Volume 19, Número 4, Out/Dez - 2015
PESQUISA
Manutenção da lactação de recém-nascido pré-termo: rotina
assistencial, relação mãe-filho e apoio
Caroline Sissy Tronco
1
Stela Maris de Mello Padoin
2
Cristiane Cardoso de Paula
2
Andressa Peripolli Rodrigues
3
Eliane Tatsch Neves
2
Angela Regina Maciel Weinmann
2
1 Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS, Brasil
2 Universidade Federal de Santa Maria. Santa Maria, RS, Brasil
3 Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, CE, Brasil
Recebido em 09/07/2015
Aprovado em 16/12/2015
Autor correspondente:
Stela Maris de Mello Padoin
E-mail:
stelamaris_padoin@hotmail.com
RESUMO
OBJETIVO:
Compreender a vivência da mãe de recém-nascido pré-termo internado na Unidade de
Terapia Intensiva Neonatal diante da manutenção da lactação.
MÉTODOS:
Estudo de abordagem fenomenológica, de natureza qualitativa, pautado no
referencial teórico-filosófico-metodológico de Martin Heidegger. Desenvolvido com
sete mães, mediante entrevista fenomenológica, no período de dezembro de 2010 a
maio de 2011.
RESULTADOS:
A mãe se ocupa com a manutenção da lactação, teme pela saúde do filho e pelo leite
secar. Mostra-se como ser de relação quando coloca o filho no peito. Ocupa-se com
a dupla rotina do lar e da hospitalização.
CONCLUSÃO:
Amamentar o filho no peito, na unidade neonatal, potencializa o vínculo e
possibilita que a mãe saia do modo da ocupação mantendo a lactação para
estabelecer sua relação com o filho.
Palavras-chave: Mães; Prematuro; Unidades de Terapia Intensiva Neonatal; Hospitalização; Enfermagem.
INTRODUÇÃO
O nascimento prematuro é considerado fator de risco para a mortalidade neonatal, uma vez que os recém-nascidos pré-termo (RNPT) apresentam um risco de morte, aproximadamente, 50 vezes superior ao dos que nascem a termo1. A predição do parto prematuro é associada a alguns fatores de risco demográficos e obstétricos, tais como idade materna, nível socioeconômico, antecedente de prematuridade, estatura materna, gemelaridade, sangramento vaginal no segundo trimestre, amadurecimento cervical e aumento da atividade uterina antes da 29ª semana gestacional2.
Os RNPT são aqueles que nascem com menos de 37 semanas completas de gestação. A prematuridade é classificada em duas categorias: espontânea (consequência do trabalho de parto espontâneo ou rotura prematura de membranas) e eletiva (indicação clínica), sendo que esta última representa 20 a 30% dos partos prematuros2.
A internação hospitalar dos RNPT acontece pela dificuldade de adaptação à vida extrauterina, decorrente da imaturidade anátomo-fisiológica e do processo de diagnóstico e terapêutico. Esta ocorre inevitavelmente em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) para atender às demandas clínicas e deve focalizar a atenção à tríade mãe/filho/família3. A família, especialmente a mãe, terá de passar a acompanhar seu filho na UTIN, ambiente de tecnologia avançada que costuma causar impacto e medo4.
Para as mães, o nascimento de um filho prematuro representa a quebra do simbolismo social da maternidade como ato soberano. Assim, a hospitalização do filho na UTIN exige da mulher o afastamento do convívio familiar e a submissão a uma rotinização hospitalar estressante, com constatação diária de procedimentos dolorosos e invasivos que compõem a assistência ao neonato e, durante todo esse processo, os sentimentos de medo, insegurança, e incerteza quanto à sobrevivência do filho5.
