ISSN (on-line): 2177-9465
ISSN (impressa): 1414-8145
Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
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Ministério da Educação
CAPES

Volume 21, Número 1, Jan/Mar - 2017



DOI: 10.5935/1414-8145.20170004

PESQUISA

Benefícios da participação em um acampamento no autocuidado de crianças e adolescentes com diabetes: percepção das mães

Juliana Muniz Possato Venancio 1
Rebecca Ortiz La Banca 2
Circéa Amália Ribeiro 3


1 Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil
2 Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto, SP, Brasil
3 Universidade Federal de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

Recebido em 30/05/2016
Aprovado em 31/10/2016

Autor correspondente:
Juliana Muniz Possato Venancio
E-mail: jmpvenancio@gmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Compreender a percepção das mães a respeito dos benefícios na rotina de seus filhos em relação ao autocuidado, após estes participarem de um acampamento de férias para jovens com diabetes.
MÉTODOS: Estudo descritivo qualitativo, realizado à luz do Interacionismo Simbólico e da Análise Qualitativa de Conteúdo, com sete mães que foram entrevistadas. Os dados foram codificados e agrupados por similaridade, emergindo as categorias temáticas.
RESULTADOS: Revelaram a importância do acampamento para promover a educação do autocuidado da criança/adolescente com diabetes, e os benefícios decorrentes dessa experiência, como promoção da independência, melhor controle e aceitação da doença, prazer em participar e extensão dos benefícios à família.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: O acampamento mostrou-se importante para promoção do autocuidado da criança/adolescente com diabetes e possibilitou a reflexão sobre como aprimorar essa modalidade educacional para que os conhecimentos e habilidades em diabetes desenvolvidos pela criança/adolescente possam ser ainda mais eficazes e duradores.


Palavras-chave: Diabetes mellitus Tipo 1; Educação em Saúde; Acampamento; Mães; Enfermagem Pediátrica

INTRODUÇÃO

O Diabetes mellitus (DM) está se tornando a epidemia do século; conforme a International Diabetes Federation (IDF), em 2015 havia, aproximadamente, 415 milhões de pessoas no mundo com diabetes, destas, 542 mil eram crianças.1 A doença é caracterizada por um grupo heterogêneo de distúrbios metabólicos que apresentam em comum a hiperglicemia, que é resultado de defeitos na ação da insulina, na secreção de insulina ou em ambas.2

Dentre as classes de diabetes, o tipo 1, que está presente em 5% a 10% dos casos, tem como causa a destruição de células beta do pâncreas, mediada em grande parte dos casos por autoimunidade, com consequente deficiência na produção de insulina, que é produzida por essas células.2 Embora possa surgir em qualquer idade, atinge mais crianças e jovens adultos, com incidência global aumentando cerca de 3% ao ano.1

Para ser eficaz, o tratamento precisa ser incorporado à vida diária da pessoa com diabetes, exigindo importantes mudanças de comportamento. Este é um grande desafio para profissionais de saúde, pois é preciso educar o paciente para que haja uma boa aderência ao plano terapêutico,3 além de considerar as crenças e valores que podem influenciar no autocuidado.4

A educação em diabetes promove o desenvolvimento de habilidades necessárias para o autocuidado e gerenciamento da doença, sendo ressaltada, em protocolos da IDF, como parte integral do cuidado com diabetes. Com base nesse princípio, existem diferentes tipos de abordagens educacionais, sendo uma delas o acampamento de férias.5

Os acampamentos educativos para crianças e adolescentes com diabetes promovem a experiência de um acampamento tradicional em um ambiente seguro e preparado, além de permitir que os participantes partilhem suas experiências e aprendam a ter mais autonomia sobre sua condição.6 Evidências na literatura demonstram seu efeito benéfico no conhecimento específico, autocuidado e autoestima dos mesmos.7

Tais acampamentos aliam lazer e conhecimento, possibilitando a essa população a aquisição de conhecimentos, estímulo à automonitorização e melhor aceitação da doença, por meio do trabalho realizado por uma equipe multiprofissional.8

Estudo recente de revisão que buscou responder a respeito da efetividade dos acampamentos de férias para pessoas com diabetes, encontrou que, embora sejam influenciados por diversos fatores, eles são efetivos em muitos aspectos, como aquisição de conhecimentos, aspectos psicológicos, melhor compreensão do diabetes e melhor compreensão da própria criança pelo profissional. O mesmo artigo argumenta sobre a necessidade de mais pesquisas a respeito, inclusive, quanto aos seus efeitos a longo prazo.9

