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ISSN (impressa): 1414-8145
Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
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Ministério da Educação
CAPES

Volume 19, Número 3, Jul/Set - 2015



DOI: 10.5935/1414-8145.20150065

PESQUISA

Acolhimento com Classificação de Risco: Avaliação de Serviços Hospitalares de Emergência

Maria Antonia Ramos Costa 1
Gelena Lucinéia Gomes da Silva Versa 2
José Aparecido Bellucci 3
Kelly Cristina Inoue 4
Catarina Aparecida Sales 5
Laura Misue Matsuda 5


1 Universidade Estadual do Paraná - Campus Paranavaí - PR, Brasil
2 Hospital Universitário Oeste do Paraná. Cascavel - PR, Brasil
3 Universidade Estadual do Norte do Paraná. Bandeirantes - PR, Brasil
4 Faculdade Ingá. Maringá - PR, Brasil
5 Universidade Estadual de Maringá. Maringá - PR, Brasil

Recebido em 01/09/2014
Aprovado em 08/06/2015

Autor correspondente:
Maria Antonia Ramos Costa
E-mail: enfunespar1982@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar o Acolhimento com Classificação de Risco (ACCR) implantado em dois serviços hospitalares de emergência
MÉTODOS: Pesquisa exploratório-descritiva, de abordagem quantitativa, realizada entre março e maio de 2013. Participaram 47 profissionais de enfermagem de dois serviços hospitalares de emergência do Paraná que responderam a um questionário.
RESULTADOS: O ACCR foi considerado "Precário" nos dois Serviços; e as avaliações mais baixas se referiram à acomodação do acompanhante e discussão sobre o fluxograma. A melhor avaliação se relacionou ao atendimento de casos não graves.
CONCLUSÃO: A avaliação precária nos dois Serviços, deveu-se principalmente, a não adequação de alguns princípios fundamentais da diretriz ACCR.


Palavras-chave: Acolhimento; Enfermagem; Serviço Hospitalar de Emergência.

INTRODUÇÃO

Com o lançamento da Política Nacional de Humanização (PNH), tornou-se necessária a reorganização dos serviços de saúde de modo a garantir à população, atendimento resolutivo, humanizado e acolhedor. Para isso, foi proposta a diretriz Acolhimento com Classificação de Risco (ACCR), que representa um sistema dinâmico de identificação de pacientes e ordenação do atendimento, em consonância ao grau de complexidade e risco potencial de cada caso1.

Reconhece-se que, a priorização de pacientes graves pode viabilizar o manejo da doença no tempo adequado, com maiores chances de recuperação de casos agudos atendidos em Serviço Hospitalar de Emergência (SHE)2. Para isso, foram desenvolvidos sistemas de classificação de risco em diversos países, dentre os quais se destacam: National Triage Scale (NTS) da Austrália; Canadian Emergency Department Triage and Acuity Scale (CTAS) do Canadá; Manchester Triage System (MTS) do Reino Unido; e Emergency Severity Index (ESI) dos Estados Unidos da América3,4.

OACCR é um sistema que transcende a lógica perversa de atendimento por ordem de chegada e se diferencia de outros sistemas de classificação de risco por se fundamentar no fortalecimento de vínculo entre usuário e trabalhadores, por meio da escuta qualificada1. Nesse contexto, às ações de Acolhimento podem ser realizadas por qualquer profissional treinado, enquanto a Classificação de Risco é de responsabilidade do enfermeiro1,4-6.

Reconhece-se, no entanto, que o processo de trabalho fragmentado e os conflitos de assimetria de poder ainda são fortes barreiras à implantação do ACCR e, por conseguinte, da melhoria da qualidade da assistência nos SHE brasileiros2,4. Por isso, a discussão do tema, pelos profissionais de saúde e gestores, é de suma importância, pois um serviço humanizado e com classificação de risco segura, depende do envolvimento de todos os profissionais, na construção de fluxogramas e protocolos adequados às características de cada Serviço6,7.

