Volume 19, Número 1, Jan/Mar - 2015
PESQUISA
Pacientes em hemodiálise com fístula arteriovenosa:
conhecimento, atitude e prática
Natália Ramos Costa Pessoa
1
Francisca Márcia Pereira Linhares
2
1 Universidade Federal de Pernambuco. Olinda - PE, Brasil
2 Universidade Federal de Pernambuco. Recife - PE, Brasil
Recebido em 28/04/2014
Aprovado em 20/11/2014
Autor correspondente:
Natália Ramos Costa Pessoa
E-mail:
nataliarcpessoa@gmail.com
RESUMO
OBJETIVO:
Identificar o conhecimento, atitude e prática dos pacientes em hemodiálise sobre
autocuidado com fístula arteriovenosa.
MÉTODOS:
Estudo descritivo, corte transversal e abordagem quantitativa. Envolveu 30
pacientes que realizavam hemodiálise por meio de fístula arteriovenosa no Hospital
Barão de Lucena.
RESULTADOS:
97,7% dos pacientes apresentaram conhecimento inadequado. A atitude foi adequada
em 70% dos pesquisados. A prática de autocuidado com a fístula foi inadequada em
97,7% dos pacientes.
CONCLUSÃO:
Apesar da maioria dos pacientes apresentarem uma atitude adequada em relação aos
cuidados com a fístula, seu conhecimento e prática foram inadequados. O
conhecimento inadequado, provavelmente, influenciou em uma prática inapropriada. O
uso do material escrito pode ser recomendado como um instrumento facilitador para
estratégias educativas posteriores, já que também permite uma leitura posterior
pelo usuário, possibilitando-lhe a superação de eventuais dúvidas.
Palavras-chave: Diálise renal; Educação em saúde; Autocuidado; Fístula Arteriovenosa.
INTRODUÇÃO
A doença renal crônica (DRC) constitui um problema de saúde pública mundial e crescente. No Brasil, atualmente, existem, em média, 651 centros de diálise, nos quais são atendidos cerca de 97.586 pacientes por ano. Tal número mostra crescimento superior a 100% nos últimos 11 anos, sendo a maioria desses pacientes diagnosticados com hipertensão (33,8%) e diabetes mellitus (28,5%) como doença de base1.
Dentre os tratamentos disponíveis para DRC em seu estágio terminal, a hemodiálise é o mais utilizado (89,4%)2, o qual demanda adaptações na vida do paciente, pois consiste num tratamento associado a diversas restrições e que compromete suas atividades diárias. As dificuldades impostas pelo tratamento, muitas vezes, influenciam na adesão do doente renal, sendo necessária a utilização de artifícios que auxiliem no processo de adaptação e manutenção da terapia3.
Antes do início da hemodiálise, é confeccionado um acesso venoso permanente ou temporário. O acesso definitivo é o de escolha para pacientes renais crônicos, visto que ele permite fluxo adequado para diálise prescrita durante muito tempo com menor índice de complicações. A fístula arteriovenosa (FAV) é o acesso venoso mais adequado, pois constitui o acesso de longa permanência que viabiliza a diálise efetiva com menor número de intervenções4.
Apesar de constituir o melhor acesso para hemodiálise, a fístula está suscetível a diversas complicações como hipofluxosanguíneo, tromboses, aneurismas, infecções, isquemia da mão, edema de mão e sobrecarga cardíaca. A prevenção dessas complicações pode ser realizada por meio do emprego de cuidados adequados. A responsabilidade das ações envolvidas é da equipe de saúde e do paciente renal crônico, o qual precisa ser orientado acerca do autocuidado no período de confecção e no manejo do seu novo acesso vascular5.
No período de maturação da FAV, os cuidados realizados têm por finalidade proporcionar maior durabilidade à fístula e incluem manter o braço elevado, evitar curativos circunferênciais ajustados, avaliação do fluxo sanguíneo diário e realizar exercícios de compressão manual. Além disso, durante todo o período de utilização da fístula, alguns cuidados devem ser empregados como a compressão adequada para hemostasia após a diálise, poupar o membro do acesso, evitando grandes esforços, infusões venosas e medidas de pressão arterial, entre outros6.