Autoras do presente estudo, que participaram de um acampamento de férias multiprofissional, integrando a equipe de enfermagem, observaram como a educação em saúde interdisciplinar era realizada nesse ambiente, com base nas diversas atividades lúdicas e prazerosas: jogos, teatros, dança, gincanas e sessões de brinquedo terapêutico, entre outras. Durante o acampamento, foi possível perceber que o conhecimento e as habilidades para o autocuidado das crianças e adolescentes modificaram-se, tornando-os mais independentes em relação aos cuidados com o diabetes.

A partir desta observação e dos benefícios apontados na literatura, surgiu a indagação: a participação no acampamento traria alterações na rotina dessas crianças em relação ao autocuidado, após seu retorno para casa? Pensamos que uma das possibilidades para responder a esta indagação seria a percepção das mães que, embora acompanhem de longe as mudanças ocorridas durante o acampamento, interagem diariamente com os filhos, podendo, então, perceber se essas mudanças alteraram, ou não, a rotina dos mesmos.

Assim, este estudo tem como objetivo: Compreender a percepção das mães a respeito dos benefícios na rotina de seus filhos em relação ao autocuidado, após estes participarem do acampamento de férias para crianças e jovens com diabetes.

MÉTODOS

Estudo descritivo qualitativo, justificado pelo objeto do estudo, uma vez que esse tipo de abordagem se caracteriza por se preocupar com dados descritivos, considerando que enumerar e medir, utilizando métodos estatísticos aos dados coletados, não permite atingir os significados que permeiam as relações sociais. Nas pesquisas qualitativas, o significado que as pessoas dão às coisas e à sua vida é a preocupação essencial do investigador.10

O referencial teórico utilizado foi o Interacionismo Simbólico, uma perspectiva de análise das interações humanas que tem como foco de estudo a natureza das interações e a dinâmica das atividades sociais que acontecem entre as pessoas.11

Foram entrevistadas sete mães, que concordaram em participar do estudo, cujos filhos estiveram no acampamento ADJ-UNIFESPa entre 2012 e 2014, em acompanhamento na organização não governamental (ONG), que promove educação em diabetes por meio de campanhas e palestras e realiza o acompanhamento de muitas crianças e adolescentes que participaram do acampamento.

As mães foram captadas com base na listagem fornecida pela instituição, que permitiu o contato telefônico para os convites e agendamentos das entrevistas, realizadas em diferentes locais públicos que favoreciam os encontros para as entrevistadas, como praças de alimentação de shoppings, padarias, cafeterias e sala de espera de um consultório, conforme sugestões e escolha das próprias mães. Entrevistas do tipo semiestruturada, individuais foram realizadas, gravadas em áudio portátil e, posteriormente, transcritas na íntegra por uma das pesquisadoras.

Antes de ser iniciado, o projeto do estudo foi encaminhado e aprovado pelo Comitê de Ética em pesquisa da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP, sob número 691.534/2014, e as participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, concordando com sua participação na pesquisa.

Por ser um estudo qualitativo, o critério utilizado para definir o número de sujeitos foi o de saturação, que é usado para estabelecer ou fechar o tamanho final de uma amostra de estudo, interrompendo-se a inclusão de novos participantes quando os dados obtidos passam a apresentar, na avaliação do pesquisador, uma certa redundância ou repetição, não sendo relevante persistir na coleta de dados, uma vez que as informações fornecidas por novos participantes, pouco acrescentariam ao material já obtido.12

Neste estudo, as entrevistas tiveram como pergunta norteadora: Como a senhora percebe a rotina de cuidados de seu filho após ele ter participado do acampamento? Em seu decorrer, foram formuladas outras questões, com o objetivo de aprofundar conceitos e expressões ditas pelas mães para que se alcançasse o objetivo da pesquisa.

