ISSN (on-line): 2177-9465
ISSN (impressa): 1414-8145
Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
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REDALYC
MCTI
Ministério da Educação
CAPES

Volume 20, Número 2, Abr/Jun - 2016



DOI: 10.5935/1414-8145.20160046

PESQUISA

Sensibilizando a criança com diabetes para o cuidado de si: Contribuição à prática educativa

Maria Veraci Oliveira Queiroz 1
Laura Martins Mendes Cavaleiro Brito 1
Viviane Peixoto dos Santos Pennafort 1
Fernanda Scheridan de Moraes Bezerra 2


1 Universidade Estadual do Ceará (UECE). Fortaleza, CE, Brasil
2 Hospital Geral de Fortaleza, Fortaleza, CE, Brasil

Recebido em 30/04/2015
Aprovado em 17/02/2016

Autor correspondente:
Maria Veraci Oliveira Queiroz
E-mail: veracioq@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Analisar a aplicabilidade da dinâmica Corpo Saber na sensibilização da criança para o cuidado de si por meio de suas experiências.
MÉTODOS: Estudo descritivo e analítico desenvolvido em maio e junho de 2013, com seis crianças diabéticas em idade escolar, atendidas no ambulatório de um hospital de referência em Fortaleza/CE.
RESULTADOS: A dinâmica promoveu um ambiente de descontração favorável à expressão de sentimentos e demonstração dos cuidados básicos ao conviver com o diabetes. A sensibilização foi permeada de reflexões sobre o início da doença e o momento atual vivido. Assim, compartilharam com os pares as necessidades de cuidados e aprendizagens no controle metabólico.
CONCLUSÃO: A aplicação da dinâmica Corpo Saber favoreceu o desenvolvimento de atividades educativas com a participação das crianças em momentos de aprendizagem sobre o cuidado de si.


Palavras-chave: Diabetes Mellitus Tipo 1; Cuidado da Criança; Educação em Saúde; Enfermagem.

INTRODUÇÃO

O Diabetes mellitus do tipo 1 (DM1) consiste em uma doença crônica, autoimune, de caráter multifatorial, que pode acometer distintas faixas etárias, sendo mais comumente diagnosticada em crianças, adolescentes e adultos jovens. Corresponde a cerca de 5-10% dos casos de diabetes, contudo, sua incidência vem aumentando, significativamente, na população infantil com menos de cinco anos de idade. Requer cuidados médicos contínuos mediatizados pela educação em saúde para o automanejo, com vistas a prevenir o risco de complicações agudas e crônicas1,2.

O DM1, quando ocorre na infância, traz grandes repercussões no cotidiano familiar e no crescimento e desenvolvimento da criança. O adoecimento crônico infantil pode desencadear diversos conflitos familiares ante ao diagnóstico, como, por exemplo, o abandono do emprego, ocasionando desequilíbrio financeiro; redução ou interrupção dos momentos de lazer; sobrecarga do cuidador principal; e desestruturação familiar com repercussão negativa em toda família3.

Ante essa realidade, destaca-se a importância do preparo da equipe de saúde que lida com crianças diabéticas, para que possa encará-las como um ser em crescimento e desenvolvimento com características próprias, devendo ser atendidas em suas necessidades básicas, incluindo a nutrição, socialização e afetividade4. Crianças com diabetes precisam receber suporte social e cuidados específicos dos profissionais de saúde e das famílias, as quais devem ser incluídas muito cedo no tratamento para que possam acompanhar e incentivar os filhos a manterem o seu cuidado. Isso pode ser facilitado pelos profissionais quando compartilham experiências, facilitam o aprendizado sobre as intervenções terapêuticas e a manutenção de vida saudável dos entes adoecidos.

A educação é atividade essencial no controle do diabetes. Nessa perspectiva, é indispensável que os educadores em saúde conheçam a realidade, a visão de mundo e as expectativas de cada sujeito, para que possam priorizar as necessidades dos clientes e seguir as exigências terapêuticas. Deve-se partir de seu conhecimento preexistente, mesmo ao se tratar de crianças, pois desvalorizar suas experiências e expectativas desencadeia uma série de consequências, como a não adesão ao tratamento, deficiência no autocuidado, adoção de crenças e hábitos prejudiciais à saúde, distanciamento da equipe multiprofissional, cultivo da concepção de que somente os outros são responsáveis por seus cuidados5.

