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CAPES

Volume 19, Número 1, Jan/Mar - 2015



DOI: 10.5935/1414-8145.20150005

PESQUISA

Cochilos durante o trabalho noturno em equipes de enfermagem: possíveis benefícios à saúde dos trabalhadores

Aline Silva-Costa 1
Lúcia Rotenberg 2
Rosane Härter Griep 2
Frida Marina Fischer 3


1 Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro - RJ, Brasil
2 Instituto Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro - RJ, Brasil
3 Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. São Paulo - SP, Brasil

Recebido em 26/08/2013
Aprovado em 05/07/2014

Autor correspondente:
Aline Silva-Costa
E-mail: alinecos@ioc.fiocruz.br

RESUMO

OBJETIVO: Caracterizar o cochilo durante plantões noturnos em termos da duração, eficiência, alocação e qualidade entre trabalhadores de enfermagem. Estudo transversal realizado em 2009. Trabalhadoras, que atuavam há mais de um ano em plantões noturnos e, que não referiram queixas de sono utilizaram instrumento de registro de atividade-repouso (actímetro) e preencheram protocolo de atividades e questionário (n = 49).
RESULTADOS: 87% das participantes cochilaram todas as noites de trabalho, com duração média de 136 (DP = 39,8) minutos. Maior duração do cochilo foi encontrada entre as que cochilaram entre 00h00min-03h00min, quando comparadas àquelas que cochilaram entre 03h00min-06h00min. A eficiência do sono no trabalho foi semelhante a do sono noturno em casa na folga.
CONCLUSÃO: A eficiência dos cochilos no trabalho semelhante ao sono noturno em casa sugere efeito benéfico do cochilo. Discussões sobre a gestão da força de trabalho nos horários noturnos devem considerar não só aspectos da organização do trabalho, mas também da fisiologia humana.


Palavras-chave: Enfermagem; Sono; Trabalho noturno; Saúde.

INTRODUÇÃO

Entre trabalhadores noturnos, a privação de sono durante a noite implica o seu deslocamento para o horário diurno. No entanto, devido à interação de fatores fisiológicos e ambientais, o sono diurno é, geralmente, de menor duração e qualidade quando comparado ao sono noturno1. Os fatores cronobiológicos e fisiológicos - como o aumento da secreção de cortisol, a redução de melatonina e o aumento da temperatura central pela manhã2 - assim como os fatores sócioambientais, como a claridade, os ruídos e as demandas sociais3 estão entre os diversos aspectos associados às dificuldades para dormir de dia e apresentar um sono de duração e qualidade adequados2.

O sono noturno apresenta, em geral, maior duração e qualidade, caracterizando-se como mais reparador que o sono diurno1. Isso ocorre porque tentar dormir numa fase inapropriada do ciclo circadiano (por exemplo, durante o dia ocorre redução da liberação de melatonina e, concomitante aumento da temperatura central) tende a resultar num sono com maior número de despertares (o que diminui a eficiência do sono) e, possivelmente, com menor duração2.

Entre as equipes de enfermagem que fazem plantões noturnos, as jornadas de trabalho prolongadas podem contribuir para o aumento das queixas de sono com implicações significativas a vida pessoal e profissional4. Ocorre um débito significativo de horas de sono, com aumento da sonolência, podendo contribuir em longo prazo para a fadiga5 e com possíveis repercussões à qualidade da assistência.

A legislação brasileira prevê a obrigatoriedade de um intervalo de uma a duas horas para repouso ou alimentação nos casos de trabalho contínuo (ao longo de 24 horas) cuja jornada exceda seis horas (Artigo 71 da C.L.T.). No entanto, a permissão informal para dormir ou repousar por até três horas durante a jornada noturna é comum entre as equipes de enfermagem de hospitais públicos3.