Os dados coletados nas entrevistas foram submetidos à Análise Qualitativa de Conteúdo Convencional, um método analítico e interpretativo que visa a descrever e promover o conhecimento de um fenômeno com base nos dados empíricos extraídos diretamente do discurso dos participantes. Para tanto, após as entrevistas serem transcritas na íntegra, os dados foram analisados seguindo três etapas: Leitura, Codificação e Categorização. Com essa abordagem, as teorias relevantes ou outros resultados da investigação foram abordados na seção de discussão do estudo.13

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A análise dos dados revelou 12 categorias, que a seguir serão descritas, ilustradas com trechos extraídos dos discursos das mães. Para manter sua identidade preservada, as mães participantes foram identificadas por E (Entrevistada) e o número sequencial da realização da entrevista.

Filho tornando-se mais consciente

As mães relataram que seus filhos retornaram do acampamento, mais conscientes no que diz respeito ao diabetes, em especial, as consequências de não seguirem o tratamento, assim como em relação à importância da alimentação e da contagem de carboidratos.

Ela ficou mais consciente, né? No tratamento do diabetes, né? [...] ela tá mais consciente de que se ela não tratar o diabetes, o que pode acontecer. [...] ela está começando também a se conscientizar disso, de conta de carboidrato também (E4).

Ela ficou bem mais consciente na verdade, do que é diabetes, a importância da alimentação dela. [...] voltou mais consciente (E5).

Em consonância com esse achado, a literatura ressalta que o uso do acampamento como oportunidade de ensinar é uma maneira inestimável para que as crianças/adolescentes adquiram habilidades no controle de sua doença, em decorrência da interação com o suporte da equipe do acampamento.6

Filho passando a ensinar o que aprendeu no acampamento

No âmbito do conhecimento específico, as mães relataram que seus filhos tiveram vários aprendizados no acampamento, tanto com amigos como com os enfermeiros e instrutores e passaram a ensinar o que aprenderam no acampamento. Também relataram o desejo de participar de um acampamento com o filho, com o objetivo de adquirir o mesmo conhecimento e, dessa forma, não se sentiriam excluídas dos cuidados.

[...] que ela também trouxe um pouquinho da informação para mim. [...] então aprendeu bastante lá (E7).

[...] Essas são as coisas assim que vieram do acampamento, do que ele aprendeu lá com os amigos, com os enfermeiros, com os instrutores, tirando a gente da jogada, agora ele não precisa mais de mim. [...] porque eles voltam ensinando para gente, o que eles aprenderam. [...] Aí aí, enfim, no próximo acampamento, quero que seja só para pais ou com pais com filhos, porque aí vale a pena, ninguém vai ficar ali enrolando, você não acha, não? [...] porque a gente fica perdido, eles voltam treinados e a gente não sabe nada (E3).

O diabetes exige que a criança e a família adquiram conhecimento e desenvolvam habilidades e atitudes para superar os desafios que a doença implica. Em um estudo realizado na Argentina, foi possível, por meio do acampamento, envolver crianças/adolescentes e seus familiares para consolidar e reforçar o processo de aprendizagem em diabetes.14

Neste estudo, as mães relataram que a vontade de ensinar da filha é tanta que esta manifesta o desejo de se tornar jovem líderb.

Ela quer participar dos jovens líderes e a gente está incentivando para que ela vá, eu acho superimportante ela participar (E1).

Filho passando a manejar sozinho a utilização da insulina

Os relatos das mães apontaram as melhorias no campo do conhecimento e nas habilidades no autocuidado, sendo que após a participação no acampamento, o filho perdeu o medo e passou a fazer a autoaplicação de insulina, tornando-se mais preparado para realizá-la, não necessitando nem aceitando mais a aplicação pelos pais.

[...] porque ela até uma vez chorou, porque ela falou que ficou com medo de tomar a insulina, então depois que ela voltou, ela ficou mais preparada (E7).

[...] tanto é que hoje a gente não aplica mais insulina, ela que se aplica, tanto a rápida, como a regular, a Lantus® [...] muitas vezes eu falava: você quer que eu aplique? E em nenhum momento, depois que ela voltou do acampamento, ela não aceitou mais. Então, para a gente isso foi dez! (E1).

Além de superar o medo de aplicar a insulina, as mães observaram que o filho também superou o medo da hipoglicemia decorrente do efeito da aplicação de insulina.

[...] ela aplicava insulina antes do acampamento, mas o medo da insulina fazer efeito, assim a mais do que a gente acha que vai fazer, ela tinha muito medo de ter hipo (hipoglicemia), hoje ela não tem mais medo, não sabe nem o que é isso (E7).