O conhecimento dessas informações é essencial, pois influencia a atitude e à prática adequada do autocuidada dos pacientes com FAV. A não realização desses cuidados, poderá complicar o quadro clínico dos pacientes, necessitando de intervenções mais complexas e/ou hospitalizações7.
Partindo-se do pressuposto de que os pacientes com FAV constituem população de risco para complicações, é relevante a identificação do conhecimento, atitude e prática destes pacientes sobre o autocuidado com a fístula.
Além disso, a investigação poderá trazer subsídios para o desenvolvimento de futuras estratégias educativas, uma vez que será capaz de identificar as principais dificuldades apresentadas pelos pacientes sobre a fístula, bem como a sua atitude diante da realização dos cuidados necessários.
Assim, o estudo tem como objetivo identificar o conhecimento, atitude e a prática dos pacientes com insuficiência renal crônica sobre a fístula arteriovenosa.
MÉTODO
Trata-se de um estudo descritivo com corte transversal com abordagem quantitativa sobre o enquerito CAP (conhecimento, atitude e prática). Realizado no setor de Nefrologia do Hospital Barão de Lucena/Recife - PE, no qual realiza atendimentos de hemodiálise em três turnos diários na única sala estruturada com 15 máquinas de proporção e uma sala de reuso. Nesse setor, durante uma sessão de hemodiálise, a equipe de profissionais é composta, por um médico, um enfermeiro, sete técnicos de enfermagem, um maqueiro, uma recepcionista e dois auxiliares de serviços gerais.
A população do estudo foi constituída de pacientes com diagnóstico de DRC, usuários do serviço que realizam hemodiálise por acesso venoso permanente do tipo fístula arteriovenosa. A amostra foi igual à população e foi composta por 30 pacientes. Foram incluídos na amostra, pacientes com idade superior a 18 anos e foram excluídos os que apresentaram distúrbios neurológicos ou psiquiátricos, os quais inviabilizem a participação na pesquisa.
A coleta de dados ocorreu de junho a agosto de 2013 por meio de entrevista com um questionário estruturado. As perguntas foram lidas pela pesquisadora e respondidas pelo paciente, durante o tratamento, com a mínima interferência nas respostas. O instrumento de coleta de dados foi submetido à avaliação do conteúdo por cinco juízes, sendo três enfermeiras e dois médicos especialistas. Após a realização das mudanças sugeridas pelos juízes no instrumento, foi realizado teste piloto com cinco pacientes, o qual permitiu adequações do mesmo.
A primeira parte do questionário foi constituída por dados de identificação, socioeconômicos e dados sobre a terapia dialítica. São eles: sexo, idade, estado civil, naturalidade, procedência, escolaridade, ocupação, situação previdenciária, renda familiar, tempo de terapia hemodialítica, tempo de utilização da FAV.
A segunda parte avaliou questões relativas ao conhecimento: após a confecção da fístula, quais cuidados devem ser realizados? Quais ações você acha que não deve realizar com o braço da fístula? Quais procedimentos não devem ser realizados com o braço da fístula? Como deve ser realizada a higiene do braço da fístula? O que deve ser feito para diminuir a perda de peso na hemodiálise?
Na terceira parte, a atitude foi avaliada com as perguntas: você acha que o cuidado com a fístula traz benefícios para o seu uso? Se sim, por quê? Você se sente motivado para realizar os cuidados com a fístula? Justifique. Você se sente preparado para realizar os cuidados com a fístula?
A quarta parte avaliou a prática sobre o autocuidado com a FAV por meio das perguntas: após a confecção da fístula, quais cuidados realizou? Quais ações você evita realizar com o braço da fístula? Quais procedimentos você não permite que sejam realizados no braço da fístula? Como você realizada a higiene do braço da fístula? O que faz para diminuir a perda de peso na hemodiálise?