Com efeito, as reflexões e os questionamentos sobre o cuidado e o enfoque educativo-terapêutico com as crianças diabéticas emergiram ao ser e conhecer que, frequentemente, tanto na prática hospitalar como no exercício ambulatorial, o enfermeiro tem dificuldades na abordagem à criança, de modo que ela e a família possam entender, decidir e agir em sua condição de saúde, aderindo ao projeto terapêutico compartilhado com a equipe6.

Para elaborar esta pesquisa, partimos dos seguintes questionamentos: qual a experiência da criança com diabetes ao conviver com a doença? A utilização da dinâmica Corpo Saber pode sensibilizá-la para o cuidado de si?

Vislumbramos a possibilidade de apreender parte da realidade, que foi constituída junto às crianças mediada por dinâmicas criativas e sensíveis. Assim, contribuir com reflexões e elaborações teóricas necessárias ao meio acadêmico e nos subsídios para o cuidado clínico da criança com diabetes com vistas a valorizar suas experiências e sensibilizá-la para o cuidado, assentado na prática de cuidar e educar. Para atingir esse propósito, a pesquisa teve como objetivo analisar a aplicabilidade da dinâmica Corpo Saber como forma de sensibilização da criança para o cuidado de si por meio de suas experiências.

MÉTODOS

O estudo teve abordagem qualitativa, com pressupostos do Método Criativo Sensível (MCS), que se fundamenta na tríade - discussão de grupo, dinâmica de criatividade e sensibilidade, além da observação participante. Na efetivação da pesquisa, optamos em utilizar a dinâmica de criatividade e sensibilidade como um dos eixos do referido método, que estimula a pessoa a sair da egocentricidade, criando nos participantes outros sentimentos, como afeto e emoção, quando tratam de temas cujos interesses são comuns. Assim, a introdução, produção, análise, discussão e validação dos dados ocorreu no interior da Dinâmica de Criatividade e Sensibilidade (DCS)7,8.

O estudo foi desenvolvido no Ambulatório de Endocrinologia de um hospital terciário de referência, nos meses de maio e junho de 2013 em Fortaleza/CE com seis crianças em idade escolar. A inclusão dos mesmos se deu seguindo os critérios: estar na faixa etária de sete a 11 anos e frequentar regularmente esse serviço. Realizaram-se dois encontros, ambos com duração de aproximadamente 90 minutos, totalizando seis participantes em cada. Entretanto, essa dinâmica Corpo Saber foi realizada em um único encontro com seis crianças. O segundo encontro se referiu a uma dinâmica diferente sobre alimentação, não mencionado nesse recorte. Vale ressaltar que as crianças e suas famílias tinham dificuldades de comparecer no dia marcado, em razão da distância geográfica da área hospitalar.

Em atenção aos princípios éticos, previstos pela Resolução do Conselho Nacional de Saúde, Nº 196, de 10 de outubro de 1996, que dispõe sobre as Normas de Pesquisa com Seres Humanos9, a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa, da Universidade Estadual do Ceará. Este estudo fez parte de um projeto mais amplo que aborda o diabetes infanto-juvenil, que possui Parecer Nº 81.489/2012.

Foi solicitada autorização, por escrito, à gerente do Serviço de Pediatria e Endocrinologia, lócus da pesquisa, para a sua realização. Além disso, os responsáveis pelas crianças participantes da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Para as crianças, foi utilizado um Termo de Assentimento, que implica considerar a voluntariedade da criança em aceitar o cuidado proposto ou participar de pesquisas10. Solicitamos, ainda, aos responsáveis e aos participantes, autorização para gravar e fotografar as dinâmicas, bem como para utilizar os dados produzidos. O anonimato dos informantes da pesquisa foi mantido e foi empregado nomes bíblicos para nominá-los na pesquisa, conforme acordado com seus responsáveis legais; para a publicação desse artigo, as meninas foram designadas pela letra M1 e S; os meninos por J1, J2, M2 e M3.