Na condição de acompanhante, a mãe é submetida à rotina hospitalar, que inclui, com grande frequência, as circunstâncias de indicação clínica do bebê não ser amamentado. Isso implica a necessidade de manutenção da lactação6, o que exige dos profissionais de saúde acolher a família, incentivar o vínculo mãe-bebê, desenvolver ações educativas para o inicio precoce da ordenha mamária, além de atentar para os sentimentos negativos que a mãe pode apresentar6.
Na UTIN, o papel desempenhado pela mãe passa a ser o de prover o alimento para seu filho, uma vez que a preocupação com a alimentação desses bebês pode ser prioridade para a equipe de saúde7. Por outro lado, o desejo de recuperação do filho e de estar junto dele faz com que ela busque estratégias para enfrentar a prematuridade e a internação8, tentando restabelecer o vínculo e desenvolver habilidades nos cuidados específicos ao RNPT, necessárias ao seguimento domiciliar3,9,10.
A retomada dessa relação mãe-filho que, muitas vezes, torna-se prejudicada devido à internação, que compromete o vínculo e a afetividade entre ambos11, pode ser restabelecida por meio da manutenção da lactação. Assim, além de ser garantida uma alimentação adequada ao RNPT, a mãe passa a ser incluída no cuidado ao seu filho6.
Dessa forma, o apoio à mãe para a sua participação nos cuidados diretos ao RNPT, incluindo sua alimentação, deve ser uma das prioridades nos serviços de neonatologia. A equipe assume atribuições e responsabilidades com o intuito de avaliar, entender e apoiar o recém-nascido, mãe e família durante esse período12.
Diante disso, tem-se a necessidade de atentar nas mães que tem seus filhos internados na UTIN. Assim, o objetivo foi compreender a vivência da mãe do RNPT internado na UTIN diante do cuidado da lactação.
REVISÃO DE LITERATURA
O nascimento de um RNPT é cercado de incertezas apor causa da necessidade de internação na UTIN e a separação inesperada entre pais e filho. Esse afastamento poderá causar danos tanto para o recém-nascido quanto para os pais, modificando a relação iniciada durante a gestação. O contato inicial mãe-filho, prejudicado pela internação na UTIN, pode influenciar negativamente a construção da relação entre eles e do ambiente familiar, causando aumento do estresse na família e prejuízo no estabelecimento do vínculo entre mãe/família e a criança12.
No cotidiano de cuidado na UTIN, percebe-se que a relação do profissional com o outro é por vezes permeada por um cuidado objetivo, uma vez que se constitui em um ambiente terapêutico de alta complexidade. Além da tecnologia de ponta e equipamentos diversificados, essa unidade conta com profissionais altamente qualificados e protocolos específicos para a assistência aos recém-nascidos13.
Dessa forma, o relacionamento das mães com os profissionais torna-se mais distante e, em muitos momentos, eles se deixam guiar pela situação, eximindo-se de mediar a relação mãe-bebê, priorizando o desenvolvimento da tecnologia médica, as questões burocráticas e administrativas das instituições. Essa atuação acaba deixando à margem o foco de assistência, que é o cuidado humano.
Diante disso, faz-se necessário um cuidado humanístico que venha ao encontro das necessidades do bebê e sua família, que se baseie na relação estabelecida entre os profissionais de enfermagem e a família do RNPT, mediado pelo diálogo vivido, no qual cada um sente a disponibilidade, a proximidade e a compreensão um do outro. Para isso, é importante a compreensão do significado das experiências do outro, estando o profissional disposto a ir além da competência técnica e do domínio biológico14.
Nesse sentido, os profissionais estabelecem uma relação propiciando reduzir o medo do ambiente desconhecido, oferecendo apoio e estimulando o contato precoce dos pais com seu filho. Os esclarecimentos sobre o que pode ser realizado com e para o bebê pode propiciar uma melhor recuperação dele, e, principalmente, favorecer a interação entre o RNPT e sua família.