Nesta pesquisa, por falta de outros estudos que avaliaram o conhecimento, atitude e prática de pacientes renais, os três ítens foram avaliados de acordo com a classificação estabelecida pela autora da seguinte forma:
a) Conhecimento:
adequado: quando o usuário citar, no mínimo, 50% dos cuidados listados, no questionário, relativos ao período de amadurecimento da fístula e 50% dos cuidados listados que devem ser realizados durante o seu uso como acesso venoso para hemodiálise.
inadequado: quando o usuário citar 50% dos cuidados listados, no questionário, relativos ao período de amadurecimento da fístula ou um número inferior a 50% dos cuidados listados que devem ser realizados durante o seu uso como acesso venoso para hemodiálise.
b) Atitude:
adequada: quando o paciente referir que o autocuidado com a fístula traz benefícios na sua utilização, que ele está motivado e preparado para realizar esses cuidados.
inadequada: quando o paciente não considerar o autocuidado da FAV benéfico para o seu uso ou quando ele não refere motivação para realizar os cuidados necessários ou quando não se considerar preparado para realizá-los.
c) Prática:
adequado: quando o usuário realizar, no mínimo, 50% dos cuidados listados, no questionário, relativos ao período de amadurecimento da fístula e 50% dos cuidados listados que devem ser realizados durante o seu uso como acesso venoso para hemodiálise.
inadequado: quando o usuário citar 50% dos cuidados listados, no questionário, relativos ao período de amadurecimento da fístula ou um número inferior a 50% dos cuidados listados que devem ser realizados durante o seu uso como acesso venoso para hemodiálise.
Os dados foram analisados por meio da estatística descritiva e codificados por meio do software SPSS, versão 20.00 para confecção de gráficos e tabelas, com valores absolutos e relativos. A análise dos dados permitiu a caracterização da amostra, bem como a identificação das principais dificuldades apresentadas pelos usuários e associação entre o conhecimento, atitude e prática em relação ao autocuidado com a fístula.
O estudo foi realizado em concordância com a lei 466/12 do Conselho Nacional de Saúde e também foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco e a coleta de dados somente foi iniciada após aprovação do projeto de pesquisa pelo CEP e mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelo paciente, cumprindo as orientações contidas no documento no que se refere à participação dos sujeitos, contribuições e relevância social do estudo, privacidade e proteção dos mesmos.
RESULTADOS
Dentre os participantes do estudo, as características sociodemográficas apontaram que a maioria dos usuários é do sexo masculino (56,7%), com média de idade de 55,4 anos, a qual variou de 32 a 81 anos. Quanto à naturalidade e procedência, foi observado que a maior parte dos pacientes era natural do interior do estado (50%) e procedente da cidade do Recife (66,7%). Em relação à escolaridade, (56,6%) tinham ensino fundamental incompleto, 80% não trabalhavam e 93,3% recebiam algum benefício previdenciário. Quanto a renda familiar, a maioria possuía renda entre 2 a 3 salários mínimos. A média de tempo de tratamento dialítico de 31,2 meses, variando de 5 a 117 meses. Já o tempo de tratamento por fístula apresentou média de 21,9 meses, com variação de 2 a 114 meses.
A avaliação do conhecimento dos pacientes em uso de FAV foi demonstrada na tabela 1 e evidenciou que 97,7% deles apresentavam conhecimento inadequado. A deficiência foi observada, sobretudo, em relação aos cuidados com o acesso em seu período de maturação. Nesse período, os cuidados mais citados foram a realização de exercícios com objeto maleável (40%) e evitar excesso de peso com o membro da FAV (50%).