Entre os efeitos benéficos do sono durante o trabalho noturno está a redução da sonolência6 observado entre enfermeiras brasileiras. Benefícios do cochilo no trabalho também foram observados em outros países. Um estudo com enfermeiros e médicos mostrou que o cochilo durante o trabalho noturno melhorou o desempenho e diminuiu a sonolência e a fadiga no final da jornada de trabalho7. Além disso, os cochilos podem facilitar o reajuste aos horários diurnos na folga, já que os indivíduos que não cochilaram no plantão noturno se queixaram mais de baixa qualidade do sono nos dias de folga quando comparados àqueles que cochilaram8. Para o presente estudo, foi adotada a definição de cochilo proposta por Dinges9 na qual qualquer período de sono inferior a 50% da duração média do sono noturno de uma pessoa pode ser considerado um cochilo, o que se aplica ao tempo informal, de até três horas, permitido para o descanso nos hospitais públicos.

Diante do exposto, este artigo tem como objetivo caracterizar os cochilos durante os plantões noturnos em termos da duração, eficiência, alocação e qualidade subjetiva do sono, a fim de aprofundar a compreensão desta prática entre equipes de enfermagem e subsidiar as discussões sobre a regulamentação do cochilo durante os plantões noturnos.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal realizado em um hospital universitário em 2009. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (protocolo nº 1828) e autorizado pelo Hospital. Os profissionais de enfermagem convidados a participar assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que foi redigido de acordo com os princípios éticos descritos na Resolução 196/96, do Ministério da Saúde.

População de estudo

Participaram do estudo, profissionais de enfermagem, do sexo feminino, que atuavam na assistência aos pacientes durante os plantões noturnos em um hospital público da cidade de São Paulo. O hospital adotava o esquema de 12 horas de trabalho noturno (19h-07h), seguidas de 36 horas de folga. Optou-se por estudar apenas mulheres. O número reduzido da amostra masculina no referido hospital não permitiria a análise desse grupo separadamente e, a análise em conjunto poderia levar a interpretações incorretas dos resultados, dado as diferenças de gênero relacionadas ao sono.

A seleção das trabalhadoras foi feita a partir de uma listagem nominal cedida pelo hospital (N = 206), incluindo auxiliares, técnicas de enfermagem e enfermeiras, que atuavam no horário noturno. Para efeito da pesquisa, foram considerados na listagem todos os setores de internação, excluindo-se Unidade de Terapia Intensiva Neonatal e Centro Cirúrgico, onde não era permitido o uso de nenhum objeto nas mãos e braços, o que impossibilitava o uso do aparelho para registro de atividade e repouso das participantes. Das 206 trabalhadoras, 11 se recusaram a participar do estudo e seis estavam de licença médica no período da coleta. Dessa forma, das 189 trabalhadoras que responderam perguntas sobre as queixas em relação ao sono10 e o tempo de atuação no plantão noturno, 127 foram excluídas. Assim, foi definida a população elegível, composta de 62 pessoas que trabalhavam há mais de 1 ano em plantões noturnos e que não relataram queixas em relação ao sono. O critério de restrição adotado (ausência de queixas de sono) permitiu a exclusão de um importante fator de confundimento para o estudo dos cochilos no trabalho. Todas as trabalhadoras do grupo elegível (n = 62) foram convidadas para responder a um questionário e a usar o actímetro - aparelho para registro de atividade e repouso. Destas, houve um total de 13 perdas (licenças médicas e recusas para usar o actímetro). A amostra final do estudo constituiu-se de 49 trabalhadoras.

Coleta de dados

As trabalhadoras elegíveis e que aceitaram participar do estudo foram, primeiramente, orientadas quanto ao uso do actímetro e o preenchimento dos protocolos de atividades diárias. Além disso, as participantes preencheram um questionário que abordava informações sobre os aspectos sociodemográficos (idade, escolaridade, situação conjugal, renda familiar e duração da jornada doméstica e filhos), condições de trabalho (categoria profissional, tempo na enfermagem, número de empregos, carga horária semanal, número de plantões noturnos e possibilidade de dormir ou repousar durante o trabalho), e hábitos relacionados à saúde (tabagismo, prática de atividade física, consumo de bebidas alcoolicas e satisfação geral com o sono), de forma a caracterizar o perfil da população estudada11.

