Volume 20, Número 1, Jan/Mar - 2016
PESQUISA
Distribuição geográfica dos óbitos de idosos por
acidente de trânsito*
Ana Maria Ribeiro dos Santos
1
Rosalina Aparecida Partezani Rodrigues
2
Claudia Benedita dos Santos
2
Gustavo Bussi Caminiti
2
1 Universidade Federal do Piauí. Teresina - PI, Brasil
2 Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto - SP, Brasil
Recebido em 31/07/2015
Aprovado em 21/10/2015
Autor correspondente:
Ana Maria Ribeiro dos Santos
E-mail: ana.mrsantos@gmail.com
RESUMO
OBJETIVO:
Analisar os acidentes de trânsito envolvendo idosos em que ocorreu desfecho
fatal, segundo condição do acidentado, local de ocorrência e causa do óbito,
elaborando mapas de distribuição geográfica.
MÉTODOS:
Estudo transversal realizado na Delegacia de Repressão aos Crimes de Trânsito
de Teresina, em uma população de 68 boletins de registro de acidente e
inquéritos policiais de idosos nos anos de 2010 e 2011. Na análise espacial
utilizaram-se o Índice Local de Moran e a densidade de Kernel.
RESULTADOS:
Em relação à condição do idoso no momento do acidente, comprovou-se que 57,3%
dos óbitos foram de pedestres. Considerando o local de ocorrência e a
primeira causa registrada, constatou-se que 49,6% ocorreram no local do
acidente, a maior causa o politraumatismo.
CONCLUSÃO:
Os óbitos concentraram-se na área urbana, com aglomerado de bairros com alta
ocorrência de acidente, apresentando correlação positiva, evidenciando
também a existência de regiões com maior densidade de ocorrências.
Palavras-chave: Idoso; Acidentes de trânsito; Óbito; Análise espacial
INTRODUÇÃO
No mundo, a cada ano, 5,8 milhões de pessoas morrem em consequência do trauma, o que corresponde a 10% de todos os óbitos, sendo que cerca de um quarto deles são devidos aos acidentes de trânsito1.
A taxa de mortalidade em decorrência desses acidentes nos países de renda média é de 20,1 por 100.000 habitantes, enquanto que nos países de renda alta e baixa representa 8,7 e 18,3 por 100.000 habitantes, respectivamente. Portanto, os países de renda média são os que possuem taxas mais elevadas, correspondendo a 80% das mortes por essa causa no mundo, embora representem 72% da população mundial e possuam somente 52% de todos os veículos registrados mundialmente2.
O Brasil apresenta altas taxas de mortalidade provocadas por acidentes de transporte terrestre. Segundo o Informe Mundial sobre Segurança Viária, a situação é preocupante, pois o país ocupa o quinto lugar em taxa de mortalidade, por esta causa, no mundo, encontrando-se atrás de países como a China, Índia, Rússia e Estados Unidos3.
Paralelo a isso, dentre as importantes mudanças pelas quais o país passou no último século destaca-se a revolução demográfica, verificando-se que a proporção de idosos subiu de 9,1% em 1999 para 11,3% em 2009, representando hoje um contingente acima de 22 milhões de pessoas, superando a população de idosos de vários países europeus como a França, a Inglaterra e a Itália, conforme estimativas das Nações Unidas4.
Destaca-se, assim, dado encontrado em revisão sistemática da produção acadêmica brasileira sobre causas externas e violências na população idosa, que identificou, do ponto de vista da mortalidade, proeminência dos acidentes de trânsito nessa população5.
Ciente dessa realidade decidiu-se investigar a mortalidade de idosos, por esta causa, nessa região específica do país, com o objetivo de analisar os acidentes de trânsito com desfecho fatal, de acordo com a condição do idoso, o local de ocorrência e a causa do óbito, elaborando mapas de distribuição geográfica.