Variáveis | N = 30 | % |
Autocuidado na maturação | ||
Evitar excesso de peso | 15 | 50 |
Exercício com objeto maleável | 12 | 40 |
Evitar choques no membro | 9 | 30 |
Curativo limpo e seco | 7 | 23,3 |
Verificação do frêmito | 1 | 3,3 |
Curativo folgado | 0 | 0 |
Cuidados durante o uso | ||
Redução de ingesta hídrica | 29 | 96,7 |
Evitar excesso de peso | 26 | 86,7 |
Lavar o membro da FAV com água e sabão antes da hemodiálise | 22 | 73,3 |
Não administrar medicamentos no membro da FAV | 21 | 70 |
Não aferir pressão arterial no membro da FAV | 20 | 66,7 |
Não realizar coletas sanguíneas no membro da FAV | 18 | 60 |
Administrar compressas frias seguidas das quentes | 10 | 33,3 |
Não dormir por cima do braço | 9 | 30 |
Redução de ingesta de sódio | 5 | 16,7 |
Total | 30 | 100 |
Foi evidenciado, no entanto, que cuidados como a verificação constante da presença de frêmito no local do acesso foi citado por apenas 3,3% dos pacientes. Já a manutenção do curativo limpo e seco no pós-operatório foi lembrada por 23,3% deles, enquanto a necessidade de manutenção de curativo folgado, sem comprometimento da FAV não foi citado por nenhum usuário.
Sobre os cuidados durante o período de utilização da FAV, também foram encontradas deficiências. Os cuidados mais citados pelos pacientes foram a redução da ingesta hídrica (96,7%), evitar excesso de peso com o membro da FAV (86,7%) e a realização da lavagem do membro com água e sabão antes da hemodiálise (77,3%). Além disso, cuidados como evitar aferição de pressão arterial (66,7%), coletas sanguíneas (60%) e administração de medicamentos (70%) no membro da fístula também foram citados pela maior parte da amostra.
Por outro lado, foi observado que apenas 33,3% dos pacientes sabiam como proceder em caso de formação de hematomas no membro da fístula e só 16,7% associaram o ganho de peso interdialítico a ingesta excessiva de sódio.
Ainda sobre o conhecimento, foi identificado que apenas 6,6% dos pacientes entrevistados tiveram acesso a materiais que abordassem cuidados com a fístula arteriovenosa, sendo os materiais citados impressos e livros.
Na avaliação da atitude (tabela 2), a necessidade do autocuidado com a fístula foi ressaltada por 21 pacientes (70%) com atitude adequada, sendo identificado que todos os pacientes reconheciam que o autocuidado traz benefícios para a FAV.
Variáveis | N = 30 | % |
Benefício do autocuidado | ||
Sim | 30 | 100 |
Não | 0 | 0 |
Motivação para o autocuidado | ||
Sim | 27 | 90 |
Não | 3 | 10 |
Preparação para o autocuidado | ||
Sim | 24 | 80 |
Não | 6 | 20 |
Total | 30 | 100 |
Ainda sobre a atitude, observou-se que 27 pacientes (90%) se sentiam motivados para realizar o autocuidado e 24 (80%) acreditavam estar preparados para a sua realização.
A prática de autocuidado dos usuários com a FAV, ilustrada na tabela 3, foi classificada como inadequada em 97,7% dos participantes do estudo. Novamente, a maior deficiência foi observada em relação à pratica do autocuidado no período de maturação da fístula.
Variáveis | N = 30 | % |
Autocuidado na maturação | ||
Evitar choques no membro | 13 | 43,3 |
Exercício com objeto maleável | 12 | 40 |
Evitar excesso de peso | 11 | 36,7 |
Curativo limpo e seco | 6 | 20 |
Verificação do frêmito | 2 | 6,7 |
Curativo folgado | 0 | 0 |
Cuidados durante o uso | ||
Evitar excesso de peso | 28 | 93,3 |
Não aferir pressão arterial no membro da FAV | 21 | 70 |
Não administrar medicamentos no membro da FAV | 21 | 70 |
Não realizar coletas sanguíneas no membro da FAV | 18 | 60 |
Lavar o membro da FAV com água e sabão antes da hemodiálise | 18 | 60 |
Redução de ingesta hídrica | 13 | 43,3 |
Administrar compressas frias seguidas das quentes | 10 | 33,3 |
Não dormir por cima do braço | 9 | 30 |
Redução de ingesta de sódio | 1 | 3,3 |
Total | 30 | 100 |
As práticas mais citadas no período de maturação da FAV foram realizar exercícios com objeto maleável (40%), evitar choques (43,3%) e não carregar excesso de peso com o membro da FAV (36,7%). A prática de verificação do frêmito foi citada por dois pacientes (6,7%) e a manutenção do curativo limpo e seco no pós-operatório por seis pacientes (20%). Já a observação do curativo, a fim de mantê-lo sempre folgado não foi referida como prática por nenhum usuário.