Para os propósitos desse recorte, utilizou-se a dinâmica Corpo Saber, obtendo a representação do corpo e do cuidado, o que permitiu compreender a experiência da criança com DM1 e as representações do adoecimento ao indicarem no corpo desenhado os sintomas da doença, onde se localizam, como se manifestam e algumas dimensões que envolvem o cuidado à saúde. As questões geradoras utilizadas nas dinâmicas foram norteadas pelas experiências da criança sobre estar com diabetes (o que muda no corpo) e os cuidados para manter a glicemia nos valores desejados. A partir da explicação à criança dessas questões em linguagem adequada a sua compreensão, foi entregue o material (papel, caneta, recorte de figuras) e permanecido com elas três facilitadoras, apoiando-lhes para que desenhassem o corpo e neste mostrassem suas experiências.

Para a condução da dinâmica criativo-sensível, é recomendada uma sequência de momentos. No primeiro momento, organizamos o ambiente e acolhemos os participantes da pesquisa, visando ao máximo de conforto e silêncio. No segundo momento, cada participante se apresentou iniciando pelas pesquisadoras e foi apresentada a proposta da pesquisa, com os procedimentos da dinâmica e os aspectos éticos para a criança e seus responsáveis, garantindo que seus nomes não seriam divulgados. O terceiro momento correspondeu à assinatura dos termos que confirmaram a anuência de participação (criança e seu responsável legal). Em seguida, explicamos a dinâmica e seus objetivos. No quarto momento, cada participante do grupo mostrou o material que produziu (desenho) e enunciou a experiência individual no plano coletivo, gerando discussões entre eles. O quinto momento correspondeu à análise coletiva e validação dos dados, pois nessa ocasião, a experiência individual produziu um conhecimento que é comum ao grupo baseado na dialogicidade. Essa fase corresponde à organização e análise preliminar dos dados, pois se chega à síntese do que foi constituído, sistematizando as informações colhidas de acordo com sua conformação espacial, criativa e sensível7,8.

Os dados produzidos nas dinâmicas de criatividade e sensibilidade foram organizados e analisados por meio da leitura crítica e reflexiva. Codificamos as temáticas a partir dos núcleos de sentidos. Assim, a organização, classificação e formulação de categorias foram apreendidas para a compreensão das significações manifestadas nas experiências dos participantes dando pistas e insights que podem favorecer o desenvolvimento de atividades educativas e o cuidado com esta população.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os dados emergiram do desenvolvimento da DCS "Corpo Saber", momentos de elaboração coletiva com as crianças. As etapas de análise, discussão e interpretação das informações estão apresentadas nas três temáticas apreendidas, as quais trazem as significações relacionadas às vivências e aos momentos de sensibilização na produção artística e das mensagens dialogadas.

Reconhecendo as manifestações clínicas da doença sob o olhar da criança

Para apreender as experiências da criança com diabetes e sensibilizá-las para o cuidado ficamos atentas sobre o que tinham a dizer, considerar o sensível ante a realidade vivida. Na primeira temática, evidencia-se a percepção das crianças M1, J1 e J2, sobre a doença, destacando as mudanças que ocorreram no corpo.

[...] Não senti nada. A minha mãe que descobriu. Eu urinava muito. Minha mãe descobriu que eu estava com diabetes porque eu bebia muita água e fazia muito xixi; [...] Eu bebia muita água, aí eu fazia muito xixi, daí eu comecei a emagrecer.

O diagnóstico do diabetes tipo 1 causa muitos transtornos para a criança e lança os familiares numa situação desconhecida e desafiadora. Aos poucos, eles tomam conhecimento da doença e seu controle e, dependendo do apoio social e assistência recebida, podem levar uma vida mais equilibrada, garantindo o crescimento e o desenvolvimento desses seres adoecidos.

É muito importante avaliar o conhecimento prévio e discutir com a criança e a família, desmistificando os preconceitos e orientando a melhor maneira de cuidar e conviver com a doença. A utilização de estratégias criativas na comunicação entre o profissional e a criança facilita a expressão de sentimentos e vivências com significados importantes para o cuidado clínico.

