Volume 19, Número 4, Out/Dez - 2015
PESQUISA
Necessidades de saúde de mulheres em
pós-parto
Renata Cristina Teixeira
1
Edir Nei Teixeira Mandú
2
Áurea Christina de Paula Corrêa
2
Sônia Silva Marcon
3
1 Hospital Universitário Julio Muller. Cuiabá - MT, Brasil
2 Universidade Federal de Mato Grosso. Cuiabá - MT, Brasil
3 Universidade Estadual de Maringá. Maringá - PR, Brasil
Recebido em 24/07/2015
Aprovado em 14/12/2015
Autor correspondente:
Renata Cristina Teixeira
E-mail: renata_teixeira22@hotmail.com
RESUMO
OBJETIVO:
Distinguir necessidades de saúde de mulheres no pós-parto e
compreendê-las sob o olhar sociocultural de gênero.
MÉTODOS:
Pesquisa qualitativa, realizada em dois territórios da
Estratégia Saúde da Família de Cuiabá, Mato Grosso, no ano
de 2012, com treze mulheres, mediante entrevista
semiestruturada e análise de conteúdo temática.
RESULTADOS:
As participantes priorizam as necessidades de promover
bem-estar e segurança ao filho e de compatibilizar tarefas
domésticas assumidas e ritmos cotidianos. Põem em segundo
plano necessidades afetivo-sociais, afetivo-conjugais, de
alívio da sobrecarga dos afazeres, orgânicas, entre
outras, mas desejam, ainda que de modo conflituoso e
contraditório, recuperar a autonomia/liberdade da qual
dispunham antes da maternidade para cuidar de si.
CONCLUSÕES:
Precisam do apoio dos serviços de saúde para se reconhecer na
experiência e para compreender os aspectos socioculturais
implicados nas suas necessidades e nos modos de cuidar de
si incorporados.
Palavras-chave: Período Pós-Parto; Determinação de Necessidades de Cuidados de Saúde; Saúde da Mulher; Saúde da Família.
INTRODUÇÃO
Estudos apontam que o cuidado à mulher no pós-parto, em serviços básicos de saúde brasileiros, não tem se efetivado a contento1-3. As ações são consideradas insatisfatórias, dentre outras razões, por problemas na organização da rede de serviços3, na prática de educação e promoção da saúde2,3, no vínculo entre mulheres e trabalhadores1,3, e por se concentrarem sobretudo em aspectos médicos2,3 e na proteção do recém-nascido1. Este último aspecto é, inclusive, reforçado pelas próprias mulheres1, que relegam muitas de suas necessidades e o cuidado de si.
Todavia, no pós-parto, mulheres encontram-se sujeitas a várias vulnerabilidades e problemas2,4, que precisam ser percebidas e cuidadas de forma adequada, por serviços de saúde e pelas próprias mulheres. As experiências reprodutivas e da maternidade comumente resultam em novas condições de existência das famílias, em mudanças pessoais e relacionais, e em adaptações4-6. Evidências indicam que, mulheres em pós-parto portam vulnerabilidades e riscos aumentados para problemas de ordem física, mental e social2,4-6 que, além da possibilidade de atingir a família e a criança, manifestam-se, naquelas, muitas vezes, como dores/incômodos5,6, medos/preocupações5, percalços sexuais5,6, redução da autoestima, do cuidado de si, depressão7, dificuldades interacionais com familiar e/ou com o filho4, dentre outros.
Sendo assim, as mulheres em pós-parto precisam reconhecer suas necessidades e acessar/buscar um cuidado à saúde abrangente, capaz de considerá-las em seu todo e nas particularidades do momento. Nesse sentido, é importante que tanto os profissionais de saúde quanto as mulheres tenham por referência as necessidades que podem se manifestar no período.
Alguns estudos classificam necessidades de saúde a partir de grupos, situações e contextos concretos, com a intenção de orientar a abordagem das mesmas pelos serviços de saúde, sem desconsiderar, contudo, suas variações e especificações nas diferentes existências e situações.
Uma taxionomia8 abrangente, muito utilizada, categoriza as necessidades em: 1) boas condições de vida; 2) consumo de tecnologias disponíveis e capazes de melhorar e prolongar a vida; 3) vínculos efetivos com os serviços/profissionais de saúde; e 4) graus crescentes de autonomia no "andar a vida".
