Volume 19, Número 2, Abr/Jun - 2015
PESQUISA
Análise do registro e conteúdo de
checklists para cirurgia segura
Marly Ryoko Amaya
1
Eliane Cristina Sanches Maziero
1
Luciana Grittem
1
Elaine Drehmer de Almeida Cruz
1
1 Universidade Federal do Paraná. Curitiba - PR, Brasil
Recebido em 14/07/2014
Aprovado em 27/04/2015
Autor correspondente:
Marly Ryoko Amaya
E-mail:
mah_amaya@hotmail.com
RESUMO
OBJETIVO:
Analisar e relacionar o registro de informações e conteúdo dos
checklists com os objetivos do Programa Cirurgias Seguras
Salvam Vidas.
MÉTODOS:
Pesquisa documental com 257 checklists de cirurgias ortopédicas
realizadas de 2011 a 2012 em hospital brasileiro. Os 12.629 itens relativos à
segurança cirúrgica alimentaram planilha do programa Excel e foram analisados com
auxílio do programa Statistical Package for the Social
Sciences.
RESULTADOS:
99,8% dos itens do checklist foram verificados e o teor dos
registros evidenciam não garantia, por meio da checagem documental, de elementos
de segurança relativos ao local cirúrgico certo (objetivo 1), perdas sanguíneas
(objetivo 4), reação alérgica (objetivo 5), retenção de instrumentais/compressas
(objetivo 7), identificação de espécimes cirúrgicos (objetivo 8) e comunicação
(objetivo 9).
CONCLUSÃO:
A alta adesão ao preenchimento do checklist permitiu identificar
potenciais riscos cirúrgicos decorrentes de ações de segurança não confirmadas,
exigindo ações em busca da qualificação da assistência.
Palavras-chave: Lista de Checagem; Segurança do Paciente; Procedimentos Cirúrgicos Operatórios.
INTRODUÇÃO
Mortes por erros ou complicações decorrentes da assistência contribuíram para o início de um movimento mundial com vistas a promover a segurança do paciente, definida como a redução ao mínimo aceitável do risco de dano desnecessário associado ao cuidado de saúde1.
No contexto da assistência ao paciente cirúrgico, estimativa mundial evidenciou que metade das complicações pós-operatórias eram evitáveis2, destacando o potencial previsível de dano. Nesse contexto, em 2009, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou o Programa Cirurgias Seguras Salvam Vidas, o qual faz parte do segundo desafio global para a segurança do paciente. O Programa contempla dez objetivos essenciais, apresentados no Quadro 11.
1. A equipe operará o paciente certo e o local cirúrgico certo. |
2. A equipe usará métodos conhecidos para impedir danos na administração de anestésicos, enquanto protege o paciente da dor. |
3. A equipe reconhecerá e estará efetivamente preparada para perda de via aérea ou de função respiratória que ameacem a vida. |
4. A equipe reconhecerá e estará efetivamente preparada para o risco de grandes perdas sanguíneas. |
5. A equipe evitará a indução de reação adversa a drogas ou reação alérgica sabidamente de risco ao paciente. |
6. A equipe usará de maneira sistemática, métodos conhecidos para minimizar o risco de infecção no sítio cirúrgico. |
7. A equipe impedirá a retenção inadvertida de instrumentais ou compressas nas feridas cirúrgicas. |
8. A equipe manterá seguro e identificará, precisamente, todos os espécimes cirúrgicos. |
9. A equipe se comunicará efetivamente e trocará informações críticas para a condição segura da operação. |
10. Os hospitais e os sistemas de saúde pública estabelecerão vigilância de rotina sobre a capacidade, volume e resultados cirúrgicos. |
Como estratégia para atingir os objetivos propostos, a OMS recomenda, às instituições de saúde, o uso de checklist a ser preenchido em três etapas ou momentos: antes da indução anestésica, antes do início da cirurgia e antes que o paciente deixe a sala operatória.
