Volume 19, Número 4, Out/Dez - 2015
PESQUISA
Educação em saúde na sala de espera: cuidados e
ações à criança que vive com HIV/aids
Paula Manoela Batista Poletto
1
Maria da Graça Corso da Motta
2
1 Fundação de Proteção Especial do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS - Brasil
2 Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS - Brasil
Recebido em 05/06/2015
Aprovado em 24/11/2015
Autor correspondente:
Paula Manoela Batista Poletto
E-mail: paulampoletto@gmail.com
RESUMO
OBJETIVO:
Conhecer, sob a ótica da criança que vive com HIV/aids, os cuidados e as
ações de educação em saúde que podem ser desenvolvidos na sala de
espera.
MÉTODOS:
Pesquisa descritiva-exploratória, com abordagem qualitativa, realizada
em ambulatório de atendimento especializado em DST/aids na cidade de
Porto Alegre/RS. Os participantes foram crianças atendidas nesse
serviço de saúde, entre sete e 12 anos de idade, e seus
familiares/cuidadores. Para a coleta das informações utilizou-se o
Método Criativo e Sensível.
RESULTADOS:
A partir da análise temática emergiram os temas para as atividades de
educação em saúde, neste artigo foram abordados os seguintes temas:
sala de espera, autocuidado, saúde na escola e representações de
saúde.
CONCLUSÕES:
A sala de espera configura-se um espaço que pode proporcionar momento de
espera aprazível e produtivo com a inserção de atividades para
desenvolver educação em saúde, com ênfase no lúdico.
Palavras-chave: Criança; Enfermagem pediátrica; HIV.
INTRODUÇÃO
A infecção por HIV nas crianças deve-se à expansão da epidemia entre as mulheres, entretanto, a partir dos medicamentos antirretrovirais amplia-se a perspectiva de vida, o que possibilita à criança vivenciar o adolescer. A partir dessa ampliação passa a ser exigido preparo das pessoas envolvidas no cuidado e na educação das crianças que vivem com HIV/aids, a fim de atender as demandas relativas à adesão aos medicamentos, sexualidade, entre outras situações relacionadas a essa etapa da vida1.
Há a necessidade de se buscar outros caminhos para cuidar, tentando compreender, a partir do próprio olhar da criança, como é a vivência com a aids e o envolvimento com a terapia antirretroviral (TARV), no intuito de que os relatos possibilitem uma visão direcionada as suas necessidades, possibilitando pensar e repensar estratégias para proporcionar uma vida com qualidade2. É importante desenvolver estudos sobre essa temática em diversos cenários, considerando-se a especificidade da faixa etária estudada e a complexidade das situações que a infecção desencadeia na vida das pessoas3.
Nessa perspectiva, tem-se o brincar como importante forma de intervenção em saúde junto à criança, contribuindo para vários setores do desenvolvimento infantil4. O profissional de saúde, ao desenvolver ações de educação em saúde, utilizando o lúdico, favorece o acolhimento da população pediátrica no serviço de saúde, pois esse elemento faz parte do viver das crianças, sendo ponte entre o seu mundo interno e o externo, e essencial para a compreensão de si e do outro5.
As crianças com HIV/aids e seus familiares/cuidadores passam longos períodos nos espaços destinados à espera da consulta ou do atendimento. As salas de espera dos serviços especializados em DST/aids, portanto, são um espaço possibilitador do diálogo entre a equipe de saúde e o usuário, permitindo que o momento de espera pela consulta possa ser utilizado como estratégia de cuidado para promover educação em saúde, aumentar a adesão à terapêutica e auxiliar a busca pela qualidade de vida dos usuários. As atividades desenvolvidas contam com a participação da equipe de saúde, das organizações da sociedade civil e dos usuários do próprio serviço, e devem estar inseridas ao amplo conjunto daquelas oferecidas pelo serviço6.