A prática dos usuários no autocuidado com a fístula durante o seu uso mais lembrada foi evitar excesso de peso no membro da FAV (93,3%). Outras práticas ainda foram relatadas pela maioria dos usuários: evitar aferir pressão arterial (70%), administrar medicamentos (70%) e realizar coletas sanguíneas (60%) no membro da FAV, além da higiene do membro com água e sabão antes da hemodiálise (60%).
Quanto aos cuidados realizados no caso de formação de hematoma no membro da FAV, apenas dez pacientes (33,3%) referiram ter administrado compressas frias nas primeiras 24 horas e compressas mornas no dia seguinte, sendo que cinco pacientes (16,7) afirmaram nunca ter apresentado hematoma no membro da fístula.
Em relação às práticas para a redução do ganho de peso interdialítico, apenas 13 pacientes (43,4%) afirmaram realizar controle de ingesta hídrica e somente um (3,3%) referiu redução da ingesta de sódio.
Os resultados mostraram que todos os pacientes que apresentaram conhecimento inadequado também desempenharam prática inadequada em relação ao autocuidado com a fístula.
No entanto, algumas práticas foram pouco realizadas pelos pacientes apesar deles demonstrarem conhecimento adequado sobre ela. Esse fato foi observado no cuidado redução da ingesta hídrica, o qual era conhecido por 96,7 dos pacientes e realizado por apenas 43,3 %. Como demonstrado na tabela 4, não existiu uma associação significante entre o conhecimento e a prática da redução da ingesta hídrica, indicando que conhecer o cuidado, nesse caso, não foi decisivo para desempenhá-lo.
Sobre a higiene do braço da fístula antes da hemodiálise, também foram encontrados conflitos entre o conhecimento e a prática dos usuários uma vez que 20% daqueles que apresentavam conhecimento adequado sobre esse cuidado não realizavam a prática. Apesar disso, na tabela 4, é possível observar a relação, estatisticamente, significante entre conhecimento e prática desse cuidado, indicando que, provavelmente, o conhecimento influencia na prática da higiene do braço da FAV.
DISCUSSÃO
Segundo a classificação internacional de diagnósticos de enfermagem da NANDA, o conhecimento deficiente pode ser conceituado como a ausência ou deficiência de informações cognitivas relacionadas com tópico específico, a qual impossibilite ao cliente e familiares a aquisição de escolhas conscientes acerca do seu tratamento8.
Já a atitude é definida como a tendência a responder de forma positiva ou negativa a determinada situação, a forma como o indivíduo procede ou ponto de vista que possui sobre o assunto9.
A prática do autocuidado tem como objetivo a realização de ações, as quais, mediante um modelo de recomendações, devem contribuir para a manutenção da integridade e preservação do acesso vascular. Essa prática constitui habilidade humana que permite, ao indivíduo, cuidar de si mesmo10.
O conhecimento e a atitude podem influenciar a prática do cliente em relação aos cuidados com a fístula. Neste estudo, o conhecimento inadequado, provavelmente, foi responsável pela prática inadequada dos participantes, apesar da maioria deles apresentarem atitude positiva sobre o autocuidado com a FAV. Nessa perspectiva, o déficit de conhecimento levará ao déficit do autocuidado, pois o homem, diferente dos outros seres vivos, possui a capacidade de refletir sobre si mesmo e de desenvolver ou participar seu próprio cuidar. Assim, os indivíduos devem ser autossuficientes e se responsabilizar pelas suas próprias necessidades de cuidados10.
