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Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
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CAPES

Volume 19, Número 1, Jan/Mar - 2015



DOI: 10.5935/1414-8145.20150009

PESQUISA

Sentimentos existenciais expressos por usuários da casa de apoio para pessoas com câncer

Patrícia Chatalov Ferreira 1
Julia Wakiuchi 1
Vanessa Denardi Antoniassi Baldissera 1
Catarina Aparecida Sales 1


1 Universidade Estadual de Maringá. Maringá - PR, Brasil

Recebido em 11/02/2014
Aprovado em 09/09/2014

Autor correspondente:
Julia Wakiuchi
E-mail: julia.wakiuchi@gmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Objetivou-se compreender o significado do acolhimento em casas de apoio para os usuários com câncer, durante o tratamento antineoplásico fora de suas cidades.
MÉTODOS: Embasado pela fenomenologia heideggeriana. Foram entrevistados 15 usuários de uma casa de apoio filantrópica localizada no noroeste do Paraná. A etapa de campo ocorreu de junho a julho de 2012, sendo os usuários entrevistados a partir da questão norteadora: "Como você se sente ao permanecer em uma casa de apoio durante seu tratamento para o câncer?".
RESULTADOS: Por meio da exploração e análise das falas emergiram três categorias: "Recordando seu vigor de ter sido", "Experenciando ser acolhido no presente" e "Vivenciando satisfação autêntica ao ser cuidado".
CONCLUSÃO: Compreendemos que vivenciar uma acolhida autentica baseada em um modo solidário e humanizado, além de aproximar os profissionais de um cuidado integral, desperta nos entes cuidados sentimentos de gratidão e empatia.


Palavras-chave: Neoplasias; Assistência integral à saúde; Apoio social; Qualidade de vida.

INTRODUÇÃO

Atualmente, conviver com o câncer no lar é um fato concreto no seio de muitas famílias. Deve-se lembrar que esta doença é considerada, isoladamente, a segunda maior causa de morte na população brasileira1. Tal realidade implica em reorganização social, sobretudo no que diz respeito ao apoio necessário aos familiares e pessoas que vivenciam diretamente a doença.

Não obstante, o tratamento antineoplásico é considerado de alta complexidade e requer recursos tecnológicos e científicos para sua realização. Tal característica limita o número de hospitais ou clínicas que dispõem da infraestrutura necessária para tais procedimentos, restrito às cidades de grande porte. Nesse sentido, pacientes de municípios pequenos, ao iniciarem sua luta contra o câncer se deparam com mais uma barreira em especial: a falta de acessibilidade para o tratamento. Assim, estes indivíduos convivem com a exigência de locomoção frequente até os centros oncológicos especializados, o que dificulta ainda mais o enfrentamento da doença, por ocasionar significativo desgaste físico, financeiro e emocional.

Essa situação é agravada pelos efeitos colaterais decorrentes da terapêutica, que podem provocar limitações exigindo que residam na cidade onde realizam o tratamento. Para tanto, estes pacientes necessitam de um local de permanência no município do tratamento - o que nem sempre é encontrado com facilidade. Para apoiar estes indivíduos, houve a premência de um local que abrigasse, acolhesse e suprisse as necessidades dos mesmos nessa fase sensível e difícil que estão vivenciando. Com isso surgiram as casas de apoio, "voltadas a oferecer um recurso de assistência e cuidado a uma clientela que, particularmente, esteja vivenciando uma situação de maior vulnerabilidade emocional e/ou física"2:170.

De tal modo, em face ao tratamento do câncer, o paciente necessita de acolhimento, preferencialmente por um ambiente que lhe agrade e, que lhe proporcione conforto e paz semelhantes aos encontrados em seu lar. As chamadas casas de apoio "propiciam um ambiente familiar, distanciando-se do aspecto hospitalar e aproximando-se do contexto da rotina doméstica"3:97. Reitera-se, então, a relevância destas instituições, uma vez que a dor, desfiguração, isolamento social e a iminência da morte fazem parte dos sentimentos vivenciados pela maioria dos pacientes submetidos a tratamentos oncológicos4.

