Volume 19, Número 4, Out/Dez - 2015
PESQUISA
Revelação do diagnóstico de HIV para o
adolescente: modos de ser cotidiano
Crhis Netto de Brum
1
Cristiane Cardoso de Paula
2
Stela Maris de Mello Padoin
2
Ivis Emilia de Oliveira Souza
3
Eliane Tatsch Neves
2
Samuel Spiegelberg Zuge
2
1 Universidade Federal da Fronteira Sul. Chapecó - SC, Brasil
2 Universidade Federal de Santa Maria. Santa Maria - RS, Brasil
3 Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro - RJ, Brasil
Recebido em 19/05/2015
Aprovado em 09/10/2015
Autor correspondente:
Crhis Netto de Brum
E-mail: crhis.brum@uffs.edu.br
RESUMO
OBJETIVO:
Compreender o significado da revelação do diagnóstico do Vírus
da Imunodeficiência Humana para o adolescente.
MÉTODOS:
Investigação fenomenológica fundamentada no referencial
teórico-metodológico de Martin Heidegger. Desenvolveu-se
uma entrevista fenomenológica com 12 adolescentes, em
serviço especializado de um hospital universitário do Sul
do Brasil, no período de novembro de 2011 a fevereiro de
2012.
RESULTADOS:
Constituíram-se duas unidades de significação: Saber do
diagnóstico antes de alguém lhe contar, mesmo sem
entender, até a família e/ou profissionais da saúde
explicar. Saber como ocorreu à transmissão do vírus e que
precisa de tratamento; Ser uma pessoa normal, o diferente
é o vírus, ter que tomar os remédios e ir ao hospital.
Essas unidades de significação foram o fio condutor da
interpretação, que desvelaram os sentidos.
CONCLUSÃO:
O enfermeiro tem a possibilidade de desencadear o movimento
vivido por meio das consultas e grupos com esses
adolescentes.
Palavras-chave: Enfermagem; Revelação da Verdade; Saúde do Adolescente; Síndrome de Imunodeficiência Adquirida; HIV.
INTRODUÇÃO
No Brasil, as notificações de infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) em adolescentes apontam que, no período de 1980 a 2014, ocorreram 13.010 casos na faixa etária entre 13 a 19 anos1. Diante da magnitude epidemiológica, houve investimento de políticas específicas para essa população, envolvendo ações de prevenção, de controle e assistência. O encadeamento dessas ações contribuiu para a redução da morbidade e mortalidade2, resultando que as crianças infectadas, por transmissão vertical, transponham a fase da infância para a adolescência, compondo o grupo de adolescentes que têm HIV3. Acrescentam-se, nesse grupo, os adolescentes que se infectaram por transmissão horizontal4.
A transição da infância para adolescência resulta em desafios para o serviço de saúde5, dentre os quais se destaca a revelação do diagnóstico para os adolescentes. A revelação é compreendida como um processo, ou seja, não se configura como um momento único. Este processo deverá corresponder ao desenvolvimento cognitivo da criança, de acordo com sua idade. O início poderá ser de forma parcial, em relação às estratégias que os pais proporcionam às crianças, referentes às informações sobre sua doença, sem nomeá-la. Há a necessidade de apoio familiar e profissional para que se inicie a revelação do diagnóstico e mantenha o acompanhamento do transcurso, além de estratégias para a escolha da melhor forma de revelar o diagnóstico para a criança ou adolescente6-8.
Evidencia-se que os estudos de HIV na infância são de tendência assistencial e natureza clínico-epidemiológica, em comparação àqueles, que retratavam a adolescência, que são de tendência preventiva e de natureza sociocultural9. O presente artigo mostra a vivência da revelação do diagnóstico de infecção pelo HIV, que se constitui como uma possibilidade existencial, em decorrência da descoberta ou da confirmação do diagnóstico pelo adolescente que, até então, se manteve em silêncio.