Nesse contexto, vê-se a necessidade de ampliar estudos que concebam o modo de ser das mães desses recém-nascidos, passando a considerar suas vivências, totalidade e singularidades, com seus entrelaçamentos existenciais, incorporando sua historia de vida a fim de que o cuidado na UTIN atente para o recém-nascido e sua família de forma integral, aliando a técnica ao cuidado humanizado.
A inclusão da família nos cuidados durante a internação facilita a comunicação e fortalece a relação estabelecida entre eles. Da mesma forma, contribui para que os familiares possam cuidar de seus filhos após a alta hospitalar10.
MÉTODOS
Estudo de natureza qualitativa, com abordagem fenomenológica e referencial teórico-metodológico de Martin Heidegger15. Essa abordagem busca desvelar, no objeto de estudo, a maneira como ele é em si mesmo, ou seja, como é a vivência das mães diante da manutenção da lactação por meio do seu significado. Para tanto, suspende-se o conhecimento factual (o que já se sabe sobre o objeto de estudo) em busca da compreensão existencial desse objeto.
A coleta dos dados ocorreu no período de dezembro de 2010 a maio de 2011 em um hospital universitário localizado na região centro-oeste do Rio Grande do Sul. O cenário da pesquisa foi a UTIN, que possui leitos de alto e médio risco e de isolamento, referência para o recém-nascido de risco da referida região.
Os sujeitos do estudo foram mães dos RNPT internados na UTIN, que estavam em manutenção da lactação. Excluíram-se as mães que fizeram ablactação, ou seja, interrupção da secreção láctea. A seleção inicial foi feita pelos profissionais do serviço com base nos critérios de inclusão, sendo as mães, posteriormente, convidadas a participar da pesquisa.
O número de sujeitos não foi pré-determinado, visto que a etapa de campo desenvolvida concomitante à análise mostrou o quantitativo de entrevistas necessário para responder ao objetivo da pesquisa, ao apontar a suficiência de significados expressos nas falas das mães16. Dessa forma, totalizaram-se sete mães de RNPT que estavam em manutenção da lactação.
Para a produção dos dados realizou-se a entrevista fenomenológica, que é desenvolvida como um encontro singularmente estabelecido entre a pesquisadora e cada sujeito. O encontro foi mediado pela empatia e intersubjetividade a partir da redução de pressupostos17.
Assim, durante o encontro, a profissional precisou estar atenta aos modos de se mostrar das mães entrevistadas, captar o dito e o não dito, observar as outras formas de discurso: o silenciado, os gestos, as reticências e as pausas; e respeitar o espaço e o tempo de cada uma. Essa posição de abertura da pesquisadora possibilitou aprimorar, progressivamente, a condução da entrevista, permitindo que o fenômeno emergisse em cada uma das entrevistas17.
A entrevista teve início a partir da questão "Como está sendo tirar o leite para alimentar seu filho?". No decorrer da entrevista, formularam-se questões empáticas para evitar a indução de respostas, destacando questões expressas pelas próprias mães, que precisavam ser aprofundadas para melhor compreensão dos possíveis significados apontados. Para encerrar a entrevista, desenvolveu-se um feedback, perguntando se a mãe gostaria de acrescentar algo e agradecendo sua disposição para esse encontro17.
Os depoimentos foram gravados mediante consentimento e a transcrição das entrevistas se deu conforme a fala originária, na qual foram apontados os silêncios e as expressões corporais observados durante o encontro. As entrevistas foram codificadas com a letra M de mãe, seguida dos números de 1 a 7.
A análise, pelo método heideggeriano, foi desenvolvida em dois momentos metódicos: análise compreensiva e análise interpretativa15. O primeiro momento constou da suspensão de pressupostos da pesquisadora ao desenvolver a escuta e leitura atentivas das entrevistas, com vistas a compreender o significado da vivência de mães de RNPT, sem impor categorias predeterminadas pelo conhecimento teórico/prático.