Outra habilidade no autocuidado que apresentou melhoria foi o rodízio da aplicação de insulina/inserção do cateter, embora também seja relatado que nem sempre é realizado de forma adequada.

[...] hoje, ela faz o rodízio, coisa que ela não fazia antes (E1).

[...] ou fazer rodízio da aplicação, ela sabe que não pode ficar fazendo só na barriga, por exemplo, mas, como para ela é o mais fácil, às vezes, ela faz na barriga. Não que ela não saiba, ela faz mesmo de danadinha, às vezes (E2).

[...] Ela faz o rodízio. Assim, a bomba não permite rodiziar muito longe. Porque é mais assim, flanco onde a gente coloca mais, barriga (E4).

As mães também relataram que o filho passou a ficar mais confiante na aplicação de insulina, fato que atribuem às enfermeiras do acampamento que supervisionavam a aplicação.

[...] você tem que tomar (insulina) na frente de todo mundo lá. Então, talvez, deu uma liberdade de ela se aplicar e de alguém olhar para saber se está certo. Eu falei legal, porque lá tem as enfermeiras. Como eu não olhava, não dava para saber se estava aplicando certo, né? Porque ela aplicava e não deixa a gente olhar. [...] então ela ficou assim, mais confiante para aplicar insulina, muito mais confiante, né? (E7).

Como membros da equipe de enfermagem do acampamento por vários anos, as pesquisadoras tinham como parte das funções a promoção do autocuidado das crianças e adolescentes, incentivando-os a realizarem a aplicação de insulina, quando passaram a realizar esse cuidado, supervisioná-los e orientá-los, conforme sua necessidade. Essa habilidade que as crianças/adolescentes adquiriram foi relatada pelas mães neste estudo.

Apesar dos avanços nas tecnologias envolvidas na aplicação de insulina, como a bomba de infusão contínua subcutânea, a literatura na área reforça a importância da educação e do empoderamento dos indivíduos para o autocuidado, como peça-chave no sucesso da terapia.15 Os pais e a equipe de saúde devem favorecer oportunidades de aprendizagem para que a criança possa desenvolver habilidade para a autoaplicação de insulina e o controle domiciliar, com o objetivo de torná-la independente.16

Filho passando a realizar o controle glicêmico

Neste estudo, as mães relataram que os filhos passaram a realizar a glicemia capilar sozinhos, compreendendo o significado dos valores encontrados, além de reconhecer os sintomas da hipoglicemia e hiperglicemia.

Ela começou a fazer o dextro sozinha mesmo, né? De ter noção do está baixo, está alto, está muito alto, né? (E5).

[...] faz sozinha, [...] levanta, já faz os controles, anota. [...] ela tinha medo antes (de realizar o controle) (E2).

As mães relataram que, após o acampamento, o filho passou a reconhecer os sintomas da hipoglicemia e hiperglicemia, realizando as medidas necessárias para sua correção.

[...] principalmente esse cuidado dela com os sintomas que ela está sentindo, ela consegue perceber quando ela está tendo hipo (hipoglicemia) ou não, então, ela já percebe, já se entende, já faz o dextro. [...] quando ela começa se sentir mal, ela já fala, aí ela faz o dextro, e ela mesmo já vê o que vai comer, quanto tem que dar de insulina (E2).

Em consonância com a não aceitação da realização da glicemia capilar, as mães relataram que, mesmo após participar do acampamento, o filho ainda apresenta alguma resistência, sendo necessário que haja cobrança, o que elas atribuem ao fato de ele estar na adolescência. Também é preciso lembrar ao filho como realizar adequadamente a monitorização, incluindo a antissepsia do local de punção da glicemia capilar.

[...] às vezes, a gente fica pedindo, porque ela está nessa fase de adolescente, então, fica meia desligada. Então, a gente cobra: vai monitorar, vai ver quanto está o dextro [...] (E1).

[...] ou vai fazer o dextro, ela fica com preguiça de higienizar, então dá umas burladas, ela sabe que tem que fazer, mas, às vezes, ela, né? (E2).

[...]A gente pede sempre para lavar as mãos, né? E, às vezes, não quer lavar e eu já vi que, às vezes, dá diferença até de 40mg/dl, né? Na ponta do dedo (glicemia capilar), fazer com a mão suja e com a mão limpa. [...] E aí ela nessa preguiça, né? Então, a fiscalização, minha chatice ficou maior (E5).