Assim, delineou-se a seguinte questão de pesquisa: como é/foi para o adolescente, que tem HIV, a revelação do diagnóstico? O objetivo era de compreender o significado da revelação do diagnóstico de HIV para o adolescente.
MÉTODOS
Investigação de natureza qualitativa fenomenológica, fundamentada no referencial teórico-metodológico de Martin Heidegger10. A fenomenologia vislumbra a compreensão dos sujeitos acerca daquilo que experienciam e vivenciam em seu cotidiano, a fim de iluminar o objeto de estudo, isto é, como ele.
A produção dos dados foi desenvolvida de novembro de 2011 a fevereiro de 2012. Sucedeu no Serviço de Infectologia do Ambulatório Pediátrico do Hospital Universitário de Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil (HUSM).
Os sujeitos foram 12 adolescentes que têm HIV/Aids, sendo que este quantitativo não foi pré-determinado, pois foi a etapa de campo, concomitante à análise, que mostrou o momento de encerrar as entrevistas, quando houve suficiência de significados expressos nos discursos que responderam ao objetivo da pesquisa11,12. Os sujeitos foram codificados com a letra A, referente ao adolescente, seguida dos números de 1 a 12.
Como critérios de inclusão, elegeram-se: adolescentes que têm HIV/Aids, na faixa etária de 13 a 19 anos1, em acompanhamento ambulatorial, no referido Serviço, e que tivessem conhecimento do seu diagnóstico. Para atender este último critério, solicitou-se informação aos profissionais e aos familiares e/ou cuidadores. Os critérios de exclusão foram: apresentar limitação cognitiva e mental (que dificultasse a expressão verbal), cumprindo medida socioeducativa e maiores de 18 anos que estivessem em situação prisional, uma vez que durante as consultas são acompanhados por policiais, o que fere o princípio de privacidade.
A entrevista fenomenológica13,14 foi desenvolvida em encontro individual, singularmente estabelecido entre o adolescente e a pesquisadora, e exigiu da pesquisadora um movimento de descentramento de si, para se direcionar, intencionalmente, à significação dos adolescentes. O encontro possibilitado pela entrevista permeou um tempo cronológico de 30 minutos. Os adolescentes maiores de idade assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), já os menores de idade, após o Consentimento assinado pelos seus pais e/ou responsáveis, concederam sua participação a partir da assinatura do Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE).
A questão orientadora da entrevista foi: como foi para você saber do seu diagnóstico? Respeitou-se o modo como o adolescente se referiu ou silenciou a sua condição sorológica: isso, coisa, doença ou vírus. O pesquisador precisou estar atento às maneiras de discurso, como gestos, pausas e silêncios, a fim de apreender o dito e o não dito. Durante a condução da entrevista, formularam-se questões empáticas, destacando as palavras expressas pelos próprios adolescentes, referentes àquilo que precisava ser aprofundado para melhor compreensão do objeto de estudo. A entrevista era concluída com um feedback, quando a pesquisadora fazia uma síntese daquilo que havia sido compreendido na entrevista e questionava se o adolescente gostaria de acrescentar algo. O áudio das entrevistas foi gravado, mediante o consentimento e transcrito, conforme a própria expressão do adolescente.
A análise foi desenvolvida em dois momentos metódicos: análise compreensiva e análise interpretativa. A análise compreensiva, também denominada de compreensão vaga e mediana, revelou a compreensão dos próprios sujeitos da pesquisa, por meio dos significados que eles atribuíram ao objeto de estudo. Foi desenvolvida a partir da suspensão de pressupostos da pesquisadora na escuta atentiva da gravação das entrevistas e na leitura das transcrições, sem impor-lhes categorias pré-estabelecidas pelo conhecimento teórico/prático. No texto transcrito das entrevistas, destacaram-se as estruturas essenciais que indicaram os significados e responderam ao objetivo da pesquisa e, assim, constituiu-se as unidades de significação10. As falas dos adolescentes apresentadas nos resultados, deste artigo, foram utilizadas como ilustrações do discurso fenomenológico e encontram-se apresentadas logo abaixo da compreensão vaga e mediana. Este discurso, que foi escrito pelo pesquisador, descreve a compreensão dos próprios adolescentes acerca da revelação do diagnóstico.
