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CAPES

Volume 19, Número 4, Out/Dez - 2015



DOI: 10.5935/1414-8145.20150070

EDITORIAL

Humanização do cuidado de enfermagem à saúde da mulher, criança e adolescente

Carlos Eduardo Aguilera Campos 1


1 Professor Associado. Doutor em Medicina Preventiva. Coordenador do Mestrado Profissional em Atenção Primária à Saúde da Faculdade de Medicina. Instituto de Atenção à Saúde São Francisco de Assis/HESFA, UFRJ

A existência de novos Centros e Postos de Saúde incluíram, desde a sua criação em 1927, a assistência materno-infantil assume posição estratégica com a atuação domiciliar de enfermeiras visitadoras ou de saúde pública. A década de 1930 intensificam-se políticas públicas reconhecendo mulheres e crianças como foco da atenção à saúde.

A Diretoria de Proteção à Maternidade e à Infância foi criada em 1934, como órgão do Departamento Nacional de Saúde Pública. O termo "proteção", incluída no nome desta Diretoria, já sinalizava a vulnerabilidade a que estavam expostas mulheres e crianças. Curiosamente a política do Estado Novo foi vista como unidirecional e autoritária, formulada por homens puericultores preocupados com o desconhecimento ou o descuido das mães pobres para com os filhos1.

Apesar de reativa e parcial, estas medidas de Estado, e as que se seguiram, com a criação da Diretoria Nacional da Criança, em 1940, representaram respostas à reivindicações feministas. Bertha Lutz*, deputada federal, e adepta dos movimentos feministas que ocorriam nos EUA, reivindicava leis e programas para a maternidade e a infância, além de ampliação de direitos sociais. Lutz apresentou projeto de Lei, em 1936, para a criação de um Departamento Nacional da Mulher e, neste, um Conselho da Mulher, o qual se dedicaria exclusivamente à assistência sanitária feminina e infantil1.

Trinta e oito anos depois, um novo marco histórico se inicia com a Conferência de Alma Ata de 1978. Entre as suas recomendações, as mulheres e crianças tem um foco prioritário. A partir daí se inicia uma extensão de cobertura para os cuidados primários de saúde. Movimentos sociais e de mulheres vão balizar esta atuação2. O movimento das agentes de pastoral, e posteriormente, das agentes comunitárias de saúde, vão chegar aos mais distantes pontos do país, trazendo as ações de alto custo efetividade, que, historicamente, influenciaram sobre as mudanças na mortalidade infantil e materna no país.

A política pública, porém, continuou reativa às reivindicações feministas. Especialmente em um ponto nevrálgico: a política ambígua de planejamento familiar. O Estado, durante o período da ditadura militar (1964-1985), se omitiu enquanto deu um apoio subliminar às ações da famigerada Bemfam, que promovia o controle da natalidade. Uma política semioficial às avessas. O Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher surgiu em 1983. Formulada por mulheres, propunha um modelo assistencial para atender às necessidades globais da saúde da mulher. Uma questão crítica era dar uma resposta mais adequada ao que existia à época: o uso inadequado de pílulas compradas sem qualquer controle e a progressão perversa da ligadura tubária2.

A Estratégia Saúde da Família (ESF), desde 1993, e mais fortemente a partir dos anos 2000, estabeleceu uma Atenção Primária à Saúde (APS) resolutiva e equânime, dando a oportunidade à população pobre e sob vulnerabilidade, um cuidado integral no território. A equipe de saúde contou com a participação destacada da enfermagem em saúde da família. Em mais de 20 anos a ESF alcançou uma cobertura de 60% da população brasileira. Neste novo modelo de atenção se estabeleceram parcerias inéditas entre médicos, enfermeiros, odontólogos, técnicos de enfermagem, auxiliares de enfermagem, agentes comunitários de saúde e outros profissionais, pautados pela horizontalidade, a primazia da abordagem multiprofissional, o cuidado centrado no Usuário (família) do Sistema Único de Saúde (SUS) e no território e na comunidade com o compartilhamento de responsabilidades e o cuidado integral. Organicamente a APS está sob a responsabilidade do Departamento de Atenção Básica do Ministério da Saúde cuja divulgação dos programas, ações e estratégias é socializada por meio de materiais virtuais e impressos disponíveis em sua página eletrônica (http://dab.saude.gov.br/portaldab/).