A monitorização da glicemia capilar é essencial no tratamento. Os resultados obtidos permitem reavaliar a terapêutica instituída, com o objetivo de se alcançar um bom controle glicêmico, além de prevenir as complicações agudas e crônicas da doença.2 Entretanto, a literatura adverte que, em razão de muitos fatores, como dor e inconveniência, muitas crianças e adolescentes não aceitam as frequentes picadas na ponta do dedo, têm preguiça de realizar as medições e escondem dos colegas o fato de ter a doença, o que os leva a ignorar o tratamento.17,18

Filho passando a se interessar pelo manejo alimentar

As mães perceberam que, após o acampamento, os filhos passaram a se interessar pelo manejo dos alimentos, diferenciando-os, balanceando-os, olhando os rótulos de alimentos e querendo saber qual o efeito dos alimentos no organismo, em especial, no nível glicêmico.

[...] e o interesse de olhar o rótulo e tentar entender o estrago que aquele alimento pode fazer para ela. [...] isso ela começou a perceber: sobre influência da alimentação no Dextro. Foi bem bacana mesmo! Eu quero que ela continue assim, percebendo essas diferenças aí. Foi muito bom! (E5).

Eu acho que ela se interessou até mais pelos alimentos, em saber o que tem mais carboidratos, o que tem mais proteínas. Então, hoje, ela sabe diferenciar: poxa isso aqui tem proteínas, não isso aqui não sobe. Então, ela consegue balancear mais a alimentação dela (E1).

O surgimento do interesse pelo manejo alimentar é um ponto positivo da vivência do acampamento que reflete no cotidiano em casa, observado nos relatos das mães. Esse comportamento difere dos achados de uma revisão de literatura realizada, em 2009, que afirma que os hábitos nutricionais das crianças com diabetes não atendem às recomendações dos guidelines e, em algumas áreas, chegam a ser menos saudáveis do que a alimentação das crianças que não têm DM.19

A terapia nutricional em diabetes tem como alvo o bom estado nutricional, saúde fisiológica e qualidade de vida, propiciando uma alimentação saudável que deveria ser consumida por todos, com diabetes ou não. É também uma ferramenta necessária para o controle do diabetes, prevenção e tratamento de complicações a curto e longo prazos.2,20

Filho aprendendo, superando o medo e passando a realizar a contagem de carboidrato

As mães apontaram a contagem de carboidratos, como uma das coisas que seus filhos aprenderam no acampamento e passaram a realizar em casa, inclusive, superando o medo de realizá-la, o que consideraram um importante benefício em sua rotina diária de cuidados, uma vez que a contagem de carboidratos é vista por elas como positiva e necessária no tratamento do diabetes.

[...] ela sabe mais ou menos contar carboidratos, mas não é tudo que ela sabe, né? Ela sabe de comida. [...] a introdução dela na contagem de carboidratos, né? Foi bem positivo (E4).

[...] mas eu acho que o que mudou muito foi a questão de contagem de carboidrato. [...] que a contagem ela morria de medo, agora não precisa ter medo mais da contagem. [...] ela ficava com dose fixa (de insulina) por medo da contagem (E7).

O método de contagem de carboidrato é chave para o tratamento nutricional do diabetes, devendo ser inserida no contexto de uma alimentação saudável, tendo como objetivo quantificar os carboidratos presentes em uma refeição, possibilitando, assim, calcular a quantidade de insulina necessária para estabelecer um bom controle glicêmico.21

Filho adquirindo independência

A independência que o filho adquiriu com o acampamento, é considerada pelas mães importante para sua rotina de cuidados, permitindo que ele tenha autonomia e liberdade no autocuidado, sendo isso definido por elas como algo maravilhoso e positivo.

[...] a independência de saber que ela não precisa da mãe e do pai ali o tempo inteiro. [...] Acho que é isso, assim, é uma gratidão eterna, a independência da F. (filha) que isso conta muito, o que mais me contou foi a independência da F., foi a autossuficiência dela (E4).

Ah! Ela ficou mais independente. [...] então isso foi maravilhoso, dá uma autonomia, até falava: Se você não aprender a se virar sozinha, se quiser ir à casa de uma amiguinha você não vai poder ir. Então, foi bem positivo ela estar mais independente (E2).