No campo da saúde reprodutiva, estudo com 50 puérperas, do Programa Mãe Curitibana, Paraná, aplica essa classificação na tradução de necessidades no pós-parto, que são especificadas como viver em sociedade e acessar condições de vida; dispor de serviços de saúde, de educação/informação em saúde e de recursos terapêuticos e contraceptivos; exercitar direitos reprodutivos e sexuais; tomar decisões, ser respeitada, acolhida e se vincular ao serviço de saúde. Os autores acrescem à classificação usada a categoria necessidade de ser cidadã e o direito à diferença, destacados por puérperas9.
Outra investigação, feita com 238 mulheres de uma unidade básica do Butantã, São Paulo, também utiliza os mesmos quatro subconjuntos mencionados para classificar necessidades face à amamentação, classificando-as como: necessidade de ter tempo para si e para descansar; necessidade de ter saúde mental; necessidade de ter condições físicas, ambientais e ajuda para amamentar; necessidade de acessar recursos sociais e serviços de saúde; necessidade de ter apoio, orientação e segurança; além de atenção, escuta, compreensão e resposta às necessidades vividas10.
Apesar da importante contribuição desses dois estudos, pouco se sabe sobre as especificidades das necessidades de saúde de mulheres no pós-parto, em especial, contemplando o ponto de vista destas. Outras pesquisas mais recentes enfocam o evento, mas apenas tangenciam o tema das necessidades2,4-6.
Desse modo, nesta investigação, busca-se distinguir necessidades de saúde de mulheres no pós-parto e apreender o modo como estas lidam com elas na relação com o cuidado de si. Para tanto faz-se necessário ouvi-las a respeito da experiência e de como a percebem tendo como interlocutoras mulheres que residem em áreas urbanas carentes e que dependem dos serviços públicos de saúde.
Compreendem-se por necessidades de saúde os carecimentos, próprios do ser humano e produzidos socialmente, implicados na produção e conservação da saúde11 ou na manifestação de doenças, agravos e sofrimentos. Sua satisfação relaciona-se com o desenvolvimento de potenciais humanos e de recursos sociais - de cuidado de si, do outro, da família, das comunidades/cidades, dos ambientes - ambos considerados também necessidades.
Embora as necessidades de mulheres no pós-parto articulem-se às suas peculiares, histórias de vida refletem características gerais do substrato sociocultural no qual as mesmas se inserem11,12. Assim é que, a saúde da mulher no pós-parto é afetada por distintivos da família, da comunidade onde vive, da rede de apoio social disponível4, das condições de vida e qualidade dos serviços de saúde, bem como de seus modos de pensar a vida e os seus acontecimentos.
Nos serviços de saúde, historicamente, a abordagem de necessidades ocorre, sobretudo, a partir da linguagem das doenças e da medicalização. Essa perspectiva tem obscurecido a dimensão sócio-histórica das necessidades de saúde e obstaculizado a expressão das que nela não se enquadram12. Uma das consequências disto é a invisibilidade das relações entre necessidades no pós-parto e as desigualdades de gênero e o exercício do ser mulher.
Desigualdades relacionais dessa ordem, naturalizadas, decorrem de dispositivos culturais que marcam diferentemente as identidades tanto femininas como masculinas12, juntamente com outros referentes sociais - classe, etnia, sexualidade e outros. A particular hierarquização de diferenças percebidas entre os sexos, apoiadas em instituições, estruturas, saberes, práticas e rituais, imbricados a relações de poder13, tem resultado em iniquidades e em desconsideração, pelos serviços, de várias necessidades de saúde de mulheres e homens13, além de influir no modo de viver, adoecer e morrer de ambos, bem como em suas necessidades e práticas de cuidados em saúde e nos sentidos que estas adquirem.
Quer dizer, tanto as necessidades de saúde de mulheres no pós-parto como o modo como estas lidam com elas encontram-se imbricadas ao papel social que lhes é atribuído frente à reprodução e maternidade.
Olhar para esses aspectos constitui um importante instrumento ao encaminhamento de boas práticas de cuidado. Assim, à luz dos conceitos e noções explicitados, esta pesquisa tem por objetivo distinguir, analiticamente, a partir dos discursos de mulheres sobre suas vivências no pós-parto, necessidades de saúde expressas, reconhecidas e negadas.