A partir dos significados expressos na compreensão vaga e mediana, buscou-se, no referencial teórico heideggeriano, a interpretação dos sentidos desvelados. Essa interpretação compõe a análise interpretativa, também denominada hermenêutica. Assim, a compreensão hermenêutica, à luz do referencial de Martin Heidegger, se propõe a desvelar os sentidos expressos pelos próprios sujeitos, neste estudo pelos adolescentes, sem apontar os pressupostos factuais, ou seja, descritos pelo conhecimento científico. Diante disso, realizar comparações com outros referenciais intervêm na análise da dimensão ontológica do ser, especificada pelo referencial apontado no estudo10.
Respeitaram-se os preceitos éticos da Resolução n° 196/1996, vigente no momento da pesquisa. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Santa Maria, sob o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) número 0321.0.243.000-11.
RESULTADOS
A partir das entrevistas, buscaram-se elementos para compor a historiografia do adolescente. Assim, oito adolescentes eram do sexo feminino e quatro do masculino. A idade média variou de 13 a 18 anos de idade. A forma de infecção pelo HIV ocorreu em dez adolescentes pela transmissão vertical e dois pela horizontal. Desses, dez faziam uso da terapia antirretroviral.
Na análise compreensiva, foram constituídas as seguintes unidades de significação: 1) Saber o diagnóstico antes de alguém lhe contar, mesmo sem entender, até a família e/ou profissionais da saúde explicar. Saber como foi à transmissão do vírus e que precisa de tratamento; 2) Ser uma pessoa normal, o diferente é o vírus, ter que tomar os remédios e ir ao hospital. Essas unidades de significação foram o fio condutor da interpretação, que desvelou os sentidos que serão, posteriormente, discutidos com o referencial heideggeriano.
Os adolescentes anunciaram saber do diagnóstico desde a infância. Começaram a desconfiar de que havia algo diferente, quando iniciaram as consultas, os exames e o tratamento no hospital. Cresceram sabendo o que tinham, mesmo sem alguém para lhes contar sobre essa doença. Mesmo quando as pessoas falavam da doença e do tratamento, não entendiam os motivos para ir ao hospital, e para tomar remédios. Não davam importância para o que tinham e não sabiam o que estava acontecendo, mas desconfiavam que coisa boa não era.
Quando eu fiquei sabendo dessas coisas, eu tinha cinco anos, eu era pequinininha. Ela [a mãe] me falou só que eu não entendia muito bem o que era isso [pausa], a mãe que sabe mais ou menos dessas coisas. (A1)
Eu descobri isso desde pequeno. Não dei bola, só depois. Na hora eu fiquei normal, não sabia o que era. (A3)
Eu sabia o que eu tinha ninguém me contou, eu comecei a vim no hospital eu fui começar a adivinhar [voz trêmula] e fui entender sozinha, o que era [...] eu tinha um ano e a minha mãe já me falava [...] falava que eram uns bichinhos, que tinha que tomar os remédios. (A4)
Achava estranho, eu pensei assim comigo, coisa boa não é. [pausa] eu não entendia o que era bem porque que eu tinha que tomar remédio. (A5)
Começaram a questionar o motivo para ir ao hospital e tomar remédio sempre. Então, a família e/ou os profissionais de saúde explicaram, contando-lhes que tinham uns bichinhos no sangue, um problema difícil de curar, por isso, precisavam de acompanhamento de saúde e medicamento.