Foram grifadas as estruturas essenciais nas transcrições, formando um quadro de análise que serviu de base para as unidades de significação e o discurso fenomenológico. A análise interpretativa (segundo momento metódico) contempla a compreensão dos sentidos a partir dos significados expressos pelas mães15.
O projeto de pesquisa, aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Santa Maria (RS) sob CAAE 0294.0.243.000-10, garantiu o cumprimento dos princípios de voluntariedade, anonimato, confidencialidade das informações da pesquisa, justiça, equidade, diminuição dos riscos e potencialização dos benefícios, resguardando sua integridade física-mental-social de danos temporários e permanentes. As mães que aceitaram participar do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
RESULTADOS
A mãe descreve que não descansou desde que ganhou o bebê. Tem uma rotina de ir e vir do hospital para casa e vice-versa. É um dia a dia corrido, cansativo e complicado. Vir todo dia na UTIN é difícil, mas faz parte da vida.
Venho todos os dias [na UTI] meio-dia, porque de manhã eu tenho que dar atenção pro outro [...] a gente se sente cansada da rotina de ir e vir. (M1)
Eu venho pra cá de manhã e volto para casa de noite. [...] é tudo (suspiro) muito corrido [...]. (M2)
[...] é cansativo, mas agora é mais tranquilo porque eu consegui carona, daí venho todos os dias. (M3)
[...] eu tenho que atender os outros [filhos] também. Muito cansada de ir pra lá e pra cá [...] Eu chego, fico com ele o máximo de tempo. (M4)
Quando eu posso, venho de manhã aqui, daí eu vou pro serviço e volto pra cá de novo. Quando eu vejo que tô com pouca passagem, eu venho dia sim, dia não, mas ligo pra saber dela. [...] é meio corrido, mas faz parte. (M5)
[...] antes a gente vinha duas vezes por dia, agora a gente tá vindo só uma, porque é corrido. (M6)
[...] é difícil [...] eu levanto sem o [nome da criança] e venho pra cá, tiro o leitinho dele e desço pra tomar café, depois venho pra tirar leite pra ele de novo. Fico aqui até a noite, janto e subo mais um pouquinho e depois eu durmo. (M7)
A mãe relata que gostaria de estar amamentando, que esgotar não é bom, o peito dói muito e é desconfortável. Considera que é complicado, difícil, expresso como um sacrifício que é feito pelo bebê. Ver o leite indo embora, pois tem que colocar fora, não faz sentido; por vezes não esgota, porque achou que iria ficar guardado no peito. Se tivesse como doar, seria melhor. No início tem bastante leite, que por vezes empedra. Com o passar dos dias de internação e a dificuldade de esgotar, sente que o está secando ou secou.
Foi horrível [ordenhar] porque tava empedrando [...] em casa eu esgotava e botava fora, porque não tinha como trazer pra ela. (M1)
Eu tenho medo de secar meu leite [...] não pode trazer de casa pro hospital. [...] isso me angustia, tá indo fora e ele lá, em vez de aproveitar [...] tô sentindo que tá diminuindo meu leite. (M2)
Muito ruim [ordenhar] não tem quase nada [leite] [...] uma coisa é tu colocar o bebê no teu seio, outra é tu tirar pra colocar numa mamadeira ou bota fora, porque ele não tava mamando. [...] Eu não tirava, achei que ia ficar guardado. (M4)
Pra mim é bem fácil de tirar porque tem bastante, empedra. Só que vai fora porque ela não tá mamando. (M5)
É desconfortável um pouquinho, é pelos bebês, aí a gente faz de coração. [...] Se tivesse como doar o leite, porque vai fora, empedra. (M6)
[...] eu tô tirando o mamazinho [...] a vontade de dar pra ele é mais forte [...] preferia que ele tivesse no meu peito mamando, mas a gente faz o sacrifício [...] difícil vê todo aquele leite indo embora. [...] na primeira vez foi difícil, doeu bastante. (M7)
A mãe expressa que ficar junto ao bebê é agradável e maravilhoso, ficar o dia inteiro sentada ao lado dele é bom. Ajuda saber que pode vir a qualquer hora ver seu bebê.