MÉTODOS
O presente estudo é parte de uma pesquisa que também tratou de necessidades de saúde de homens no pós-parto e de interpretações de trabalhadores da Estratégia Saúde da Família (ESF) a respeito do assunto*. O objetivo final da mesma foi analisar aproximações e contrapontos entre as três perspectivas a respeito de necessidades e cuidados no período. No seu encaminhamento usou-se o método qualitativo interpretativo.
O estudo ora apresentado foi feito em territórios de saúde de duas unidades da ESF de Cuiabá, Mato Grosso. Estas foram eleitas a partir de um estudo exploratório prévio que classificou as unidades da ESF do município a partir de sua correspondência a quesitos da política nacional, relativos à infraestrutura, pessoal, gestão e assistência pós-parto3.
Selecionou-se uma unidade (T1) dentre as cinco melhores classificadas no quesito assistência, dentre as que apresentaram acima de 80% de correspondência nos quesitos analisados, e uma (T2) dentre as cinco com menor classificação, com correspondência abaixo de 50%, em função de possíveis implicações das diferenças entre os serviços na expressão de mulheres sobre necessidades e cuidados no pós-parto.
Participaram treze mulheres, oito do T1 e cinco do T2. Considerou-se esse número suficiente, a partir da aplicação do critério de saturação14, baseado na análise do material empírico e identificação dos temas centrais. Na escolha das participantes estabeleceu-se como atributos de interesse: 1) estar entre 45 e 105 dias de pós-parto; e 2) ter realizado pré-natal na unidade local de ESF. Previu-se a exclusão de mulheres com dificuldade de participar do estudo.
A efetuação empírico-analítica do estudo ocorreu entre junho de 2011 e fevereiro de 2012. Realizou-se entrevista individual gravada, de cerca de 40 minutos, com roteiro semiestruturado testado, contendo questões sobre o perfil sócio-demográfico das participantes e as perguntas disparadoras: Como é o seu dia após o nascimento de seu filho? Como você cuida da sua saúde depois do nascimento de seu filho? Coube às ACS e enfermeiras dos serviços envolvidos a ponte entre as mulheres e a pesquisadora, que se ocupou, a princípio, do desenvolvimento de uma relação de confiança favorável à pesquisa. Antes da recolha dos dados foram explicados o protocolo de pesquisa e os aspectos éticos que constam no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido exigido, assinado por todas as participantes.
Fez-se análise de conteúdo temática15 do material empírico, orientada pelas perguntas: Que necessidades de saúde são reconhecidas e valoradas, ou não, pelas mulheres? Como se portam diante delas? A análise foi composta pelos passos: 1) leitura interpretativa criteriosa e repetida das entrevistas, com identificação das unidades de significado de interesse e sentidos depreendidos do todo; 2) agregação dos temas por similaridade e sua classificação/reclassificação. O processo articulou material empírico, referencial teórico e raciocínio indutivo e resultou nas categorias: a) necessidade de promover bem-estar e segurança ao filho, de compatibilizar tarefas e ritmos cotidianos e de resgatar práticas e condições anteriores de vida; b) necessidades afetivo-sociais e afetivo-conjugais; c) necessidades orgânicas; e d) necessidade de suporte social e familiar.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Júlio Muller - Parecer 011/CEP-HUJM/2011 e respeitou as exigências vigentes à época para a pesquisa com humanos (Resolução 196 do Conselho Nacional de Saúde). Na particularização das participantes, além da referência ao seu território de moradia, utilizou-se a letra "M" seguida de um número identificador, acrescidos de algumas características gerais das mesmas.
RESULTADOS
As mulheres do estudo vivenciam distintas necessidades inter-relacionadas no pós-parto. Entre elas, há necessidades priorizadas e relegadas. Também há outras sequer percebidas. Essas necessidades são categorizadas e detalhadas a seguir.
Necessidade de promover bem-estar e segurança ao filho, de compatibilizar tarefas e ritmos cotidianos e de resgatar práticas e condições anteriores de vida
O cuidado diário do recém-nascido é assumido pelas mulheres, sendo considerado de sua responsabilidade:
Eu não esperava, mas veio, está aqui. A gente pega amor. O dia inteirinho, a gente que aguenta. [...] Minha mãe pega um pouquinho e já me dá. Na hora agá é a mãe. Tudo sou eu! (T1, M4: 19 anos; ensino médio incompleto; solteira; desempregada; dois filhos; renda familiar de R$ 900,00/para quatro).