Descobriram que se infectaram na infância, porque a mãe tinha o mesmo vírus e que, por vezes, o pai também tinha esse vírus. Alguns adolescentes descobriram, também, que foram adotados, inclusive porque os pais já haviam falecido dessa doença. Quando se infectaram na adolescência, foi por não terem usado proteção nas relações sexuais.
Primeiro contaram para os meus pais depois que contaram para mim. Daí eu descobri que eu tinha o vírus e também que eu era adotada. Eu peguei o vírus da minha mãe verdadeira, que já morreu. (A2)
Eu perguntava quando tomava os remédios e ela [a mãe] respondia que um dia eu iria saber [silêncio] eu fui saber aqui quando vim me tratar o médico de cara já me falou. Ele falou que eu já tinha idade para saber, eu já tinha raciocínio para saber o que eu tinha, porque precisava saber para fazer o tratamento direito, que ia depender de mim. (A6)
A minha irmã foi me contando aos poucos [silêncio] que eu tenho isso aí [silêncio]. Ela explicou que eu peguei do pai e da mãe quando eu era pequena, daí depois eles faleceram [silêncio] por causa dessa doença. (A7)
Depois eu comecei vim no hospital e começaram a me falar o que era. Foi no P.A. [Pronto Atendimento], o pai pegou os exames e foi para casa, chegou chorando e avisou a mãe. O pai disse que eu estava [pausa] com HIV [baixou o boné sobre o rosto] eu nem sabia o que era, depois ele foi me explicando [silêncio]. estava namorando uma guria na internet e rolou sem camisinha e uma semana depois começou a sair umas manchas. (A8)
Queria saber o porquê que eu vinha aqui, daí ela [a mãe] falou para mim. Uma vez eu vi na televisão a doutora [nome da médica] que coordena aqui! Eu já tinha uns quatro anos quando eles me explicaram que eu vinha no hospital fazer acompanhamento com a junta médica daqui da DI [doenças infectocontagiosas] pediátrica. Explicaram que eu tomava o remédio para controlar [pausa] aumentar as defesas, a imunidade como é que estava as plaquetas, os leucócitos, o hemograma completo. (A12)
Compreenderam-se iguais aos outros e expressaram-se como normais. Aceitaram a doença e seguiram a vida como sempre fizeram, divertindo-se, realizando atividades de lazer e praticando esportes.
Consideram que o diferente é ter essa doença e precisar de remédios, então se sentem diferentes em meio aos demais adolescentes. Antes dos remédios, acreditavam que tinham uma vida normal. Não gostam quando os profissionais dizem que é normal ter essa doença.
Sabem que é fundamental tomar o remédio, pois os profissionais de saúde controlam o tratamento pelo resultado dos exames. Fazem de tudo para que não precisem ficar internados.
Sou uma pessoa normal que nem os outros, quer dizer eu sou uma pessoa normal, mas com problema, sabe? Eu sou uma pessoa normal até ali, até me divertir dar risada caminhar, correr [pausa] até aí eu sou normal, mas tipo [silêncio] uma coisa que faz parte de mim queria ser normal, não ter isso sem vir no hospital. Não é normal tomar remédio toda hora. Esses remédios têm que ser controlados, se não os tomo, elas controlam [as médicas] o resultado no sangue [silêncio]. Não me sinto feliz de ter isso. (A5)
Tem pessoas que dizem assim: "Eu não me aceito com o problema", eu estou indo normal sou uma pessoa normal como todo mundo, está tudo normal, estou seguindo a minha vida como sempre fiz. (A9)
Tu tens uma vida normal, tu continuas vivendo, só que para mim não tão assim. Eu tenho nojo é quando os profissionais dizem que é normal. Se tu tens a doença, tu sabes que não é normal aquilo. Porque tu tens que ser diferente! Eu me sinto diferente em meio aos estranhos. Sei que não sou igual. Talvez se eu não tivesse essa doença eu seria uma pessoa normal. (A10)
Eu vivo bem, mas não bem assim. Eu queria ser igual às outras pessoas. Porque eu já tenho que tomar remédio e isso para mim é ruim [silêncio]. Porque eu não esperava ter que tomar o remédio. (A11)
DISCUSSÃO
O adolescente se manifestou como ser-adolescente, que vivenciou a revelação do diagnóstico de HIV. Anunciou-se em seu mundo próprio de existir, pela compreensão que tem do mundo e de si. Relatou que teve oportunidade de ouvir acerca da doença, mesmo sem entender, mas desconfiava pelas frequentes idas ao hospital e soube do diagnóstico antes de alguém lhe contar.
