das experiências e das comunicações cotidianas.5

CONCLUSÕES

Os resultados evidenciaram que a estrutura das representações sociais das pessoas idosas, que participaram deste estudo a respeito da deficiência física, tem como sistema central os termos acostumar, dependência, dificuldade, limitação, superação, tristeza, viver. A deficiência física foi assim representada como uma situação difícil de ser vivenciada na velhice proporcionando tristeza, principalmente no momento inicial da aquisição. Essa deficiência também gerou dependência para realização das atividades da vida diária e afastamento das atividades laborais. No entanto, os participantes buscaram se acostumar, se adaptar e superar tal aquisição, buscando dar continuidade às suas relações sociais e com esperança de uma condição de vida melhor, apesar das dificuldades adquiridas com a deficiência física.

O sistema periférico apresentou palavras como alegria, preconceito, cuidado, falta, luta e medo, reforçando as representações dos idosos sobre a deficiência física, observadas no núcleo central. O fato de adquirir uma deficiência física exige adaptação, e, mesmo com a presença do preconceito existente na sociedade em relação às pessoas com deficiência física, que são taxadas de dependente, inúteis, incapazes, deve-se buscar viver com alegria, vencendo o medo, a dúvida e a incerteza em relação ao futuro.

É fundamental para o profissional da área da saúde compreender como a pessoa idosa representa deficiência física e como essa representação pode influenciar na sua forma de pensar, agir e se comportar diante das dificuldades e desafios que se apresentam no processo de envelhecer com uma deficiência física. Essas informações proporcionarão ao profissional uma visão mais abrangente que vai além do aspecto fisiológico da deficiência física.

Reconhecemos como limitações do estudo o número reduzido e específico de participantes para pesquisa sobre representações sociais. Diante da complexidade do fenômeno investigado, ressaltamos a importância da realização de novas pesquisas sobre este assunto, ampliando o número de participantes, bem como as discussões, promoção e implantação de políticas públicas sociais, de saúde e psicológicas, que permitam uma melhor qualidade de vida para as pessoas idosas com deficiência física.

REFERÊNCIAS

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