Actímetro

O actímetro, aparelho colocado no punho não dominante, foi utilizado no estudo, a fim de monitorar atividade-repouso. O modelo adotado foi o Mini Motionlogger Actigraph - Basic 32C (Ambulatory Monitoring, Inc., Ardsley, USA) e o algoritmo utilizado foi o de Cole & Kripke. Este algoritmo possui uma precisão de aproximadamente 90% de concordância quando comparado com a polissonografia - reconhecida como padrão-ouro para a validação de algoritmos12. O actímetro foi utilizado pelas participantes por um período de até dez dias consecutivos, que incluiu dias de trabalho e dias de folga. Em concomitância com protocolos de atividades diárias, os dados de atividade e repouso registrados pelo aparelho foram ajustados de forma a obter maior precisão das durações do sono registradas durante o período da coleta11. Além da duração dos episódios de sono, o uso deste equipamento permitiu analisar as seguintes variáveis: (i) Eficiência do sono: porcentagem do tempo total de sono sobre o tempo total na cama com luzes apagadas (tempo de sono x 100/tempo na cama)12, e a (ii) alocação temporal do sono ocorrido no trabalho: determinada a partir dos horários de início e fim dos episódios de sono.

Para a análise da qualidade diária de cada episódio de sono, foram utilizadas escalas analógicas visuais. Cada escala de 10 centímetros foi precedida da pergunta, "Como foi a qualidade do sono ontem?" A trabalhadora assinalava com um traço vertical sua percepção em relação ao sono. A escala iniciava com a expressão "muito ruim" (valor zero) e finalizava com a expressão "muito boa" (valor dez). A Escala Visual Analógica (EVA) para avaliação da qualidade do sono e o protocolo de atividades também foram preenchidos por até dez dias consecutivos. A coleta de dados da actimetria, preenchimento do protocolo de atividades diárias e escalas analógicas foram realizados de forma simultânea.

Análise

Após a codificação das questões, as informações contidas nos questionários foram transcritas para planilhas. Os dados digitados foram revisados para excluir eventuais erros de digitação. Os dados actimétricos também foram acrescentados à planilha, de forma a compor o banco de dados geral, objeto do tratamento estatístico. A aderência da distribuição da população à curva normal foi testada pelo teste Shapiro-Wilk. Como procedimentos não paramétricos, foram utilizados para comparação entre grupos, os testes de Mann-Whitney e o teste de Wilcoxon. O nível de significância utilizado em todas as análises foi α = 0,05%. O programa SPSS versão 17.0 foi utilizado para as análises estatísticas.

RESULTADOS

A população do estudo apresentou média de idade de 40 (DP = 10,2) anos. A maior parte do grupo era formada por auxiliares e técnicas de enfermagem (73,5%). A carga de trabalho profissional foi de 49,7 (DP = 19,1) horas/semana e o número médio de noites trabalhadas foi de 6,6 noites/quinzena; mais de 40% do grupo tinha outro emprego na enfermagem (Tabela 1).

Tabela 1. Descrição do perfil das trabalhadoras de enfermagem. São Paulo, 2009
Variável Classe n %
Categoria profissional Enfermeira 13 27
Técnica de Enfermagem 36 73
Número de empregos 1 emprego 28 57
2 empregos 21 43
Escolaridade Ensino médio/técnico 26 53
Ensino superior 23 47
Situação conjugal Casado 23 47
Separado/viúvo 12 24
Solteiro 14 29
Filhos Sim 32 35
Não 17 65
Atividade física Sim (1 a 6 horas/semana) 9 18
Não 40 82
Hábito de fumar Sim 4 8
Não 45 92
Consumo de álcool Sim (1 a 5 dias/quinzena) 11 22
Não 38 78
Satisfação com sono Sim 43 88
Não 6 12
Renda familiar (R$) Até 1.500,00 4 8
1.501,00 a 2.500,00 12 24
2.501,00 a 4.000,00 16 33
4.000,00 ou mais 17 35
    Média (DP) Mediana
Tempo na enfermagem (anos)   12,9 (7,5) 10
Trabalho profissional (horas/semana)   49,7 (19,1) 48
Noites de trabalho (no/quinzena)   6,6 (2,1) 6
Idade (anos completos)   40 (10,2) 38
Trabalho doméstico (horas/semana)   23,3 (15,5) 21
Tabela 1. Descrição do perfil das trabalhadoras de enfermagem. São Paulo, 2009

Caracterização dos Cochilos

Para efeito do presente estudo, o cochilo durante o trabalho também foi denominado "Sono Noturno no Trabalho (SNT)".