Após participar do acampamento, a criança/adolescente passou a sair desacompanhada dos pais, embora isso não tenha significado ausência de preocupação para as mães.

[...] ela foi a duas festas sozinhas já. Eu escrevi, né? O quanto de carboidrato, o que, geralmente tem em uma festa e ela foi. [...] aí a gente foi pegando confiança nela e deixando ela participar sozinha de eventos sociais entre os adolescentes. [...] mas a gente sofre, eu fico pensando se ela está bem (E5).

[...] porque antes, se ela tivesse de ir à casa de uma amiguinha, eu sempre estava junto. Ela vai descer no prédio para brincar, ela sozinha. Antes, eu não fazia isso. [...] acho que era o sonho dela também, de ficar sozinha (E4).

Para as mães, a partir do momento que filho torna-se independente, administrando melhor o diabetes, passa a oferecer maior tranquilidade aos pais.

[...] porque a partir do momento que ela se torna independente, ela vai passar a dar tranquilidade, a gente vai saber que ela está responsável, e vai saber administrar mais a doença, o controle glicêmico e tudo mais (E1).

O acampamento é uma valiosa experiência de autonomia e independência para a criança/adolescente que, em muitos casos, nunca se separou dos pais. Em um estudo brasileiro, as crianças e adolescentes apontaram que o acampamento de férias promove a independência em relação ao tratamento, pois eles são estimulados a automonitorização e que essa experiência pode modificar e influenciar de forma positiva sua rotina quando voltarem para casa.8

Filho percebendo que não é diferente por ter diabetes

Participar do acampamento trouxe alterações também na percepção da criança e adolescente sobre si mesmo, possibilitando perceber que não é diferente e que existem outras crianças como ele. Assim, deixou de se sentir excluído, rejeitado, fato que acabou beneficiando sua autoestima e favorecendo que fizesse amizade, ampliasse as interações e o convívio social.

[...] até então, ela se sentia excluída, ela se sentia rejeitada, porque na escola só ela, ela era diferente, né? E aí ela voltou já com outra percepção mesmo, que não é a única, foi muito bom (E5).

[...] que eu acho que ele aprendeu mais foi o fato de ter visto tanta gente, tanta criança, tanto adolescente com diabetes, né? [...] acho que o que mexeu mesmo, que eu presto muito atenção, é o fato dessa parte da interação mesmo, da amizade, da conversa (E6).

A percepção do ser diferente no grupo está descrita na literatura como uma das dificuldades da criança com DM, pois os cuidados que deve tomar no tratamento interferem em seu convívio social, e, desta forma, a convivência com os amigos pode influenciar no manejo da doença.22 Assim, os acampamentos para crianças e adolescentes com diabetes são inestimáveis, pois os acampantes beneficiam-se não só da experiência do acampamento, mas também das amizades desenvolvidas em um ambiente onde o normal é ter diabetes.6

As mães revelaram também que estas crianças/adolescentes passaram a manter o contato com esses novos amigos após o acampamento, marcando encontros que fazem bem para eles, inclusive motivando o filho a se cuidar.

[...] Esses encontros (pós-acampamento) fizeram muito bem para eles, eu acho que eles têm que se encontrar sempre, eles se encontram uma vez por mês. [...] Ele adora aquela turma, então parece que a turma faz bem para o ego, a turminha que ele conviveu lá no acampamento faz ele viver, parece que dá vida, sabe, assim? E motiva a se cuidar (E3).

Estudo realizado com crianças/adolescentes com diabetes na Alemanha que participaram de um acampamento nos anos de 2006 e 2008, também encontrou que, com base nas relações estabelecidas com seus semelhantes, eles tiveram apoio em termos de reafirmação e motivação, além de continuarem a manter contato entre si, após voltarem do acampamento, demonstrando a importância da convivência com outras crianças com diabetes.23

Filho passando a aceitar a doença

Os resultados deste estudo também trazem a questão da aceitação da doença. Em consonância com a literatura,18 nos relatos das mães, o filho também tem dificuldades de aceitação da doença, mas, após participar do acampamento passou a se aceitar, assim, como também aceitou a doença.