Apesar de ser necessária a participação ativa de toda a equipe multiprofissional para o sucesso do ACCR, destaca-se que, os profissionais de enfermagem têm muita importância nesse processo. Afinal, cabe ao enfermeiro a classificação de risco1,4-6 e, são os trabalhadores da enfermagem quem comumente mantém contato direto e contínuo na com os pacientes.

Observa-se que existe preocupação quanto à análise e avaliação do ACCR pelos profissionais de enfermagem de SHE brasileiros8-10. Com isso, a divulgação de pesquisas relacionadas a esse tema, pode contribuir para o reconhecimento de fragilidades e dificuldades para o planejamento e estabelecimento de estratégias in loco que visem maior eficiência e eficácia à operacionalização do ACCR. Ademais, instituições que ainda não implantaram essa diretriz, podem se pautar em experiências compartilhadas no âmbito científico, adaptando-as à sua respectiva realidade.

Ao considerar que a avaliação de profissionais de enfermagem, com foco no ambiente e no trabalho em SHE, realizada com base no ACCR, é uma ferramenta importante para o (re)planejamento do Serviço e ao (re)direcionamento das suas ações, questiona-se: Como os profissionais de enfermagem, que atuam no ACCR, avaliam essa diretriz? Para responder a esta indagação, este estudo teve como objetivo avaliar o ACCR implantado em dois SHE.

MÉTODO

Pesquisa exploratório-descritiva, de abordagem quantitativa, realizada no período de março a maio de 2013, em dois SHE do Paraná, designados como SHE A e SHE B.

O SHE A integrava um hospital filantrópico com capacidade operacional de 225 leitos; com uma média de 96.000 atendimentos ao ano; implantou o ACCR no ano de 2011 e dispunha de 31 profissionais de enfermagem. Já o SHE B pertencia a um hospital beneficente, sem fins lucrativos, com 200 leitos; realizava cerca de 48.000 atendimentos ao ano; utilizava o ACCR desde 2010 e contava com 47 profissionais de enfermagem.

A amostra foi obtida por meio de censo, com 60% da equipe de enfermagem (Enfermeiros e Auxiliares ou Técnicos de Enfermagem) de cada uma das instituições. Nesse procedimento, os profissionais foram selecionados aleatoriamente, por meio de sorteio e mediante sua recusa ou desistência, houve reposição com novo sorteio, até completar 19 profissionais de enfermagem do SHE A e 28 do SHE B, totalizando 47 participantes.

Consideraram-se como critérios de inclusão: pertencer ao quadro da enfermagem e possuir tempo de atuação igual ou superior a três meses no ACCR.

A coleta dos dados ocorreu individualmente, no ambiente de trabalho, por meio da aplicação do Instrumento Avaliação do Acolhimento com Classificação de Risco11, composto de duas partes. A primeira parte, continha dados demográficos e profissionais. Já a segunda, era constituída por 21 itens de avaliação do ACCR, distribuídos nas dimensões donabedianas de avaliação em saúde (Estrutura, Processo e Resultado), estruturadas na forma de escala do tipo Likert, com cinco níveis de respostas11.

Os dados foram compilados e analisados por meio do Software Microsoft Office Excel 7.0. Aos dados da primeira parte, foi aplicada análise estatística descritiva (frequência, porcentagem, variação, média e desvio padrão - DP); e aos da segunda parte, após inversão das afirmações (itens 3, 4, 5, 7, 10, 14, 16, 19 e 20) que correspondiam à forma negativa na escala, foi calculada a média ponderada (MP) da pontuação atribuída pelo número de respondentes (NR) a cada item, da seguinte forma:

Após o cálculo da MP, analisou-se a avaliação de cada item das dimensões e do ACCR como um todo. Na análise de cada item, considerou-se como avaliação positiva quando a MP estivesse próxima de 5 pontos; negativa se a MP fosse próxima de 1ponto; e neutra, quando próxima a 3 pontos.