O cumprimento dessa responsabilidade, embora atrelado às necessidades do filho, é uma necessidade da própria mulher, que, para "estar bem", precisa "dar conta" da tarefa de cuidar dele "satisfatoriamente". Isto é, uma de suas necessidades é promover bem-estar e segurança ao filho.
Nesse sentido, encontra-se a necessidade de interpretar as demandas do filho e de conhecer os cuidados dos quais ele precisa. O choro revela-se como um problema entre as mulheres do estudo, sendo acompanhado de dúvidas, preocupação e sofrimento.
A gente fica desesperada porque começa a chorar. A gente não sabe por que; porque não fala ainda. Não sabe se tá sentindo dor, se é só manha, se é fome. Dá um desespero! (TI, M3: 40 anos; ensino superior incompleto; casada; sem emprego; um filho, renda de R$ 900,00 para três).
As demandas da maternidade trazem novos afazeres às mulheres, e resultam na necessidade de reorganização geral da dinâmica de suas vidas. Afirmam desdobrar-se, no pós-parto, para assumir as novas tarefas. Nesse sentido, têm que se dedicar, além de às demandas do novo filho, às atividades domésticas rotineiras e/ou às atividades que desempenham no espaço público, além do cuidado dos demais membros do núcleo familiar.
Eu tenho que cuidar das meninas, do neném, limpar a casa, fazer comida. Tudo correndo. Pra mim, o guri... Ave Maria! O dia que ele nasceu eu fiquei muito feliz. [Pensativa]... Mas... [Sugerindo dificuldade]. É porque eu tenho que fazer as coisas correndo, para dar conta (T2, M12: 26 anos; ensino fundamental incompleto; união estável; sem emprego; três filhos; renda de R$ 1.600,00 para cinco).
Cuidar do recém-nascido toma conta do dia da mulher e se soma às outras tarefas que desempenha, o que é experimentado e percebido como árduo, mesmo que a maternidade lhe satisfaça necessidades afetivo-culturais e que se veja cumprindo tarefas que julga dela depender. A mulher que possuí atividades dentro e fora de casa, sem que disponha de pessoa(s) que a auxilie(m) nas tarefas, acumula mais responsabilidades, pois tem que dar conta de seus afazeres domésticos e também do emprego ou estudo.
Assim sendo, também se manifesta, entre as participantes, a necessidade de alívio da sobrecarga derivada das várias responsabilidades cotidianas, sentidas e assumidas como tal.
Tenho que arrumar a casa, deixar eles arrumados e a janta pronta, antes de ir pra aula. Às vezes eu não consigo. Pra falar a verdade, quando eu estou na aula é um alívio, porque é correria o dia todo (TI, M1: 19 anos; ensino fundamental em curso; sem emprego; união estável; três filhos; renda de R$ 800,00 para cinco).
Em meio a condições sociais desfavoráveis, ao tomar como responsabilidade atender às necessidades de cuidado do filho e frente à dificuldade de compatibilizá-las com as demais tarefas, a mulher coloca em segundo plano outras necessidades não ligadas diretamente à função materna, cuja satisfação é projetada para o futuro:
Não estou tendo tempo de cuidar de mim. Porque eu quero fazer uma unha, eu quero pintar o cabelo, quero pintar a sobrancelha, mas não estou tendo tempo. Eu tenho que cuidar mais dele agora. Quando ele crescer mais, acho que vai melhorar (T1, M7: 22 anos; ensino médio incompleto; sem emprego; união estável; um filho; renda de R$ 800,00 para três).
As mulheres abrem mão de práticas anteriores, que não estão diretamente relacionadas às necessidades imediatas do filho, e naturalizam esse deslocamento. Contudo, sentem falta delas: além de cuidar da estética corporal, também da independência financeira e do emprego, embora estas não sejam priorizadas frente àquelas.
Eu sinto falta de ter tempo pra mim. Quando não tinha filho, eu trabalhava, eu tinha meu dinheiro, não tinha que depender do marido. Agora, tudo eu tenho que pedir. [...] Tem vezes que eu peço alguma coisa e ele não dá. [...] Tudo isso está influenciando na minha vontade de estudar. Eu preciso trabalhar, preciso ter meus estudos pra arrumar um serviço bom (TI, M1).
Ou seja, a mulher sente a necessidade de retomar práticas e condições anteriores de vida, entre as quais destacam o retorno à vida pública e a recuperação de certa autonomia financeira e da liberdade perdida.