Pautado em suas vivências e pela necessidade de se sentir parte desse mundo, repete o que escutou de outras pessoas e viu nos meios de comunicação, mesmo sem compreender o que estava acontecendo. Assim, o ser-adolescente mostra-se no modo de ser da falação10.
A falação constitui o modo da compreensão cotidiana em que o ser parece ter compreendido tudo, mesmo sem ter se apropriado daquilo de que se fala. As coisas são assim como são, visto que é assim que delas se discorre10. A verdade significa desvelamento, ou seja, lançar luz, ao passo que alguém, que simplesmente aceita e transmite a falação não lança sua própria luz, ele reproduz o que os outros falam e fazem. Não se manifesta como si mesmo, mas, sim, como os outros esperam que seja. O que é falado na falação é inerte e autoritário, uma vez que nos leva, por meio da tranquilidade, a presumir que as coisas se encontram totalmente resolvidas10, arrebatando a possibilidade de vir-a-ser.
O adolescente fala em vários momentos que precisa ir ao hospital e ingerir os medicamentos, pois ele repete o que ouviu dos familiares e dos profissionais de saúde, que lhe explicaram como deveria manter o tratamento. Continua fazendo mesmo sem entender o que está acontecendo, porém, mesmo assim, tenta saber mais sobre o que está sucedendo e busca informações perguntando aos familiares e aos profissionais da saúde. Questiona a relevância de ter que tomar o medicamento e da necessidade de manter acompanhamento contínuo no serviço de saúde. Diante disso, se mantém no modo de ser da curiosidade10.
A curiosidade está sempre atrás das mais recentes novidades. Apresenta uma inquietação diante das mudanças sem se comprometer, apenas se atualiza a partir daquilo que os outros viram e leram. A curiosidade, que nada perde para a falação, oferece ao ser a segurança de uma vida pretensamente autêntica, entretanto, inautêntica. Esses dois modos de ser cotidianos não se manifestam simplesmente um ao lado do outro, em sua tendência de impessoalidade, mas um arrasta consigo o outro. A falação e a curiosidade dão origem ao modo de ser da ambiguidade10.
Ao se compreender normal, como os demais adolescentes, e se sentir diferente por ter o vírus, o ser-adolescente se revela no modo da ambiguidade. Anuncia que vivencia um dia a dia comum à adolescência, mas sabe que possui restrições em virtude do tratamento, se sentindo diferente em meio aos iguais e desejando ser como todos aqueles que não têm essa doença.
A ambiguidade predispõe à pretensa verdade de conhecer aquilo que acontecerá e que ele mesmo fará, quando parecer que tudo está compreendido, quando realmente não o foi. O modo de ser da ambiguidade se mostra tanto nas relações com os outros como consigo10.
O ser-adolescente parece ter apreendido, questionado e compreendido tudo sobre o que tem, sobre como foi à transmissão do vírus e o motivo de realizar o tratamento, quando ainda não entendeu. Revela que aceita o que tem e mantém suas atividades cotidianas, no entanto, expressa que ter o vírus, e precisar realizar o tratamento é o que o torna diferente.
