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CAPES

Volume 20, Número 2, Abr/Jun - 2016



DOI: 10.5935/1414-8145.20160047

PESQUISA

Sobrecarga dos cuidadores de crianças ou adolescentes que sofrem transtorno mental no município de Maringá - Paraná*

Aline Aparecida Buriola 1
Jéssica Batistela Vicente 2
Robsmeire Calvo Melo Zurita 2
Sonia Silva Marcon 2


1 Universidade do Oeste Paulista. Presidente Prudente - SP, Brasil
2 Universidade Estadual de Maringá. Maringá - PR. Brasil

Recebido em 28/05/2015
Aprovado em 28/02/2016

Autor correspondente:
Aline Aparecida Buriola
E-mail: aliburiola@bol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Identificar a sobrecarga do cuidador de criança ou adolescente com transtorno mental.
MÉTODOS: Estudo transversal, descritivo, exploratório, quantitativo, realizado com 82 cuidadores/familiares de crianças e adolescentes atendidos no Centro de Atenção Psicossocial infantil do município de Maringá, Paraná, Brasil. A coleta foi de dezembro de 2012 a julho de 2013, utilizando-se a Escala de Sobrecarga dos Familiares de Pacientes Psiquiátricos e um questionário sócio-demográfico.
RESULTADOS: Identificou-se sobrecarga objetiva elevada quanto à assistência em atividades da vida cotidiana, como supervisão na tomada de medicamentos, e sobrecarga subjetiva alta decorrente do convívio com comportamentos problemáticos.
CONCLUSÃO: Nesse contexto é imprescindível vincular a família nas ações de cuidado prestadas nos serviços de saúde, sendo necessário que os profissionais atuem potencializando pontos positivos da convivência da família com essas crianças e adolescentes, sanando dúvidas e sendo o suporte da família para as dificuldades que surgem no convívio.


Palavras-chave: Saúde Mental; Cuidadores; Família; Serviços de Saúde Comunitária.

INTRODUÇÃO

Atualmente, no Brasil, a saúde mental de crianças e adolescentes é uma questão de saúde pública, pois, historicamente, essa temática foi delegada a outros setores, como o da educação. Contudo, com a Reforma Psiquiátrica, iniciada no Brasil na década de 1970, passou-se a considerar as peculiaridades do cuidado em saúde mental de crianças e adolescentes, tendo como base a superação do caráter excludente do cuidado em Saúde Mental, por meio de um modelo de atenção de base comunitária e familiar1.

Segundo dados do Ministério da Saúde, 3% da população geral sofre com transtorno mental grave ou severo e mais de 12% necessita de algum atendimento em saúde mental, seja ele contínuo ou eventual, sendo incluídos nesses percentuais crianças e adolescentes2.

No entanto, estudo realizado na Itália aponta a falta de pesquisas sobre os serviços de saúde mental direcionados para Crianças e Adolescentes na Europa, e diz que isso representa uma limitação para os pesquisadores e profissionais da saúde, uma vez que muitos transtornos mentais tem início da infância e adolescência, e uma efetiva intervenção, especialmente, nas fases vulneráveis do desenvolvimento poderiam prevenir a cronicidade3.

Destaca-se que com a queda da mortalidade infantil, as crianças que antes eram expostas ao risco biológico de morrer, vivenciam, na atualidade, o estresse relativo às condições propiciadas pelo aumento da urbanização, violência e mudanças na estrutura familiar, o que as deixa vulneráveis ao surgimento de transtornos mentais precoces1. Esse aspecto pode levar a sobrecarga de familiares que atuam como cuidadores preferenciais dessas crianças/adolescentes.

Destarte, a permanência da criança ou adolescente com transtorno mental no seio familiar provoca mudanças na rotina, hábitos e costumes da família. Com a descoberta do diagnóstico e o impacto deste na família surge a necessidade de adaptação à nova situação, que pode ser permeada por estigma e preconceito relacionado a doença. As modificações impostas podem produzir situações de desgaste e sobrecarga física e emocional para os membros familiares, e de forma especial para o cuidador preferencial1,4,5, ou seja, aquela pessoa, da família ou não, que realiza a maior parte ou mesmo a totalidade dos cuidados com a criança6.

Estudo realizado nos Estados Unidos, com cuidadores de crianças com transtorno mental, aponta o esgotamento físico e psicológico daqueles identificados como preferenciais, vistos que os mesmos referem que o cuidado direcionado à criança e ao adolescente com transtorno mental demanda atenção 24 horas por dia, durante os sete dias da semana7.