As crianças em idade escolar com condição crônica de saúde são capazes de articular papéis e responsabilidades junto aos familiares, podendo evitar as exacerbações agudas da doença, quando são orientadas acerca dos cuidados necessários, dos recursos de saúde disponíveis e valorizadas quanto às perspectivas individuais sobre si mesmas. A reconsideração da criança na gestão do cuidado, a fim de prepará-las para diferentes funções, favorece a tomada de decisão desta no processo colaborativo junto à família e profissionais da saúde10.

Nessa perspectiva, o enfermeiro ao lidar com a criança diabética pode utilizar de ferramentas educativas para apoiar e ensinar a criança os cuidados essenciais no controle da doença e melhoria do bem-estar infantil.

As seis crianças (S, J1, J2, M1, M2 e M3) participantes, em seus imaginários manifestaram situações clínicas da doença, reconhecendo os sinais e sintomas:

[...] Quando minha diabetes está baixa demais, eu sinto tremendo, com a boca branca. Urino muito. Sinto muita dor nas pernas. Sinto dor nas pernas quando a diabetes está alta. Quando eu estou com a diabetes baixa, eu sinto fome. Quando minha diabetes está baixa, eu sinto muita fome e eu fico com muito sono. Quando minha diabetes está alta, eu não sinto nada. [...] Eu fico pálido e meus lábios ficam muito brancos quando tá baixa e quando minha diabetes está muito alta, eu sinto tontura. Eu sinto minhas pernas tremer. Eu não consigo me levantar. Desenhei minhas carnes tremendo quando a diabetes está alta. Eu não sinto nada.

O momento de interação no grupo possibilitou as crianças partilharem suas experiências sobre o adoecimento, como reconhecer sinais de alterações glicêmicas. Assim, manifestaram os sinais clínicos da hipoglicemia e da hiperglicemia. Fizeram associação de palidez, tremores e sonolência na hipoglicemia; e polaciúria e tontura na hiperglicemia. Essas informações mostram a importância e a possibilidade da criança aprender, quando sensibilizadas a pensar e a desenvolver ações benéficas à saúde, e como lidar para controlar, permitindo não se sentirem diferentes, mas estimuladas a cuidarem de si.

Observam-se nos desenhos das crianças, as repercussões do adoecimento e do tratamento em seus corpos, por vezes "sacrificados" por múltiplas agulhadas, como foi ilustrado pela presença da seringa com agulha, lancetas e glicosímetro, essas experiências dolorosas marcam o cotidiano e são significativas em suas vidas.

Retrataram ainda, as alterações na hipoglicemia, que se manifestam pela presença da "fome, sono e dor nas pernas"; expressaram a sensação corporal sentida nos momentos de hipoglicemia, os tremores, relatado por J1 (Figura 1) e S (Figura 2) na apresentação do desenho.

Figura 1. Dinâmica Corpo Saber (J1)

Figura 2. Dinâmica Corpo Saber (S)

Considera-se que o sujeito é influenciado pelo seu contexto social, ou seja, seu imaginário emerge do grupo, portanto, seu pensamento - sua subjetividade - representa o coletivo11. Assim, as manifestações da doença foram comuns para algumas crianças, enquanto outras afirmaram manterem-se assintomáticas. Alguns mencionaram reconhecer os seguintes sinais e sintomas: polidpsia, poliúria, polaciúria e emagrecimento, percebido por eles e a família como algo diferente no corpo. Algumas dessas mensagens estão enunciadas nos desenhos, outras foram mencionadas no diálogo ao apresentarem suas produções puderam falar de si e dos cuidados diários no controle da diabetes.

Mudanças de hábitos e as restrições alimentares

Considerando a compreensão da criança sobre as manifestações da diabetes e, principalmente, as mudanças de hábitos para o controle da doença, faz-se necessário conhecer suas percepções e sensibilizá-los a entender a necessidade de cumprir as orientações terapêuticas ao seu modo. Nesse sentido, as crianças M1, S e J enfatizaram um ponto crucial em suas vidas - mudanças e restrições alimentares:

[...] Não comer doce. Não pode mais comer chocolate, só quando a diabetes está boa. Não pode comer gordura. Salgado também que não pode comer mais. Não pode comer massa. Só pode comer pão integral e verdura. Não pode comer doce, bombom e nem pão doce. Só pode comer coisa com adoçante, o suco com adoçante... Existe um canto só para coisas de diabetes. Lá tem bombom que pode comer...