O instrumento visa à conferência de itens que comprometam a segurança do paciente1, independentemente, da falibilidade da memória da equipe, pois reforça a lembrança da verificação e incentiva a disciplina de alto desempenho3; seu uso evidenciou a redução de 11 para 7% das complicações cirúrgicas e de 1,5 para 0,8% de mortes associadas a procedimentos cirúrgicos4. No Brasil, o Ministério da Saúde instituiu, em 2013, o Protocolo Cirurgia Segura, o qual preconiza o uso sistemático do checklist5, e constitui o Programa Nacional de Segurança do Paciente6.
Como parte integrante das ações institucionais de promoção da qualidade da assistência, e seguindo as recomendações da OMS1, em 2010 um hospital de ensino do sul do Brasil instituiu checklist, inicialmente nas cirurgias da especialidade ortopédica, e adaptado à realidade institucional. O referido instrumento diferenciava-se do modelo proposto pela OMS1 por incluir uma etapa de verificação na recepção do paciente no centro cirúrgico, totalizando quatro etapas.
Cirurgias ortopédicas envolvem estruturas múltiplas e com bilateralidade, tais como membros superiores e inferiores, dedos, costelas e vértebras, incorrendo em maior risco de erro, esse evitável por meio da demarcação do sítio operatório previamente à cirurgia. Estudo7 realizado, em 2012, com 502 ortopedistas brasileiros, evidenciou que 65,3% referiram desconhecer total ou parcialmente o Programa da OMS; 72,1% afirmaram não ter recebido treinamento para aplicação do protocolo de cirurgia segura, embora 63,5% realizassem a marcação do local a ser operado. Apenas 37,1% dos participantes reconheciam o protocolo como importante para a segurança do paciente.
Partindo-se do princípio que diagnósticos situacionais contribuem para ações de melhoria de processos1, esta pesquisa teve por objetivo analisar o registro de informações e o conteúdo dos checklists, e relacionar os resultados, com os objetivos do Programa Cirurgias Seguras Salvam Vidas da OMS1.
MÉTODOS
Pesquisa de abordagem quantitativa, do tipo documental, realizada em 2013, no centro cirúrgico central de um hospital de ensino de referência do sul do Brasil. A especialidade cirurgia ortopédica foi pioneira no uso do checklist de cirurgia segura, justificando sua escolha para esta pesquisa.
Foram critérios de inclusão neste estudo os documentos caracterizados como checklists relativos às cirurgias ortopédicas realizadas de janeiro de 2011 a junho de 2012, no referido centro cirúrgico e disponíveis no arquivo hospitalar. Nesse período, três diferentes modelos de checklist foram utilizados, de acordo com modificações feitas pela instituição no modelo originalmente adotado. Não houve critérios de exclusão, visto que todos os checklists, preenchidos total ou parcialmente, foram considerados.
A variável considerada (registro dos itens do checklis) refere-se ao preenchimento, ou não, dos itens do instrumento, identificação do paciente, marcação do sítio cirúrgico, provisão de sangue, identificação de paciente alérgico, documentação e comunicação, entre outros. Cada item de verificação permitia o registro da resposta sim, não e, em alguns casos, não aplicável, sendo indicado o preenchimento de uma única alternativa.
Para a coleta de dados, realizada nas dependências do hospital, foi elaborada uma planilha no programa Microsoft Excel® versão 2007, contendo todos os itens de verificação dos três modelos adotados no período desta pesquisa, e as respostas foram registradas por meio de códigos numéricos estabelecidos pelas pesquisadoras. Resposta inválida foi atribuída quando o preenchimento foi ilegível, duplo ou indefinido. Os dados foram checados por dupla digitação e as divergências corrigidas; a análise foi feita por meio de estatística descritiva, com auxílio do programa computacional Statistical Package for the Social Sciences, versão 20.0. Os resultados, apresentados em frequências relativa e absoluta, foram organizados de acordo com as etapas de checagem e associados aos correspondentes objetivos do programa da OMS1.
Esta pesquisa foi aprovada sob registro CEP/SD 1102.027.11.04 e atendeu aos preceitos de ética em pesquisa.