A equipe multidisciplinar e, em especial a enfermagem, desempenham importante papel nas ações educativas, na identificação de problemas potenciais de adesão à terapia antirretroviral e nas propostas de intervenção, com o propósito de aprimorar a prática do cuidar e a adesão à terapia antirretroviral de crianças e adolescentes7.
Assim, esta pesquisa tem como pressuposto o cuidado centrado nas particularidades da infância sob a ótica da criança que vive com aids, para além da terapia antirretroviral, acolhendo o lúdico como parte do mundo da criança e da família. Considerando-se que a equipe de saúde pode desenvolver o cuidado em sua integralidade em diferentes contextos. Propõe-se, nesta pesquisa, o desenvolvimento desse cuidado no ambiente da sala de espera.
A pesquisa teve como objetivo: conhecer, sob a ótica da criança que vive com HIV/aids, os cuidados e as ações de educação em saúde que podem ser desenvolvidos na sala de espera.
MÉTODOS
Trata-se de pesquisa de cunho descritiva-exploratória, com abordagem qualitativa, considerando-se que a pesquisa qualitativa é baseada no conhecimento e na experiência de vida real das pessoas que vivenciam o fenômeno. Essa estratégia metodológica é utilizada com frequência para elucidar questões pertinentes à prática de cuidado em enfermagem. A abordagem qualitativa descritiva é empregada pelos pesquisadores para descrever dimensões, variações e significados dos fenômenos em estudo. E no âmbito da pesquisa qualitativa exploratória, busca-se desvendar as maneiras como um fenômeno se manifesta8.
Os participantes da pesquisa foram as crianças atendidas no serviço de saúde especializado em DST/aids. A seleção dos participantes ocorreu por convite, a partir da indicação da equipe de saúde. As crianças que aceitaram participar, com o consentimento dos familiares/cuidadores, fizeram parte das atividades de sala de espera durante o período de coleta de informações, perfazendo oito crianças.
Os critérios de inclusão na pesquisa foram: crianças que vivem com HIV/aids, em acompanhamento no serviço de saúde; crianças na faixa etária de sete a 12 anos de idade, pois as crianças com idade maior ou igual a sete anos possuem habilidades para comunicação verbal e conseguem compreender e expressar seus sentimentos oralmente9. E teve como critério de exclusão; crianças com déficit cognitivo ou transtorno emocional que impossibilitasse a participação ou atividade em grupo. As crianças foram incluídas na pesquisa, independente do conhecimento que possuíam sobre o diagnóstico de aids, pois, nesta pesquisa, não se pretendeu discutir a revelação do diagnóstico.
A pesquisa foi realizada no ambulatório de atendimento especializado em DST/aids, no Grupo de Atenção a Aids Pediátrica (GAAP) do ambulatório pediátrico do Hospital da Criança Conceição/Grupo Hospitalar Conceição (HCC/GHC), na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil.
Para a coleta das informações utilizou-se como estratégia o Método Criativo e Sensível Este método visa à construção coletiva de conhecimento, caracterizando-se pela valorização da singularidade de cada participante do grupo e pela coletivização das experiências10.
A atividade em sala de espera foi desenvolvida por meio da Dinâmica Livre para Criar, na qual consiste em oferecer materiais lúdicos diversos, possibilitando a criação artística livre para produção dos dados qualitativos, a fim de responder as questões geradoras do debate1. Nesta pesquisa foram oferecidas as crianças lápis de cor, caneta hidrocor, giz de cera e cartolina. Assim, a produção das crianças consistiu em desenhos e frases ou apenas desenhos.