As casas de apoio têm a função de empregar o cuidado holístico e humano aos que nela se encontram, para proporcionar bem-estar físico e emocional. Essa assistência é implementada por equipes multiprofissionais que realizam a união de diversos conhecimentos para proporcionar cuidado amplo e contínuo. Seguindo este pensar, a presente pesquisa conduziu-nos a buscar a compreensão do fenômeno: como esses usuários percebem a casa de apoio, onde estão hospedados nesse momento de suas vidas?

Desse modo, desvelar o significado dos lares provisórios na vida dos usuários, durante o tratamento torna-se algo importante, sobretudo por acreditar no incremento científico que tal feito poderia trazer na qualificação dos recursos sociais de apoio para tratamentos prolongados. Além disso, diversas pessoas ainda não possuem ciência das atribuições destas instituições, ou ainda, não reconhecem sua influência no tratamento quimio/radioterápico.

A nosso ver, pesquisas com esse escopo justificam-se, uma vez que são escassos estudos que abordem os sentimentos dos usuários que realizam tratamento longe de sua cidade, principalmente, aqueles que permanecem em casas de apoio. Tal realidade demonstra a necessidade de uma reflexão por parte dos profissionais de saúde, principalmente, os enfermeiros acerca da condição destes seres, para que estes possam albergar em seus cotidianos, os cuidados a estas pessoas. Isso requer a identificação de suas necessidades biopsicossociais, que devem ser apreciadas e levadas em consideração no planejamento e desenvolvimento de ações voltadas à saúde e bem-estar destes indivíduos.

Assim, este estudo teve como objetivo compreender o significado do acolhimento em casas de apoio para os usuários com câncer durante o tratamento antineoplásico fora de suas cidades.

MÉTODO

Tratou-se de uma pesquisa qualitativa que se utilizou da Fenomenologia Existencial proposta por Martin Heidegger5. A escolha desta abordagem permitiu focalizar o fenômeno em busca de compreender o outro em sua facticidade, considerando-o em suas singularidades, ou seja, o homem em sua totalidade existencial5.

O estudo foi desenvolvido em uma casa de apoio criada em 1983 e localizada em município polo regional do noroeste do estado do Paraná-Brasil que atende pacientes de ambos os sexos em tratamentos contra o câncer. A instituição oferece serviços de enfermagem, fisioterapia, psicologia, farmácia, assistência social e assessoria jurídica. A casa oferece ainda, os serviços de hotelaria (pouso, banho e alimentação) e transporte gratuitos para todos os pacientes que realizam o tratamento fora do domicílio (TFD), ou seja, aqueles oriundos de outros municípios.

Os participantes da pesquisa foram pacientes adultos, em tratamento antineoplásico, que se encontravam, devidamente, cadastrados na casa de apoio e hospedados nesta, no momento da entrevista. Além disso, foi elencado como critério de inclusão, residir em uma das cidades pertencentes à 15ª Regional de Saúde do Estado do Paraná, exceto a cidade sede, onde os pacientes realizam o tratamento. A partir deste critério, o estudo contou com a participação de 15 indivíduos.

As entrevistas ocorreram no período de junho a julho de 2012, na própria instituição. O instrumento utilizado constituiu-se de um questionário contendo questões sociodemográficas e a seguinte questão norteadora: "Como você se sente ao permanecer em uma casa de apoio durante seu tratamento para o câncer?".

As entrevistas foram registradas na íntegra, com o auxílio de um gravador digital e, em seguida, foram transcritas pelos próprios autores. Ademais, para manter o anonimato dos participantes entrevistados adotaram-se pseudônimos, referentes a virtudes dos pacientes, pois demonstram as qualidades que estes revelaram durante os encontros e, os tornaram únicos aos olhos do pesquisador.