MÉTODOS
Estudo transversal com dados obtidos junto à Delegacia de Repressão aos Crimes de Trânsito de Teresina, em uma população constituída de 68 boletins de registro de acidente e inquéritos policiais de idosos de ambos os sexos, residentes nessa capital, vítimas de acidente de trânsito nesse município, nos anos de 2010 e 2011, com ocorrência de desfecho fatal. Os dados do estudo foram coletados utilizando-se um formulário validado por expertes na área do trauma e analisados, descritivamente, no software Statistical Package for Social Sciences (SPSS) versão 19.0.
Para a análise espacial, os endereços dos locais de ocorrência dos acidentes, cujo desfecho foi óbito foram geocodificados. A marcação dos pontos foi realizada com a utilização de um aparelho receptor do sistema de posicionamento global (GPS) marca garmim, modelo etrex legend. Após a geocodificação, os pontos foram reunidos em um único arquivo shapefile para realização dos mapas pelo Sistema de Informação Geográfica (SIG), utilizando o software Terraview 4.2.2, disponibilizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
Utilizou-se, a seguir, a base cartográfica do Município de Teresina e determinou-se a autocorrelação espacial por meio do Índice Local de Moran com elaboração de BoxMap. Investigou-se, também, a intensidade pontual do evento, examinada por intermédio do método de suavização de Kernel.
A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, sendo aprovado sob a CAEE nº 02342412.9.0000.5393.
RESULTADOS
A Tabela 1 descreve o óbito entre os idosos vitimados por acidente de trânsito, considerando a faixa etária. Verificou-se uma média de idade de 69 anos (DP = 6,7), mediana de 68 anos, com variação entre 60 a 90 anos. Observou-se que a maioria dos óbitos ocorreu no sexo masculino (75%) e na faixa etária de 60 a 69 anos (54,4%). Em relação à condição do idoso no momento do acidente, comprovou-se que 57,3% dos que foram a óbito encontravam-se na condição de pedestres. Considerando o local de ocorrência e a primeira causa registrada na declaração de óbito, constatou-se que 49,6% dos óbitos ocorreram no local do acidente, sendo a maior causa o politraumatismo (39,5%), seguido pelo traumatismo crânio encefálico (TCE), correspondendo a 23,5%. Dos óbitos que ocorreram no hospital, a maior parte se deu na sala de emergência (22,2%).
Variáveis | Média (DP) | Mediana | Variação | Faixa Etária (anos) | Total | ||||||
60 a 69 | 70 a 79 | ≥ 80 | |||||||||
N | % | N | % | N | % | N | % | ||||
69 (6,7) | 68 | [60; 90] | |||||||||
Sexo | |||||||||||
Masculino | 31 | 45,6 | 16 | 23,5 | 4 | 5,9 | 51 | 75 | |||
Feminino | 6 | 8,8 | 10 | 14,7 | 1 | 1,5 | 17 | 25 | |||
Condição idoso | |||||||||||
Pedestre | 15 | 22,2 | 20 | 29,2 | 4 | 5,9 | 39 | 57,3 | |||
Motociclista | 10 | 14,6 | 2 | 3,0 | - | - | 12 | 17,6 | |||
Ocupante Automóvel | 6 | 8,8 | 1 | 1,5 | 1 | 1,5 | 8 | 11,8 | |||
Ciclista | 5 | 7,3 | 2 | 3,0 | - | - | 7 | 10,3 | |||
Ignorado | 1 | 1,5 | 1 | 1,5 | - | - | 2 | 3,0 | |||
Local do óbito | |||||||||||
Local acidente | 20 | 29,2 | 12 | 17,4 | 2 | 3,0 | 34 | 49,6 | |||
Sala Emergência | 6 | 8,9 | 6 | 8,9 | 3 | 4,4 | 15 | 22,2 | |||
Residência | 4 | 5,9 | 2 | 3,0 | - | - | 6 | 8,9 | |||
UTI | 3 | 4,4 | 3 | 4,4 | - | - | 6 | 8,8 | |||
Enfermaria | 2 | 3,0 | 1 | 1,5 | - | - | 3 | 4,5 | |||
Centro Cirúrgico | 1 | 1,5 | 1 | 1,5 | - | - | 2 | 3,0 | |||