Dois aspectos caracterizam a sobrecarga familiar decorrente da ação do cuidar em saúde. O primeiro é o aspecto objetivo, que faz menção às consequências negativas concretas e observáveis resultantes do papel de cuidador, tais como perdas financeiras, perturbações na rotina da vida familiar, excesso de tarefas que o familiar deve executar no cuidado diário com o indivíduo e supervisões aos comportamentos problemáticos8,9.

O segundo aspecto é o subjetivo, o qual pontua a percepção ou avaliação pessoal dos familiares sobre a situação, envolvendo sua reação emocional e o sentimento de estar sofrendo uma sobrecarga, atribuída por eles ao papel de cuidador. Refere-se ao grau em que os familiares percebem os comportamentos ou a dependência dos pacientes como fonte de preocupação ou tensão psicológica8,9.

No Brasil, estudos que buscam identificar a sobrecarga de famílias que convivem com crianças ou adolescentes com transtorno mental são escassos. Acredita-se que detectando a sobrecarga do cuidador familiar, identificando áreas com maior desgaste, é possível pensar em intervenções que melhorem o enfrentamento da família frente à presença do transtorno mental no domicílio e a qualidade de vida das crianças, adolescentes e seus familiares. Assim, este estudo teve como objetivo identificar a sobrecarga do cuidador de crianças ou adolescentes com transtornos mentais.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal, descritivo, exploratório de abordagem quantitativa realizado em Maringá - Paraná, município em que, desde 2011, o atendimento a crianças e adolescentes com transtornos mentais, ocorre no Centro de Atenção Psicossocial Infantil (CAPS-i).

O tamanho amostral foi estimado a partir da média mensal de atendimentos realizados no serviço, que foi de 140 atendimentos de crianças e adolescentes, conforme Registro de Ações Ambulatoriais de Saúde (RAAS) disponibilizado no site do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS). A amostra foi de 82 cuidadores/familiares, considerando-se um intervalo de confiança de 95%, erro estimado de 5,0% e prevalência do transtorno mental em crianças e adolescentes de 15%, média do apontado por alguns estudos que varia entre nove e 20%10.

A população do estudo foi constituída por cuidador/familiar de criança ou adolescente atendidos no CAPSi. Os critérios para inclusão na pesquisa foram: ter 18 anos ou mais, estar acompanhando a criança ou adolescente durante o atendimento no serviço, e ser o cuidador preferencial da criança ou adolescente.

Os dados foram coletados no período de janeiro a julho de 2013 em dias, períodos e horários alternados, por meio de entrevista estruturada. A solicitação de participação no estudo foi feita pessoalmente, ocasião em que eram explicados os objetivos do estudo e o tipo de participação desejada. As entrevistas foram realizadas em sala reservada no próprio serviço, enquanto se esperava pelo atendimento ou logo após o mesmo, e tiveram duração média de 40 minutos.

Ao longo da entrevista foi aplicado um instrumento constituído de duas partes, uma que objetivava coletar dados referentes às características sociodemográficas dos participantes e outra constituída pela Escala de Sobrecarga dos Familiares de Pacientes Psiquiátricos (FBIS-BR), desenvolvida, inicialmente, na Universidade de Massachusetts11 e adaptada e validada para uso no Brasil12.

Essa escala é constituída por 52 itens que avaliam a sobrecarga de cuidado, objetiva e subjetiva, em cinco dimensões: a) assistência na vida cotidiana; b) supervisão aos comportamentos problemáticos do paciente; c) gastos relacionados ao paciente; d) impacto nas rotinas diárias da família; e) preocupação com o paciente.

A sobrecarga objetiva é avaliada em escalas tipo Likert de cinco pontos (1 = nenhuma vez até 5 = todos os dias), indicando a frequência com que o familiar executou tarefas para cuidar do paciente, lidou com comportamentos problemáticos e sofreu alterações na vida social e profissional.

A sobrecarga subjetiva por sua vez é avaliada em escalas Likert de quatro pontos (1 = nem um pouco até 4 = muito) para o grau de incômodo ao prestar assistência cotidiana e alterações na vida e por escalas de cinco pontos (1 = nunca até 5 = sempre ou quase sempre) para a frequência de preocupações e peso das despesas com os pacientes.