As dinâmicas aconteceram na sala de espera, enquanto as crianças aguardavam pela consulta. A partir da questão de pesquisa: "Quais são os cuidados e as ações de educação em saúde que podem ser desenvolvidas na sala de espera, sob a ótica da criança que vive com HIV/aids?", optou-se por lançar questões mais abrangentes para as crianças em relação ao seu modo de viver: "ter saúde é..." ou "ser saudável é...". Assim, ao se desenvolver o Método Criativo Sensível surgiram, pela iniciativa das crianças, temas relacionados à saúde de forma ampla e geral, entre os quais: facilidades e dificuldades de uso contínuo de medicação, higiene, alimentação, dúvidas em relação aos cuidados de saúde, escola e lazer.
Os recortes dos relatos das crianças que são apresentados nos resultados deste artigo são oriundos da apresentação das crianças de suas produções durante a Dinâmica livre para Criar. A duração da dinâmica foi de, aproximadamente, 50 minutos e, a atividade foi interrompida quando a criança era chamada para a consulta e retomada com o seu retorno à sala de espera, enquanto as demais crianças seguiam sua produção. As atividades foram gravadas em áudio e ocorreram no segundo semestre do ano de 2014, conforme a agenda de atendimento do serviço de saúde. Todas as crianças que estavam na sala de espera integraram a atividade, entretanto só foram utilizadas as informações das crianças participantes da pesquisa, diante da assinatura do Termo de Consentimento Livre Esclarecido pelo familiar/cuidador e Termo de Assentimento pela criança. Ao término das dinâmicas fizeram-se os registros no diário de campo, com o objetivo de anotar as observações importantes para a pesquisa.
As informações coletadas por gravação em áudio, ao longo das dinâmicas com as crianças, foram transcritas e, após, interpretadas pela análise temática. A análise temática auxilia na compreensão das informações coletadas, ampliando, dessa forma, o conhecimento sobre o tema pesquisado5.
Considerando que um dos critérios de inclusão das crianças participantes, nesta pesquisa, era ter entre sete e 12 anos de idade, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, além da autorização do responsável/cuidador, contou com o Termo de Assentimento da criança, ambos assinados pelos participantes e pelo pesquisador, em duas vias, ficando uma via com os participantes e outra com o pesquisador (Resolução n° 466/12), garantindo-lhes a identidade preservada, respeitando-se a participação voluntária, a liberdade de retirar seu consentimento e/ou assentimento a qualquer momento sem qualquer prejuízo pessoal, além da manutenção da assistência recebida pela instituição11. As crianças receberam uma codificação, como por exemplo, C1, C2, C3 sucessivamente até C8, sendo o número atribuído à ordem de inserção da criança na pesquisa.
A pesquisa obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (CAAE: 25944014.4.0000.5347) e ao Comitê de Ética em Pesquisa do Grupo Hospitalar Conceição (CEP-GHC) (CAAE: 25944014.4.3001.5530).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Considerando o objetivo da pesquisa: conhecer, sob a ótica da criança que vive com HIV/aids, os cuidados e as ações de educação em saúde que podem ser desenvolvidos na sala de espera. Assim, a partir da análise temática emergiram os temas de cuidado e ações para as atividades de educação em saúde. Neste artigo serão abordados os seguintes temas: sala de espera, autocuidado, saúde na escola e representações de saúde.
Sala de espera
A sala de espera pode ser mais explorada pelos profissionais nas práticas de educação em saúde, porque esse espaço tem a possibilidade de ser ampliado para além de um lugar de espera12. As salas de espera dos serviços de saúde são ambientes favoráveis para desenvolver atividades de educação em saúde com as crianças, utilizando o lúdico como estratégia e, melhor ainda, quando for possível envolver os familiares/cuidadores e os profissionais de saúde nas atividades13.
A necessidade de frequentes visitas ao serviço de saúde interfere na rotina diária, por vezes, dificultando a adesão ao tratamento das crianças que vivem com aids7. Há relatos de crianças e seus acompanhantes de que se sentem mais motivados para ir ao serviço de saúde, quando se desenvolvem atividades lúdicas na sala de espera14. Nessa perspectiva, quando a espera é ociosa, esse momento se torna um fator desmotivante. A seguir, as crianças relatam suas percepções sobre o momento da espera:
Eu acho ruim (ficar esperando pela consulta) (C8).
