ISSN (on-line): 2177-9465
ISSN (impressa): 1414-8145
Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
COPE
ABEC
BVS
CNPQ
FAPERJ
SCIELO
REDALYC
MCTI
Ministério da Educação
CAPES

Volume 19, Número 3, Jul/Set - 2015



DOI: 10.5935/1414-8145.20150066

PESQUISA

Repercussão de políticas públicas inclusivas segundo análise das pessoas com deficiência

Lorita Marlena Freitag Pagliuca 1
Monaliza Ribeiro Mariano 1
Paula Marciana Pinheiro de Oliveira 2
Mariana Gonçalves de Oliveira 1
Inacia Satiro Xavier de França 3
Paulo Cesar de Almeida 1


1 Universidade Federal do Ceará. Fortaleza - CE, Brasil
2 Universidade da Integração Internacional Lusofonia Afro-Brasileira. Fortaleza - CE, Brasil
3 Universidade Estadual da Paraíba. Campina Grande - PB, Brasil

Recebido em 08/07/2014
Aprovado em 10/06/2015

Autor correspondente:
Monaliza Ribeiro Mariano
E-mail: monalizamariano@yahoo.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Analisou-se repercussão de políticas públicas inclusivas na óptica das pessoas com deficiência auditiva, visual e física.
MÉTODOS: Estudo descritivo, quantitativo, apoiado no Modelo Híbrido de análise de conceito. Entrevista com deficientes apoiada em questionário estruturado. Dados organizados em tabelas, realizados testes Crosstab e Chi-Square Tests.
RESULTADOS: Os deficientes apontaram políticas que contribuíram para inclusão, havendo concordância parcial entre os três tipos de deficiência. Foram relevantes para os auditivos o passe livre (65,0%) e, a Lei de Integração da Pessoa com Deficiência para os visuais (82,5%) e motores (62,5%). Das políticas previstas e não implementadas foram apontadas a não efetivação das leis (auditiva, 67,5% e motora 45,0%); Lei de acessibilidade (visual (80,0% e motora 45,0%) e mudanças atitudinais (visual 80,%).
CONCLUSÃO: É pertinente a criação e implementação de políticas a fim de garantir o direito dessa clientela.


Palavras-chave: Políticas Públicas; Pessoas com Deficiência; Enfermagem; Direitos Humanos.

INTRODUÇÃO

O Relatório Mundial sobre Pessoas com Deficiência (PcD) informa que 15% da população possui algum tipo de deficiência1. Atualmente, a palavra deficiência apresenta maior visibilidade na sociedade, fruto de longo período de lutas por políticas públicas que assegurem os direitos das PcD. Podem-se mencionar, dentre essas, as condições que compreendam as necessidades básicas, tais como emprego, lazer, saúde, educação, transporte, acessibilidade, moradia. Entretanto, de modo geral, as PcD são excluídas e, às vezes, consideradas incapazes. Tal atitude é preconceituosa, pois todos têm os seus direitos civis, políticos, econômicos e sociais, como garante a Constituição2.

A aceitação da sociedade e a inclusão das pessoas com deficiência é influenciada pela perspectiva de como esta é compreendida3. Essa compreensão é um dos fatores que interfere nas legislações e políticas públicas estabelecidas para esse grupo social4. Inclusão da pessoa com deficiência requer apoio das instituições públicas e privadas, diante das diferenças e da prestação do cuidado inclusivo5.

Para garantir direitos e inclusão na sociedade, pessoas com deficiência reivindicam políticas que lhes garantam acesso e igualdade. No Brasil, os primeiros discursos relacionados aos direitos das PcD ocorreram na década de 1960; sendo, então, reivindicado o direito à convivência social. Diante disso houve avanço no processo de politização dos sujeitos sociais, contribuindo para que o Estado assumisse a responsabilidade em desenvolver políticas públicas destinadas a atender as demandas desse grupo social3.

Embora o Brasil tenha sido um dos países mais inclusivos das Américas por coordenar medidas administrativas, legislativas, judiciais e políticas públicas, o movimento social das PcD demanda ações práticas de implementação dessas políticas, a fim de atingir a totalidade desse segmento, pois os avanços não são possíveis sem a atuação engajada e militante da sociedade civil organizada6. Urge a implementação efetiva de ações de inclusão nas diversas esferas. Ainda, estes setores, devem atuar juntamente com a comunidade e famílias no intuito de potencializar os esforços da sociedade na melhoria das condições para a inclusão das PcD.