A FBIS-BR avalia ainda o tipo e valor das despesas com os pacientes, sua contribuição para cobrir tais despesas e as alterações permanentes ocorridas na vida do cuidador. As questões da FBIS-BR referem-se aos últimos 30 dias anteriores a entrevista, com exceção de um item, que avalia a sobrecarga durante o último ano. Essa escala não possui ponto de corte estabelecido, assim, a identificação de sobrecarga elevada ocorre a partir da porcentagem de respostas - sempre e quase sempre- de cada sub escala e suas questões.

Os dados foram compilados, organizados e armazenados em planilhas do Microsoft Excel 07 e calculado as médias dos escores obtidos em cada questão e após analisados por meio da estatística descritiva.

No desenvolvimento do estudo, todos os preceitos éticos foram levados em consideração e o seu projeto foi aprovado pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá (Parecer nº 169.526/2012). Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias.

RESULTADOS

A amostra investigada foi constituída por 82 cuidadores/familiares de crianças ou adolescentes com transtorno mental, sendo 73 mulheres e nove homens. A maioria (56) ocupava a posição de mãe, 14 eram avós, seis pais, dois avôs, uma madrasta, uma mãe social, um irmão e uma irmã. A idade variou entre 18 e 75 anos. Com relação à profissão, 24 exerciam atividades exclusivamente no lar, 44 mantinham vínculo profissional externo, oito eram aposentados, dois estudantes e quatro desempregados. As crianças e adolescentes em estudo tinham idade entre sete e 16 anos, sendo a maioria, 72% meninos. Outros dados não foram investigados, pois não era objeto do estudo correlacionar nível de sobrecarga com tipo de transtorno mental ou quaisquer outras características.

Observou-se que a média de escore na dimensão objetiva e subjetiva foi de 2,63 e 2,18 respectivamente. O desvio padrão apresentou-se homogêneo com 0,03 na parte objetiva e 0,06 na parte subjetiva.

Os dados apresentados na Tabela 1 mostram que mais da metade das crianças ou adolescente com transtorno mental necessitam de ajuda para o desenvolvimento da maioria das atividades diárias de três a seis vezes por semana e/ou todos os dias, o que evidencia alta sobrecarga para quem é responsável por ela.

Tabela 1. Distribuição das respostas dos familiares às questões que avaliam a sobrecarga objetiva, em relação à assistência na vida cotidiana e comportamentos problemáticos, Maringá - PR, 2015
Subescalas Itens Nenhuma vez Menos que 1 vez/semana 1 ou 2 vezes/semana 3 a 6 vezes/semana Todos os dias
N (%) N (%) N (%) N (%) N (%)
A: Assistência na vida cotidiana Higiene 23 (28) 4 (4,9) 4 (4,9) 4 (4,9) 47 (57,3)
Medicação 23 (28) 1 (1,2) 7 (8,5) 2 (2,4) 49 (59,9)
Tarefas de casa 12 (14,6) 3 (3,7) 2 (2,4) 7 (8,5) 58 (70,8)
Compras 32 (39) 1 (1,2) 9 (11) 2 (2,4) 38 (46,3)
Alimentação 9 (11) - 4 (4,9) 5 (6,1) 64 (78)
Transporte 7 (8,5) 7 (8,5) 23 (28,0) 8 (9,8) 37 (45,2)
Dinheiro 54 (65,9) 2 (2,4) 4 (4,9) 1 (1,2) 21 (25,6)
Ocupação do tempo 17 (20,7) 4 (4,9) 7 (8,5) 14 (17,1) 40 (48,8)
Consultas médicas 29 (35,3) 6 (7,4) 18 (22) 12 (14,6) 17 (20,7)
B: Supervisão de comportamentos problemáticos Comportamentos problemáticos 20 (24,4) 10 (12,2) 18 (22) 10 (12,2) 24 (29,2)
Pedir atenção excessiva 18 (22) 9 (11) 12 (14,6) 11(13,4) 32 (39)
Incomodar durante a noite 43 (52,4) - 11 (13,4) 8 (9,8) 20 (24,4)
Insultar alguém 21 (25,7) 17 (20,7) 20 (24,4) 7 (8,5) 17 (20,7)
Falar de morrer ou se matar 48 (58,5) 14 (17,1) 5 (6,1) 7 (8,5) 8 (9,8)
Ingerir bebida alcoólica 78 (95,2) 2 (2,4) 2 (2,4) - -
Beber e comer demais 47 (57,3) 7 (8,5) 5 (6,1) 5(6,1) 18(22)
Usar drogas 74 (90,3) 2 (2,4) - - 6(7,3)
Tabela 1. Distribuição das respostas dos familiares às questões que avaliam a sobrecarga objetiva, em relação à assistência na vida cotidiana e comportamentos problemáticos, Maringá - PR, 2015