Para a avaliação das dimensões e do ACCR como um todo, verificou-se os índices de Representatividade, com base nos seguintes parâmetros: Ótimo = 31,5 a 35 pontos; Satisfatório = 26,2 a 31,4 pontos; Precário = 17,5 a 26,1 pontos; e Insuficiente = 7 a 17,4 pontos11. Para a Avaliação Geral do ACCR, utilizaram-se os seguintes parâmetros: Ótimo = 94,5 a 105 pontos; Satisfatório = 78,7 a 94,4 pontos; Precário = 52,5 a 78,6 pontos e; Insuficiente = 21 a 52,4 pontos11.

Esta investigação foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá, situada em Maringá - PR, sob o Parecer nº 248.339/2013 e antes da coleta dos dados, todos os participantes realizaram a leitura e a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

RESULTADOS

Participaram 47 profissionais de enfermagem, dos quais 19 (40%) atuavam no SHE A e 28 (60%) no SHE B; 31 (36%) eram do sexo feminino e 16 (34%) do sexo masculino, com média de idade de 29,93 anos (DP = 6,23 anos) e; média de tempo de atuação no ACCR, de 2,65 anos (DP = 2,56 anos). Quanto à categoria profissional, 22 (47%) eram enfermeiros e 25 (53%) eram técnicos de enfermagem.

Na Tabela 1 consta a distribuição de respostas aos itens de avaliação do ACCR de cada dimensão, de acordo com o SHE.

Tabela 1. Distribuição de respostas aos itens de avaliação do ACCR, de acordo com o SHE. Maringá - PR, 2013
Pontuação 1 2 3 4 5 Média Ponderada
Dimensão/Itens A* B** A* B** A* B** A* B** A* B** A* B**
Dimensão Estrutura
1 Conforto do usuário/acompanhante 2 7 10 10 12 15 24 44 10 - 3,05 2,71
2 Ambiência acolhedora - 3 4 10 3 15 52 48 15 15 3,89 3,25
3 Treinamento periódico sobre o ACCR 2 2 20 8 3 42 24 28 - 5 2,57 3,03
4 Privacidade nas consultas - 3 14 4 9 12 32 56 5 25 3,15 3,57
5 Acolhimento do acompanhante 3 3 20 18 3 12 20 36 - 15 2,42 3,00
6 Sinalização do ambiente - 3 14 6 9 12 36 56 - 20 3,10 3,46
7 Comunicação da equipe 3 1 12 10 12 18 20 36 5 35 2,73 3,57
Dimensão Processo
8 Segurança e conforto do usuário 1 1 6 6 3 15 44 56 15 25 3,63 3,67
9 Atendimento de casos não graves - 4 4 14 - 12 40 40 35 15 4,15 3,03
10 Conhecimento das condutas do ACCR 4 4 14 24 6 18 24 16 - 10 2,52 2,57
11 Relação entre liderança/liderados 3 2 6 6 15 24 28 40 5 25 3,00 3,46
12 Discussão sobre o fluxograma 4 - 10 22 21 15 12 32 - 20 2,47 3,17
13 Equipe treinada para atender o usuário e acompanhante - - 14 - 9 21 36 44 - 50 3,10 4,10
14 Reavaliação dos casos em espera - 4 4 30 12 9 48 12 5 15 3,63 2,50
Dimensão Resultado
15 Priorização dos casos graves 1 1 2 4 9 21 44 44 15 35 3,73 3,75
16 Humanização do atendimento 4 2 6 10 - 12 40 40 10 35 3,15 3,53
17 Integração na equipe de saúde 1 2 6 6 6 18 40 52 15 20 3,57 3,50
18 Informação do tempo de espera - 5 4 26 9 9 56 20 - 10 3,63 2,50
19 Classificação de risco 1 3 2 2 3 12 40 40 30 50 4,00 3,82
20 Contra referência 4 2 14 2 15 33 8 36 5 25 2,42 3,50
21 Satisfação com resultados do ACCR 3 4 2 6 12 42 32 24 15 5 3,36 2,89

A*: SHE A; B**: SHE B.