Além do que, desconsiderar as próprias necessidades e o cuidado de si, diante do que entendem como suas obrigações para com o filho, a casa, a família, é algo que não ocorre sem conflitos:
Olha aí! Como eu estou: - Acabada! Cuido só dele, só dele, dele! Tem horas que, pra eu me arrumar, ele fica um pouco com minha mãe; fazer o cabelo, ir ao salão, essas coisas. Mas, mesmo assim, logo ela liga pra eu vir, porque ele está chorando pra mamar (T1, M2: 37 anos; ensino fundamental incompleto; empregada; união estável; dois filhos; renda de R$ 800,00 para quatro).
Necessidades afetivo-sociais e afetivo-conjugais
Entre as mulheres é forte a ambivalência de sentimentos frente á maternidade e o modo como a assumem. Expressam sentimentos de bem-estar, amor, alegria, carinho com o nascimento do filho, que satisfazem necessidades afetivo-culturais, relacionadas à experiência da maternidade e ao idealizado em torno desta. Mas a experiência também ocorre entremeada por medo, ansiedade, insegurança, tristeza, preocupações. Estes sentimentos manifestam-se frente à dificuldade de realizarem as várias tarefas sob sua responsabilidade, frente às autocobranças, ao não controlável e/ou à falta ou insuficiência de condições consideradas importantes para suprir o que o filho precisa de imediato e/ou futuramente, estas últimas consubstanciadas em necessidades de reprodução da vida.
É uma alegria danada uma criança em casa. Mas tenho medo de não dar conta de cuidar dela, do futuro. [...] Medo de faltar o alimento dela (T2, M9: 14 anos; ensino fundamental em curso; sem emprego; união estável; um filho; renda familiar de R$ 800,00 para três).
O apoio afetivo do companheiro e/ou da família, associado à participação destes no cuidado do filho e da casa suprem expectativas emocionais de mulheres.
Eu ganhei na loteria [risos]. Agradeço a Deus, porque ele é tudo. Assim... Não tem! Ele me ajuda muito. Ele me dá força, me ajuda bastante, ajuda em casa, ajuda a cuidar dele. Às vezes, quando estou preocupada ou alguma coisa, ele vem e conversa comigo. Eu me sinto bem com isso! (T2, M11: 33 anos; ensino médio completo; casada; sem emprego; dois filhos; renda de R$ 1.000,00 para quatro).
Com o nascimento, ocorre aproximação entre o homem e a mulher e certo compartilhamento nas atividades familiares, ou sobrevém distanciamento entre ambos e/ou mudanças nas práticas afetivo-sexuais, além de incômodos ou conflitos.
Complicou o tempo pra nós dois, porque tem que cuidar do filho. Eu sinto falta de um tempo só nosso, me incomoda bastante isso. Às vezes, eu falo: - Ah pai, como que a gente vai namorar com o neném aí? Porque ele só dorme com a gente sabe?! (T2, M13: 36 anos; ensino fundamental completo; sem emprego; união estável; um filho; renda familiar de R$ 700,00 para três).
As mudanças relacionais, ainda que justificadas pela prioridade dada por ambos à criança e pelo cansaço derivado das várias tarefas, não anulam o manifesto desejo ou a necessidade de ter ou manter boa relação afetivo-sexual com o companheiro.
Necessidades orgânicas
Ao atender as demandas do filho, ao assumir várias tarefas e ao passar por tensões, a mulher desgasta-se fisicamente. O sono prejudicado e ter que cuidar do filho com as limitações físicas decorrentes do parto e sem descanso produzem novos desconfortos.
[...] Tem dias que nem durmo, fico acordada porque ele chora. A hora que eu to pegando no sono, começa a chorar. Aí tenho que levantar. Cansa bastante. Eu acordo desanimada. Mas tem que fazer (T1, M1).
As mulheres, embora se reportem a necessidades orgânicas, relacionadas à regressão das mudanças físicas de seu corpo, dão ênfase ao cansaço e ao desconforto, associados ao ritmo de atividades e às exigências corporais e emocionais típicas do período. Assim, destacam a necessidade de descanso físico e de reposição do sono, muitas vezes banalizada.
Necessidade de suporte familiar e social
Dentre os apoios referidos por mulheres no pós-parto, os mais valorizados por elas são a ajuda do companheiro e da família estendida, na forma de cuidado emocional e de apoio nas tarefas da casa e de cuidado do filho:
Ele [marido] me ajuda mesmo só financeiramente, porque cuidar não. Eu queria que ele ajudasse mais. Mas homem é difícil. Queria que ele fosse mais presente: cuidando dele, me ajudando, pegar ele quando precisa. [...] A gente não briga por causa disso, mas fico triste. Também, ele chega cansado do trabalho, aí nem falo nada (T2, M13).