Ainda na subescala A (Tabela 1) a atividade de assistência cotidiana mais citada foi cuidar das tarefas de casa e preparar os alimentos, o que é compreensível por se tratar de cuidadores de crianças e adolescentes, o que naturalmente demanda uma necessidade de cuidado cotidiano.

Em relação a subescala B (Tabela 1) a necessidade excessiva de atenção aparece como o item de maior destaque, uma vez que 32 (39%) entrevistados referiram que todos os dias lidam com comportamentos problemáticos.

Na subescala D (Tabela 2), que se refere aos impactos na rotina diária do cuidador, observa-se que a interferência que o cuidado com a criança ou adolescente traz para as relações familiares apresentou maior destaque, à medida que dificulta ou impede a realização de atividades sociais e de lazer, pela constante dedicação ao cuidado, desencadeando tensão e sobrecarga.

Tabela 2. Distribuição das respostas dos familiares às questões que avaliam a sobrecarga objetiva, relacionada ao impacto na rotina diária do cuidador, Maringá - PR, 2015
Subescala Itens Nenhuma vez Menos que 1 vez/semana 1 ou 2 vezes/semana 3 a 6 vezes/semana Todos os dias
N (%) N (%) N (%) N (%) N (%)
D: Impactos na rotina diária do cuidador Atrasos ou ausências a compromissos 29 (35,4) 12 (14,6) 19 (32,2) 10 (12,2) 12 (14,6)
Alteração no lazer do cuidador 44 (53,6) 6 (7,3) 13 (15,9) 5 (6,1) 14 (17,1)
Alterações no serviço/rotina de casa 43 (52,5) 6 (7,3) 15 (18,2) 5 (6,1) 13 (15,9)
Diminuição da atenção aos outros familiares 47 (57,2) 8 (9,8) 8 (9,8) 8 (9,8) 11 (13,4)
Tabela 2. Distribuição das respostas dos familiares às questões que avaliam a sobrecarga objetiva, relacionada ao impacto na rotina diária do cuidador, Maringá - PR, 2015

Na Tabela 3, referente à subescala A, identifica-se que a maioria dos cuidadores/familiares, ao prestar assistência na vida cotidiana apresentaram elevada sobrecarga subjetiva em todos os aspectos avaliados, principalmente, em relação aos comportamentos problemáticos.

Tabela 3. Distribuição das respostas dos familiares às questões relativas á sobrecarga subjetiva, em relação à assistência na vida cotidiana e comportamentos problemáticos, Maringá - PR, 2015
Subescala Itens Nenhuma vez Menos que 1 vez/semana 1 ou 2 vezes/semana 3 a 6 vezes/semana
N (%) N (%) N (%) N (%)
A: Assistência na vida cotidiana Higiene 19 (23,2) 4 (4,9) 18 (22) 18 (22)
Medicação 41 (50,0) 2 (2,4) 7 (8,5) 9 (11)
Tarefas de casa 25 (30,5) 4 (4,9) 15 (18,3) 26 (31,7)
Compras 29 (35,4) 1 (1,2) 9 (11) 11 (13,4)
Alimentação 61 (74,4) 2 (2,4) 3 (3,7) 7 (8,5)
Transporte 51 (62,2) 2 (2,4) 13 (15,9) 9 (11)
Dinheiro 19 (23,2) 1 (1,2) 1 (1,2) 7 (8,5)
Ocupação do tempo 21 (25,6) 3 (3,7) 25 (30,5) 16 (19,5)
Consultas médicas 32 (39,0) 5 (6,1) 7 (8,5) 9 (11)
B: Supervisão aos comportamentos problemáticos Comportamentos problemáticos 5 (6,1) 4 (4,9) 18 (22) 35 (42,7)
Pedir atenção excessiva 19 (23,2) 6 (7,3) 24 (29,3) 15 (18,3)
Incomodar durante a noite 7 (8,5) 6 (7,3) 7 (8,5) 19 (23,2)
Insultar alguém 13 (15,9) 7 (8,5) 13 (15,9) 28 (34,1)
Falar de morrer ou se matar 3 (3,7) 1 (1,2) 5 (6,1) 25 (30,5)
Beber álcool demais - 1 (1,2) 1 (1,2) 2 (2,4)
Comer ou beber o que não deve 12 (14,6) - 11 (13,4) 12 (14,6)
Usar drogas ilegais - - - 8 (9,8)
Tabela 3. Distribuição das respostas dos familiares às questões relativas á sobrecarga subjetiva, em relação à assistência na vida cotidiana e comportamentos problemáticos, Maringá - PR, 2015