Algumas crianças afirmaram ter conhecimento das restrições dietéticas e relataram opções que não prejudicam a dieta para DM, tais como o suco e bombom com adoçante. Isso mostra terem aprendido como se cuidar ao conviver com a doença, embora no cotidiano ajam de forma diferente. Em conversa informal com as mães, as mesmas ressaltaram a dificuldade na modificação dos seus hábitos, precisavam fazer "promessas e chantagens" e, muitas vezes, as crianças não resistiam as guloseimas no ambiente escolar, quando estimulados pelos colegas.

Sabe-se o quanto é difícil controlar as restrições alimentares entre os escolares, que iniciam certa independência logo que frequentam o ambiente escolar. Entretanto, a alimentação controlada, em caso de diabetes, é imprescindível para evitar complicações da doença, mas pode trazer ambivalência de sentimentos, fazendo com que a criança, por um lado, tenha o desejo de comer doces, tão presente na infância, e, por outro, precise conter esse desejo. Isso também foi revelado em outro estudo com crianças, quando falaram da dificuldade em resistir aos doces, principalmente, em algumas datas comemorativas, o que afeta o convívio social12.

Estudo realizado nos Estados Unidos com funcionários de uma escola, alunos e pais apontavam que as escolas poderiam ser um ambiente desafiador para as crianças e jovens diabéticos, pois as escolas oferecem, em sua maioria, alimentos inadequados para uma dieta saudável13. A mesma situação se repete aqui no Brasil, pois, apesar de algumas iniciativas de introdução de um cardápio mais saudável nas cantinas escolares, ainda são oferecidos muitos alimentos inadequados na alimentação infantil.

Compreensão da criança sobre o cuidado de si

Nessa temática, foram apreendidos os cuidados que as crianças S, J1, J2, M1, M2 e M3 desenvolvem em seu cotidiano, destaca-se, principalmente, a familiaridade com os equipamentos utilizados no controle glicêmico.

[...] Tomo injeção. Eu tomo insulina na perna, na barriga e no braço. Eu também tomo a injeção e a insulina (...). Eu tomo insulina na perna, no braço e na barriguinha. Quando eu chegar em casa, minha mãe vai me ensinar. Eu faço exame do dedinho. Eu sei fazer. É uma canetinha, e tem uma agulha lá dentro. Tomar insulina, eu tomo. Aqui é a seringa, o aparelho do dedo, a fita e a canetinha para ver se a diabetes está baixa ou alta ou normal (mostrou no desenho). Tem vez que eu brinco muito correndo e de boneca. [...] Quando está baixa, eu como muita fruta, e quando está alta, eu não como nada. Eu tomo a insulina. Aqui é o homem com a injeção de insulina no braço [mostra no desenho]. Pode aplicar na perna, na coxa... Eu me controlo na alimentação. Eu como menos arroz... Lá no colégio, todo dia eu corro. Eu como empada... eu não sinto nada. Eu como muito quando está baixa [glicemia].

Nessa convivência com o adoecimento e as necessidades impostas pela doença mencionaram o consumo de frutas quando tem sinais de hipoglicemia e não se alimentar no caso de hiperglicemia. Já outra abordou administrar insulina para melhorar sua condição clínica. Não se observou nas falas dessas crianças rejeição quanto à administração de insulina e verificação da glicemia capilar, que são experiências dolorosas, porém com base nos desenhos, cinco crianças representaram esses aspectos.

Para manter o nível glicêmico adequado, as crianças relataram fazer uso de insulina regularmente e, além disso, enfatizaram que não devem consumir doces, massas e gorduras, porém uma criança relatou comer empada no colégio e afirmou não saber se fazia mal. Outra criança mencionou realizar alguma atividade de brincadeiras, como correr e brincar de boneca.

Apesar das crianças informarem em suas mensagens condutas terapêuticas para o controle do diabetes, na prática, identificou-se algumas contradições. Na dinâmica, as crianças abordaram a importância da ingestão de frutas em um episódio de hipoglicemia, porém o relato de uma mãe informa que seu filho solicita frequentemente doce. Além disso, essa mãe afirma ter dificuldade em manter um bom nível glicêmico de seu filho.