Minha mãe é tudo pra mim. Ela que ficou comigo nos primeiros dias, me ajudou a cuidar do neném. Dava banho, no começo. Agora, todo dia, ela vem conversar comigo, quando eu estou com dúvida. Olha ela quando eu preciso sair. Ela me escuta (T1, M5: 36 anos; ensino médio completo; sem emprego; solteira; três filhos; renda familiar de R$ 1600,00 para cinco).
Creches ou berçários para o cuidado dos filhos também são apoios referidos, em especial, por quem deseja participar do mercado de trabalho e acessar melhores condições financeiras:
Eu penso em trabalhar, pra eu ajudar ele, comprar roupa pros meus filhos. Isso me incomoda muito, sabe?! Mas não tem com quem deixar meus filhos, não vou deixar com uma pessoa que eu não conheço. [...] Não tem nenhuma creche aqui perto também. E isso me incomoda muito [...] (T2, M9).
Dentre os serviços sociais, também dão valor aos de saúde, mas, sobretudo, para o acompanhamento do filho, em função da necessidade de garantir o cuidado deste e o seu bem-estar. Todas declinam do serviço local como alternativa para o cuidado de si. Em um dos territórios (T2), inclusive, nenhuma delas compareceu à consulta pós-parto.
DISCUSSÃO
A maternidade é o fenômeno central do pós-parto feminino, atrelada à responsabilidade social conferida, às mulheres, de cuidado diário dos filhos, da família e da casa. Aquela experiência modifica intensamente a vida delas2,6, e lhes imprime várias e peculiares necessidades de saúde.
Neste estudo, apesar de as vivências de mulheres no pós-parto abrigarem certa diversidade, atrelada às condições sociais, familiares e trajetórias de cada uma delas, entre todas, se expressa como primordial à necessidade de promoção de bem-estar do filho, pelo que elas se veem responsáveis de forma intransferível e naturalizada. Conforme essa necessidade e sendo o recém-nascido inteiramente dependente de cuidados, elas apresentam a consequente necessidade de decodificar a linguagem daquele (o choro) e de aprender a dele cuidar.
Pesquisa realizada com seis mulheres em pós-parto, em Osasco, São Paulo, também identifica que os cuidados com a criança têm precedência entre elas, e as fazem abrir mão de outros compromissos e do próprio conforto6. Em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, estudo com 15 mulheres em pós-parto imediato encontrou que o cuidar do recém-nascido envolve insegurança, medo, preocupação, impotência e frustração e que as mesmas buscam corresponder à exigência social de ser "boa mãe"16.
Além das necessidades diretamente relacionadas com o cuidado do filho, as participantes desta investigação também manifestam e valorizam a necessidade de ser "boa" esposa e dona de casa, administrando e conciliando também o cuidado da casa, de outros filhos e do companheiro (quando existentes), sendo estas, também, exigências sociais tradicionais por elas incorporadas.
A satisfação das necessidades priorizadas, por seus próprios meios ou com alguma ajuda, lhes propicia o "sucesso" ou o cumprimento do que delas se espera, transformado em autocobrança e/ou cobrança dos familiares, e com forte influência em seu bem-estar.
Corresponder ao papel materno e no espaço da família - construído e mantido como um forte padrão cultural de referência para a mulher em nossa sociedade - torna-se anseio, expectativa e autocobrança, em face de sua idealização, com consequências para a autoestima e bem-estar das participantes.
Para além de precisarem conciliar tarefas a elas destinadas e de se sentirem cumprindo "a sua parte", as mulheres também têm por necessidade no pós-parto resguardar-se da sobrecarga e de problemas, tais como desconfortos, cansaço físico e mental, repouso insuficiente, tensões, conflitos, dores. Estes se relacionam às tarefas cotidianas, aos modos de enfrentá-las e, ainda, às modificações orgânicas e às condições familiares e sociais que elas têm; estas últimas como necessidades de reprodução da vida não satisfeitas.