Com relação a subescala B (Tabela 3) foi observado baixa sobrecarga relacionada à supervisão de comportamentos problemáticos, caracterizados por agressão, tabagismo, alcoolismo e uso de drogas. Isso porque eles eram pouco frequentes e mesmo ausentes nas crianças e adolescentes em estudo.

Na análise do gasto financeiro (Tabela 4) decorrente do transtorno mental, encontrou-se que 19 (23,3%) cuidadores/familiares estavam muito sobrecarregados e mais da metade (57,3%) não relataram aumento de gastos devido à doença. Isso pode estar relacionado ao fato da medicação psicotrópica utilizada pelas crianças e adolescentes ser fornecida gratuitamente pelo SUS.

Tabela 4. Distribuição das respostas dos familiares às questões relativas á sobrecarga subjetiva, em relação a gastos e preocupação com pacientes, Maringá - PR, 2015
Subescala Itens Nenhuma vez Menos que 1 vez/semana 1 ou 2 vezes/semana 3 a 6 vezes/semana Todos os dias
N (%) N (%) N (%) N (%) N (%)
C: Gastos Peso dos gastos com o paciente 35 (42,7) 12 (14,6) 16 (19,5) 5 (6,1) 14 (17,1)
E: Preocupação com os pacientes Segurança Física 3 (3,7) 4 (4,9) 3 (3,7) 8 (9,8) 64 (78)
Qualidade do tratamento 40 (48,8) 50 (6,1) 12 (14,6) 5 (6,1) 20 (24,4)
Vida social 12 (14,6) 5 (6,1) 11 (13,4) 14 (17,1) 40 (48,8)
Saúde 5 (6,1) 4 (4,9) 8 (9,8) 12 (14,6) 53 (64,6)
Moradia 47 (57,3) 2 (2,4) 4 (4,9) 10 (12,2) 19 (23,2)
Finanças 24 (29,3) 2 (2,4) 7 (8,5) 5 (6,1) 44 (53,7)
Futuro 1 (1,2) 1 (1,2) 4 (4,9) 7 (8,5) 69 (84,1)
Tabela 4. Distribuição das respostas dos familiares às questões relativas á sobrecarga subjetiva, em relação a gastos e preocupação com pacientes, Maringá - PR, 2015

Durante a entrevista foi identificado que os cuidadores apresentavam muitas dúvidas quanto ao tratamento medicamentoso prescrito para as crianças/adolescentes, sendo este um fator gerador de angústia, uma vez que nem sempre compreendiam a real importância de um regime terapêutico controlado. Relataram, também, dificuldades em fazer com que as crianças/adolescentes aceitem com naturalidade o uso contínuo de um medicamento, fazendo surgir no cotidiano familiar conflitos interpessoais no momento da administração desses compostos.

DISCUSSÃO

A presença de uma criança no seio familiar já implica em necessidades de cuidados mais intensas no cotidiano, uma vez que estas requerem ajuda em tarefas diárias como comer, vestir-se, entre outras. Isso, no entanto, é agravado diante da presença do transtorno mental, uma vez que este acarreta transformações comportamentais que exigem do familiar mais atenção e durante um maior período de tempo na supervisão das atividades diárias exercidas pela criança7.

A vivência cotidiana em um ambiente que requer cuidados intensos pode levar a interrupções no funcionamento do sistema de resposta ao estresse, tanto de cuidadores quanto daqueles que são cuidados, acarrentando adversidades no desenvolvimento humano, caracterizadas por alterações no sistema nervoso autônomo e no eixo hipotálamo-hipófise- adrenal13. Assim, acredita-se que a diminuição do funcionamento do sistema de resposta ao estresse pode influenciar na sobrecarga dos cuidadores/familiares de crianças e adolescentes com transtorno mental e comprometer a qualidade do cuidado ofertado.