Às vezes, enche o saco de ficar esperando aqui, não tem nada para fazer. No dentista tem uma salinha separada para jogos, mas assim aqui eu nunca vi (C4).
Em ensaio clínico randomizado, verificou-se a influência das atividades lúdicas realizadas durante o pré-operatório sobre a ansiedade de crianças, concluindo que as crianças que participaram de atividades lúdicas na sala de recreação diminuíram a sua ansiedade em comparação àquelas que somente ficaram na sala de espera por, pelo menos, 15 minutos15.
O lúdico em sala de espera ambulatorial, além de valorizar o processo de desenvolvimento da criança, é uma estratégia para a promoção de saúde, pois melhora a comunicação e a interação com os profissionais da saúde16. As crianças, ao relatarem sua participação nas atividades em sala de espera desta pesquisa, mostram que esse ambiente é pouco explorado nos serviços de saúde:
Não (participei de atividade em sala de espera) (C1).
Não (participei de atividade em sala de espera) (C2).
Em estudo sobre o brincar em sala de espera de um ambulatório infantil, sob a ótica dos profissionais de saúde, percebeu-se que mesmo os profissionais reconhecendo as vantagens do uso do brinquedo, muitos afirmaram que não o utilizam com frequência com as crianças16. Faz-se necessário que a formação profissional inclua princípios humanísticos para estimular a criatividade e a adoção de estratégias lúdicas na assistência da criança, compreendendo essa atividade como parte inerente do cuidado à saúde dessa população16.
Nos momentos de descontração mediados pelo lúdico, os profissionais têm a possibilidade de interagir e conhecer a criança em um espaço que lhe é próprio. A linguagem do brincar propicia à criança a expressão de seus pensamentos, desejos e anseios, e, assim, passa a ser compreendida pelos profissionais como ator importante no processo do cuidado. Os conhecimentos adquiridos pelos profissionais de saúde sobre a criança podem ser utilizados como ferramentas para construir estratégias de cuidado13. Percebe-se a necessidade de ações de saúde que ultrapassem a terapêutica, sendo imprescindível ter como foco as etapas do crescimento e desenvolvimento5.No relato a seguir, a criança demonstra interesse em saber se o pesquisador, costumeiramente, realiza atividades em sala de espera:
Faz sempre isso? (Se o pesquisador sempre realiza a atividade em sala de espera) (C2).
Dessa forma, aponta-se, aqui, que a própria sala de espera pode ser tema para as atividades desenvolvidas nesse local, pois possibilita à criança expressar os sentimentos gerados no decurso do momento que aguarda a consulta e suas expectativas em relação a esse ambiente.
Autocuidado
Para a melhoria da qualidade de vida da criança em condição crônica e de sua família, é necessário entender a singularidade dos significados que a doença assume na vida de cada criança e sua família17. Ressalta-se a importância de uma equipe multidisciplinar capacitada para atender às demandas de saúde específicas dessa população, promovendo a autonomia do cuidado de si, de modo gradativo e não impositivo18. A seguir, as crianças descrevem atividades da vida diária comuns a todas as crianças, independente do diagnóstico de aids ou de qualquer outra doença crônica:
Sim. (escovei os dentes). [...] Cuidar dos dentes. [...] Três (vezes escovo os dentes em um dia) (C5).
Escovar bem os dentes. [...] Eu escovo de manhã e antes de dormir (C4).
Eu não escovo no lanche da tarde. [...] Não (passo fio dental) (C6).
Tomar banho. [...] Jantar. [...] Colocar o pijama. [...] Escovar os dentes (antes de dormir) (C8).