Foi iniciada então, a trajetória partindo do ôntico ao ontológico, sendo realizadas leituras atentas de cada depoimento, a fim de separar os trechos ou unidades de sentidos que se mostraram como estruturas fundamentais da existência. Posteriormente, foram analisadas as unidades de sentidos de cada depoimento, e realizada a seleção fenomenológica da linguagem de cada participante, pois uma unidade de sentido é, em geral, constituída de sentimentos revelados pelos depoentes que contemplem a interrogação ontológica6. Desta forma, surgiram as temáticas ontológicas, analisadas à luz de algumas ideias da analítica heideggeriana, de alguns pressupostos dos cuidados paliativos e, de autores que versam sobre essas temáticas.

Esclarecemos que o presente estudo está inserido em uma pesquisa de maior amplitude intitulada: "A aplicabilidade dos cuidados paliativos nas ações básicas de saúde promovendo melhor qualidade de vida ao doente com neoplasia maligna, seus familiares e os profissionais de saúde". Esse projeto foi realizado de acordo com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº 196/96, que vigorava na época da coleta de dados, revogada pela Resolução 466/2012 do Ministério da Saúde e, aprovado pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá sob o parecer nº. 435/2011. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Entre os 15 pacientes entrevistados havia oito mulheres e sete homens, em sua maioria casados (oito), que possuíam renda de até um salário mínimo (seis). Destes, seis possuíam ensino fundamental incompleto e três eram analfabetos. A idade variou entre 40 a 77 anos e, os tipos de neoplasias mais encontrados entre os pesquisados foram as de mama, próstata, intestino, colo do útero e metástases. O tempo de tratamento da maior parte dos participantes (oito) foi de até seis meses, sendo que, consequentemente, o tempo de permanência na casa oscilou entre 1 semana e 7 meses de hospedagem.

Destacamos ainda que a distância aproximada dos municípios onde moravam os pacientes até a cidade em que realizavam o tratamento foi em média de 131,1 km. Para estes trechos, o tempo de viagem de ônibus pode variar de 40 minutos (até a cidade mais próxima), chegando a 4 horas até o município mais distante. Atualmente, 15,5% dos brasileiros residem em cidades situadas a mais de 150 km de distância de um centro onde é possível realizar o tratamento7.

Por meio da exploração e análise das falas dos depoentes entrevistados emergiram três categorias interpretadas a seguir.

Recordando seu vigor de ter sido

Em sua obra Ser e Tempo (parte II), o Ser-aí e temporalidade, Heidegger expõe a interpretação do homem autenticamente existente, isto é, o ser-no-mundo em sua temporalidade8. Para o pensador, na antecipação da morte, ou seja, na forma originária e autêntica do cuidar, o homem desvela todo o seu poder-ser, sendo que esse poder-ser manifesta-se em uma constituição temporal. É uma temporalidade primitiva que se temporaliza conforme três ek-stases: o porvir (futuro), o vigor de ter sido (passado) e a atualidade (presente)5.

Nesta temporalidade, entendendo ser um ente para a morte, o ser-aí percebe-se lançado no mundo e vivenciando a facticidade de sua existência, ou seja, estar com câncer. O movimento temporal pelo qual ele faz o retorno ao seu estar-lançado constitui o passado. No pensar heideggeriano, é projetando-se em direção ao passado que o homem pode avistar e assumir o seu estar-no-mundo. "O ser humano pode voltar ao passado, porque a vida se compacta, se cristaliza sob formas significativas, de sentido e valor"9:137.

A partir do exposto, concebemos nas descrições dos usuários que estar acolhido atualmente em uma casa de apoio não apaga as lembranças das vicissitudes enfrentadas durante sua peregrinação em busca da cura. "O passado sempre tem sentido somente, na medida em que é visto a partir de um presente"9:136. O momento do transporte se destaca dos demais, como sendo o de maior impacto, uma vez que, as vicissitudes experienciadas avivam nos doentes sentimentos de angústia e revolta ante sua condição existencial. Esses sentimentos são expressos nas falas a seguir:

[...] porque lá da nossa cidade a gente sai 4h da manhã, daí tem ficar até 19h mesmo, tem que esperar até esse horário... Aí ficava muito tarde, não aguenta, tem que voltar ainda [...] (Generosidade).