Os canais de participação das mulheres se ampliaram com a criação de Conselhos de Saúde, onde estas se converteram em maiores interessadas e participativas, assumindo importante papel no controle da sociedade sobre as ações do Estado (o controle social)3.

A força do movimento feminista e militante no interior do SUS se expandiu para outras fronteiras2. A integração e a intersetorialidade das políticas sociais permitiram novos avanços, com a participação do setor saúde. Entre as mais destacadas podem ser citadas os mecanismos de proteção e assistência social, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990), o bolsa família; a segurança alimentar, as medidas legais e programáticas para a defesa de crianças, adolescentes e mulheres vítimas de violência familiar, a criação dos centros de referência da mulher2-4.

A despeito das inúmeras conquistas, permanecem outros desafios a serem enfrentados nos anos 2010, e já sinalizados pelos movimentos sociais e pelas discussões de profissionais de saúde. As políticas afirmativas para o direito das mulheres nas questões referentes as modelagens de família, ao aborto, à livre orientação sexual, ao assédio, as desigualdades no mundo do trabalho entre outros tipos de discriminação, são alguns exemplos.

Na política de saúde, as respostas foram sendo gradativamente mais abrangentes trazendo respostas, ainda que tardias, a novas demandas sociais. Entre elas podemos citar: as políticas de rastreamento do câncer, a ampliação das carteiras de vacinação, a melhoria do pré-natal, a política nacional de humanização, a abordagem inovadora das doenças sexualmente transmissíveis, as linhas de cuidado com destaque para a gestação, o parto e puerpério, a atenção integral a todos os segmentos da população, incluindo aí a mulher, a criança e o adolescente. Todos esses aspectos envolvem estratégias e ações acompanhadas e referendadas por evidências clinicas e organizacionais que são disponibilizadas pelo avanço do conhecimento científico.

O SUS e as Universidades, com suas profusões de estudos sobre as melhores práticas e abordagens embasam muitas das soluções colocadas nas agendas da política social e de saúde. Não há humanização sem conquistas de direitos. Em Portugal, os profissionais de saúde usam a palavra Utente (para se referir ao Usuário) com o significado de cidadão pleno de direitos. É nesse sentido que o Usuário do SUS deve ser compreendido e reconhecido, não somente como uma diretriz legal, mas como uma prática social. Assim o SUS deve ter um compromisso cada vez mais incondicional: tornar a prática dos profissionais de saúde cada vez mais voltada para os interesses e as necessidades do cidadão que o utiliza. Daí, tudo mais se torna consequência natural deste compromisso. Que a produção de conhecimento em enfermagem e em saúde siga também está máxima. Os cidadãos plenos de direito estão sempre em primeiro lugar.

REFERÊNCIAS

Barbosa MT. A proteção à maternidade e a infância: o Departamento Nacional da Criança (DNCR) e a consolidação de suas propostas durante o Estado Novo. Anais do Colóquio Nacional de Estudos de Gênero e História. LHAG/Unicentro. Pg 679-690. 2012.
Osis MJMD. Paism: um marco na abordagem da saúde reprodutiva no Brasil. Cad. Saúde Pública [Internet]. 1998 [cited 2015 Nov 8]; 14(Suppl 1):S25-S32. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X1998000500011. Link DOI
Paim J, Travassos C, Almeida C, Bahia L, Mcinko J. The Brazilian health system: history, advances and challenges. The Lancet. May 2011; 377(9.779): 1778-1794. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(11)60054-8 Link DOI
Reiter B, Lezama P. The Importance of Inclusion Policies for the Promotion of Development in Brazil and Colombia. Journal of Developing Societies. 2013; 29(2):189-214. [Nov 5, 2015]. Available in: http://scholarcommons.usf.edu/gia_facpub/105/ Link DOI

* Filha de Adolfo Lutz e de Amy Fowler, enfermeira inglesa, Bertha era bióloga, pesquisadora do Museu Nacional. Depois de tomar contato com os movimentos feministas da Europa e dos EUA, Bertha criou as bases do feminismo no Brasil.

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