A compreensão do processo de cuidar por meio da educação em saúde, diante do uso do brinquedo e estímulo à participação da criança no seu próprio cuidado, são estratégias que podem auxiliá-la a desenvolver a autonomia para o autocuidado17. Nos relatos anteriores, as crianças descrevem seus hábitos de higiene oral e, a seguir, falam de seus hábitos de higiene corporal, demonstrando que caminham em um processo para a autonomia de cuidar de si, pois não relatam receber auxílio para realizar essas atividades:
Todo dia (tomo banho) (C3).
Eu tomo (banho) todo o dia. [...] Toma banho de verdade (não "faço de conta" que tomo). [...] Tem que se enxaguar, lavar a cabeça, lavar o corpo (C4).
Há necessidade de que toda a equipe de saúde reflita sobre o modo singular que as crianças em condição crônica veem sua doença e suas repercussões, buscando identificar, por meio da escuta atentiva e da interação dialógica, a capacidade de entendimento de uma criança de acordo com sua faixa etária, a fim de produzir um cuidar mais empático que atenda às necessidades relacionadas a sua fase de crescimento e desenvolvimento17. Na mesma perspectiva de dar voz às crianças para exporem suas percepções, alguns autores afirmam que crianças que percebem um ambiente familiar no qual se sentem apoiadas e existe maior envolvimento e maior liberdade para expressar o que sentem, são mais normativas em termos de classe de peso19. A seguir, as crianças apresentam suas percepções, relacionando saúde e hábitos alimentares.
Cuidar da alimentação (C5).
Tomar bastante água. [...] Eu fiz aqui comer bem. [...] Comer verdura, arroz, feijão, carne, cenoura e uma sobremesa (C4).
Destaca-se que o familiar/cuidador revela-se um ser de preocupação, que assume a responsabilidade de preservar a vida da criança, desdobrando-se em ações de cuidado para a manutenção da vida5.Assim, o cuidado da família em relação à alimentação parece não estar apenas relacionado ao preparo e escolha dos alimentos, mas também associado às relações familiares e à possibilidade de expressão da criança no ambiente familiar. Os autores consideram que além dos antecedentes de excesso de peso na família, relacionado à predisposição hereditária, o ambiente familiar onde a criança cresce poderá, ou não, potencializar o desenvolvimento de hábitos alimentares pouco saudáveis, e a resposta aos estímulos dos alimentos será influenciado por questões afetivas e relacionais19.
Em contrapartida aos relatos anteriores que apresentavam cuidados com a saúde alimentar, os próximos relatos abordam preocupações que as crianças constroem sobre a necessidade de seus familiares desenvolverem hábitos também saudáveis. A maior interação familiar relaciona-se, positivamente, com um estilo de alimentação mais saudável e a comportamentos que remetem a uma ingestão mais controlada, indicando a importância das relações familiares no desenvolvimento de um peso saudável. Um ambiente caracterizado pela proximidade relacional, apoio mútuo e capaz de proporcionar à criança a livre expressão de sentimentos, será facilitador de um desenvolvimento físico e psicológico mais salutar19. No primeiro relato, a seguir, a criança fala sobre os hábitos não saudáveis de seu irmão; no segundo relato, a criança considera que ser saudável é ter baixo consumo de açúcares, pois sua mãe tem restrição de consumo de glicose e a criança a auxilia no controle glicêmico:
É meu irmão e que ele fuma maconha e bebe. [...] Parar de fumar e beber e começar a comer mais fruta, tomar menos suco, essas coisas (para o meu irmão ficar saudável). [...] Minha vó faz essas coisas (alimentação saudável) para mim (C2).
Comer alimentos saudáveis, só isso. [...] Comer verduras faz bem para saúde, comer frutas faz bem para a saúde, comer arroz e feijão faz bem para a saúde, não comer doce faz bem para a saúde e não tomar muito suco. [...] Todos (os tipos de suco por causa do açúcar) (C1).