Um total de 94% das participantes afirmou haver permissão do hospital para dormir ou repousar durante o trabalho noturno. O estudo da alocação temporal do SNT mostrou que as trabalhadoras se dividiam em dois grupos. Em 64% das trabalhadoras, os cochilos ocorreram no primeiro horário (00h00min-03h00min) enquanto as demais dormiram no segundo horário (03h00min-06h00min). A eficiência média do SNT foi de 92%. Em média, a duração do SNT foi de 136 (DP = 39,8) minutos e a qualidade do SNT foi 5 (DP = 3,7) centímetros na escala analógica de aferição.

Como exposto na tabela 2, os resultados estatisticamente significativos em relação à alocação do SNT se restringiram a sua duração e eficiência. As trabalhadoras que cochilaram no primeiro horário apresentaram maior média de duração do cochilo (147,5 minutos) quando comparadas àquelas que cochilaram no segundo horário (112,0 minutos). Por outro lado, a eficiência média do SNT entre aquelas que cochilaram no primeiro horário foi significativamente menor (90,9%) quando comparada àquelas que cochilaram no segundo horário (94,5%).

Tabela 2. Sono noturno no trabalho e duração do sono em casa, segundo a alocação do SNT. São Paulo, 2009
Variável N Média (DP) p
Duração do SNT (min)  
00h00min-03h00min 28 147,5 (28,2) 0,007
03h01min-06h00min 16 112,0 (45,5)  
Eficiência do SNT (%)  
00h00min-03h00min 28 90,9 (5,3) 0,026
03h01min-06h00min 16 94,5 (3,3)  
Qualidade do SNT (cm)  
00h00min-03h00min 25 5,2 (1,7) 0,241
03h01min-06h00min 15 4,6 (3,4)  
Duração do sono diurno em casa pós-trabalho (min)  
00h00min-03h00min 28 165,2 (105,9) 0,874
03h01min-06h00min 16 172,8 (100,9)  
Duração do sono noturno em casa pós-trabalho (min)  
00h00min-03h00min 28 298,6 (262,6) 0,765
03h01min-06h00min 16 331,4 (228,3)  
Tabela 2. Sono noturno no trabalho e duração do sono em casa, segundo a alocação do SNT. São Paulo, 2009

No que tange à duração do SNT, os resultados estatisticamente significativos se referem às durações do sono diurno em casa. As participantes que cochilaram por menos tempo, durante o trabalho noturno, tiveram o sono durante o dia (manhã e/ou tarde) após o trabalho com maior duração (203,7 minutos), quando comparadas àquelas que cochilaram por mais tempo durante o plantão. A duração do SNT maior ou menor que 136 minutos (duração média) não diferiu significativamente segundo a duração do sono noturno em casa após a noite de trabalho (Tabela 3).

Tabela 3. Sono noturno no trabalho e duração do sono em casa, segundo a duração do SNT. São Paulo, 2009
Variável N Média (DP) p
Eficiência do SNT (%)  
Até 136 minutos 23 92,3 (4,5) 0,820
Maior que 136 minutos 22 91,8 (5,6)  
Duração do sono diurno em casa pós-trabalho (min)  
Até 136 minutos 23 203,7 (97,5) 0,019
Maior que 136 minutos 22 132,8 (98,4)  
Duração do sono noturno em casa pós-trabalho (min)  
Até 136 minutos 23 330,9 (247,3) 0,669
Maior que 136 minutos 22 291,8 (246,1)  
Qualidade do SNT (cm)  
Até 136 minutos 23 4,8 (2,9) 0,387
Maior que 136 minutos 22 5,1 (1,9)  
Tabela 3. Sono noturno no trabalho e duração do sono em casa, segundo a duração do SNT. São Paulo, 2009

A eficiência do SNT (92%; DP = 5%) não apresentou diferença significativa quando comparada à eficiência do sono noturno em casa (90%; DP = 6,3%) e à eficiência do sono de manhã em casa (91,9 %; DP = 6,9%). Já a eficiência do sono à tarde em casa (87,7%; DP = 9,0%) foi significativamente menor que a eficiência do SNT (Figura 1).