No estímulo à autonomia do usuário, a educação consiste numa ferramenta essencial, sendo sua eficácia dependente, além da comunicação efetiva da mensagem, da base científica da informação e da utilização de canais familiares para o público alvo. A transmissão de informações de forma efetiva aumenta o conhecimento e a consciência do indivíduo, auxiliando na busca de soluções, mudança de comportamentos e no desenvolvimento de habilidades11.
Por outro lado, a educação centrada no modelo vertical, no qual o conhecimento é imposto, estimula, muitas vezes, a formação da dependência do usuário em relação ao profissional de saúde. Nesse modelo, o profissional é considerado único detentor do conhecimento e não são levados em conta os saberes do cliente. É necessária a construção compartilhada do conhecimento, de forma que o usuário seja responsabilizado pelo seu próprio cuidado12.
Nos pacientes renais em terapia substitutiva, as práticas educativas possuem grande significado. O ato de "ensinar", geralmente, ocorre de forma aleatória e fragmentada, dificultando o aprendizado. Esse fato, provavelmente, inibe o esclarecimento das dúvidas existentes. Nos centros dialíticos, em geral, ainda se utiliza o modelo tradicional de educação em saúde, no qual há maior preocupação com o momento da doença, tornando mais difícil a participação ativa do usuário no seu cuidado13.
A transmissão de informações deve ser acompanhada da comunicação efetiva, a qual é facilitada pela presença do vínculo entre profissional e usuário. Dessa forma, o cuidado em hemodiálise restrito ao conhecimento técnico e científico pode dificultar a educação em saúde, uma vez que o estabelecimento da relação interpessoal auxilia na identificação das necessidades do cliente no cuidado com a fístula14.
Os pacientes, neste estudo, desconheciam cuidados importantes com a FAV, sobretudo no que se refere àqueles relacionados ao período de amadurecimento. A maturação da FAV no pós-operatório consiste num elemento importante para o seu bom funcionamento. Dessa forma, é essencial a realização de alguns cuidados como a elevação do membro nos primeiros dias, a renovação frequente do curativo pela enfermeira evitando oclusões que interrompam o fluxo na FAV, observação da presença de frêmito no local da fístula e realização de exercícios palmares de compressão e relaxamento manual de objeto maleável para acelerar a maturação da FAV6.
A falta de conhecimento também foi observada em relação aos cuidados com a FAV durante seu uso como acesso venoso. Os cuidados em casos de hematomas, em geral, foram inadequados, o que pode estar relacionado à deficiência na transmissão de informações dadas ao usuário, sobretudo quanto aos cuidados no domicílio. Na vigência de hematoma durante a hemodiálise é necessário, portanto, interromper a sessão, retirar a agulha, realizar compressão no local, aplicar compressa fria imediatamente e nas primeiras 12 horas, avaliar e repuncionar se possível. É de fundamental importância, ainda, informar ao paciente sobre a importância da aplicação de compressa com gelo no dia da intercorrência e de compressas mornas após esse período15.
Os cuidados do tipo não aferir pressão arterial, não administrar medicamentos e não realizar coletas sanguíneas no membro da FAV são fundamentais, uma vez que a verificação de pressão arterial pode promover a redução do fluxo sanguíneo na fistula com consequente trombose no acesso. Sobre a administração de medicamentos e realização de coletas sanguíneas, existe o risco de formação de hematomas, além de não preservar a rede venosa5.
Quanto ao cuidado redução da ingesta hídrica, a maioria dos participantes o conheciam, mas não o realizavam. A restrição de agua causa grande desconforto entre os doentes renais, já que a doença exige a mudança de hábitos adquiridos durante toda a vida. Esse cuidado é, muitas vezes, considerado, por eles, uma limitação responsável pela queda em sua qualidade de vida3.