Sala Recuperação | 1 | 1,5 | 1 | 1,5 | - | - | 2 | 3,0 | |||
Causa de óbito | |||||||||||
Politraumatismo | 13 | 19,0 | 12 | 17,5 | 2 | 3,0 | 27 | 39,5 | |||
TCE | 8 | 11,7 | 6 | 8,8 | 2 | 3,0 | 16 | 23,5 | |||
Insufuciência Respiratória | 7 | 10,2 | 4 | 5,9 | - | - | 11 | 16,1 | |||
Parada Cardiorespiratória | 1 | 1,5 | 2 | 3,0 | - | - | 3 | 4,5 | |||
Choque Hipovolêmico | 2 | 3,0 | 1 | 1,5 | - | - | 3 | 4,5 | |||
Fratura Cervical | 1 | 1,5 | 1 | 1,5 | - | - | 2 | 3,0 | |||
Edema Cerebral | 1 | 1,5 | - | - | 1 | 1,4 | 2 | 2,9 | |||
Tromboembolismo | 1 | 1,5 | - | - | - | - | 1 | 1,5 | |||
Meningoencefalite | 1 | 1,5 | - | - | - | - | 1 | 1,5 | |||
Septicemia | 1 | 1,5 | - | - | - | - | 1 | 1,5 | |||
Inibição pós trauma | 1 | 1,5 | - | - | - | - | 1 | 1,5 | |||
Total | 37 | 54,4 | 26 | 38,2 | 5 | 7,4 | 68 | 100 |
A Figura 1 mostra a distribuição pontual dos locais de ocorrência dos acidentes de trânsito com idosos, segundo o local em que ocorreram os óbitos. Constatou-se uma concentração de óbitos por acidente de trânsito na zona urbana, porém observou-se uma quantidade significativa na zona rural do município.
Verificou-se que dos 68 óbitos registrados na Delegacia de Repressão aos Crimes de Trânsito, no período estudado, 34 sucederam no próprio local do acidente e 34 aconteceram posteriormente. Dentre aqueles de ocorrência posterior, 28 se deram em serviços de saúde em que os idosos foram atendidos após o acidente e seis ocorreram nas residências, após a alta hospitalar, tendo sido registrados, nos laudos médicos, como decorrentes dos acidentes de trânsito. Entre os óbitos que ocorreram no hospital, a maior parte aconteceu na sala de emergência.
A Figura 2 apresenta o BoxMap dos óbitos de idosos decorrentes de acidente de trânsito em Teresina. A partir deste BoxMap do quantitativo de óbitos ocorridos em Teresina nos anos de 2010 e 2011, observou-se que os bairros na cor cinza escuro apresentam altos valores de óbito por acidente de trânsito, com correlação positiva e os bairros na cor cinza claro apresentam baixos valores de óbito por acidente de trânsito com correlação positiva. Dessa forma, os bairros Santa Maria da Codipi, Zoobotânico, Piçarreira, Morada do Sol, Nossa Senhora de Fátima, Horto, Jóquei, São Cristovão, Santa Isabel, Gurupi, Tabuleta, Redenção, Lourival Parente, São Lourenço e Parque Piauí, situados no quadrante 1, mostraram altos valores de óbito por acidente de trânsito, com correlação positiva.
Os bairros na cor cinza médio apresentaram ocorrências altas de óbito. Porém, por estarem cercados por bairros que apresentam valores baixos para estas ocorrências, no caso, os bairros Angelin, Três Andares, Cidade Nova, Dirceu, Centro, Primavera, Real Copagre, Mocambinho, Porto do Centro, Vale quem Tem, apresentaram correlação negativa. Por fim, os bairros na cor preta mostraram valores baixos de ocorrência de óbito, cercados por bairros com muitas ocorrências, verificando-se, também, correlação negativa.
A Figura 3 mostra a densidade de Kernel dos óbitos de idosos. A referida figura evidenciou concentrações nítidas de pontos de ocorrências de óbitos em duas regiões do Município de Teresina. Uma compreendendo a região dos bairros São João, Recanto das Palmeiras, São Cristovão, São Raimundo e Santa Isabel. A outra área de concentração de pontos observada corresponde à região dos bairros Tabuleta, Redenção, Morada Nova, Triunfo e Lourival Parente.