RESULTADOS
Foram consultados 257 checklists arquivados; entre os 12.629 itens de verificação totalizados 8,5% (n = 1.071) não foram respondidos. Entre os 11.558 (91,5%) itens respondidos, 99,8% (n = 11.537) o foram de modo compreensível e 0,2% (n = 21) de modo inválido. Os resultados foram relacionados aos objetivos do Programa da OMS1 e estão apresentados, em tabelas, de acordo com cada etapa de checagem. Na tabela 1 são apresentados os dados da primeira etapa da lista de verificação, relativa à recepção do paciente no centro cirúrgico.
Item (Objetivo) | Sim n (%) | Não n (%) | Não aplicável n (%) | Inválido n (%) | Não respondido n (%) | Total* n (%) |
Paciente identificado (Objetivo 1) | 229 (89,1%) | 13 (5,1%) | - | 1 (0,4%) | 14 (5,4%) | 257 (100%) |
Avaliação pré-anestésica (Objetivos 2, 10) | 226 (88%) | 15 (5,8%) | - | - | 16 (6,2%) | 257 (100%) |
Consentimento cirúrgico (Objetivos 9, 10) | 245 (95,3%) | 3 (1,2%) | - | - | 9 (3,5%) | 257 (100%) |
Consentimento anestésico (Objetivos 9, 10) | 152 (66,1%) | 55 (23,9%) | - | - | 23 (10%) | 230 (100%) |
Avaliação de enfermagem (Objetivos 9, 10) | 68 (89,5%) | 6 (7,9%) | - | - | 2 (2,6%) | 76 (100%) |
Sítio cirúrgico marcado (Objetivo 1) | 166 (64,6%) | 21 (8,2%) | 49 (19%) | - | 21 (8,2%) | 257 (100%) |
Jejum (Objetivo 3) | 247 (96,1%) | 2 (0,8%) | - | - | 8 (3,1%) | 257 (100%) |
* Total de instrumentos que continham o item.
A tabela 2 apresenta os dados da etapa de checagem realizada antes da indução anestésica, com o paciente em sala operatória.
Item (Objetivo) | Sim n (%) | Não n (%) | Não aplicável n (%) | Inválido n (%) | Não respondido n (%) | Total* n (%) |
Identidade confirmada (Objetivo 1) | 252 (98%) | - | - | 1 (0,4%) | 4 (1,6%) | 257 (100%) |
Sítio cirúrgico marcado (Objetivo 1) | 200 (77,8%) | 15 (5,9%) | 35 (13,6%) | - | 7 (2,7%) | 257 (100%) |
Reserva de sangue (Objetivo 4) | 133 (51,8%) | 98 (38,1%) | 3 (1,2%) | - | 23 (8,9%) | 257 (100%) |
* Total de instrumentos que continham o item.
A tabela 3 apresenta a checagem dos elementos antes da incisão cirúrgica, etapa também denominada pausa cirúrgica ou time out.
Item (Objetivo) | Sim n (%) | Não n (%) | Não aplicável n (%) | Inválido n (%) | Não respondido n (%) | Total* n (%) |
Equipe se apresenta pelo nome e função (Objetivo 9) | 13 (48,2%) | 8 (29,6%) | 0 | 1 (3,7%) | 5 (18,5%) | 27 (100%) |
Confirma identidade e paciente com identificação (Objetivo 1) | 243 (94,1%) | 5 (1,9%) | 0 | 0 | 10 (3,9%) | 258 (100%) |
Sítio cirúrgico marcado (Objetivo 1) | 198 (77%) | 13 (5,1%) | 38 (14,8%) | 0 | 8 (3,1%) | 257 (100%) |
Paciente alérgico (Objetivo 5) | 17 (9,4%) | 147 (81,2%) | 0 | 1 (0,6%) | 16 (8,8%) | 181 (100%) |
Antibioticoprofilaxia realizada (Objetivo 6) | 219 (85,2%) | 10 (3,9%) | 0 | 0 | 28 (10,9%) | 257 (100%) |
* Total de instrumentos que continham o item.
Na tabela 4 são apresentados os itens relativos a quarta e última etapa de verificação, antes de o paciente sair da sala de cirurgia.