Essas práticas não devem ter o papel de inclusão apenas na teoria, mas em atitudes, e conhecer as repercussões que esses movimentos têm para essas pessoas com deficiência é, efetivamente, identificar a eficácia e a realidade de tais fatos, pois essas pessoas que exercitam o direito que a elas é oferecido.

Neste cenário impõem-se o questionamento: como as PcD percebem as políticas públicas inclusivas, quais as que consideram como mais efetivas? Diante desse contexto, o presente estudo buscou analisar a repercussão de políticas públicas inclusivas segundo a óptica das PcD auditiva, visual e física.

MÉTODO

Estudo descritivo, quantitativo, apoiado no Modelo Híbrido de análise de conceito, sendo este composto pelas fases: teórica, de campo e analítica. Na fase teórica seleciona-se o conceito, pesquisa-se na literatura e escolhe-se uma definição de trabalho. Na fase de campo, negocia-se a entrada, seleciona-se e coletam-se dados. Na fase analítica escrevem-se os resultados. Foram utilizadas neste estudo as duas últimas, as fases de campo e análise, dando continuidade a estudo anterior7, que contemplou a primeira fase, quando foram identificadas as políticas públicas inclusivas e a repercussão das mesmas no conceito elaborado para PcD.

A fase de campo ocorreu de março a agosto em 2012, iniciada com visita às quatro principais associações de PcD do estado do Ceará para convidá-las a participar do estudo, obedecendo aos critérios de inclusão:ter idade superior a 18 anos, apresentar deficiência visual, auditiva e ou motora. Estabeleceu-se, aleatoriamente, o número de 40 sujeitos de cada tipo de deficiência, totalizando 120 sujeitos. Não foi utilizado critério de exclusão. O instrumento de coleta de dados, questionário estruturado, foi construído a partir de estudo realizado sobre a temática7 contemplando perfil sociodemográfico e, políticas públicas que contribuíram para a inclusão da PcD.

Para pessoas com deficiência visual, foi realizada entrevista, na qual o pesquisador preencheu o instrumento, os surdos responderam com o auxílio do intérprete de LIBRAS e, pessoas com deficiência motora responderam de próprio punho. Algumas pessoas com deficiência motora responderam via correio eletrônico. A duração do preenchimento do instrumento foi, de aproximadamente, 30 minutos. A utilização das diferentes estratégias deu-se a fim de respeitar as peculiaridades de acesso de cada deficiência, facilitando a aquisição das informações. Análise com os testes Crosstab e Chi-Square Tests para verificar o nível de significância estatística das associações testadas. Discutiram-se também os resultados com a literatura pertinente à temática.

Estudo autorizado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Ceará (UFC) sob o número 297/10, sendo respeitados os aspectos éticos-legais, de acordo com a resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (CNS).

RESULTADOS

Dentre os sujeitos do estudo, a maioria era do sexo masculino, exceto da deficiência auditiva (47,5%). A faixa etária mais representativa de 18 a 29 anos (67,5% e 40%), exceto na deficiência motora de 30 a 49 (60%). O tempo de estudo de 2 a 16 anos, a maioria de solteiros, com renda familiar de 1 a 7,2 salários mínimos (Tabela 1).

Tabela 1. Perfil sócio demográfico das pessoas com deficiência auditiva, visual e motora. Fortaleza, 2013
Variáveis Deficiências
Auditiva Visual Motora
% % %
Sexo            
Feminino 21 52,5 15 37,5 16 40
Masculino 19 47,5 25 62,5 24 60
Faixa Etária            
18-29 27 67,5 16 40 12 30
30-49 11 27,5 15 37,5 24 60
50-79 2 5 9 22,5 4 10
Anos de estudo            
2-12 30 75 27 67,5 35 70
13-16 - - 4 10 - -
Sem registro 10 25 9 22,5 5 12,5
Renda familiar            
Até 1,0 18 45 17 42,5 10 25
1,1-2,0 6 15 6 15 11 27,5
2,1-7,2 5 12,5 17 42,5 13 32,5
Sem registro 11 27,5 - - 6 15
Estado civil            
Casado/união estável 13 32,5 10 25 22 55
Solteiro 27 67,5 30 75 18 45
Tabela 1. Perfil sócio demográfico das pessoas com deficiência auditiva, visual e motora. Fortaleza, 2013

A tabela 2 relaciona políticas públicas inclusivas e a percepção das PcD auditiva, visual e motora quanto a efetividade das mesmas.