DISCUSSÃO
Os coeficientes de mortalidade por acidente de trânsito para a população idosa do Município de Teresina nos anos de 2010 e 2011 corresponderam a 43,4 e 54,4 óbitos por 100.000 mil habitantes, respectivamente, tomando por base os dados do último censo para o ano de 20106 e a estimativa populacional do IBGE, estratificada por sexo e idade pelo DATASUS7 para o ano de 2011. Portanto, valores mais elevados que o relatado pelo Ministério da Saúde para essa faixa etária, no ano de 2010, que correspondeu a 30,8 óbitos por 100 mil habitantes8.
Nos Estados Unidos da América (EUA), de 2000 a 2006, a taxa de mortalidade, decorrente de acidentes com automóveis em pessoas com 65 anos ou mais, diminuiu 13%, porém as taxas de mortalidade por acidentes com motocicletas aumentaram 145,8%. Em relação à morbidade, ocorreu redução de 16% dos ferimentos em ocupantes de automóvel, mas foi observado aumento de 86% nas lesões relacionadas com motocicletas9.
Estudo realizado na Turquia, com 2003 pacientes para determinar a epidemiologia dos acidentes de trânsito e analisar os custos, verificou que a taxa de mortalidade aumentou com a idade, sendo tal fato atribuído à presença de comorbidades e mecanismos de compensação mais fracos entre os idosos10.
No Brasil, a taxa de mortalidade por acidente de transporte terrestre por 100 mil habitantes nas capitais brasileiras no ano de 2007 mostrou que, entre as dez cidades com maiores riscos, cinco estavam localizadas na região Norte, quatro no Centro-oeste e uma no Nordeste. Teresina foi a capital nordestina que ocupou o nono lugar no ranking de mortalidade por acidentes de transporte terrestre com taxa de mortalidade padronizada e bruta de 22,3 e 21,5 por 100 mil habitantes, respectivamente. Dentre as capitais brasileiras selecionadas inicialmente para o projeto Vida no Trânsito, essa capital apresentou o crescimento mais acentuado na frota de veículos nos quatro primeiros meses de 2010, correspondendo a 4,2%3.
Investigação realizada em Minas Gerais com informações registradas no banco de dados do Sistema de Informação de Mortalidade destacou o expressivo coeficiente de mortalidade por acidentes no trânsito entre os idosos, os quais responderam pelo segundo grupo de mortes por essa causa. Nesse grupo etário, a mortalidade no trânsito mostrou-se 2,5 vezes maior do que a soma da mortalidade de crianças e adolescentes, ocorrendo, em média, óbito de 85,22 idosos/100.000 habitantes por ano11.
Outro estudo realizado em Minas Gerais acerca da mortalidade por causas externas em idosos, no período de 1999 a 2008, considerou altos os coeficientes relativos aos acidentes de transportes durante todo o período levantado12.
Com base nos dados apresentados, observou-se que a taxa de mortalidade por acidente de trânsito na população idosa do estudo mostrou-se superior à verificada no país.
Acredita-se que essa ocorrência de óbitos verificada entre os idosos acidentados, deste estudo, origina-se de uma multiplicidade de fatores, como as alterações anatômicas e funcionais presentes nos idosos acidentados, associadas à existência de determinadas doenças; bem como as condições presentes nas vias públicas, sendo uma delas o curto tempo dos semáforos, dentre outras questões ligadas a esse fator. Acredita-se, também, ser fator dessa ocorrência de óbitos o modo particular de dirigir dos condutores de veículos motorizados, com destaque para os motociclistas, entre os quais, muitas vezes, a velocidade desenvolvida é superior à permitida, talvez devido às regras comerciais estabelecidas entre patrões e clientes13. Destacam-se ainda as condições de atendimento dos serviços de saúde, considerando que o serviço municipal de referência ao trauma de Teresina encontra-se, quase sempre, com taxa de ocupação acima de sua capacidade de atendimento.