Item (Objetivo) | Sim n (%) | Não n (%) | Não aplicável n (%) | Inválido n (%) | Não respondido n (%) | Total* n (%) |
Ficha anestésica (Objetivo 10) | 235 (91,4%) | 1 (0,4%) | - | - | 21 (8,2%) | 257 (100%) |
Descrição cirúrgica (Objetivo 10) | 217 (84,4%) | 2 (0,8%) | - | - | 38 (14,8%) | 257 (100%) |
Contagem de instrumental (Objetivo 7) | 199 (77,4%) | 19 (7,4%) | 4 (1,6%) | 1 (0,4%) | 34 (13,2%) | 257 (100%) |
Contagem de compressas (Objetivo 7) | 190 (73,9%) | 16 (6,2%) | 31 (12,1%) | - | 20 (7,8%) | 257 (100%) |
Contagem de gazes (Objetivo 7) | 123 (47,9%) | 37 (14,4%) | 44 (17,1%) | - | 53 (20,6%) | 257 (100%) |
Amostras identificadas (Objetivo 8) | 35 (13,6%) | 71 (27,6%) | 120 (46,7%) | - | 31 (12,1%) | 257 (100%) |
* Total de instrumentos que continham o item.
DISCUSSÃO
Neste estudo 91,5% dos itens dos checklists foram preenchidos, 0,2% de modo inválido; resultado semelhante a outros estudos8,9 e que evidencia ser um desafio a completa adesão à verificação e registro de elementos essenciais à segurança do paciente cirúrgico.
A não completude dos registros direciona para ações que incluem reorientação e motivação das equipes, identificação e compreensão de fatores que dificultam a verificação integral, bem como, elucidação e discussão dos aspectos éticos e legais que envolvem o desempenho profissional. Os itens de verificação visam prevenir eventos adversos e garantir a segurança do paciente cirúrgico e são fundamentados em objetivos, previamente, estabelecidos pela OMS1, os quais norteiam a discussão dos resultados apresentados nesta pesquisa.
Considerando o primeiro objetivo1, que se refere à garantia de que a cirurgia seja realizada em paciente e local anatômico correto, os resultados apresentados desta enfatizam a importância da conferência da identificação do paciente, já que variou de 89,1% a 98%. Identificar o paciente é tarefa essencial para assegurar que a assistência seja prestada à pessoa correta, mediante a possibilidade de troca de paciente10. Nesse contexto, o protocolo de Identificação do Paciente é preconizado pelo Ministério de saúde brasileiro para todas as instituições que prestam assistência à saúde5. Além da identificação do paciente, a realização da cirurgia em local cirúrgico correto é essencial uma vez que cirurgias em paciente certo, mas em sítio operatório equivocado1 está evidenciada pela OMS como um dos desafios a serem enfrentados.
A presente pesquisa mostrou que menos de 80% dos sítios cirúrgicos estavam marcados, possibilitando eventos adversos. Em estudo11 realizado em Suécia apenas 25% (n = 24) das cirurgias observadas houve confirmação do sítio operatório pela equipe, já a identidade do paciente foi confirmada em 83% das oportunidades. Salienta-se que especialidades cirúrgicas que envolvem dupla lateralidade, como a ortopedia, a possibilidade de erro é ainda maior.
A confirmação da identidade do paciente, também, está associada à segurança na administração de medicamentos, incluindo os anestésicos. Evidenciando o uso de métodos na prevenção a danos neste contexto, um dos itens de verificação diz respeito à avaliação pré-anestésica, a qual oportuniza que condições clínicas desfavoráveis para a cirurgia sejam previamente identificadas; a cirurgia não deve ser realizada caso haja alguma inconformidade1,12. Nesse sentido, os resultados da pesquisa mostram que em 88% dos procedimentos esta avaliação foi realizada; e corroboram estudo12 que salientou a importância desta avaliação e demonstrou baixa incidência de complicações anestésicas após sua adoção sistemática.