É sabido que a nova realidade e o impacto do novo ser na vida de mulheres produzem vários sentimentos contraditórios16. Entre as mulheres deste estudo, encontram-se insegurança, preocupações, medos, irritação, culpam e outros, frente às mudanças na rotina, pelo imponderável no filho, por condições familiares e sociais insuficientes e, ainda, pela perda de uma condição anterior, de maior liberdade no uso do tempo. Apesar de o nascimento e o cuidado do filho satisfazerem necessidades afeitas ao exercício sociocultural desejado da maternidade e a expressão e obtenção de afeto, as mulheres os vivenciam com certo sofrimento. Assim, de modo conflituoso e ambivalente, expressam o prazer da maternidade e o "não poder" ou não se permitir olhar para outras de suas necessidades.
Por essa razão, dão especial valor ao apoio do companheiro e da família na esfera afetiva e nas tarefas domésticas e de cuidado do filho ou reclamam do pouco tempo que dispõem para cuidar de si e do afastamento do companheiro. Assim sendo, exprimem uma importante necessidade a ser satisfeita: a de poder se ocupar de si, enfrentar culpas e ter maior autonomia, embora não a traduzam nesses termos.
Necessidades não satisfeitas e situações agravantes tornam as mulheres vulneráveis a problemas no pós-parto e as expõem a sofrimentos. A reprodução tratada como processo fisiológico e natural resulta em que, muitas vezes, necessidades, tais como as relatadas, passem despercebidas ou sejam consideradas triviais, pelas próprias mulheres, pelos familiares e serviços de saúde. Sendo a maternidade desconsiderada em sua natureza sociocultural, manifestações não físicas tendem a ser naturalizadas; em especial, os sofrimentos psicoemocionais e as necessidades sociais e intersubjetivas, historicamente desvalorizados pelos serviços de saúde.
Mulheres ocupam-se de vulnerabilidades do filho, que é concreta e demanda respostas, mas não se veem suscetíveis e precisando de cuidado. Isso sugere a necessidade de olharem para si e de se reconhecerem na experiência, como pessoas com carências, potenciais e vulnerabilidades próprias frente ao pós-parto, ao contexto de vida e às trajetórias particulares.
Como a maternidade é considerada pela mulher depende do modo como ela viveu experiências relacionadas, além de um conjunto de condições individuais, familiares e sociais4. As experiências reprodutivas são produzidas pelos sentidos atribuídos à feminilidade e masculinidade nos contextos socioculturais e, ainda, por circunstâncias de geração/idade, raça/cor, entre outras17. Entre essas condições, situa-se o alcance e uso, ou não, de apoios diversos - da família, comunidade, dos serviços sociais e, especificamente, dos de saúde.
A mulher precisa do apoio de outras pessoas da família nas atividades domésticas e de cuidado com a criança, de modo a ser protegida do desgaste físico e psicológico5,10,16. O compartilhamento do companheiro lhe é essencial, embora o contrário seja, em alguma medida, "justificado" a partir da tradicional divisão de papéis entre elas e os homens.
Apesar da crescente inserção da mulher na esfera pública, ainda é um desafio a maior equidade no desempenho de papéis na família. O cuidado e a educação dos filhos, o controle da fecundidade, a realização das tarefas domésticas e a responsabilidade pela saúde reprodutiva e sexual são considerados, ainda, sobretudo atribuições femininas; cabendo aos homens função auxiliar nesses aspectos7.
No pós-parto o casal tende a concentrar a sua afetividade e atenção na criança, o que muitas vezes resulta em conflitos e tensões conjugais. As várias mudanças comumente atingem a vida afetiva e sexual do casal2 e podem influir no equilíbrio familiar ou agravar dificuldades. Nesse contexto, homens e mulheres podem negar e não compreender as necessidades afetivo-conjugais de ambos e, por decorrência, tendem a delas abdicar5, tal como encontrado neste estudo. Assim, o espaço exclusivo de relacionamento afetivo-sexual do casal é, igualmente, uma importante necessidade a ser considerada na fase em questão.
Como o nascimento acarreta mudança nos papéis de toda a família, ele comumente provoca a necessidade de mobilização dos demais moradores da casa e de parentes no compartilhamento das tarefas e no apoio emocional.
Assim, a satisfação das necessidades das mulheres no pós-parto deve incluir também a satisfação de necessidades familiares, frente à situação - próprias de cada membro e ao desenvolvimento de competências para lidar com o recém-nascido e a mulher. Toda a família, portanto, necessita de suporte emocional e de apoio a novas aprendizagens, de forma que seus membros possam se apoiar mutuamente.