Dessa maneira, o ser-adolescente é absorvido pela convivência e decai na impessoalidade de agir como todos agem no cotidiano, ou seja, não se revela em sua singularidade, como ele mesmo é, mas como todos se mostram. Manter-se na impessoalidade indica o empenho na convivência, sendo conduzida pelos modos de ser da falação, curiosidade e ambiguidade, os quais, conjuntamente, caracterizam o modo de ser predominante da cotidianidade: a decadência, que não traduz nenhuma avaliação negativa, porém sugere como o ser, na maioria das vezes, se mostra no seu cotidiano: de modo impessoal10.
Ao querer ser igual aos outros, o ser-adolescente anuncia como quer ser visto pelos seus pares e demais pessoas de seu contexto: como normal. O mundo do ser é, essencialmente, um mundo público, acessível tanto aos outros quanto a ele próprio10. Em sendo público, transita por aquilo que esperam que ele faça: ir ao hospital e tomar o medicamento para não adoecer. Na maioria das vezes, não consegue se afastar disso, para examinar a si mesmo. Mediante a expectativa pública, o ser-adolescente se mantém preso às suas tarefas cotidianas, como o lazer e o esporte, e às suas obrigações.
O modo de ser da decadência é, em si mesmo, tentador e tranquilizante. Tentador ao permitir que o ser se projete apenas àquilo que é conhecido em seu cotidiano, refutando o que se mostra como novidade ou possibilidade. Essa tranquilidade não acarreta a inércia e a ociosidade, ao contrário, o mantém ocupado. Assim, a decadência move o ser para uma alienação ao encobrir o seu ser mais próprio, fechando as possibilidades do ser-si-mesmo10.
Ao compartilhar um cotidiano mediado pelas relações, o ser-adolescente requer ser como todos são e esperam que ele seja mantendo-se alienado em seu cotidiano. Isso possibilita se acostumar e aceitar o que tem. Tranquiliza-se e segue a vida.
CONCLUSÃO
O ser-adolescente, que vivenciou a revelação do diagnóstico de HIV, se expressa igualmente a todos os adolescentes e age, conforme o que esperam dele. Não se mostra como ele é em sua singularidade e se mantém no modo de ser da impessoalidade. Aprisionado na falação das informações recebidas e repassadas acerca de sua condição sorológica, curioso por saber sobre sua situação de saúde, e ambíguo entre se compreender normal e se sentir diferente.
A vivência do adolescente expressa que a revelação do diagnóstico possibilita o conhecimento ou a confirmação de sua condição sorológica. Assim, os resultados dos estudos assinalam a necessidade da revelação ser compreendida para além de um momento, contudo como um movimento em direção ao anúncio do diagnóstico para o adolescente, seja pela família ou pelo profissional de saúde.
Considerando que em algum momento a família revela o diagnóstico, recomenda-se contemplá-la no acompanhamento de saúde do adolescente, sendo construído no respeito ao tempo e na disposição de cada um, de estar aberto para esse momento da revelação, propriamente dita. Para isso, a família precisa ser encorajada a revelar o diagnóstico com o apoio do profissional, a partir do ser-com o familiar e com o adolescente, ao apresentar os benefícios da revelação.
O ser-adolescente apontou que já sabia do seu diagnóstico mesmo antes de alguém lhe contar. O enfermeiro, juntamente com os demais membros da equipe de saúde, tem a possibilidade de promover o diálogo no cuidado ao adolescente, de modo a possibilitar que ele se mostre como ele mesmo é. Esse cuidado pode ser desenvolvido nas consultas e nos grupos com os adolescentes. Essas estratégias de cuidado, como a consulta e o grupo, oportunizam o profissional enfermeiro de realizar uma aproximação entre o serviço de saúde e o adolescente.
Tal movimento, potencializado pelo enfermeiro, possibilitará um percurso existencial do modo de ser da impessoalidade, para a singularidade de mostrar como si mesmo, ao se descobrir, em meio às suas potencialidades e limites do cotidiano, e, assim, colaborar para a construção da autonomia e o cuidado de si.
REFERÊNCIAS