As famílias que convivem com o transtorno mental também demonstram preocupação, impotência e medo frente à doença, o que concorre para o aumento da demanda por cuidados relacionados às atividades diárias, a fim de proteger seu familiar14. Em consequência, aumenta também a sobrecarga, especialmente nos casos de crianças e adolescentes, o que pode levar ao desgaste físico e emocional.

Outra questão relevante está relacionada aos desafios vivenciados pelos familiares dessas crianças/adolescentes quando estes procuram ajuda nos serviços de saúde. Muitos pais enfrentam entraves na comunicação profissional - família, dificuldade de acesso aos serviços especializados em saúde infantil e dúvidas quanto ao conhecimento relacionado à doença constituem aspectos que favorecem o surgimento de sobrecarga em cuidadores/familiares15.

Nesse sentido, é imprescindível a inserção da família em grupos terapêuticos direcionados ao enfrentamento das dificuldades experienciadas como cuidador. Nesses grupos, os fatores complexos relacionados a essa situação são discutidos e isso é benéfico no sentido de mostrar-lhes que não estão sozinhos na tarefa de cuidar e que as dificuldades enfrentadas também são pertinentes às demais famílias que experienciam a presença do transtorno mental na vida de seu ente querido14.

A inclusão de conteúdos relacionados aos cuidados cotidianos em programas de desenvolvimento pessoal, destinados a pais de criança/adoelescentes que apresentam comprometimento mental pode reduzir as influências negativas que situações estressantes causam nessas famílias. Tais projetos devem ter como foco as vivências relacionadas com os cuidados que são direcionados a uma criança com necessidades psicossociais.

Outro desafio para o cuidado a essas famílias é o de desenvolver ferramentas que avaliem as mudanças no cotidiano dessas famílias, tendo também como intuito, implementar propostas para reajuste familiar de acordo com cada particularidade e, assim, mininizar a sobrearga de cuidados diários, melhorarando habilidades de comunicação e relacionamento interpessoal entre os membros da família16.

A necessidade de supervisionar a administração de medicação em crianças aparece como um aspecto gerador de maior sobrecarga para o cuidador. Esta decorre do risco de erros na implementação do regime terapêutico como superdosagem, por exemplo, emergindo, assim, a obrigatoriedade dessa atividade ser exercida exclusivamente por outro membro da família.

Uma possibilidade para minimizar a sobrecarga familiar advinda do controle necessário em relação ao uso de medicações é o apoio ofertado pelos profissionais inseridos nos diversos serviços de saúde. Nesse contexto, a realização de visitas domiciliares com enfoque na orientação medicamentosa e esclarecimento de dúvidas pode ser uma medida valiosa para uma maior adesão da criança e adolescente ao tratamento medicamentoso, bem como uma forma de reduzir a sobrecarga do cuidador/familiar, uma vez que este poderá ser incentivado a tentar dividir essa atividade com outros membros familiares17.

A agressividade patológica ou comportamentos problemáticos de crianças e adolescentes também constituem fator dificultador para o processo de cuidado no adoecimento mental, acarretando, assim, maior sobrecarga nos cuidadores familiares. Esse tipo de comportamento não adaptativo se choca claramente com padrões culturais do grupo social ao qual a criança ou adolescente está inserido, causando nesse círculo social desconforto frente a não compreensão sobre a maneira mais adequada para se posicionar frente às crises comportamentais. Nesse sentido, o resultado final de uma interação deficitária leva a criança e o adolescente a se afastar do convívio familiar e ao isolamento18.

Diante de tal situação é importante que as famílias recebam orientação de como conviver com uma criança e adolescente com transtorno mental e como enfrentar comportamentos problemáticos. Para isso, precisam contar com uma rede de suporte social organizada e preparada para atender as suas demandas emocionais e físicas também, e para ofertar apoio para que consigam articular recursos internos necessários ao enfrentamento das situações referentes ao comportamento inadequado apresentado por seu familiar14.

Um estudo que descreveu a atitude da família na busca de tratamento da criança e adolescente em sofrimento psíquico também evidenciou que os familiares percebem que o comportamento deles mudou, sendo considerado anormal e estranho. Dessa forma, esse adoecer não é bem esclarecido para a comunidade, assusta a família e quando relacionado à loucura, que é tão estigmatizada, faz com que o indivíduo adoecido e seus familiares, especialmente os mais próximos, sejam segregados, primeiramente do seu meio familiar e depois, excluídos da sociedade4.