Tabela 1. Distribuição de respostas aos itens de avaliação do ACCR, de acordo com o SHE. Maringá - PR, 2013

Os dados da avaliação de cada dimensão e da Avaliação Geral do ACCR, de cada SHE, encontram-se na Tabela 2.

Tabela 2. Soma das Médias Ponderadas, Representatividade da avaliação de cada dimensão e Avaliação Geral do ACCR, por SHE. Maringá - PR, 2013
SHE Soma de MP Representatividade
SHE A    
Estrutura 20,91 Precária
Processo 22,50 Precária
Resultado 23,86 Precária
Avaliação Geral 67,27 Precária
SHE B    
Estrutura 22,59 Precária
Processo 22,50 Precária
Resultado 23,39 Precária
Avaliação Geral 68,48 Precária
Tabela 2. Soma das Médias Ponderadas, Representatividade da avaliação de cada dimensão e Avaliação Geral do ACCR, por SHE. Maringá - PR, 2013

DISCUSSÃO

Conforme consta na Tabela 1, dentre os itens com MP mais baixa na dimensão Estrutura do SHE A, chama atenção o Acolhimento do Acompanhante (MP = 2,42 pontos); enquanto que no SHE B se destacou o Conforto do Usuário/Acompanhante (MP = 2,71 pontos). Esses dados merecem atenção especial das lideranças porque, na perspectiva da humanização, há necessidade de se acolher o acompanhante do paciente 1. Ademais, o conforto do usuário/acompanhante, pode ser promovido por melhorias do espaço físico, com poltronas confortáveis nos locais de espera, área de entretenimento ou descanso, que demandam investimentos financeiros e/ou mudanças na estrutura física a serem autorizados por gestores das instituições; e portanto, mais onerosos do que a mudança de postura pelo treinamento de todos os profissionais para o seu acolhimento.

Os princípios norteadores do acolhimento são a valorização do sujeito e o fortalecimento da relação usuário/trabalhador/acompanhante por meio da escuta, do diálogo e da responsabilização, para que haja a produção de relações de confiança e de vínculos, e assim, de forma afetiva, atender às necessidades da clientela1,12.

Destaca-se que as MP dos itens relacionados ao conforto e acolhimento se contrapõem à avaliação do item Ambiência Acolhedora, também da dimensão Estrutura, que foi maior e obteve 3,89 pontos e 3,25 pontos, respectivamente no SHE A e SHE B. Afinal, a ambiência articulada à diretriz do acolhimento favorece a criação e recriação de espaços físicos na urgência que priorizem uma recepção confortável e adequada aos usuários1,13. O paradoxo entre esses resultados pode estar relacionado à falta de investimento institucional para promoção de melhorias no espaço físico aliada à falta de instrumentalização conceitual dos profissionais sobre a ambiência, que se refere ao tratamento dado ao espaço físico de uma unidade de saúde, com objetivo de proporcionar acolhimento e conforto ao usuário13.

Em SHE, a interface da ambiência com o ACCR remete à necessidade de desenvolvimento de propostas arquitetônicas com arranjos consoantes ao modelo de atenção utilizado e também, que auxilie na resolutividade do atendimento e da organização do processo de trabalho nesses serviços13. Sendo assim, algumas das limitações que poderiam dificultar melhorias nesse aspecto seriam: a necessidade de investimento financeiro por parte das instituições e a inviabilidade estrutural para execução de ampliação e/ou reforma do projeto arquitetônico dos SHE.

Observa-se ainda, na dimensão Estrutura, que o item Comunicação entre a equipe obteve MP baixa nos dois SHE (MP = 2,73 pontos no SHE A e MP = 3,57 pontos no SHE B). Compreende-se que no ACCR os atores devem ser envolvidos no processo de cuidar, utilizando-se da comunicação e da troca de informações entre os próprios profissionais e, entre estes e o usuário. Destarte, o escore baixo à comunicação entre a equipe sinaliza que a classificação de risco e acompanhamento do usuário pode ser prejudicada, por falta de informações ou, falha em sua transmissão.