Outro elemento de segurança é a verificação do jejum pré-operatório, vinculado ao objetivo 3 que preconiza o preparo da equipe para perda de via aérea ou função respiratória. O jejum não foi confirmado na totalidade das cirurgias (96,1%) embora seja elemento fundamental para garantir o esvaziamento gástrico, evitando broncoaspiração, intercorrência desencadeante de oclusão de vias aéreas1.
A reserva de sangue e o acesso endovenoso, com planejamento de fluidos, são itens relacionados ao objetivo 4 - preparo da equipe para o risco de grandes perdas sanguíneas1. O protocolo nacional de cirurgia segura orienta breve discussão da equipe sobre riscos de eventos críticos durante o procedimento, e recomenda a revisão do planejamento cirúrgico, com inclusão da verificação das condições dos equipamentos e previsão de reposição de fluidos e reservas de hemocomponentes5. Os dados da pesquisa mostram que em 51,8% dos procedimentos houve a reserva de sangue. Pesquisadores destacam a importância da transfusão sanguínea com objetivo de manter os níveis de hemoglobina, volume sanguíneo e fatores de coagulação propícios para um procedimento cirúrgico seguro13, devendo ser item contemplado no pré-operatório quando há risco de perda sanguínea superior a 500 ml em adultos ou 1 ml por quilo de peso em crianças1.
Considerando o objetivo 5 - a equipe evitará a indução de reação adversa a drogas ou reação alérgica sabidamente de risco ao paciente, os resultados desta pesquisa expressam checagem de 90,6%, frequência semelhante a outro estudo brasileiro de 20129 que evidenciou a conferência de alergias em 94% dos casos, inferindo que os itens melhor preenchidos no checklist estão relacionados ao risco de morte. Portanto, o conhecimento prévio dessa condição resulta em promoção da segurança, prevenção de intercorrências e redução do risco de óbito1.
Estudo14 destacou que quase metade dos eventos adversos em pacientes internados era evitável, sendo a maioria deles relacionados à cirurgia e ao uso de medicamentos. Deste modo, investigar as condições clínicas e o estado alérgico do paciente, pela adequada avaliação e planejamento cirúrgico, é uma medida eficaz de segurança ao paciente. Como integrante do checklist institucional, a avaliação de enfermagem, realizada no pré-operatório contempla essa investigação, e foi realizada em 89,5% dos procedimentos.
Para minimizar o risco de infecção do sítio cirúrgico, correspondente ao objetivo 6, a equipe deve confirmar o uso de profilaxia antimicrobiana no período de 60 minutos antes da incisão cirúrgica5; tempo que coincide com o maior nível terapêutico do antibiótico no momento de maior exposição tecidual aos microrganismos1,5. Este estudo evidenciou que a realização da antibioticoprofilaxia foi confirmada em 85,2% das cirurgias. Salienta-se, igualmente, a importância de protocolos instituídos e conhecidos pelas equipes, uma vez que o uso inadequado pode induzir a resistência dos microrganismos, ao invés de promover proteção1.
O objetivo 7 refere-se à conferência de itens antes da saída do paciente da sala cirúrgica, para certificar-se de que todos os materiais utilizados não ficaram retidos no campo operatório, evitando prejuízos ao paciente. O checklist institucional contempla a contagem de instrumentais cirúrgicos e agulhas, compressas e gazes; contudo, a verificação variou de 47,9 a 77,4%, corroborando com estudo realizado, na mesma instituição, no qual não houve adesão significativa da conferência destes itens15. A retenção inadvertida de materiais resulta em internamentos, intervenções cirúrgicas, gastos hospitalares e até mesmo o óbito, salientando-se a importância da contagem dos materiais, assim como a adoção de medidas adicionais, como exame de raios-x, quando a contagem for incerta1,16.
Em relação à segurança e identificação dos espécimes cirúrgicos pela equipe, objetivo 8 da OMS, o estudo destacou que 27,6% das amostras não foram identificadas e em 12,1% dos instrumentos esse item não foi respondido. O uso de um sistema de requisição de exames e identificação de amostras contribui para a redução de erro de amostras, eventos adversos e danos aos pacientes1,17, os quais podem incorrer em erro de diagnóstico e atrasos no tratamento.