[...] eu fazia a quimioterapia uma vez por mês e ia de manhã, levantava às 4h e vinha às 5h da manhã. A gente ficava sem comer, que era para não ficar enjoada. Tinha dia que chegava em casa 17:30 ou 18h da tarde e era muito cansativo. Ficava lá esperando, sentada, esperando... E ainda que vínhamos de van, daí tinha que esperar outros doentes [...] (Perseverança).

[...] e aquela que traz a gente, a Dona B. não pode ir embora cedo, porque ela vinha com uma van cheia... Tudo doente. Ai tinha que esperar comer marmita, e não podia dormir, porque não tinha aonde dormir [...] (Prudência).

[...] Quando eu fiz o tratamento e tive que voltar, voltei ruim menina, fiquei deitado e fiquei largado lá como se estivesse dando uma reação. Voltando naquele ônibus ruim, duro e lotado de doente... Você precisa ver, é sério [...] (Fé).

Destaca-se que a qualidade dos cuidados e, principalmente, a realização do tratamento em período adequado podem ser prejudicadas pela complexidade do acesso. Pois, ao estarem à mercê do transporte disponibilizado pelas prefeituras da cidade, os usuários devem se adequar aos horários e modalidade dos mesmos, o que exige por parte dos pacientes demasiada paciência frente à lotação, desconforto e os extremos de horários que não permitem seu descanso7.

Na analítica heideggeriana a disposição ergue-se sobre o passado, quando o homem se retrai, eventualmente, ao mundo do esquecimento, ao seu ter-sido-lançado. O filósofo refere que a disposição caracteriza-se no humor ou afetividade, representando os modos como o homem se expressa ao mundo. Nessa análise temporal do humor o autor reporta-se ao temor.

Para o filósofo o temor caracteriza-se como uma disposição imprópria, pois o temor encontra seu ensejo nos entes que vêm ao seu encontro descortinando um "malum futurum". O significado existencial e temporal do temor constitui-se de um esquecimento de si mesmo. O temor proporciona o afastamento do Ser-aí do seu poder-ser mais próprio e, nesse esquecimento, ele não se reconhece mais em seu mundo circundante e não visualiza as várias possibilidades ao seu redor, pois no temor o homem perturba-se diante do mundo, tornando-se atormentado e perturbado5.

Durante a leitura dos depoimentos visualizamos que ter que hospedar-se em uma casa de apoio, inicialmente, provoca sentimentos de temor diante da possibilidade de terem que vivenciar momentos difíceis e muitas vezes desconhecidos.

[...] Eu, a gente achou que ia entrar em um lugar meio errado, estava com medo (Temperança).

[...] Aí a gente pensava... A gente morava longe, quando a gente for para lá, vai ser o ó, eu nunca tinha ficado fora de casa, pensei que ia ser esquisito, mas eu gosto daqui (Esperança).

[...] Eu chorei em casa ontem à noite, eu pensei, e agora o que eu faço?![...] Eu não iria aguentar fazer o tratamento, eu iria aguentar não, ir e voltar no estado que eu estou. Se não fosse esse lugar para ficar, não sei como ia fazer o tratamento. Eu não ia aguentar (Fé).

Diante das falas apreendemos que a quebra da rotina e a possibilidade de adentrarem em um lugar desconhecido desperta nesses indivíduos sentimentos de temor diante da probabilidade de não se adaptarem ao novo lar provisório. E, estes sentimentos de desesperança são evidenciados na linguagem dos sujeitos ao expressarem o receio de saírem da proteção de seus lares e, partirem em prol da vida, para um lugar totalmente incógnito até então por eles.