Tabela 2. Políticas públicas que contribuíram para a inclusão segundo as pessoas com deficiência auditiva, visual e motora. Fortaleza, 2013
Políticas Públicas Deficiência  
Auditiva Visual Motora  
% % % p
Centro Nacional de Educação Especial             < 0,0001
Sim 12 30,0 28 70,0 13 32,5  
Não 28 70,0 12 30,0 27 67,5  
Comitê de integração e Educação especial             0,030
Sim 13 32,5 24 60,0 15 37,5  
Não 27 67,5 16 40,0 25 62,5  
Política Nacional para Integração             0,011
Sim 17 42,5 30 75,0 21 52,5  
Não 23 57,5 10 25,0 19 47,5  
Passe livre nos coletivos interestaduais             0,569
Sim 26 65,0 26 65,0 22 55,0  
Não 14 35,5 14 35,5 18 45,0  
Lei de integração das pessoas com deficiência             0,001
Sim 17 42,5 33 82,5 25 62,5  
Não 23 57,5 7 17,5 15 37,5  
Acessibilidade ou mobilidade reduzida             0,011
Sim 17 42,5 30 75,0 21 52,5  
Não 23 57,5 10 25,0 19 47,5  
Convenção Interamericana eliminação discriminação             < 0,0001
Sim 11 27,5 30 75,0 17 42,5  
Não 29 72,5 10 25,0 23 57,5  
II Conferência Nacional dos Direitos das PcD             < 0,0001
Sim 9 22,5 25 62,5 11 27,5  
Não 31 77,5 15 37,5 29 72,5  
Convenção das PcD             0,130
Sim 19 47,5 23 57,5 14 35,5  
Não 21 52,5 17 42,5 26 65,0  
Outros             0,002
Sim 12 30,0 2 5,0 3 7,5  
Não 28 70,0 38 95,0 37 92,5  
Tabela 2. Políticas públicas que contribuíram para a inclusão segundo as pessoas com deficiência auditiva, visual e motora. Fortaleza, 2013

As PcD mencionaram aspectos das políticas públicas que não foram implementadas na íntegra, como se evidencia na tabela 3.

Tabela 3. Necessidades previstas e não implementadas nas políticas públicas para a inclusão das pessoas com deficiência auditiva, visual e motora. Fortaleza, 2013
Necessidades previstas Deficiência  
Auditiva Visual Motora  
% % % p
Reconhecimento da cidadania             0,004
Sim 12 30,0 24 60,0 11 27,5  
Não 28 70,0 16 40,0 29 72,5  
Educação e saúde             0,013
Sim 17 42,5 25 62,5 12 30,0  
Não 23 57,5 15 37,5 28 70,0  
Não efetivação das leis             0,120
Sim 27 67,5 21 52,5 18 45,0  
Não 13 32,5 19 7,5 22 55,0  
(Des)Cumprimento das políticas de inclusão             0,186
Sim 8 20,0 14 35,5 15 37,5  
Não 32 80,0 26 65,0 25 62,5  
Continuidade de exclusão na sociedade             0,321
Sim 8 20,0 13 32,5 8 20,0  
Não 32 80,0 27 67,5 32 80,0  
Falta de confiança nos serviços públicos             0,163
Sim 13 32,5 18 45,0 10 25,0  
Não 27 67,5 22 55,0 30 75,0  
Leis de acessibilidade             0,004
Sim 21 52,5 32 80,0 18 45,0  
Não 19 47,5 8 20,0 22 55,0  
Mudanças atitudinais da sociedade             < 0,0001
Sim 15 37,5 32 80,0 15 37,5  
Não 25 62,5 8 20,0 25 62,5  
Outros             0,139
Sim 3 7,5 0 ,0 4 10,0  
Não 37 92,5 40 100,0 36 90,0  
Tabela 3. Necessidades previstas e não implementadas nas políticas públicas para a inclusão das pessoas com deficiência auditiva, visual e motora. Fortaleza, 2013

DISCUSSÃO

Foram agrupados sob a denominação de Políticas Públicas as leis, decretos, documentos de órgãos governamentais reguladores e fiscalizadores de ações públicas e privadas, os eventos que geraram documentos ou recomendações que tratam de questões inerentes às PcD. Na análise referente às políticas públicas que contribuíram para a inclusão das PcD pode-se constatar que há diferença significativa dos valores expressos entre as pessoas em relação à maioria das políticas assinaladas.