Ainda no que tange ao item Comunicação entre a equipe, chama atenção o fato de que, no SHE A este item apresentou uma das piores avaliações (MP = 2,73 pontos). Esse escore é preocupante, haja vista que, para a classificação de risco e manejo adequado do caso, durante o processo de atendimento, é imprescindível que a comunicação entre os profissionais que compõem a equipe seja efetiva, pois é a partir da interação entre os envolvidos que surgem informações úteis ao processo de cuidar. Ademais, a comunicação é a base do acolhimento, o qual é definido como uma ação técnico-assistencial que objetiva mudanças na relação entre profissional e usuário, visando um atendimento mais ético, humanitário e solidário5.

Percebe-se então, que há necessidade, especialmente no SHE A, de implantar um programa de capacitação que contemple o desenvolvimento de competências, incluindo estratégias de melhoria da comunicação entre os membros da equipe, entre a equipe e o usuário, e também, deste com os seus familiares.

Visando melhorar a qualidade do atendimento por meio de adequações na Estrutura, com base nos resultados obtidos nesse estudo (Tabela 1), propõe-se que os gestores dos serviços investigados organizem estratégias de ação no sentido de estimular a criação de mecanismos que favoreçam a discussão entre a equipe de saúde, gestores e usuários, sobre os problemas existentes na estrutura e que podem influenciar negativamente no ACCR.

Na dimensão Processo, o item Discussão sobre fluxograma (MP = 2,47 pontos) no SHE A e o item Reavaliação dos casos em espera (MP = 2,50 pontos) no SHE B, obtiveram as menores pontuações. Destaca-se, entretanto, que nos dois Serviços o Conhecimento das condutas do ACCR também apresentou MP baixa. Esse resultado coaduna com a MP baixa, obtida no item, Treinamento periódico sobre o ACCR, deixando evidente a necessidade de investimentos na capacitação da equipe.

Os dados anteriores, sem dúvida, são importantes porque, a presente pesquisa foi realizada em Serviços que já têm implantado o ACCR há pelo menos dois anos, e dúvidas sobre o fluxograma, reavaliação dos casos e conhecimento das condutas do acolhimento com classificação de risco não deveriam existir, pois no Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH) e, posteriormente, na Política Nacional de Humanização (Humaniza SUS), as diretrizes que se referem à definição de protocolos clínicos e ao acolhimento da demanda por meio de critérios de classificação e avaliação de risco, foram estabelecidos previamente1,5.

A discussão do fluxograma é um item importante para o funcionamento adequado de todo processo de atendimento do ACCR e como citado anteriormente, recebeu a pior pontuação da dimensão Processo (MP = 2,47 pontos). Esse é um dado que pode e deve ser melhorado, porque a discussão e o entendimento de toda a equipe sobre o fluxograma de atendimento é uma necessidade indiscutível para obter resultados positivos no tocante ao controle da demanda e à priorização dos agravos para o atendimento7,14.

No SHE B, a pior avaliação foi do item Reavaliação dos casos em espera, que necessita ser melhorado com a máxima urgência porque, isto é fundamental para o processo do atendimento no ACCR, por significar a manutenção, ou não, da classificação inicial realizada pelo profissional. Nesse contexto, o usuário classificado inicialmente como não sendo de risco, pode evoluir com deterioração clínica e demandar cuidados emergenciais. Assim, espera-se que a responsabilidade dos profissionais em relação aos usuários se mantenha durante todo o tempo de espera determinado pela classificação e risco4.

Deve-se destacar que, no SHE A e B, houve avaliação positiva na dimensão Processo no quesito Atendimento dos casos não graves. Apesar de não ser prioridade nos serviços de emergências, esse item que obteve a maior pontuação de toda a dimensão, pode ter relação com o desconhecimento da população sobre o objetivo do SHE, dentro da rede de assistência a saúde e também, ser produto da falta de Conhecimento das condutas do ACCR, conforme se discutiu anteriormente. Para sanar/minimizar não conformidades desse tipo, a literatura aponta que há necessidade de a rede primária dar mais resolubilidade aos casos; melhorar a articulação com os diferentes níveis de assistência; promover treinamento permanente da equipe e, adequar a estrutura gerencial e funcional desses Serviços5.