No discurso existencial heideggeriano, se por um lado o homem relaciona o temor a um "malum futurum", concebe na esperança o desenvolver de um "bonum futurum", pois a esperança traz ao ser humano a força necessária para emergir de sua angústia e vislumbrar novas possibilidades. "Aquele que tem esperança se carrega, por assim dizer, a si mesmo para dentro da esperança, contrapondo-se ao que é esperado"8:143. Neste pensar, depreendemos na linguagem de Fé que familiarizar-se com a casa de apoio traz-lhe esperança e fá-la emergir de sua angustia existencial e fortalecer-se para enfrentar o tratamento.

Vale ressaltar, que uma rede de apoio deve conceder duas instâncias de auxilio aos seus pacientes, a instrumental e a emocional. A ajuda instrumental é financeira, incluindo a distribuição da sobrecarga e a realização de instruções ao sujeito. Já o auxilio emocional, pauta-se na empatia, cuidado ao próximo e, por fim, fornecem o sentimento de ser acolhido pela equipe cuidadora10. Assim, é possível observar que a rede de apoio compreende um paradigma notável de promoção, prevenção e recuperação da saúde, já que possui a atenção voltada a todas essas vertentes, proporcionando ao paciente oncológico um cuidado digno nesse momento efêmero da sua vida.

Experenciando ser acolhido no presente

Na meditação heideggeriana a última ek-stase da temporalidade é o presente. Não representando o momento atual da temporalidade coloquial, mas como um existenciário indica o movimento pelo qual o ser-aí, projetando-se para o seu poder-ser mais próprio e assumindo seu existir-no-mundo, descobre um mundo que é seu, isto é, sua própria situação. A presentificação do presente autêntico pelo homem, Heidegger denomina is-stante (Augenblick), ou seja, o momento em que ele se torna livre para vivenciar seu mundo e descobrir formas para enfrentar o câncer e seu tratamento5.

O caminho da liberdade foi expresso pelos usuários por meio da alegria de sentir-se acolhido, pois em todos os depoimentos observamos que os mesmos trazem em si a crença de que alguém está olhando por eles, ajudando-os a enfrentar a doença e seu tratamento. Os usuários possuem a percepção que a rede apoio é essa ajuda e luz necessárias para desfazer essa nuvem de fragilidade que o paciente e família se encontram, amparando-os após a revelação do diagnóstico e sendo suporte durante todo o ciclo da doença. Nas falas, a seguir, os pacientes revelam a importância da casa em suas vidas, ressaltando as minúcias que fazem desse local a sua segunda morada.

[...] É muito importante, e está me ajudando porque a gente não precisa voltar para cidade no mesmo dia, aqui a gente pode ficar, tem comida, pode descansar, vai lá fazer a radio e já volta, muito legal... Estou gostando. [...] E agora aqui na Rede está sendo bem mais tranquilo, a gente pode descansar, deitar, comer... Está sendo bem legal ficar aqui (Perseverança).

[...] Está me ajudando muito. [...] Aqui a alimentação é boa, cama boa para dormir... Dá para descansar, tudo limpinho. Aprendi muita coisa... Gostei muito daqui. Cada um tem o seu quarto aqui (Prudência).

[...] a gente descansa bastante e não fica estressado... Come na hora certa e dorme certinho... Aqui é tudo certinho. Aqui é tudo de bom. Nem me lembro da minha casa... De tão bom que é aqui, bem tratado, toma banho a hora que quer, dorme. Leva a gente no hospital e busca. Aqui é muito, muito bom (Caridade).

[...] Aqui está bom, está ótimo, para mim está ótimo mesmo, porque aqui está igual a minha casa. [...] Para mim foi bom. Aqui é ótimo mesmo, aqui está em casa [...] (Temperança).