[...] Ela passou a se aceitar. Passou a se aceitar a ponto de não querer a cura, né? Ela vivia falando: "Eu quero a cura, peço para Deus que me cure" enfim ela começou a buscar na religião amparo para isso. E agora ela mudou o discurso, agora ela diz: "Não, eu não quero que cure, eu quero continuar diabética" (E5).

[...] e quando ele voltou, eu senti que ele estava, acho que até uma aceitação melhor assim do diabetes (E6).

Em um estudo realizado com adolescentes com diabetes tipo 1, que objetivou compreender como eles viviam a experiência da doença e como lidavam com esta situação no cotidiano, apresentou em seus resultados que a doença crônica é vivenciada de forma multifacetada; dentre os fenômenos identificados, surge a não aceitação da mesma, retratando a dificuldade que o adolescente tem de reconhecer o diabetes, como uma doença incurável, com que ele terá de conviver, embora, com o passar do tempo, acabe se acostumando.24

Filho precisando de reforço para manter alguns hábitos adquiridos

Embora reconheça todas as mudanças benéficas do comportamento do filho após retornar do acampamento, a mãe também percebe que, em relação à manutenção dos hábitos adquiridos no acampamento, sobretudo, com aqueles que não dizem respeito diretamente às questões da diabetes, como os cuidados com o ambiente, o filho acaba "relaxando" um pouco com o passar do tempo.

[...] no começo, ela veio com aquilo mais forte de arrumar o quarto, depois ela foi mais voltando um pouco à rotina [...] (E2).

Não do diabetes, mas na arrumação, tudo que ela aprendeu lá, tudo que ela veio querendo fazer tudo, agora ela deixou um pouquinho mais de lado, arrumar a cama dela, fazer as coisinhas (E4).

Em um estudo que apresenta a experiência de acampamentos educacionais para jovens com diabetes na Argentina, a educação em diabetes é apontada como fundamental no tratamento da criança com diabetes e sua família, alertando, entretanto, ser preciso considerar que as mudanças nos hábitos são um processo lento, gradual e de longo prazo para poder alcançar os objetivos. Também é apontada a necessidade de continuidade da assistência após o acampamento, para sustentar o conhecimento e apoio nas diferentes etapas que a doença engloba.24

Acampamento sendo um presente ao filho e à família

A partir do momento que o acampamento traz alterações na rotina de cuidados do filho e em seu próprio comportamento, a rotina familiar também é afetada. Neste estudo, além dos efeitos positivos relacionados ao autocuidado com diabetes, conforme as mães, o acampamento proporcionou benefícios a ambos, sendo um presente, tanto ao filho como para elas.

[...] No caso da B. (filha), logo no retorno foi assim..., a primeira semana, você fica assim, nossa que paraíso. [...] o presente não foi só dela, foi meu também (E1).

[...] Eles (equipe do acampamento) falando a língua dos adolescentes, porque acho que eles falam bem essa língua, vai ajudando a família, vai ajudando a F. então acho que só tem a acrescentar (E4).

Em um estudo que buscou compreender a vivência da criança escolar com diabetes por meio do brinquedo terapêutico, as dramatizações mostraram que o diabetes não está inserido somente na vivência da criança, mas também na de sua família que sofre junto e fornece-lhe apoio.25

Além disso, o acampamento proporcionou que os pais vivenciassem a condição de casal, podendo inclusive sair sozinhos, situação que não acontecia desde o diagnóstico de diabetes do filho.

[...] a gente também não ficava sozinho como marido e mulher, namorados, de sair, ir ao cinema, sempre estava a F. (filha) com a gente, e isso o acampamento ajudou. Isso ajuda na família também, esse acampamento, isso para o lado dos pais também é bem legal, a gente dormiu a noite inteira né F. ((risos)) (E4).

Quando um filho é acometido por uma doença crônica, o padrão de funcionamento familiar sofre alterações, afetando todos os membros ao assumirem novas responsabilidades. O casal, portanto, passa a ter uma variedade maior de situações e emoções para serem administradas, o que não é fácil, sendo que poderão ter sucesso ou não em suas iniciativas.26

A mãe relatou que o acampamento foi bom ao filho, pois este gostou muito de participar, tendo retornado maravilhado. Além disso, ela percebeu o filho mais tranquilo e com o desejo de tentar acertar no manejo da doença.