Figura 1. Eficiência do Sono Noturno no Trabalho, comparada à eficiência dos episódios de sono em casa (média e desvio padrão) - N = 45. São Paulo, 2009.

A qualidade subjetiva do SNT (5,0; DP = 2,5 cm) foi estatisticamente inferior à qualidade do sono noturno em casa (8,3; DP = 1,6 cm) e a qualidade subjetiva do sono de manhã em casa (6,6; DP = 2,0 cm). Em relação ao sono à tarde em casa (6,3; DP = 2,0cm) não foi encontrada diferença significativa (Figura 2).

Figura 2. Qualidade do Sono Noturno no Trabalho, comparada à qualidade dos episódios de sono em casa (média e desvio padrão) - N = 40. São Paulo, 2009.

DISCUSSÃO

No Brasil, a permissão para dormir por até três horas durante o plantão noturno não é regulamentada, embora seja uma prática comum, principalmente, em hospitais públicos3,6,13. Estudo com base em questionários com trabalhadores de enfermagem de hospitais públicos sugere que a prática de dormir durante os plantões noturnos é comum, com baixos percentuais que referem não dormir4. O cochilo durante o trabalho noturno deve compensar os efeitos negativos do trabalho noturno ao sono. Diante da possibilidade de cochilar no plantão noturno, as trabalhadoras se organizavam em dois horários, em função da preferência de cada uma. O mesmo esquema de organização dos cochilos foi descrito em outros estudos brasileiros6,13,14.

No presente estudo, a duração média dos cochilos em torno de 2 horas é semelhante aos 138 minutos observados em outro estudo brasileiro6. Em diferentes estudos, a duração dos cochilos variou de 150 minutos8, 141 minutos13 e 120 a 180 minutos4.

A menor duração do sono durante o dia, após o trabalho noturno, entre aquelas que cochilaram no trabalho por mais tempo está de acordo com os achados de estudo com enfermeiras13. Segundo esses autores, as profissionais de enfermagem de plantões noturnos que cochilavam no trabalho apresentavam menor duração do sono diurno em casa, quando comparadas com aquelas que não cochilavam no trabalho. Esses dados sugerem que o cochilo no trabalho pode compensar, parcialmente, o débito de sono entre profissionais de enfermagem de plantões noturnos. A associação entre os cochilos de longa duração e a menor duração do sono diurno poderia corresponder a uma estratégia para facilitar o reajuste aos horários diurnos durante o tempo de folga8.

Os cochilos durante o horário de trabalho noturno poderiam funcionar como "sono âncora", uma estratégia com base em um sono de 4 horas em horários regulares, que favoreceria a sincronização dos ritmos dos indivíduos submetidos a rotinas de sono irregulares15. Cabe ressaltar, no entanto, a inércia do sono, efeito negativo do sono sobre desempenho do indivíduo imediatamente após o despertar, que também deve ser avaliada no contexto das estratégias relacionadas aos cochilos durante o trabalho noturno.

A menor duração do cochilo entre as trabalhadoras que cochilaram no segundo horário do turno da noite (03h01min às 06h00min) poderia ter várias explicações. Como a passagem do plantão se dá às 7 horas da manhã e antes deste horário são realizados procedimentos médicos, a demanda de trabalho próxima ao fim do plantão pode diminuir o silêncio e interromper o cochilo daquelas que ainda estariam no "horário de descanso". Como o duplo vínculo empregatício4 é uma prática comum e também foi observado no presente estudo, o preparo para a ida diretamente a outro emprego poderia reduzir a duração do cochilo no "segundo turno de cochilos".