Destacam-se as respostas dos três grupos para dois destes eventos: Passe livre nos transportes coletivos interestaduais (p 0,569) e a Convenção das Pessoas com Deficiência (p 0,130). Passe livre nos coletivos interestaduais foi a ação com maior concordância percentual entre as PcD auditivas (65%), visuais (65%) e motoras (55%) e pode-se inferir que esta lei é mencionada e reconhecida como importante pelo benefício financeiro imediato que proporciona aos sujeitos por ela contemplados, já que este direito em vários municípios e entre cidades já é consolidado.

Esse resultado difere daquele de pesquisa realizada no Brasil em que se relata transporte como um dos maiores empecilhos para o acesso à saúde. E daquele relatado por pesquisadores australianos e japoneses acerca das dificuldades de transporte para a prestação de serviços de saúde ocular para pessoas em áreas rurais no Timor-Leste8.

Em relação à mobilidade, asseguram o Tratamento Fora do Domicílio - TFD, benefício assegurado por meio de auxílio a pacientes atendidos pela rede pública ou conveniados/contratados pelo Sistema Único de Saúde - SUS a serviços assistenciais de outro município ou estado, desde que esgotadas todas as formas de tratamento de saúde na localidade em que o paciente residir.

A segunda ação com significância estatística (p 0,130), a Convenção das Pessoas com Deficiência, contou com a participação efetiva destas pessoas e gerou um protocolo de intenções amplamente debatido. Esse postulado legal foi o primeiro instrumento jurídico internacional a garantir, expressamente, a defesa dos direitos e a proteção das PcD. Dentre as suas diretrizes, destacam-se: respeito pela diferença, aceitação dessas pessoas como parte da diversidade humana, acessibilidade, promoção das qualificações e dos níveis de empregabilidade, igualdade de oportunidades, participação e inclusão plenas e efetivas na sociedade.

Um segundo olhar amplo sobre os resultados consolidados na Tabela 2, evidencia que o grupo das PcD visual apresentou melhores percentuais nas respostas afirmativas, oscilando de 82,5% a 57%; diferentemente das PcD auditiva onde os maiores percentuais foram negativos, indo 77,5% a 35,5%. As PcD motora consideraram a lei de inclusão como a mais afirmativa (62,5%) e a Convenção das Pessoas com Deficiência como menos representativa (72,5%).

Embora diversos países estejam empenhados em fazer valer os direitos das PcD enunciados por essa Convenção, ainda persistem controvérsias e lacunas no concernente as demandas das PcD. Um exemplo desse fato está no relato de investigação sobre as políticas públicas destinadas a esse segmento social em que os autores citam que nos Estados Unidos priorizam-se as ações antidiscriminatórias. Na União Europeia, as ações voltadas para a autonomia e no Brasil, destaca-se a implementação de ações para garantir a participação dessas pessoas no mercado de trabalho9.

Esses dois aspectos gerais, concordância e divergência de percepções sobre as políticas públicas entre os grupos estudados, alerta para a necessidade de respeitar e reconhecer diferentes demandas e vivências entre os grupos em análise. Dentre as políticas criadas para incluir as PcD na sociedade, a maioria, de acordo com a percepção destas pessoas, contribuiu para a melhoria das condições de vida das mesmas, aproximando-as da igualdade preconizada pela constituição.

Em relação à Criação do Centro Nacional de Educação Especial, em 1982, nota-se que as PcD visual foram as que mais consideraram que esta ação contribuiu para a inclusão das PcD, assim como o Comitê para a integração e educação especial e o estabelecimento da Coordenadoria para a Integração da Pessoa com Deficiência (CORDE). Portanto, até meados da década de 80, as iniciativas do Estado com as PcD eram esporádicas, incompletas e desarticuladas, desconectadas de políticas públicas amplas e abrangentes. A CORDE recebeu a incumbência de se responsabilizar pela gestão de políticas voltadas para a inclusão da PcD, em todas as esferas que compõem a sociedade10.

O Centro Nacional de Educação Especial e o Comitê para a integração e educação especial estão direcionados ao direito de uma educação com equidade, ou seja, onde todos possam estudar juntos, com igualdade, porém respeitando as diferenças. Pois, educação inclusiva é uma ação política, cultural, social e pedagógica, reconhecendo o direito de todos os alunos estarem juntos, aprendendo e participando, sem nenhum tipo de discriminação; isto representa um paradigma educacional que conjuga igualdade e diferença como valores indissociáveis11.