Neste estudo, considerando a condição dos idosos que foram a óbito em decorrência dos acidentes de trânsito, verificou-se que a maioria era pedestre.
Em investigação realizada nos EUA, os idosos tiveram um número significativamente maior na taxa de mortalidade em relação aos não idosos. Na condição de pedestres, a taxa de mortalidade foi o dobro da encontrada entre os não idosos, embora apresentassem pontuação semelhante na escala de gravidade do trauma no momento da admissão14.
No Brasil, os pedestres totalizaram quase um terço dos óbitos por acidente de trânsito, aproximadamente 10 mil mortes por ano, no período de 1998 a 200815.
Estudo realizado na cidade de Campinas evidenciou que a cada mil acidentes que envolveram motos, quatro ocasionaram a morte de pedestres, com registro de 6,7 óbitos de pedestres atropelados por motociclista, a cada atropelamento fatal por automóvel. Dessa forma, permanece como desafio a maior conscientização acerca da direção segura entre os condutores, principalmente de motocicletas, aliada à intensificação da fiscalização e à inovação no monitoramento de motociclistas16.
Considerando esse contexto e o crescimento acentuado na frota de veículos observado em Teresina, constata-se a necessidade de ações de prevenção para reduzir os fatores que contribuem para a ocorrência de acidentes com pedestres idosos. Percebe-se com isso que para manter a saúde e a segurança desses indivíduos, é imprescindível diminuir os riscos que agravam a sua saúde, com planejamento de ações gerontológicas, para prevenção das ocorrências de atropelamentos. Entretanto, é necessário também maior controle das autoridades de trânsito, com intervenções relativas à educação de condutores, à manutenção das condições das vias públicas e ao controle da velocidade por meio de fiscalização sistemática e abrangente com adoção das medidas punitivas cabíveis aos infratores.
Examinando-se o local de ocorrência dos óbitos, constatou-se que a maior parte ocorreu no local do acidente, sendo a causa principal o politraumatismo, demonstrando, assim, a maior vulnerabilidade do idoso, provavelmente pela diminuição da reserva fisiológica. Dentre os que foram internados, a maior parte dos óbitos ocorreu na sala de emergência.
Nesse sentido, discute-se a necessidade de uma avaliação mais rigorosa para que se estabeleça um diagnóstico adequado das lesões presentes nos idosos acidentados, tanto no atendimento inicial, quanto na reavaliação, no momento da liberação. Nesse contexto, é fundamental lembrar a importância da participação de especialistas em gerontologia nas equipes de atendimento ao idoso traumatizado, conforme recomenda o Estatuto do Idoso17, assim, como o estímulo à formação e educação permanente dos trabalhadores, conforme indica o Pacto pela Saúde18.
Estudo realizado no EUA recomenda atenção especial com idosos, vítimas de trauma, pois à medida que aumenta o número de internações, por este motivo, nessa faixa etária, a melhora nos cuidados e a prevenção de complicações se tornam um problema cada vez mais importante e indica, também, atenção multidisciplinar para que essa população vulnerável retorne ao estado funcional saudável em que se encontrava antes da ocorrência da lesão19.
Convém ressaltar a necessidade de avaliação terciária nos traumatizados graves, nas vítimas com limitação na verbalização das queixas e naqueles com sequelas neurológicas, pois nestes grupos o número de lesões despercebidas aumenta consideravelmente, o que pode ocorrer com os idosos, até pelas dificuldades de comunicação20.
Reforçando a questão relativa à presença de profissionais com formação em gerontologia nas equipes de atendimento às pessoas idosas vítimas de acidentes e violências, os gestores que participaram de um estudo, que analisou os serviços hospitalares para idosos vitimados por acidentes e violências em cinco capitais brasileiras, relataram que o atendimento a esses pacientes representa uma dificuldade para os serviços, devido à necessidade de equipe multidisciplinar21, o que não é observado na maioria dos serviços, de urgência, brasileiros.