Outra ideia que envolve os cuidadores/familiares é a de que a criança ou adolescente representa perigo para as pessoas em volta, o que constitui motivo de dificuldade e sobrecarga para essas famílias que normalmente não estão habituadas a lidar com comportamentos alterados e estranhos. Assim, a doença torna-se um grande fardo para todos que estejam a volta do doente, principalmente para os cuidadores/familiares, que não são sequer minimamente preparados para lidar com tanta responsabilidade e situações conflitantes4.

A sobrecarga subjetiva é avaliada de acordo com o grau de incômodo em realizar as atividades de assistência ao paciente e de supervisão aos comportamentos problemáticos, as frequências de suas preocupações com o paciente, a percepção do cuidador/familiar com relação às alterações permanentes em sua vida.

Os resultados da Tabela 3 condizem com os encontrados em estudo realizado com dez familiares de pessoas com esquizofrenia no Rio de Janeiro, no qual a subescala A demonstrou que a maioria deles sentia-se extremamente incomodada ao prestar assistência na vida cotidiana do paciente, conferindo-lhes elevada sobrecarga subjetiva, caracterizada por abalo em sua saúde mental19.

Então, é possível concluir que o fator idade da pessoa com transtorno mental é determinante na sobrecarga subjetiva. Famílias de crianças doentes, por exemplo sentem mais o impacto em ter que suprir as necessidades de cuidado intensivo relacionado ao transtorno mental, pois, em geral, precisam abdicar da sua própria vida e dos seus desejos para suprir a demanda de atenção decorrentes da necessidade de administrar os comportamentos e a vida da pessoa doente.

Estudo internacional aponta para a exaustão de cuidadores preferenciais de crianças com transtorno mental, os quais relataram ser necessário o monitoramento constante de seus filhos nas atividades diárias, a fim de prevenir comportamentos prejudicais das crianças para si e para os outros7.

Estudo desenvolvido com cuidadores de crianças com transtorno mental identificou que suas mães apresentam momentos de frustração frente ao cuidado que exercem junto ao filho, uma vez que culpam-se por não terem gerado um filho dentro do padrão de normalidade4. Considerando esse contexto, é possível inferir que apenas o fato de ser mãe de uma criança com transtorno mental já é capaz de gerar uma grande sobrecarga emocional para ela, o que pode comprometer o cuidado cotidiano caso os profissionais de saúde não percebam que essa mãe também necessita de atenção e cuidados.

Os dados encontrados na Tabela 4 não foram evidenciados em outro estudo realizado com cuidadores de adultos com transtorno mental, os quais apontam a impossibilidade do indivíduo com transtorno mental contribuir financeiramente com a família, sobrecarregando financeiramente o cuidador, pois além de realizar as atividades cuidativas, o que normalmente lhe toma muito tempo, também têm que zelar pela subsistência de seu ente20.

Com relação a esse aspecto, os dados do presente estudo permitem inferir que a necessidade de acompanhamento mais amiúde do comportamento das crianças e adolescentes, interfere sobremaneira na atividade profissional do cuidador/familiar, e por conseguinte na condição financeira da família, pois ele, em muitos casos, precisa abandonar a atividade laboral remunerada para se dedicar, exclusivamente, ao cuidado com a criança ou adolescente com transtorno mental.

Nessa direção, estudo realizado com pacientes esquizofrênicos assistidos em quatro Centros de Referência em Saúde Mental da rede pública de Belo Horizonte, observou-se que embora 52% deles possuíssem renda própria, os familiares ainda precisavam arcar com despesas, o que comprometia cerca de 13% do orçamento familiar21.

Os dados relacionados com a subescala E mostram que as maiores, e mais frequentes preocupações dos cuidadores/familiares relacionavam-se com o futuro, a segurança física e a saúde da criança/adolescente. O medo em relação à segurança física associado a intensa preocupação com a saúde e com o futuro da criança ou adolescente atendido no CAPSi aumenta a sobrecarga emocional desses familiares. Esses resultados corroboram os de estudo que analisou a sobrecarga de familiares de pessoas com esquizofrenia atendidas em um serviço público de saúde mental19.