Ao abordar a questão da comunicação efetiva da equipe e a troca de informações para a segurança operatória (objetivo 9) observou-se, nesta pesquisa, baixa adesão aos itens relacionados. A apresentação da equipe no momento imediatamente antes incisão cirúrgica, com revisão do plano cirúrgico e possíveis intercorrências (time out), ocorreu apenas em 48,2% dos procedimentos, semelhante a estudo sueco11 o qual demonstrou que em 58% dos procedimentos a equipe se apresentou por nome e função. Esta medida proporciona maior familiaridade entre os profissionais, sentimento de fortalecimento pessoal e o conhecimento das atribuições de cada um; em situação inesperada permite maior agilidade na intervenção1,11.
O décimo e último objetivo do programa da OMS1 estabelece que hospitais e sistemas de saúde pública devam estabelecer vigilância de rotina sobre a capacidade, volume e resultados cirúrgicos. Documentos como avaliação pré-operatória de enfermagem e pré-anestésica, descrição cirúrgica e ficha anestésica consistem importante fonte de informações relativas à segurança do paciente, da assistência e da qualidade do serviço prestado. Estes itens foram confirmados em 89,5%; 88%; 84,4% e 91,4%, respectivamente, demandando maior sensibilização da equipe para o seu preenchimento, uma vez que também consistem em documentos utilizados em auditoria e investigação de agravos e óbito pós-operatórios.
Os registros escritos contribuem para a qualidade da assistência e compõem indicadores de avaliação, e, no presente contexto, é indicador de processo e de resultado18. Nas instituições de assistência à saúde do Brasil, o Núcleo de Segurança do Paciente é responsável pela análise dos registros de incidentes notificados6. Documentos relativos à assistência hospitalar constituem registro de informações relevantes na cadeia de investigação de eventos, incluindo procedimentos cirúrgicos, infecções, erros cirúrgicos e exposição ocupacional a material biológico. Desse modo, os registros subsidiam a avaliação, revelando as condições sob as quais os serviços de saúde são prestados e direcionando as práticas seguras.
As limitações desta pesquisa estão relacionadas à abordagem de realidade local e de especialidade cirúrgica específica. Contudo, considerando que as iniciativas da OMS e do Ministério da Saúde brasileiro ainda podem ser consideradas recentes, os resultados apresentados, associados a outros estudos nacionais, podem contribuir para melhor conhecer a realidade brasileira no tema investigado.
CONCLUSÕES
Os resultados da pesquisa permitiram conhecer as frequências de preenchimento e os conteúdos dos checklists relativos à segurança cirúrgica na especialidade ortopédica. Observou-se elevada frequência de itens respondidos refletindo adesão da equipe ao preenchimento do instrumento, inferindo-se conhecimento do programa institucional. Entretanto, a não completude dos registros evidencia que ações seguras, de acordo com os documentos, foram negligenciadas pela equipe cirúrgica.
O teor dos documentos analisados permite concluir que a equipe cirúrgica não garantiu, por meio da checagem documental, vários objetivos estabelecidos pela OMS, destacadamente os elementos de segurança relativos ao local cirúrgico certo (objetivo 1), preparo para grandes perdas sanguíneas (objetivo 4), prevenção de reação alérgica (objetivo 5) e retenção de instrumentais ou compressas (objetivo 7), e identificação de espécimes cirúrgicos (objetivo 8), além da efetiva comunicação entre a equipe (objetivo 9).
Os resultados podem subsidiar o planejamento de ações institucionais corretivas com vistas à verificação e registro de todos os itens do checklist e, deste modo, contribuir para a implantação integral e com excelência do Programa Cirurgias Seguras Salvam Vidas na instituição e, mais importante, desenvolver uma prática profissional focada na segurança do paciente. Este estudo poderá nortear atividades voltadas à promoção da cultura de segurança e percepção dos profissionais de saúde, líderes e gerentes quanto à segurança do paciente no bloco operatório; bem como, servir de parâmetro em relação ao preenchimento do checklist para outras investigações.
REFERÊNCIAS