Como é possível averiguar nas falas, a rede de apoio procura manter a rotina de cada sujeito, respeitando a sua individualidade e, suprindo todas as suas necessidades básicas. E com isso, fazem com que, apesar de distantes do seu lar, sintam-se em casa, ou seja, uma dificuldade a menos a ser superada: a saudade do conforto e aconchego do seu lar. Considerando assim, o cuidado de saúde prestado pela casa de apoio vai além da atuação sobre a doença, procurando resgatar e construir laços sociais em um ambiente que se aproxima de sua casa, em uma concepção biopsicossocial da saúde2.

Na analítica heideggeriana, o ser-com revela modos de ser no seu encontro com o outro, que transitam entre a ocupação e a preocupação. Na ocupação, deixa-se guiar pelo desdém e negligência no trato com outros entes ao seu redor; enquanto que, quando ele se preocupa, estabelece-se o modo de co-relação e, por um privilégio ôntico-ontológico, torna-se ser-com-os-outros11. Este relacionamento com o outro de uma forma envolvente e expressiva é chamado de solicitude12. Esta tem por características primordiais o "ter consideração para com o outro" e de "ter paciência com o outro". As duas estão relacionadas à temporalidade, visto que a consideração remete-se ao passado, à vivência que já foi, ou seja, tem um olhar para traz; enquanto a paciência é vista para frente, devido à esperança daquilo que ainda poderá ser no futuro12.

De tal forma, por apresentarem características diligentes e humanizadas os funcionários que acolhem o outro são admirados pelos usuários que demonstram através dos discursos, gratidão pelo carinho e consideração recebidos.

[...] Agora a casa aqui, Nossa Senhora!... Ajuda demais. [...] Não falta nada para gente. Um povo educado, um povo bom, que trata a gente bem. Nós somos bem tratados aqui. Aqui descansa sossegado, se alimenta bem. Eles levam e buscam [...]. Aqui não pode falar nada, de mal não... Tem de tudo para gente, não falta nada para nós aqui não (Esperança).

[...] povo bom, tem carinho, tem consideração. Trata a gente com muito respeito e com muito carinho. Povo devoto. Aqui assisto missa, assisto terço. [...] A Rede está ajudando bastante, está muito bem. [...] O pessoal é muito religioso, muito educado, eu gosto daqui (Humildade).

[...] Agora fazendo a quimioterapia aqui é melhor, tem enfermeira, tem tudo aqui dentro, qualquer coisa que a gente precisa, tem gente para ajudar (Generosidade).

Relativo à questão, autores expressam que, uma casa de apoio quando composta por serviços de qualidade e funcionários exemplares, resulta na satisfação do hóspede, auxiliando-o no enfrentamento do tratamento, ou ainda, camuflando a difícil realidade vivenciada, o que proporciona a qualidade de vida ao sujeito hospedado. Isso se dá pelo alcance de outras características essenciais aos indivíduos, como o auxilio da família, uma dieta nutricional adequada, domínio das emoções, tranquilidade, respeito com seus princípios e história entre outros aspectos13.

A instituição de apoio, por possuir profissionais experientes e capacitados que permanecem disponíveis aos seus pacientes, remete segurança e tranquilidade aos mesmos, demonstrado no discurso "Generosidade". Logo, esses funcionários são considerados como um porto seguro, por sua importância no período de diagnóstico da enfermidade, e o apoio durante o tratamento14. Além disso, as atitudes dos profissionais que atuam na casa remontam a prática da integralidade, que remete os profissionais ao paciente como centro de interesse, considerando seus aspectos subjetivos e experiências ao realizar o cuidado15.

Sendo assim, é fundamental que os profissionais envolvidos nestas instituições estejam preparados para acolher estes seres e lhes oferecer o apoio e cuidado de que precisarem nesse momento tão especial de sua vida, para assim não haver maior comprometimento de sua física e mental.

Vivenciando satisfação autêntica ao ser cuidado

Na meditação heideggeriana, se por um lado a abertura inautêntica prejudica o momento do encontro entre as pessoas, a abertura autêntica desvela em si a capacidade do ser-aí manifestar atitudes de companheirismo e cuidado para consigo mesmo e para com outros entes ao seu redor16.