Maravilhoso tá perto dela. [...] De tarde eu venho pra ficar com ela. (M1)
[...] se eu tô aqui, tô o dia inteiro sentada ali com ele, desço pra almoçar e volto. (M2)
[...] melhor pra ele. (M3)
[...] eu venho e passo as tardes inteirinhas com ele [...] é agradável, é bom ficar junto dele, ajuda a gente a ter mais força [...] saber que tu pode ficar o dia inteirinho ali com ele, a gente se sente um pouco mais confortável. Eu tomo conta dele, troco a fralda e a roupa, dou mamá pra ele. (M4)
[...] aqui a gente pode vir a qualquer hora, poder ver ele a qualquer instante. (M7)
A mãe descreve o momento em que colocou o filho no peito, refere que ele mama bem, por vezes cansa, só dorme e fica preguiçoso. Ao amamentar se sentiu mais mãe, o que foi tranquilo, ótimo, a melhor sensação. Acredita que o leite materno poderia ajudar na recuperação do filho.
Depois que ela começou a mamar [...] nem dor eu sinto [...] Dando mamá no peito a gente se sente bem mais mãe [...] Parece que a gente se apega mais ao filho e eles se sentem mais protegidos [...] Prefiro que ela mame bem no peito, pra não dar coisas piores, doenças. (M1)
[...] ele até pega o meu peito, mas pouco, ele vem pro meu colo e só dorme, não quer mamar. [...] vou tentar dar mamá com mais calma, pra ver se ele pega. (M2)
[...] ontem eu já tentei colocar ele pra mamar no peito [...] é ótimo, emocionante, mas ele não pegou muito bem, tá estranhando, mas é a melhor sensação, não vejo a hora de ele pegar pra ir acostumando. (M3)
Ontem ele pegou o seio também, acho que foi aí que ele cansou, porque tem pouco [leite]. (M4)
Ao mesmo tempo fico feliz que, quando ela sair do hospital, vai mamar o meu leite [...] Eu sinto que ela podia tá mamando, ia ajudar mais na recuperação dela. (M5)
[...] hoje foi o primeiro dia que eu dei pro [nome da criança] mamá na teta, só que ele ficou preguiçosinho, só quis dormir. (M6)
[...] estes dias eu pude dar mamá no peito e achei que ele ia demorar pra pegar por causa da mamadeira, mas não, foi tranquilo [...] se ele tivesse comigo [na unidade de internação] toda hora eu podia tá amamentando. (M7)
A mãe expressa ter esperança e rezar para que o filho melhore, ganhe peso, se recupere e fique bem. Torce para que possa ir pra casa e levá-lo junto. Aguarda a alta hospitalar, ajeitando tudo na casa para recebê-lo. Somente quando estiverem juntos em casa é que poderá ficar descansada e tranquila.
Eu só vou descansar quando ela for pra casa. [...] Tu acha que [o filho] vai dar alta e não vai. [...] em casa daí a gente fica mais tranquila. (M1)
[...] procuro pensar que logo ele vai tá bom e eu vou poder ir pra casa com ele. [...] se ele tiver com peso, mamando bem, eles vão liberar. [...] é isso que eu mais quero [...] que ele vá embora. (M2)
[...] eu queira ter levado ele pra casa agora, mas tudo bem, não é o fim do mundo. (M3)
[...] agora eu sei que ele vai para casa, é só ganhar um pouquinho de peso [...] falta pouquinho pra ele ir pra casa [...] (M4)
[...] não vejo a hora de ela sair dali, a esperança é grande [...] eu tenho muita fé, rezo bastante, ela tem que pegar peso, se recuperar [...] eu passo a roupa dela, lavo, tô ajeitando tudo pra quando ela for pra casa [...] é só torcer pra levar pra casa. (M5)
[...] sorte que ele tá bem, vai pra casa se Deus quiser. (M7)
A mãe relata que não conseguiria passar por isso sozinha. Recebeu apoio da família, dos profissionais da enfermagem e outras pessoas. Os profissionais de enfermagem eram atenciosos, conversavam, acalmavam; o que ajudava a descontrair e tirar um pouco a preocupação. Ajudaram com passagens para ir ao hospital, assim como outras pessoas que ajudaram dando carona.