[...] Mas, a F. (filha) gostou muito assim, acho que foi a melhor coisa da vida dela, foi esse acampamento, ela voltou mais maravilhada de lá do que quando ela foi para Disney (E4).

[...] ele voltou bem... ah! Bem feliz. [...] mas acho que o acampamento é isso, ele voltou dessa forma, cheio de vida, cheio de vontade de fazer, de tentar acertar, eu acho que isso é bom. Ele quer tentar acertar (E3).

Refletindo a respeito de nova participação do filho no acampamento

Em função do reconhecimento de todos os benefícios decorrentes da participação do filho no acampamento, as mães relataram que permitiriam que ele participasse novamente do mesmo, acreditando que uma segunda participação traria ainda maiores benefícios e que o filho conseguiria aproveitar mais.

Com certeza! Com certeza, se tivesse todos os anos ou de 6 em 6 meses, com certeza deixaria. ((risos)) (E1).

[...] Então, isso... vou tentar de novo, vamos ver se a gente consegue mandar a F. de novo para o acampamento. [...] e eu acho que com isso, com a idade e ela voltando lá, ela vai pegando mais informação e vai ficando cada vez mais independente (E4).

Em uma revisão de literatura recente, é apontado que as alterações fisiológicas ou comportamentais mais significativas foram observadas em indivíduos que participaram mais de uma vez de acampamentos para crianças e adolescentes com diabetes.9 Os relatos das mães estão em consonância com as declarações das próprias crianças/adolescentes que, na experiência das pesquisadoras trabalhando no acampamento, em sua maioria manifestam o desejo de retornarem ao mesmo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O acampamento mostrou-se como uma modalidade de educação importante para promover o autocuidado da criança/adolescente com diabetes, conforme demonstrado nas diversas categorias que revelaram os benefícios decorrentes dessa experiência, relacionados à promoção da independência, ao autocontrole da doença e a aceitação que os jovens passaram a ter, além do prazer em participar do acampamento e dos benefícios para a própria família.

A enfermagem, profissão comprometida com o cuidar, exerce papel fundamental na educação em saúde e, portanto, o enfermeiro deve estar incluído na equipe que cuida dessa criança/adolescente no acampamento, como já ocorre.

Ressaltamos a importância dessa experiência na formação do acadêmico de enfermagem, pois possibilita-lhe diversos aprendizados, aproximando-o da educação em saúde, tão importante para a formação do enfermeiro.

Vemos, assim, que os benefícios se estenderam a todos os atores envolvidos nessa atividade: crianças, adolescentes, pais, monitores, estudantes e profissionais das diversas áreas.

Compreender a percepção das mães sobre a participação do filho no acampamento foi importante para refletirmos sobre essa modalidade de educação e como podemos aprimorá-la para que os conhecimentos e habilidades em diabetes ali adquiridos possam ser ainda mais eficazes e duradouros.

Esperamos que os resultados desta pesquisa sirvam de estímulo ao desenvolvimento de mais estudos que proporcionem, por exemplo, a compreensão dos efeitos a longo prazo e sobre os índices glicêmicos, além de algumas ações apontadas, como pensar-se em acampamentos para os pais, e também de outros estudos sobre essa vivência, já que este se limitou somente à visão das mães.

Nesse sentido, poderiam ser realizados estudos com os pais, que a princípio seriam também participantes deste, o que não ocorreu por dificuldades deles estarem presentes nas entrevistas, com as próprias crianças/adolescentes e com os profissionais envolvidos no seguimento das mesmas, após sua participação no acampamento.

REFERÊNCIAS

International Diabetes Federation. IDF Diabetes Atlas [Internet]. 7ª ed. Bruxelas (BEL): IDF; 2015 [cited 2016 Mar 10]. Available from: http://www.idf.org/diabetesatlas
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a Acampamento de férias para crianças e adolescentes com diabetes promovido pela Associação de Diabetes Brasil (ADJ) e pelo Centro de Diabetes da UNIFESP, realizado no Acampamento Nosso Recanto (NR).

b Os Jovens Líderes em Treinamento Diabetes é um projeto internacional, desenvolvido por uma ONG no Brasil, que tem como objetivo preparar jovens para ajudarem outras pessoas com diabetes, e educarem a população para ter uma melhor qualidade de vida e prevenir o Diabetes mellitus Tipo 2.

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