O paciente oncológico que realiza tratamento longe do lar encontra-se em uma situação de dependência do próximo para alcançar a satisfação no dia a dia e qualidade de vida durante essa jornada. Nesta perspectiva, o amparo ofertado no momento de necessidade eminente possui um valor imensurável a quem recebe. Frente a tantos obstáculos, o apoio da instituição é a certeza de um porvir seguro, que anima sua luta e dá forças para enfrentar a nova caminhada. Desta forma, as vicissitudes que acompanham a pessoa durante o tratamento oncológico são diminuídas pela disponibilidade do próximo.

[...] A importância da Rede... Não tem nem o que falar, porque é uma coisa tão importante... que nem tem o que você falar. É tão importante na nossa situação [...]. A importância disso aqui não tem jeito de falar... é bom demais... bom demais... uma maravilha [...] (Paciência).

[...] Olha para mim, no meu ver foi a melhor coisa que já aconteceu na minha vida [...]. Estão fazendo o possível e o impossível para mim. [...] Estou muito feliz por estar nessa casa (Fortaleza).

[...] Muito importante para mim [...]. Aqui é tudo de bom. [...] Aqui é muito, muito bom. Tudo de bom aqui, sem comentários... Estou adorando. (Caridade).

Atentando-nos para a linguagem dos depoentes notamos a relevância ímpar que cada hospede consegue expressar sobre o local de abrigo. Haja vista esses locais auxiliam na qualidade de vida de pacientes com câncer, já que ofertam acolhimento institucional para pessoas que precisam realizar tratamento de saúde fora do domicílio e que não dispõem de condições financeiras para custear uma casa de apoio particular. Também, proporcionam a ampliação do universo informacional dos mesmos, por meio das orientações e encaminhamento que realizam, com vistas a efetivação de direitos.

Enfatizando ainda, o contentamento com os serviços da casa, os usuários encontram dificuldade para expressar a importância que ela representa em sua vida. Pois, ao se tornarem alvo de tanto zelo e dedicação, revelam a grandeza da instituição por meio da sua gratidão, além de considerarem o local como predestinado a auxiliá-los durante a difícil jornada.

[...] Louvo a Deus que tem essa casa viu. Tenho que dar Graças a Deus, com tanta coisa que aconteceu na minha vida, tem essa casa de Apoio para gente ficar aqui. (Prudência).

[...] Esta bom aqui. Graças a Deus! [...] Graças a Deus, Deus iluminou esse lugar para gente, para poder fazer esse tratamento. Foi Deus que iluminou esse lugar para eu conseguir fazer o tratamento, porque se não fosse, o que nós iríamos fazer? O carro não vem. É uma maravilha, Deus deu uma benção esse lugar aqui, foi uma benção, na hora que eu cheguei e eu vi, eu falei: Oh meu Deus... Aquela senhora branquinha que estava conversando com nós aqui e olhando nela eu falei: Oh meu Deus que alívio. Ela nem sabe o quanto eu estava agradecendo, e ela falando para mim (Fé).

A religião é empregada confortando o paciente em períodos de vulnerabilidade, dor e adoecimento, pois assim que concede ao ser supremo o controle de suas experiências, encontra tranquilidade e amenização da aflição e o temor vivenciados17. Assim, para o paciente que se depara com a neoplasia maligna, a fé torna-se um alicerce de proteção que serve para fortalecer o individuo e faz com que o mesmo suporte as barreiras impostas pelo tratamento, ou ainda, aceite o ensejo de sua terminalidade1. A casa de apoio foi sentida como concretização do cuidado e, baseada na espiritualidade, vista como uma dádiva para os pacientes que ali estavam.