Ressalta-se ainda que os idosos traumatizados que possuírem fatores clínicos de risco associados à lesão aguda exigem monitorização precoce, pois as condições hemodinâmicas podem ser mascaradas por doenças associadas e medicações utilizadas. Há também o risco de que os sintomas neurológicos possam ser confundidos com estado alterado do nível de consciência relacionado à idade. Por essa razão, os serviços precisam desenvolver protocolos específicos, tendo em vista que essas características podem ser encontradas nos idosos traumatizados20.
Com isso, verificou-se que a capacitação dos profissionais que atuam nessa área é importante para a devida identificação, atuação, acompanhamento e encaminhamento adequado dos casos de acidentes e violências com idosos, devendo esta capacitação iniciar ainda no ensino de graduação, aprofundando-se, posteriormente, na pós-graduação. No entanto, essas preocupações precisam ser também compreendidas pelos órgãos formadores, com adoção de ações coerentes, como adequação de currículos, oferta de cursos especiais, interação comunitária e intersetorial nesse campo de ação22.
Por outro lado, observou-se ainda que, para se analisar de forma completa as ocorrências de óbito por acidente de trânsito, faz-se necessário o registro completo do local de ocorrência, pois só assim se caracterizam exatamente as áreas de risco de tais ocorrências.
Nesse sentido, embora tenha ocorrido no Brasil uma evolução da cobertura do Sistema de Informação sobre Mortalidade, ainda há necessidade de melhora da qualidade da informação, sobretudo na identificação dos diferentes tipos de causas externas23. Dentre elas, chamam atenção os acidentes de trânsito, visto que o local de ocorrência do evento nem sempre é registrado adequadamente e, muitas vezes, informa-se apenas o local de ocorrência do óbito, que nem sempre é o da ocorrência do acidente.
Destaca-se que o presente estudo é o primeiro a utilizar a técnica de análise espacial para investigar os óbitos de idosos por acidente de trânsito em Teresina, dos quais se obtiveram 92,6% de resultados positivos de registros do endereço do local de ocorrência do acidente nos boletins de ocorrência e inquéritos policiais arquivados no órgão de repressão aos crimes de trânsito. A referida capital é subdividida em 114 bairros, distribuídos em cinco regiões: centro da cidade e zonas norte, sul, leste e sudeste.
A figura dos óbitos por local de ocorrências possibilitou a visualização clara do quantitativo de acidentes com vítimas fatais na zona urbana do município. Entretanto, chama a atenção o número de ocorrências na zona rural, evidenciando que nesta região, embora o trânsito seja mais reduzido, outros fatores podem estar interferindo para a ocorrência de acidentes fatais, como velocidade excessiva, ausência de fiscalização e de equipamentos de controle de velocidade, além das condições ambientais encontradas nas estradas rurais da região, como precariedade da pavimentação e presença de animais nas pistas (Figura 1).
As áreas de risco alto de óbito apontadas pelo BoxMap, assim como regiões de alta densidade de óbitos evidenciada pela densidade de Kernel em determinados bairros do município, permite inferir que existe um padrão na ocorrência desses eventos. Observou-se semelhança ao se comparar os locais de ocorrências dos acidentes cujas vítimas morreram no hospital e aqueles acidentes em que os óbitos ocorreram no próprio local do evento, isto é, verificou-se que as regiões de alta ocorrência de acidentes são as mesmas nas duas situações (Figura 3).
Uma possível hipótese para os altos índices encontrados em bairros como Zoobotânico, São João, Recanto das Palmeiras, São Cristóvão, Santa Isabel e Gurupi fundamenta-se na existência de rodovias estaduais, como a PI-112 e a PI-113 que ligam a capital ao norte do estado e a BR-343 uma rodovia federal diagonal que liga a capital do estado ao litoral e interliga o Piauí ao estado do Ceará. Da mesma forma os bairros Tabuleta, Redenção, Lourival Parente, São Lourenço, Parque Piauí e Angelim encontram-se nas proximidades da PI-130 que dá acesso às cidades do centro-sul do estado, como também da BR-226, uma rodovia federal transversal que interliga a região nordeste à região centro-oeste, e a BR-316, rodovia federal diagonal que liga o estado à região norte do país (Figura 3). Todas essas rodovias apresentam grande fluxo de veículos, muitas vezes, desenvolvendo velocidades acima do permitido pela legislação.