O relato anterior demonstra que a família cuidadora também desenvolve na criança, além do cuidado de si, o cuidado aos seus membros, principalmente, àqueles do núcleo familiar. A família constitui elemento central do cuidado por ser o lugar de crescimento e desenvolvimen to de seus entes, além de ser responsável por produzir e gerenciar o cuidado cotidiano a cada um de seus membros. Isto ocorre a partir de um referencial de cuidar que vai sendo construído ao longo da vida familiar e a partir de interações com pessoas significantes20. O contexto familiar é um lugar de partilha de afetos, cuidados e padrões culturais, assim:
[...] essa dinâmica assenta-se em processos relacionais, como a proximidade, o suporte emocional, o apoio mútuo, a promoção da autonomia, da capacidade de pensar e de ex pressar as emoções. [...] podemos ser levados a dizer que comer poderá ser para a criança, por um lado, a forma que encontra para se estruturar numa família que sente vazia de afetos, [...] e, por outro, uma forma de usar o corpo como proteção de um ambiente familiar disfuncional19:50.
Nos relatos a seguir, os participantes revelam hábitos alimentares restritivos, o que limita a ingestão de alimentos importantes para o seu crescimento. E ao se analisar essas falas sob a ótica das considerações dos autores mencionados, anteriormente, esses hábitos relacionam-se à carência de relações familiares importantes também para o seu desenvolvimento social.
Tomo leite (de café da manhã). [...] Eu não gosto de comer salada (C7).
É bom (comer fruta). Banana (é a fruta que mais gosto). Nenhuma (verdura eu gosto). [...] Nescau com banana (de café da manhã). [...] Eu gosto de uma outra coisa também, de calda. Calda de chocolate de bolo (C8).
Ao oportunizar a criança a oportunidade de expressar suas percepções surgiu outro tema que pode ser abordado em atividade em sala de espera: o Autocuidado.
Saúde na escola
O modo com que a criança lida com sua doença, suas marcas e consequências, vão refletir em todos os campos de sua vida. A família e a escola se configuram como os principais locais de sociabilidade, e para crianças que vivem com doenças são os primeiros locais, onde os recursos para se lidar com a doença começam a ser construídos e/ou elaborados4. A escola é um espaço privilegiado para práticas de promoção de saúde e de prevenção de agravos à saúde e de doenças:
O Programa Saúde na Escola (PSE) vem contribuir para o fortalecimento de ações na perspectiva do desenvolvimento integral e proporcionar à comunidade escolar a participação em programas e projetos que articulem saúde e educação, para o enfrentamento das vulnerabilidades que comprometem o pleno desenvolvimento de crianças, adolescentes e jovens brasileiros. Essa iniciativa reconhece e acolhe as ações de integração entre saúde e educação já existentes e que têm impactado positivamente na qualidade de vida dos educandos21:6.
Essa estratégia tem contribuído para incentivar os professores a desenvolverem e a implementarem ações locais nas escolas, em um processo compartilhado e construído coletivamente. A promoção da educação em saúde, no meio escolar, é um processo em permanente desenvolvimento22. No relato a seguir, a criança considera que a escola também é um ambiente para aprender sobre saúde:
Sim, (aprendo sobre saúde na escola) na aula de ciências (C5).
Esses processos devem ser capazes de contribuir para a aquisição de competências das crianças, permitindo-lhes confrontar-se, positivamente, consigo mesmas, construir um projeto de vida e serem capazes de fazer escolhas individuais, conscientes e responsáveis22. Nas escolas, o trabalho de promoção da saúde com os educandos, e, também, com professores e funcionários, precisa ter como ponto de partida "o que eles sabem" e "o que eles podem fazer"21. A promoção da educação em saúde na escola tem, também, a missão de criar ambientes facilitadores dessas escolhas e estimular o espírito crítico para o exercício da cidadania22.