Ressalta-se que o ACCR deve ser utilizado como diretriz para o encaminhamento de casos que não são emergenciais, em consonância com os princípios do Humaniza SUS que tem como objetivo pactuar a ordenação do atendimento aos casos de menor complexidade através de uma rede de referência estruturada11. Isso quer dizer que o atendimento não deve se restringir a estratégia somente de seleção das situações de maior gravidade, mas sim, ao acolhimento do usuário e atendimento das suas prioridades de saúde1,4,13.

Com relação aos dados da dimensão Resultado (Tabela 1), estes apontam que nos Serviços pesquisados o processo de ACCR está aquém do que estabelece as diretrizes do Ministério da Saúde1, em especial ao item Contra-referência que, no SHE A, obteve MP = 2,42 pontos. Isso indica que o Serviço tem dificuldade na articulação com a rede de atenção a saúde, para oferecer o encaminhamento adequado às necessidades do usuário.

O desconhecimento da população e a baixa resolutividade da rede de atenção primária podem contribuir com o aumento da demanda espontânea em SHE15. Nesse contexto, a absorção dessa clientela sem o encaminhamento adequado para unidades de saúde de menor complexidade assistencial, muitas vezes, leva o profissional de saúde a desenvolver a classificação de risco em meio a um ambiente complexo e cercado de demandas que não são prioridades do Serviço de Urgência e Emergência, tornando-se espaço de tensão12.

A dificuldade de encaminhamento dos usuários com necessidades de cuidados de baixa complexidade para a Unidade Básica de Saúde mais próxima de sua residência, significa que os mecanismos de referência e contra-referência são falhos dentro da rede de assistência e isto, interfere no atendimento integral ao usuário no SHE. Para minimizar a alta demanda de atendimento de casos não graves pelos SHE, sugere-se que seja promovida maior articulação entre os pontos de atenção que compõem a rede de serviços de saúde1,5.

Na dimensão Resultado, destacam-se ainda, no SHE B, os itens Informação sobre o tempo de espera e Satisfação com os resultados do ACCR, ao quais obtiveram as piores avaliações. Esses dados, mais uma vez, podem significar desconhecimento ou negligência dos preceitos da humanização e do ACCR, conforme define o Ministério da Saúde1.

Os resultados obtidos no SHE A e SHE B, no item Satisfação com os resultados do ACCR, na dimensão Resultado, podem estar ligados à insatisfação dos profissionais com o próprio Serviço. Esse fato, certamente, repercute no fazer do serviço de emergência, uma vez que apontam questões de extrema relevância sobre o cotidiano vivenciado pelos profissionais de enfermagem que atuam diretamente nos SHE, servindo de alerta para que os gestores repensem a forma em que o ACCR é concebido e realizado.

Em relação ao escore de baixa satisfação dos profissionais para com os resultados do ACCR, estudo qualitativo realizado em um SHE público de Porto Alegre-RS aponta que, há lacuna entre o que deveria ser feito e o que vem sendo feito no ACCR e isso, tem implicado diretamente nos sentimentos dos profissionais de enfermagem, que se veem obrigados a sustentar um discurso que nem mesmo eles acreditam12.

Destarte, a insatisfação do profissional com os resultados do ACCR pode estar ligada às questões que não dependem exclusivamente do trabalhador, pois esse não pode assumir para si toda a responsabilidade do processo que, para garantir a qualidade e a humanização da assistência no ACCR, necessita do funcionamento adequado dos fluxos de encaminhamentos entre os serviços.

De acordo com os resultados da Tabela 2, nota-se que em ambos os SHE investigados há necessidade de melhorias na Estrutura, no Processo e no Resultado, pois nenhum dos itens dessas dimensões atingiu MP = 5 que, segundo o padrão adotado neste estudo é considerado como "Ótimo".