Por outro lado, verificou-se, também, que bairros como o Dirceu Arcoverde, o mais populoso do município e outros como Piçarreira apresentaram número alto de acidentes fatais (Figura 2). Estes bairros, por sua vez, possuem comércio intenso, além de escolas, unidades de saúde e feiras em suas imediações, o que atrai grande número de pessoas, principalmente pedestres, que, junto ao grande fluxo de veículos motorizados, inclusive ônibus, geram maior risco e exposição aos usuários mais vulneráveis, dentre eles os idosos.
Destaca-se ainda que bairros como Nossa Senhora de Fátima, Horto e Jóquei Clube, situados na área mais nobre da capital, também apresentaram altas ocorrências de óbito (Figura 2). Tais bairros possuem grande concentração de bares e restaurantes, o que pode favorecer o consumo de bebidas alcoólicas, aspecto que exerce influência nos acidentes de trânsito.
Investigação transversal realizada com dados de 13.305 acidentes de transporte registados nos anos de 2008 e 2009 na Cidade Juarez no México identificou, por meio de análise espacial, as áreas de risco dessas ocorrências e mostrou a possibilidade de medidas de baixo custo para reduzir as taxas de mortalidade e lesões, permitindo concluir que essa técnica é útil para delimitar áreas com altos níveis de acidentes de trânsito, implementar uma abordagem preventiva e estabelecer-se como uma ferramenta de apoio para ações de segurança rodoviária24.
Estudo brasileiro abrangendo análise espacial destacou a importância da prevenção e controle dessas ocorrências. Investigação realizada em Pernambuco objetivando caracterizar o perfil epidemiológico das vítimas de trânsito e a distribuição dos atendimentos por acidente de transporte a partir da análise espacial mostrou o quanto é fundamental a integração entre o setor de saúde e órgãos afins para implementação de medidas preventivas e corretivas25.
Estudo realizado em São Paulo, que utilizou a análise espacial para identificar aglomerados de municípios com elevadas taxas de internação por acidente de moto, destacou a importância dessa técnica de análise para implantação de intervenção em áreas de alta ocorrência de acidentes26.
Outro estudo realizado em São Paulo, para identificar aglomerados espaciais de microrregiões segundo taxas de óbito por acidente de trânsito antes e após a aplicação da Lei Seca, concluiu que muitas microrregiões tiveram piora das suas taxas e apontaram locais em que as ações de vigilância devem ser revisadas para possibilitar maior prevenção e segurança no trânsito27.
CONCLUSÃO
Conclui-se com a presente investigação que a principal importância da análise espacial consistiu em caracterizar-se como uma importante ferramenta para identificar aglomerado de locais que apresentam altos riscos de óbito por acidente de trânsito, evidenciando regiões com alta densidade de acidentes. Destaca-se, assim, a importância dessa técnica para determinação das áreas prioritárias para implementação de intervenções de prevenção e controle desses eventos, possibilitando ações da gestão pública de diferentes áreas, como também dos profissionais de saúde inseridos nos diversos programas de atenção à saúde de diferentes grupos de usuários do sistema de saúde, em particular daqueles mais vulneráveis, como os idosos.
Pode-se afirmar ainda que o desenvolvimento de mais estudos sobre a temática em questão com utilização da técnica de análise espacial poderá ser de grande importância para a saúde pública da região.
AGRADECIMENTO
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) junto ao Projeto de Doutorado Interinstitucional entre o Programa de Pós-Graduação em Enfermagem Fundamental da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo com a Universidade Federal da Paraíba e a Universidade Federal do Piauí.
REFERÊNCIAS
* Artigo extraído da Tese de Doutorado da discente Ana Maria Ribeiro dos Santos, apresentada à Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/USP, em janeiro de 2014 no município de Ribeirão Preto, SP.