As enfermeiras me dão passagem para vir ao hospital. (M1)
[...] angustia tá longe do meu marido, dos familiares, principalmente do meu filho, ter o apoio [...] os familiares que eu tô fazendo aqui são as enfermeiras, que conversam com a gente [...] é uma agonia que dá vontade de chorar o dia inteiro. Elas [enfermeiras] conversam, me explicam, me acalmam [...]é uma descontração boa [...] fez eu tirar um pouco a preocupação da cabeça. (M2)
Eu consegui carona, daí eu vou sempre que der estar por aqui. (M3)
As gurias são bem atenciosas, a minha família me deu apoio muito grande [...] a gente se levanta pelos [outros] filhos que a gente já tem [...] acho que se eu não tivesse o apoio do pessoal aqui e da minha família eu não teria passado por isso. Quando tá assim querendo cair, as gurias vêm e me acalmam, aí a gente dá uma animada. (M4)
Enfermeiras são bem pacientes, elas conversam [...] e a gente faz uma amizade com elas [...] achei que eu ia me sentir mais incomodada, que eu não teria aquela convivência com as enfermeiras, de conversar. (M6)
DISCUSSÃO
A mãe que tem o filho internado na UTIN vivencia uma dupla facticidade vista sob diferentes condições: no caráter permanente de ter um filho nascido prematuro e no caráter transitório dele estar internado na UTIN. De ambos a mãe não pode escapar; são situações postas em seu cotidiano.
Diante disso, as mães falam de si e dos fatos: se sentem cansadas, não estão acostumadas com aquela rotina de ir e vir do hospital para casa e vice-versa. Quando estão em casa têm que cuidar dos outros filhos e das tarefas domésticas, e quando estão no hospital ficam o tempo todo ao lado do bebê, o que se torna uma rotina. Assim, a mãe se mostra no modo de ser da ocupação15.
Ela está ocupada com a rotina de ir e vir ao hospital e com as rotinas do lar. Desenvolvendo aquilo que esperam dela, se mostra como mulher. Descreve que tem que atender, arrumar e dar atenção para os outros filhos. Ocupa-se com os estudos, o trabalho dentro e fora de casa.
Ao significar desse modo, ela anuncia uma cosmovisão do papel social da mulher. Essa compreensão de si mesma, herdada da tradição, abre e regula as possibilidades do seu ser, antecipa-lhe os passos15. Assim, conta que a manutenção dessas atividades é cansativa, no entanto refere que mãe não tem cansaço. Ela se empenha em estabelecer a rotina de ir e vir de casa para o hospital.
Esse envolvimento com aquilo que tem que ser feito mantém a mulher-mãe ocupada em um modo de lidar com o que lhe vem ao encontro, a hospitalização do bebê. Portanto, "o ser-no-mundo" é tomado pelo mundo que se ocupa"15.
Ao se ocupar com essa rotina, a mãe relata que se acostumou; é uma situação que faz parte daquele momento da vida. Cada dia é diferente, mas preferem pensar no futuro. Percebem que, apesar de ser ruim, se empenham em manter essa rotina. Assim, mostra que se empenha na convivência, em que o ser se mantém como todos são e querem que ele seja, e não se revela como ele mesmo é em sua singularidade.