Diante dessa realidade de sobrecarga emocional frente às alterações comportamentais da criança e do adolescente com transtorno mental, o enfermeiro, membro da equipe multidisciplinar no CAPSi, pode contribuir no cuidado realizando acolhimento adequado e escuta atentiva em consultas individuais, atividades em grupos ou visita domiciliar22. Esse profissional pode orientar e assistir a família abordando suas vivências, sentimentos e apreensões como um todo, buscando amenizar o sofrimento e a sobrecarga de cuidados23-25. Dessa forma, poderá se fazer presente de forma indireta no cotidiano dessa família, ofertando por exemplo, apoio situacional nos momentos de angústia.

As transformações no modelo de assistência em saúde mental, advindas da Reforma Psiquiátrica brasileira, impuseram às famílias a participação efetiva no processo de reabilitação do seu familiar adoecido mentalmente26. Esse fato pode trazer inúmeras dificuldades para os membros da família, caso não recebam orientações adequadas e coerentes dos serviços de saúde, pois cuidar é acompanhar as dificuldades ou incapacidades de um membro familiar para desempenhar funções cotidianas e normativas, o que pode constituir-se em sobrecarga para o familiar que necessita assumir papel adicional de cuidador, além do papel que já possui no cenário familiar24.

Apesar das ações inovadoras em saúde mental imposta pela Reforma Psiquiátrica e do grande avanço ocorrido em tão pouco tempo caracterizado pela oferta de serviços especializados, a edificação de uma política pública de saúde mental, voltada para a criança e ao adolescente continua sendo um dos maiores desafios do setor, uma vez que ainda não abarca a família como pilar do cuidado a ser exercido neste contexto1.

Assim, faz-se necessário envolver diversos serviços e profissionais em prol da orientação e acolhimento eficazes junto à família que convive com o transtorno mental em seu lar. Esta deve constituir objeto de uma prática de saúde humanizada e qualificada na luta para desmistificar o transtorno mental e suas implicações sociais. Deve ainda ser instrumentalizado com conhecimento, de modo a maximizar e qualificar o cuidado junto à criança e ao adolescente com esta doença1.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presença do transtorno mental na infância e adolescência constitui causa de grande desgaste físico e emocional para quem se encarrega dos cuidados diários. Os resultados apontaram que a sobrecarga objetiva de quem cuida diariamente de uma criança ou adolescente com transtorno mental é elevada, principalmente no que se refere a assistência na vida cotidiana relacionada ao uso de medicação e supervisão de comportamentos problemáticos.

Também foi evidenciado que a sobrecarga subjetiva, quando se refere ao incomodo no auxílio das atividades cotidianas não é elevada, porém os cuidadores/familiares apresentam sobrecarga elevada ao lidar com os comportamentos problemáticos, pois 42,7% referiram se sentir muito incomodados em lidar com comportamentos desconcertantes, e isso pode gerar angústia, medo, e preconceito, tanto por parte da família como da comunidade.

O impacto da doença mental no cotidiano atinge vários aspectos da vida familiar, podendo ser considerado como fator de sobrecarga porque requer que os cuidadores/familiares coloquem as suas necessidades e desejos em segundo plano, interrompam sua rotina e, consequentemente, mudem sua vida. Por isso, a família necessita de apoio e cuidado por parte da equipe de saúde.

Diante desse cenário, este estudo tem como potencialidade fazer emergir discussões que incluam a família e, em especial, o cuidador/familiar, nas ações de cuidado realizadas nos serviços de saúde, principalmente, àqueles direcionados para o atendimento em saúde mental. Os profissionais precisam ousar e romper preconceitos relacionados à doença, procurando estabelecer ações de saúde que tenham como objetivo fortalecer a família, incentivando seus pontos positivos, e procurando amenizar a sobrecarga advinda da vivência com o transtorno mental e, por fim, buscando aumentar o nível de interação e empatia na família. Nesse contexto, o enfermeiro, como membro da equipe multidisciplinar está habilitado para ajudar a família da criança ou adolescente com transtorno mental a enfrentar, da melhor forma possível essa condição.

Como limitação do estudo aponta-se o fato dos dados refletirem informações obtidas em um determinado momento e, em local específico, estando sujeitos a influências temporais e socioculturais. Sendo assim, o processo de pesquisa adotado neste estudo, não pretende fazer generalizações, para além dos limites do local de estudo e, nem tem a pretensão de esgotar a temática.

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* Pesquisa realizada como requisito final de avaliação para a disciplina: Cuidado a saúde nos diferentes ciclos de vida, do Curso de Pós-graduação - Doutorado em Enfermagem, pela Universidade Estadual de Maringá. 2014.

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