A falta do controle na ingestão hídrica pode ser responsável pela presença de complicações como a hipotensão durante a retirada do excesso de líquido na hemodiálise. A ocorrência de episódios de hipotensão pode trazer prejuízos ao funcionamento da fístula, pois pode levar a trombose do acesso, resultante da redução excessiva do volume sanguíneo16.
A aceitação da doença pode constituir um fator positivo no cumprimento desse e de outros cuidados com a fístula. O indivíduo com atitude positiva ao lidar com a doença se comporta como sujeito ativo, buscando informações e readequando seu modo de vida à sua nova condição. A passividade diante da doença, por outro lado, pode levar a não aderência do tratamento17.
Entre os participantes do estudo, observam-se atitude positiva para a aquisição de novos conhecimentos, sobretudo aqueles que impactam diretamente no momento da doença. Os cuidados e complicações com a fístula representam assunto de interesse do paciente, pois ela é considerada, por eles, um acesso seguro que permite tratamento com menores riscos e melhor qualidade de vida18.
A atitude negativa quanto aos cuidados com a FAV foi observada em alguns participantes do estudo, esta atitude pode estar relacionada ao aspecto visual da fístula arteriovenosa e a associação feita ao tratamento dialítico permanente, visão que se contrapõe à imagem positiva representada pela ideia de meio de sobrevivência. Esse dilema pode, por vezes, prejudicar a manutenção dos cuidados necessários para a permanência de acesso venoso de qualidade19.
CONCLUSÃO
Neste estudo, conclui-se que o conhecimento dos pacientes sobre os cuidados com a FAV foi inadequado. No período de maturação do acesso venoso, os cuidados com o curativo foram esquecidos pela maioria dos participantes. O cuidado verificação do frêmito da fístula, importante para observar a sua função, era desconhecido por quase todos os entrevistados.
Durante o uso da fístula na hemodiálise, o cuidado redução da ingesta hídrica foi o mais conhecido entre pacientes. No entanto, a conduta correta em caso de hematomas na diálise era desconhecida pela maioria dos clientes.
Apesar do conhecimento inadequado, a atitude dos participantes para o autocuidado com a FAV se mostrou positiva na maior parte das entrevistas. Todos reconheceram os benefícios da realização do autocuidado e a maioria deles disse estar motivados e preparados para empregar os cuidados com a fístula.
A atitude do cliente acerca dos cuidados com a fístula pode influenciar na sua prática, apesar dos participantes terem demonstrado uma prática inadequada. O reconhecimento da importância desses cuidados está relacionado com o empenho empregado na sua manutenção.
A falta do conhecimento sobre os cuidados com a FAV, provavelmente, foi decisiva para prática inadequada dos indivíduos. Entre os cuidados no período de maturação do acesso, verificar do frêmito da fístula, manter o curativo limpo, seco e folgado não era realizado pela maioria dos usuários.
Já o cuidado redução da ingesta hídrica não era realizado pela maioria dos pacientes, apesar de ser conhecido por grande parte deles. A higiene do membro da FAV com água e sabão antes da hemodiálise, também, não era realizada por alguns usuários que conheciam sua importância.
Apesar da amostra estudada representar a totalidade dos pacientes em tratamento por fístula na instituição, o número estudado pode ter representado uma limitação do estudo. Além disso, a ausência de publicações que realizem associação entre o conhecimento, atitude e prática de pacientes renais sobre o autocuidado com a FAV limitou a discussão dos dados encontrados.
Diante dos resultados de estudo, recomenda-se a presença de rotinas de capacitação dos profissionais, a fim de que a educação em saúde seja realizada de forma constante na sala de hemodiálise e na sala de espera, a qual pode constituir um ambiente propício para o ensino. Recomenda-se o uso do material escrito, pois ele representa um instrumento facilitador para o processo educativo e permite, ainda, a leitura posterior pelo usuário, possibilitando-lhe a superação de eventuais dúvidas.
REFERÊNCIAS