Para que a sociedade se desenvolva, a educação dasPcD deve ser priorizada. O sistema de inclusão educacional dessas pessoas envolve a experiência dessa população em lidar com frustrações, desânimos, autoestima e socialização. Ao educador, nesse caso, recomenda-se que seja profissional que saiba respeitar as diferenças. Assim, torna a PcD integrante da sociedade livre de preconceitos, discriminações e obstáculos, preparando-a para o mercado de trabalho e a inserção no meio social12.

A PcD visual, pela comunicação verbal facilitada, apropriou-se dessa política dirigida à educação como direito de inserir-se no sistema educacional com as pessoas videntes, estimulando os profissionais desse setor a desenvolverem estratégias para consolidar essa inserção, facilitada com o acompanhamento do professor itinerante, especialista em educação para cegos, que estabelece a ponte com a educação regular. Apesar desse cenário, estar sendo modificado, ainda há barreira atitudinal por parte dos professores da classe regular em aceitar o aluno cego, quer seja por desconhecimento de como agir frente a esta clientela ou por preconceito, gerando a exclusão, o que é percebido pelo educando.

Pessoas surdas utilizam LIBRAS, uma língua própria que associa sinais, gestos e expressões corporais. Assim, na ausência de professor bilíngue, deve ser acompanhada por tradutor, recurso nem sempre disponível nas escolas regulares; geralmente os estudantes surdos frequentam escolas especiais no ensino fundamental e médio, o que gera segregação pela convivência estrita a seus iguais com consequente exclusão social. Esta situação dificulta ou impede o acesso à educação superior, visto que as universidades não disponibilizam tradutores e são raros os financiamentos públicos para esta demanda.

Esse resultado corrobora com aquele de estudo realizado no Paraná13, objetivando verificar a implantação de projetos de Educação Inclusiva no ensino básico, em escolas públicas e privadas. Detectou-se que as escolas investigadas não possuem infraestrutura adequada para desenvolver projetos inclusivos, os profissionais, em sua maioria, mostraram-se sem conhecimento e preparo para lidar com a diversidade dentro da sala de aula redundando em poucas condições para o ensino inclusivo de qualidade, comprometendo os direitos dos alunos com deficiência à aprendizagem, ao desenvolvimento e à participação efetiva na sociedade.

Já as PcD motoras, encontram barreiras de acessibilidade arquitetônica passíveis de solução com intervenções físicas no ambiente, e assim, as políticas de inserção na educação não são consideradas relevantes para eles.

Ainda, a Lei que defende a inclusão das PcD, a promoção da acessibilidade ou mobilidade reduzida, a realização da Convenção Interamericana para eliminação de todas as formas de discriminação, e principalmente a II Conferência sobre os Direitos das pessoas com Deficiência, todas estas, ao se realizar comparação entre as respostas fornecidas pelos sujeitos que apresentam uma das três deficiências, evidenciou-se diferença estatística, sobressaindo as respostas das PcD visuais, das quais 62,5% consideraram que esta última contribuiu para a inclusão das PcD, enquanto naquelas com deficiência auditiva (22,5%) e física (27,5%) houveram poucas respostas positivas.

Nos últimos anos, a discussão em torno do tema acessibilidade e mobilidade reduzida passou a ser constante na agenda política como consequência de manifestações sociais em prol da causa. A partir de então os governos passaram a dedicar atenção para promover políticas públicas que viabilizem a inclusão e integração dessa parcela da população. A criação da política de acessibilidade ou mobilidade reduzida, entre outras leis e programas, visa direcionar as ações governamentais em torno dessa questão14.

Ainda, no questionário, foi colocado como opção a alternativa "outras" referindo-se a alguma política que não havia sido citada, porém, que os sujeitos do estudo achassem que contribuiu para a sua inclusão. Esta opção foi assinalada por alguns sujeitos, e, ao comparar as respostas, percebeu-se diferença estatística entre as três deficiências. As PcD auditivas foram as que mais assinalaram, entretanto, não mencionaram quais seriam essas outras políticas. Esse fato pode ser justificado por não terem conhecimento das leis mencionadas no questionário, deduziram que existem outras que possam contribuir para esta inclusão, entretanto, não sabem dizer quais.