Deste modo, com a mesma finalidade que a religião, a rede de apoio exerce o seu suporte e esperança às pessoas que a buscam, proporcionando conforto e paz, sentimentos esses, evidenciados nos relatos de Prudência e Fé. Acerca desta questão, autores mencionam que "a esperança traz consigo um presságio de futuro, permitindo ao doente e sua família a força necessária para emergir de sua angústia e vislumbrar novas possibilidades"18:30.

E, neste ambiente acolhedor usuário e acompanhante encontram forças para superar as vicissitudes do presente. Encontrar auxílio nesse momento proporciona consolo, pois dá o refúgio necessário para restabelecer a esperança e força que foram abaladas. No depoimento de "fé", é nítido o sentimento de gratidão e alívio, enfatizando que a instituição foi crucial para restaurar suas esperanças no enfrentamento do câncer, e que esta proporcionou uma nova perspectiva em relação à vida e seu existir, favorecendo desta maneira o restabelecimento do equilíbrio espiritual e físico, alcançando assim, a qualidade de vida do hóspede durante sua permanência na casa.

A nosso ver, às vezes, é apenas necessária uma pequena luz, como auxílio para que esse sujeito volte a reluzir. Vislumbramos o vínculo paciente-casa de apoio e, logo concluímos que, o laço vigoroso existente entre esse binômio, faz com que o paciente tenha um grande fascínio pelos cuidados recebidos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao adentrarmos no mundo das pessoas com câncer que necessitam realizar o tratamento longe de seus aconchegos, buscamos não apenas vislumbrar o ser humano, mas compreender este ser em seu primado ôntico-ontológico, onde o tempo constitui o horizonte da compreensão do ser. Nesta situação, o ser-aí com câncer manifesta seu modo de estar em uma casa de apoio durante seu tratamento, pois, enquanto um ser de possibilidades, o mesmo desvela aos entes ao seu redor as alegrias, tristezas e, principalmente, as necessidades que abarcam suas prioridades ôntico-ontológicas.

A análise fenomenológica existencial permitiu-nos compreender que estar em um local, inicialmente, estranho desperta nos seres sentimentos de temor ante o desconhecido. Mas apreendemos, também, que vivenciar uma acolhida autêntica baseada em um modo solidário e humanizado, além de aproximar os profissionais de um cuidado integral, desperta nos entes cuidados sentimentos de gratidão e empatia. Tal atitude demonstra que os mesmos consideram que as casas de apoio representam sustentáculo importante, não apenas para sua estada, mas também para melhorar sua qualidade de vida durante o tratamento.

A nosso ver, essas casas são arquétipos benevolentes para portadores de neoplasia maligna que realizam o tratamento fora do domicilio e, normalmente, visa à dedicação holística e a prevenção de agravos de saúde durante o cuidado. Desse modo, a manutenção de casas de apoio em regiões que são referência para o tratamento oncológico merece a atenção e incentivo dos órgãos governamentais, pois, dentro dessa vertente de cuidados, pauta-se a possibilidade de inúmeras pessoas darem seguimento a seu tratamento e, vivenciarem este momento sentindo-se cuidadas. Além disso, o estudo suscita uma reflexão acerca do preparo dos profissionais que tem a oportunidade de estar-no-mundo com estes seres, pois, são estes que irão acolher estes indivíduos, indo além de suas necessidades físicas, para adentrar em seu mundo biopsicosocioespiritual.

Este estudo desvelou a vivência de usuários com câncer que permanecem em uma casa de apoio durante seu tratamento. No entanto, apresenta algumas limitações aportadas no fato do mesmo ter sido desenvolvido em um cenário e região específicos. Sendo assim, acreditamos que os resultados não possam ser generalizados, mas podem apontar para a realidade de muitas instituições que buscam consolar o outro em momentos difíceis. Esperamos que este estudo contribua e incentive outras pesquisas que levem em consideração, em sua preparação, a diversidade e a complexidade destas instituições, como também, na busca de compreender a vivência das pessoas ali hospedadas, aliando-os como parte das premissas para a formação do enfermeiro e dos demais profissionais de saúde.

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