A inserção de atividades de educação em saúde na escola pode ser ferramenta transformadora para promover o diálogo e a reflexão crítica sobre o estigma da aids, a fim de inserir os indivíduos, integralmente, na comunidade em que vivem, minimizando a discriminação e o preconceito18. É preciso, portanto, desenvolver em cada um a capacidade de interpretar o cotidiano e atuar de modo a incorporar atitudes e/ou comportamentos adequados para a melhoria da qualidade de vida21. Os profissionais de saúde e de educação devem assumir uma atitude permanente de empoderamento dos princípios básicos de promoção da saúde por parte dos educandos, professores e funcionários das escolas21. A escola é um espaço em que a criança, além de aprender as habilidades cognitivas, desenvolve e estabelece elos sociais diversos23. E as crianças participantes, desta pesquisa, reconhecem o ambiente escolar como espaço de socialização importante para o seu desenvolvimento:
Aham (ir na escola é importante para a saúde). [...] Tem para saber, para aprender a escrever para trabalhar (C4).
(Ir na escola é importante para a saúde para) brincar, estudar. [...] Brincar (é o que gosto de fazer no intervalo da escola). [...] Eu como também (C8).
O ambiente escolar apresenta-se como outro possível tema para as ações de educação em saúde na sala de espera.
Representações de saúde
Encarar com seriedade a produção das crianças significa considerá-las pessoas de direito e de fato4. Assim, apresentam-se os relatos das crianças a respeito do que consideram ser saudável e ter saúde, que foge ao campo das questões clínicas, mas relaciona-se intrinsecamente a uma perspectiva de saúde ampliada. As crianças abordam assuntos variados para exemplificaram o que para elas é "ter saúde" ou "ser saudável":
Cuidar do meio ambiente. [...] Estudar (C5).
Eu fiz aqui ver TV. [...] Porque eu adoro ver TV e, às vezes, eu vejo programa de notícia do que aconteceu pelo mundo (C4).
Um livro (C3).
A saúde deve ser entendida de forma mais ampla e incluir, desde cuidados essenciais para manter a vida até aqueles relacionados a sua qualidade, o que abarca o âmbito das interações afetivas20. O cotidiano da criança que vive com HIV/aids está repleto de situações que promovem seu crescimento e desenvolvimento, por exemplo, as brincadeiras de sua preferência3. Aqui, as crianças apontam as atividades que as divertem:
Esse desenho aqui é a minha irmãzinha. [...] Eu vou ter (uma irmã). Ela não nasceu ainda. [...] (Eu desenhei a) caminha da mana. [...] (Aqui) é eu com a mana (C4).
Desenhei um jogo de basquete. [...] Só na escola (jogo basquete). Amigos (são os jogadores do desenho que receberam nomes). [...] Brincar (é ter saúde). [...] Esse é basquete e esse é futebol (C8).
Isso aqui é a touca (do menino com bola de futebol no pé). [...] Sim (jogo futebol). [...] Eu luto jiu-jitsu. [...] Tem (saúde as pessoas que lutam jiu-jitsu). [...] Quem sorri (tem mais saúde do que quem não sorri) (C6).
O enfermeiro tem como tarefa implantar e prover meios para que o brinquedo seja incorporado ao cuidado, em respeito à criança e sua família que necessitam de cuidados de saúde, para que a criança possa manter o seu crescimento e desenvolvimento de forma sadia, revertendo às experiências do adoecer em benefícios para seu amadurecimento24. A equipe de saúde ao valorizar o brincar, as crenças e os desejos das crianças como modos de ser que influenciam, diretamente, seu crescimento e desenvolvimento plenos. Assim, é importante proporcionar à criança e seus cuidadores um espaço dialógico em que possam discutir as questões que envolvem o processo saúde/doença em suas dimensões sociais e existenciais3.
Assim, abrem-se possibilidades para as ações de educação em saúde, como se mostrou aqui, em outro tema para as atividades de educação em saúde em sala de espera - as representações de saúde das crianças.
CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA
Considerando-se as características de cronicidade da aids e, consequentemente, a implicação de frequentar inúmeras vezes o serviço de saúde, é imprescindível que o profissional de saúde aproveite todas as oportunidades de contato com a criança e seu familiar/cuidador para prevenir as comorbidades e promover saúde.
Portanto, o ambiente da sala de espera possibilita um ótimo momento para a educação em saúde com ênfase no lúdico. Além da possibilidade de promoção e prevenção de saúde, a presença das atividades em sala de espera, tornam o serviço de saúde acolhedor tanto para as crianças que vivem com aids quanto para seus familiares/cuidadores, motivando esse binômio a frequentar o serviço de saúde e diminuindo a ansiedade gerada pela espera do atendimento.
A atividade lúdica em sala de espera, no ambiente da sala de espera, melhora e propicia a interação entre os profissionais de saúde e a criança que vive com aids, além de possibilitar ao profissional dar voz à criança e, assim, conhecê-la, gerando mais subsídios para planos terapêuticos singulares. Para que a educação em saúde aconteça nesse ambiente é indispensável ultrapassar as barreiras impeditivas, criando um ambiente que contemple: espaço físico adequado e lúdico, disponibilidade de um profissional para conduzir as atividades, equipe profissional de saúde aberta ao lúdico, estratégias acolhedoras para a criança, a fim de diminuir ou evitar a inibição para participar das atividades.
A partir das possibilidades de temas para o cuidado e ações de educação em saúde que emergiram ao se dar voz às crianças, reforça-se a necessidade de abordar, com a criança, os temas que são comuns ao cuidado à saúde da criança com doença com características crônicas. Desse modo, faz-se necessário que na sala de espera haja um profissional da saúde para conduzir as ações de educação em saúde. Nessa perspectiva, identifica-se o enfermeiro em equipe multidisciplinar como profissional habilitado para exercer essa função, devido sua formação e qualificação para educação em saúde. A atividade em sala de espera aproxima o enfermeiro da criança e sua família, possibilitando a expressão de sentimentos, pensamentos e emoções que se constituem fatores imprescindíveis na relação cuidado-cuidador. Assim, criando vínculo para que crianças e famílias sintam-se apoiadas e confiantes para discutir, abertamente, o plano terapêutico livre de possíveis julgamentos.
Ainda na perspectiva dos recursos, têm-se as Dinâmicas de Criatividade e Sensibilidade, também, como recurso para as atividades de educação em saúde na sala de espera, favorecendo a expressão individual de cada criança e a construção coletiva de um conhecimento acessível à linguagem infantil que é produzido na troca de saberes das crianças com o profissional da saúde. Destaca-se que todos os participantes foram unânimes em expressar sentimentos de contentamento pela atividade de educação em saúde, enquanto aguardavam a consulta, reforçando que além sala de espera constituir-se em local de pesquisa, sobretudo é um espaço para intervenções de saúde, pois as atividades têm ação transformadora no ambiente do serviço de saúde.
Faz-se necessário refletir sobre a sala de espera como pano de fundo para educação em saúde, porque esse ambiente pode se constituir em rede de apoio para as crianças que vivem com aids, permitindo que essas crianças possam escrever suas próprias histórias e uma forma de cuidado singular as suas necessidades ao ser dada voz às suas experiências, valorizando a necessidade de expressarem-se por meio do lúdico.
Recomenda-se no âmbito da pesquisa: o desenvolvimento de investigações sobre a sala de espera como espaço de educação em saúde às crianças que vivem com doenças de características crônicas e, ainda melhor, tendo as crianças como porta-vozes de suas experiências. No âmbito da integração da universidade com o serviço de saúde; a implementação de atividades de extensão: da prática de educação em saúde em sala de espera para crianças e, em especial, com doenças crônicas, articulando ensino e cuidado em pediatria.
REFERÊNCIAS