A tabela referente às necessidades não contempladas pelas políticas públicas confirma a não efetividade do cumprimento dos direitos estabelecidos nas mesmas, sentimento expresso pelas PcD neste estudo. Foram apontados fatores e setores, ainda com déficit, no que diz respeito a inclusão e direito destas pessoas na sociedade. Com a propagação das políticas de inclusão, faz-se necessário abordar os direitos das PcD com mais abrangência para incluí-las na sociedade. Antes do advento da inclusão, essas pessoas não tinham liberdade, eram superprotegidas e tinham vida mais limitada15.

Dentre as políticas/fatores/setores marcados pelos sujeitos, há aqueles que não apresentaram diferença significativa nas respostas como: a não efetivação das leis (p 0,120), o descumprimento das políticas públicas de inclusão (p 0,186), a continuidade de exclusão social (p 0,321), a falta de confiança nos serviços públicos (p 0,163), e a opção, outros (p 0,139). Aquelas que apresentaram diferença estatística na comparação das respostas foram educação e saúde das PcD (p 0,013), a efetivação das leis quanto à acessibilidade (p 0,120) e as mudança atitudinais da sociedade (0,0001).

A grande contribuição deste estudo está nas três últimas afirmações. A percepção das PcD de que não são tratadas adequadamente quanto às suas especificidade de educação e saúde traz um componente preocupante. Este estudo foi conduzido por profissionais da saúde, especificamente enfermeiros, com a pretensão de conhecer como as PcD compreendem o arcabouço das políticas públicas e se estas contribuem, ou não, para sua inclusão social. É reconhecido que a escolaridade contribui para a compreensão dos fatores determinantes das condições de saúde, ou seja, se o acesso à escola está comprometido, a saúde também estará. Ainda mais, referem dificuldades de acesso ao sistema de educação e saúde, principalmente por atitudes/comportamentos não inclusivos dos profissionais.

Corroborando com a ideia acima, o acesso aos serviços é necessário para autonomia desses indivíduos, sendo necessária interação das PcD e o seu meio sociocultural16. O acesso estende-se não somente ao arquitetônico como também as oportunidades de trabalho. Estudo realizado com 30 PcD evidenciou que o grau de escolaridade influencia na oportunidade de trabalho, pois 60% das pessoas que afirmaram não ter facilidade de acesso ao trabalho, possuía ensino fundamental ou médio, e as 40% que relataram ter facilidade tinha ensino superior17, nisto transparece a necessidade de qualificação dessas pessoas para a inserção no mercado de trabalho.

As políticas inclusivas estão estabelecidas, resta executar a reestruturação arquitetônica e a mudança de comportamento da sociedade, além da capacitação dos profissionais da educação e saúde para executá-las adequadamente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Participaram do estudo pessoas com deficiência auditiva, visual e com limitação de mobilidade; com predomínio do sexo masculino; idade entre 18 e 79 anos, escolaridade de dois a 16 anos. Consideraram a lei do passe livre em transporte interestadual e a II Conferência Nacional dos Direitos das pessoas com Deficiência as duas políticas públicas mais significativas para a inclusão social. As pessoas com deficiência visual avaliaram positivamente a maioria das políticas públicas relacionadas, as com deficiência auditiva mencionaram menor número de ações inclusivas. As pessoas com limitação motora citaram ações de acessibilidade física. Houve concordância quanto a descumprimento das ações inclusivas na educação e na saúde.

O sentimento das pessoas com deficiência referente às políticas públicas criadas para proporcionar a inclusão destes na sociedade ainda é de insatisfação, visto que ainda há a não efetivação de algumas políticas ou que não são relevantes para inclusão na sociedade. Dessa forma, torna-se pertinente a criação e implementação de políticas a fim de garantir o direito dessa clientela à inclusão social.

Reconhece-se como limitação do estudo a amostra intencional e não probabilística, a captação dos sujeitos em ambientes associativos que contribuem para o engajamento às causas sociais, portanto, estes resultados não podem ser generalizados. Possivelmente pessoas em outros arranjos sociais terão percepções diferenciadas quanto às políticas inclusivas referentes às pessoas com deficiência suscitando a urgência de novas pesquisas na área.