O apoio social às mulheres no pós-parto deve ser abrangente, sendo esse um momento crítico na vida da mulher e de sua família. Ele deve se referir tanto às relações afetivas com os próximos como às ações de ajuda material e de desenvolvimento de maior autonomia18. O suporte social requer uma ampla rede social, que inclua a família, o companheiro, os amigos, outros grupos da comunidade e instituições sociais e de saúde.
Neste estudo encontrou-se que mulheres vivenciam o pós-parto apoiando-se especialmente em recursos pessoais e internos ao núcleo familiar. Entretanto, a satisfação de suas necessidades no período também requer suporte em apoios da esfera pública. Estes devem se efetivar como direitos, e se constituir em necessidades sociais reconhecidas e supridas por meio de ações de promoção da saúde4.
A mulher precisa ter opções comunitárias de apoio ao cuidado dos filhos. Além disso, a família deve acessar dispositivos legais aos quais tem direito, como a licença maternidade/paternidade e ao aleitamento, o salário-maternidade, o regime de exercícios domiciliares em atividades escolares, dentre outros.
O apoio dos serviços de saúde desempenha um papel significativo na satisfação das necessidades físicas e emocionais das mulheres no período pós-parto, influenciando, ainda, sobre a sua capacidade para mobilizar outros meios de apoio entre as redes sociais.19
Quando a mulher se descuida de buscar o serviço de saúde em função de necessidades próprias, priorizando a saúde do filho, aquele não pode permanecer a sua espera ou culpabilizá-la. A negação, o deslocamento ou a falta de percepção, pela mulher, de várias de suas necessidades, a prioridade dada aos recursos pessoais e internos ao núcleo familiar, somados ao distanciamento dos serviços locais equacionam a oferta de ações insatisfatórias e o distanciamento da mulher destes. Isto é, as mulheres necessitam do apoio de serviços locais de saúde, que conheçam, compreendam e considerem suas reais necessidades, e atuem de forma abrangente sobre elas.
Não como qualquer apoio, mas como alternativa assistencial que busque a identificação/compreensão das várias necessidades de saúde das mulheres e suas famílias, o reconhecimento dos recursos disponíveis/indisponíveis às mesmas e a realização de ações abrangentes de cuidado, individuais e coletivas.
Assim sendo, considera-se urgente a incorporação da mulher como um sujeito social, com participação e autonomia dentro e fora da família. Pois parte das necessidades de saúde por elas vivenciadas são ocultadas por questões sociais, nomeadamente, as desigualdades sociais e de gênero, com consequências significativas para a saúde e qualidade de vida deste grupo populacional, em particular20.
CONCLUSÃO
As mulheres do estudo vivenciam várias, articuladas e importantes necessidades que afetam a sua saúde no pós-parto. Essas se manifestam como constituintes das condições pessoais, familiares e sociais que partilham. Desse todo, os papeis sociais atribuídos às mulheres - de cuidado dos filhos, da família e da casa - influem sobremaneira em como vivem a experiência e a significam. Assim é que, privilegiam as necessidades de promover o bem-estar e a segurança do filho e de realizar e compatibilizar as várias tarefas pelas quais se veem responsáveis e são cobradas por elas.
Como deixam de considerar várias necessidades vividas - de ordem orgânica, emocional, relacional, social -, identifica-se a prioritária necessidade de a mulher perceber-se no que carece nessa fase e de reconhecer as vulnerabilidades às quais se encontra sujeita, compreendendo a sua relação com as assimetrias de gênero relacionadas à reprodução e maternidade, dentre outras razões.
Nesse sentido, os serviços locais têm o importante desafio de apreender, compreender e considerar não só a amplitude das necessidades de saúde expressas pela mulher nessa fase, mas também os carecimentos que estão sendo por ela desconsiderados e pelos próprios serviços de saúde.
Embora esta pesquisa revele necessidades de saúde de mulheres no pós-parto em um determinado contexto, a natureza social de suas experiências e, em particular, a relação das mesmas com questões culturais de gênero, pode contribuir ao entendimento de questões similares em outras realidades. Todavia, identifica-se o desafio de o estudo do tema, por meio de novas pesquisas, articular outras categorias sociais explicativas das necessidades.
REFERÊNCIAS
* Recorte de Dissertação de Mestrado em Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso intitulado "Necessidades de saúde no pós-parto: percepções de mulheres, homens e trabalhadores da Saúde da Família".