Ao falar da manutenção da lactação, a mãe relata que tem que realizar a ordenha, e para isso recebeu informações sobre o assunto. Ela conhece a importância do leite materno por experiência de conviver com outras mulheres no ciclo gravídico-puerperal ou por vivências de amamentar outros filhos, bem como já ouviu falar sobre ordenha e a necessidade de manter a produção de leite. Essa interpretação prévia dos fatos lhe abre e regula as possibilidades de seu existir.
Repete o que lhe foi dito acerca da importância do leite materno para que o bebê ganhe peso. Assim, a mãe se mostra no modo de ser da falação18. Pela necessidade de se manter no mundo, repete o que ouviu falar e passa a informação adiante, sem realmente compreender o que aconteceu; o que propriamente se deve compreender permanece, no fundo, indeterminado e inquestionado.
A falação é a linguagem em que parece que o ser compreendeu tudo, sem ter se apropriado previamente da coisa18. As coisas são assim como são porque é assim que delas (impessoalmente) se diz, revelando o caráter autoritário da fala18.
Ao repetir a importância do leite materno e da ordenha para a manutenção da lactação, também descreve que aguarda colocar o bebê para mamar no peito. Descreve o número de vezes que deve realizar a ordenha; relata que, devido ao fato de precisar colocar o leite fora, por vezes não ordenha a mama, uma vez que esperava que o leite fosse ficar guardado.
A partir do momento em que coloca o bebê no peito, relata que não sente mais dor, se apega ao filho, tem a sensação de que o filho se sente mais protegido e que isso pode ajudar na recuperação dele - por essa razão, gostaria de amamentar a toda hora. Assim, se mostra no modo de ser-com, apontando a dimensão relacional do humano, característica fundamental e genuína de ser mãe de um RNPT.
Nesse momento ela (re)conhece o bebê como filho. "A relação ontológica com os outros se torna, pois, projeção do próprio ser para si mesmo num outro. O outro é um duplo de si mesmo"18. Assim, a mãe se relaciona como ser-com o filho, pois ele mesmo é presença, e essa característica de se relacionar e de viver dá sentido à vida humana.
A partir de então, ela mostra que não apenas se ocupa com a ordenha, mas que a faze por acreditar que o leite materno ajuda na recuperação de seu filho. Nesse momento, percebe-se o movimento da tomada com a manutenção da lactação para a de relação com o filho18. Esse modo-de-ser possibilita à mãe um movimento existencial do entendimento de que tem que tirar o leite para a compreensão da importância do leite materno para o filho.
A mãe conta que aguarda a alta hospitalar rezando e pedindo a Deus que a criança melhore, ganhe peso, e preparando o lar para a chegada do filho. Conta que pode ir ao hospital para ver o recém-nascido a qualquer hora e saber isso é bom. Quando está ao lado do filho, mesmo que só olhando, se sente melhor. Acompanhar o bebê durante a internação ajuda a enfrentar as dificuldades, traz conforto e tranquilidade. Dessa forma, se mantém na decadência, a qual não exprime qualquer avaliação negativa, mas indica como a presença, na maioria das vezes e quase sempre, se mostra no cotidiano.
Ainda recebe apoio da família, dos outros filhos, da mãe e dos profissionais da enfermagem. Os profissionais auxiliam na compra de passagens, a convivência e as conversas ajudam durante o período de internação do filho. Assim, a mãe se relaciona no modo de ser-com as pessoas que a ajudaram, demonstrando a necessidade de ajuda.
CONCLUSÃO
Colocar o RNPT no peito dentro da UTIN potencializa o vínculo e possibilita que a mãe saia do modo da ocupação com a manutenção da lactação para estabelecer uma relação com o filho. Na prática assistencial, isso implica oferecer apoio para a manutenção da lactação e para o início da amamentação ainda no ambiente hospitalar, por meio de práticas educativas; momentos de diálogo entre equipe, mãe e família; e rotinas hospitalares que possibilitam o envolvimento da mãe no cuidado ao filho.
REFERÊNCIAS