REFERÊNCIAS

World Health Organization - WHO. Relatório mundial sobre a deficiência. São Paulo: SEDPcD, 2012. Disponível: http://www.pessoacomdeficiencia.sp.gov.br/usr/share/documents/RELATORIO_MUNDIAL_COMPLETO.pdf
Ministério da Saúde (BR). A inclusão social das pessoas com deficiências; 2009;[citado 2015 abr 01]. Disponível: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/A%20INCLUSAO%20SOCIAL%20DAS%20PESSOAS%20COM%20DEFICIENCIAS.pdf
França ISX, Pagliuca LMF. Inclusão social da pessoa com deficiência: conquistas, desafios e implicações para a enfermagem. Rev. Esc. Enferm. USP. 2009;42(1):178-85. Link DOI
Santos TR, Alves FP, França ISX, Coutinho BR, Silva Junior WR. Políticas públicas direcionadas às pessoas com deficiência: uma reflexão crítica. Revista Ágora. 2012;15:210-9.
Pagliuca LMF, Rodrigues EM. Competência para prestar cuidado de enfermagem transcultural à pessoa com deficiência: instrumento de autoavaliação. Rev. Bras. Enferm. 2012;65(5):849-55. Link DOI
Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, 3 (BR). "Um olhar através da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU: Novas perspectivas e desafios"; 2012 dez 3-6, Brasília (DF), Brasil. Brasília (DF): Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência (SNPD), Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CONADE);2012.
Baptista RS, Pagliuca LMF. Pessoa com deficiência numa perspectiva evolucionária: análise de conceito. Online Braz J Nurs. 2009;[citado 2015 abr 01];8(3). Disponível: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/j.1676-4285.2009.2511/551
Silva LOL, Dias CA, Soares MM, Rodrigues SM. The accessibility of the health service: users' and health care professionals' perceptions. Cogitare Enferm. 2011;16(4):654-60.
Oliveira MA, Goulart Junior E, Fernandes JM. Pessoas com deficiência no mercado de trabalho: considerações sobre políticas públicas nos Estados Unidos, União Europeia e Brasil. Rev. bras. educ. espec. 2009;15(2):219-32. Link DOI
Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência. História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil [internet]. Brasília (DF): Secretaria de Direitos Humanos; 2010;[citado 2015 abr 01]. Disponével: http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/publicacoes/historia-do-movimento-politico-das-pessoas-com-deficiencia-no-brasil
Ministério da Educação (BR). Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Documento elaborado pelo Grupo de Trabalho. Portaria Ministerial nº 555, de 5 de junho de 2007, prorrogada pela Portaria nº 948, de 09 de outubro de 2007;[citado 2015 abr 01]. Disponível: http://peei.mec.gov.br/arquivos/politica_nacional_educacao_especial.pdf
Maruyama AT, Sampaio PRS, Rehder JRL. Percepção dos professores da rede regular de ensino sobre os problemas visuais e a inclusão de alunos com baixa visão. Rev. bras. oftalmol. 2009;68(2):73-5. Link DOI
Leonardo NST, Bray CT, Rossato SPM. Inclusão escolar: um estudo acerca da implantação da proposta em escolas de ensino básico. Rev. bras. educ. espec. 2009;15(2):289-306. Link DOI
Ministério das Cidades (BR), Secretaria Nacional de Transporte e da Mobilidade Urbana. Brasil Acessível: caderno 3: Implementação de Políticas Municipais de Acessibilidade. Brasília (DF): Ministério das Cidades; 2006.
Paula AR, Sodelli FG, Faria G, Gil M, Regen M, Meresman S. Pessoas com deficiência: pesquisa sobre a sexualidade e vulnerabilidade. Temas Desenvolv [periódico na internet]. 2010;[citado 2015 abr 01];17(98):51-65. Disponível: http://www.planetaeducacao.com.br/portal/imagens/artigos/diario/artigo%20publicado%20memnon.pdf
Amaral FLJS, Holanda CMA, Quirino MAB, Nascimento JPS, Neves RF, Ribeiro KSQS, et al. Acessibilidade de pessoas com deficiência ou restrição permanente de mobilidade ao SUS. Cienc. saude colet. 2012;17(7):1833-40. Link DOI
Vianna LMBP, Tardelli PGAS, ALmeida LIR. Inclusão e mercado de trabalho: uma análise das dificuldades enfrentas por pessoas com deficiência em ingressar no mercado de trabalho da grande Vitória (ES). Destarte. 2012;2(2):95-109.

© Copyright 2024 - Escola Anna Nery Revista de Enfermagem - Todos os Direitos Reservados
GN1