A criança na fase escolar tem dificuldade para entender a gravidade da doença ou mesmo pela negação da doença, situação real em qualquer idade. É preciso investir muito na educação dos familiares, pois, no caso de hiperglicemia ou hipoglicemia, a conduta mais imediata no domicílio está na responsabilidade do cuidador familiar até chegar à unidade de saúde.

Considerando a necessidade de ações imediatas ante aos episódios de hipoglicemia leve, a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) orienta a ingestão de 15g de carboidrato (tabletes de glicose) ou uma colher de sopa de açúcar ou, ainda, 150 ml de suco de laranja ou refrigerante. Os profissionais de saúde devem ressaltar a importância de seguir essa recomendação diante de tal situação, pois, agindo dessa maneira, o quadro poderá ser revertido rapidamente. Assim, as mães não devem estimular seus filhos a ingerir doces e guloseimas em um episódio hipoglicêmico2.

O profissional, portanto, deve ter em mente estratégias criativas que sensibilizem as crianças a participarem ativamente do seu cuidado; estimular mudanças de hábitos, respeitando as dificuldades de cada uma, e cada vez mais auxiliá-las a superar as dificuldades, facilitando um bom controle glicêmico. Os princípios para educar a criança sobre diabetes devem fundamentar-se na motivação (o desejo e a necessidade de aprender sobre a doença); no contexto (idade e maturidade); na interatividade (atividade interessante e lúdica); na significância (importância do assunto); na progressividade (do simples para o complexo, em etapas); no dinamismo (interativo e prático); no reforço (metas e solução de problemas); na reavaliação, na evolução e na educação sempre continuada14.

Observou-se que a aproximação da equipe com a criança, no caso cuidadores e pesquisadores, por meio de atividades criativas que lhe deram prazer, promoveu momentos de descontração e facilitou a reflexão e o aprendizado sobre a condição de saúde e o uso da insulinoterapia, socializando entre eles a vivencia de cada um.

Considera-se que o estímulo lúdico no cuidado à criança favorece maior interação com seus pares e familiares, considerado como fonte de energia e vitalização. Para que o direito de brincar seja garantido, o enfermeiro precisa envolver a família, e, lado a lado, profissionais e familiares devem estimular e encorajar a criança para que ela se sinta segura e, com isso, enfrente o adoecimento e o tratamento, amenizando os traumas e prejuízos15.

Realizar os cuidados necessários, como comer bem, efetuar a monitoração glicêmica, manter-se ativa e tomar as medicações para evitar complicações médicas e hospitalização constituem ações que, na perspectiva das crianças e das mães, somam esforços para o bom controle da doença16.

As tarefas diárias necessárias para o autocuidado, contudo, muitas vezes, provocam aborrecimentos na criança, dificultando o adequado manejo da doença. Os pais relatam que seus filhos ficam muito irritados ou tristes quando têm que aplicar insulina17. Além disso, a dor referida pela verificação da glicemia capilar e aplicação de insulina pode contribuir para que as crianças evitem, deixando, assim, um importante cuidado de lado. O medo da autoaplicação da insulina é um sentimento que deve ser enfrentado diariamente. Mesmo aquelas que utilizam bombas, acham o processo irritante16,17.

Nos últimos anos, surgiram muitas inovações que facilitam e amenizam o tratamento da doença. Os avanços tecnológicos trouxeram maior flexibilidade, facilitando o cotidiano do paciente e diminuindo a sua dor. Dentre esses, destaca-se a nova caneta alemã, já à venda no mercado brasileiro, que utiliza uma tecnologia por pressão por mola, que realiza a injeção sem dor. Há, porém, algumas desvantagens: o custo da caneta é elevado, o tempo de montagem é maior do que o de uma seringa ou caneta de aplicação comum. Ela também menciona sobre um medidor e glicose que se acopla ao videogame portátil Nintendo DS, o Didget da Bayer. As crianças se divertem com os personagens do jogo que brincam de regular os níveis de glicose sanguínea. Existe, ainda, um ursinho de pelúcia que mostra os locais de aplicação de insulina e ensina sobre alimentação saudável18. Esses recursos permitem às crianças diabéticas melhor convivência com a doença e adesão ao tratamento com retorno substancial à sua qualidade de vida.