No cômputo geral, em todas as dimensões dos dois Serviços, obteve-se avaliação Precária. Contudo, a soma das MP da dimensão Resultado foi maior do que nas demais dimensões, o que pode ser indicativo de que os profissionais de enfermagem percebem mudanças positivas no atendimento do seu respectivo Serviço, mediante a implantação do ACCR, mesmo havendo limitações no âmbito estrutural e operacional.

Apesar de as diferenças constatadas entre o SHE A e o SHE B, relacionadas às avaliações dos itens do ACCR em cada dimensão, ambos os Serviços apresentaram a MP mais elevada no item Classificação de Risco (da dimensão Resultado). Este dado pode ser um indício de que apesar das dificuldades relatadas pelos profissionais, nas dimensões Estrutura e Processo, eles percebem que os usuários estão sendo atendidos, conforme a classificação da gravidade da sua condição.

Pesquisas7,8,10,12,15 relacionadas ao ACCR em SHE revelam que falhas na "porta de entrada" desses Serviços, em especial na classificação de risco, no acolhimento do usuário e acompanhante, que deveriam ser pautadas em preceitos de humanização, podem levar os usuários e seus familiares/acompanhantes ao entendimento de que o ACCR é uma diretriz de ação isolada na rede de atendimento, com amplitude limitada para a resolubilidade dos casos. Sendo assim, os autores sugerem que os SHE (re)organizem o atendimento, dando-se prioridade os casos mais graves e, também se promovam treinamentos periódicos da equipe sobre os preceitos e diretrizes do ACCR.

Com a implantação do ACCR esperava-se que a operacionalização dos processos de qualificação e priorização da atenção nos SHE já estivesse efetivada, mas nos locais investigados, ainda se constata a presença de antigas práticas, pautadas no atendimento fragmentado, realizado por meio de tecnologias intituladas "duras", caracterizadas pelo uso de equipamentos tecnológicos do tipo máquinas, normas, estruturas organizacionais inflexíveis, as quais, muitas vezes, não valorizam as relações entre profissional/equipe/usuário (tecnologias "leves"), que possibilitam a construção do vínculo entre usuário e profissional15,16, imprescindíveis à segurança e à qualidade do atendimento.

CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA

Conclui-se que a Avaliação Geral do Acolhimento com Classificação de Risco nos SHE pesquisados foi considerada como Precárias nas três dimensões. Os itens que obtiveram a menor pontuação no SHE A foram: Acolhimento do acompanhante, na dimensão Estrutura; Discussão sobre fluxograma, na dimensão Processo e; Contra-referência, na dimensão Resultado. No SHE B os menores valores se referiram aos itens Conforto do usuário/acompanhante, na dimensão Estrutura; Reavaliação dos casos em espera, na dimensão Processo e; Informação do tempo de espera, na dimensão Resultado.

Considera-se que o ACCR nos SHE pesquisados ainda necessita avançar em muitos aspectos para atingir os seus objetivos, pois houve a constatação de que aspectos fundamentais dos princípios e diretrizes preconizadas pela Política de Humanização, em especial, aquelas relacionadas ao conhecimento e funcionamento do ACCR, ainda são dificuldades a serem enfrentadas pelos gestores dos serviços na prática.

Como limitação deste estudo, considera-se a participação exclusiva dos profissionais da equipe de enfermagem, o que certamente, limita a amplitude das conclusões. Como sugestão de novas investigações, sugere-se a ampliação do número de sujeitos e também, a inserção de toda a equipe de saúde que atua nos SHE, inclusive gestores de diferentes níveis hierárquicos da instituição.

No campo da enfermagem, os resultados, deste estudo, possibilita aos gestores dos SHE investigados, avaliar o processo de implantação do ACCR e também, refletir e atuar sobre itens que foram avaliados com pontuações baixas, dando-se ênfase em ações de treinamento aos trabalhadores para a operacionalização efetiva dessa diretriz.

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