No estudo, as crianças relataram alguns cuidados essenciais como o "exame do dedinho" e a aplicação da insulina, ambos com uso de agulha que adentra no corpo trazendo o significado de dor, representada inclusive no desenho. Nesse sentido, observou-se que os cuidados com a insulinoterapia e a monitoração glicêmica são realizados, principalmente, pelas mães. O cuidado de si, no entanto, deve ser estimulado nessa fase de desenvolvimento, ao considerar a cronicidade da doença, que requer cuidado contínuo. Para assumir tal responsabilidade, como a administração de insulina subcutânea e verificação da glicemia a criança deverá ter a supervisão e apoio de adultos.

Para o início desse processo de responsabilização, é aconselhável que o acompanhamento interdisciplinar seja contínuo, com incentivo à participação ativa da criança e família nos cuidados diários, para que possam compreender questões consideradas difíceis no manejo da doença, com vistas ao alcance de bons resultados no controle glicêmico6-19.

Nessa perspectiva, a apresentação das produções artísticas geradas pelas crianças trouxe momentos de reflexão e discussão grupal que podem torná-los mais sensíveis ao cuidado de si e, consequentemente, podem reduzir o tempo de aceitação da doença e adesão ao tratamento, minimizando assim os custos e o sofrimento para a criança e sua família.

Pode ser apontado como um dos limites deste estudo a necessidade de incluir mais sujeitos, porém várias crianças residiam no interior e as mães que se comprometeram a trazê-las e autorizar sua participação, não tinham condições socioeconômicas favoráveis e mesmo tendo interesse em disponibilizar momentos de aprendizagem aos filhos, algumas não compareceram no dia da coleta de dados. Contudo, ao observar a qualidade dos resultados obtidos, considerou-se que não houve prejuízos pelo alcance dos objetivos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao participarem da dinâmica criativa e sensível, as crianças expressaram sentimentos e conhecimentos relacionados aos cuidados com diabetes realizados em seu cotidiano, que favoreceu a descoberta de aspectos que ampliaram a aprendizagem de modo tão espontâneo em relação ao cuidado de si, reforçando hábitos saudáveis. Certamente, em alguns momentos, as reflexões instigaram a criança a perceber que a doença não é um obstáculo para viver saudável e feliz, embora traga também momentos de tristeza. Essas interações no grupo parecem melhorar a autoestima, conhecimento e habilidades para manejar a doença, o que lhes dá uma perspectiva positiva sobre a vida de quem está em pleno crescimento e desenvolvimento.

Compreendemos com suporte nos resultados o quanto é difícil para a criança o controle da doença, pois esta tende à impulsividade. Mesmo sabendo o que é correto, seguir uma dieta adequada parece ser a tarefa mais difícil de ser cumprida. Já em suas representações artísticas, elas retrataram que as experiências dolorosas marcam seu cotidiano. Em relação ao conhecimento da doença e seu tratamento, percebemos que elas eram capazes de reconhecer alguns sintomas e cuidados, porém é indispensável a presença de um responsável para supervisionar e auxiliar nos cuidados.

No movimento dialógico das dinâmicas, estabeleceu-se a interação dos sujeitos, o que facilitou a livre expressão de experiências e acontecimentos, aproximação da criança com o melhor entendimento sobre a doença e a terapêutica. Constatamos a facilidade de expressão da criança por meio de atividades lúdicas, que podem ser aplicadas plenamente ao cotidiano de cuidado. A Enfermagem ao incentivar o ato de brincar no cuidado à criança desenvolve estratégias que ampliam suas potencialidades favorecendo a criatividade e o desenvolvimento infantil. Esperamos que a compreensão alcançada com este estudo possa contribuir no cuidado à criança com diabetes estimulando o profissional a manter atitudes interativas e humanizadas.

AGRADECIMENTO

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo financiamento da Chamada Universal - MCTI/CNPq Nº 14/2012 do projeto "Diabetes infanto-juvenil e tecnologia educativa terapêutica: subsídios para o cuidado clínico de enfermagem". Fortaleza, Ceará, Brasil.

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