Semelhante aos nossos resultados, a menor eficiência do sono noturno no trabalho entre aquelas que cochilaram no primeiro horário também foi observada em estudo experimental simulando as condições de trabalho16. Esse resultado pode estar relacionado ao fato de que a eficiência do sono noturno no trabalho varia em função do horário do início desse sono. Como o valor máximo da secreção da melatonina e o menor valor da temperatura central são observados, aproximadamente, entre 3h e 4h da manhã, a propensão ao sono nesse horário é maior2. Isso poderia explicar a eficiência do sono maior entre aquelas que cochilam a partir das 3h da manhã. Entretanto, são necessários novos estudos de campo onde esta variável seja analisada segundo o horário de início do sono.

Já a eficiência do SNT semelhante a do sono noturno em casa pode ser explicada pelo padrão circadiano de regulação do sono2, que favorece a ocorrência do sono durante o período da noite. Estudo realizado com motoristas de ônibus que trabalhavam em turnos diurnos ou noturnos17 mostrou, por meio de dados polissonográficos, que o sono diurno era de menor duração e eficiência, quando comparado ao sono noturno. Em relação à eficiência do SNT, os resultados do presente estudo apontam na direção da importância do cochilo no trabalho em concordância com outros estudos, nos quais o cochilo se mostrou benéfico por atenuar as queixas de fadiga em profissionais da enfermagem e médicos7, assim como elevar os níveis de alerta em trabalhadores de uma refinaria de petróleo16.

Apesar dos possíveis benefícios do cochilo noturno no trabalho, as condições ambientais e organizacionais nem sempre são favoráveis14 e, possivelmente, por essa razão, a percepção da qualidade do sono noturno durante o trabalho tenha sido significativamente inferior à qualidade do sono em casa nos dias de folga. A ausência de quartos privativos contribui para a interrupção do sono. Além disso, o fato de estar no trabalho dificulta o relaxamento necessário para um sono de boa qualidade. Em outras palavras, o período de descanso durante o trabalho noturno está condicionado a intercorrências que podem levar à interrupção do descanso, situação que não se espera durante o sono noturno em casa nas noites de folga. Estudos qualitativos realizados no Brasil14 e no Canadá18 mostraram que as trabalhadoras dos plantões noturnos referiram sentir-se cansadas, mas temiam tirar cochilos, embora estes fossem permitidos. Assim sendo, a informalidade dos cochilos durante o trabalho noturno é outro aspecto que deve ser ponderado, quando se analisa a percepção da qualidade desses cochilos.

Como proposto nos estudos já citados, não há dúvidas de que a possibilidade de tirar um cochilo é um procedimento organizacional importante para melhorar as condições de trabalho durante o turno noturno. Tal benefício foi relatado pelas trabalhadoras durante a realização do trabalho de campo e também explicitado no estudo sobre as condições ambientais e organizacionais dos cochilos nas equipes de enfermagem14. No referido estudo, aspectos como quartos para o descanso noturno, tempo regulamentado, luz, barulho, ventilação foram referidos pelas trabalhadoras de enfermagem como fatores importantes no planejamento e organização dos cochilos no trabalho14. Trabalhar à noite exige um esforço considerável, já que contraria o padrão do ciclo vigília-sono natural do ser humano, conforme demonstrado amplamente na literatura científica2. De acordo com relatos de trabalhadoras de enfermagem, há benefícios do cochilo noturno no ambiente de trabalho quando esses aspectos da organização/regulamentação dos cochilos são considerados14.

Dessa forma, ao confirmar os benefícios do cochilo durante o trabalho noturno entre as equipes de enfermagem, os resultados do presente estudo buscam fortalecer as evidências da literatura no que se refere à importância de horários e de locais adequados para que o cochilo durante o trabalho noturno possa ocorrer. É importante ressaltar que possíveis efeitos da inércia do sono não avaliados no presente estudo podem representar um aspecto limitante da implementação dessa prática, o que merece investigações futuras. Apesar das limitações em relação ao tamanho reduzido da amostra, a descrição dos cochilos por meio da actimetria em paralelo ao protocolo de atividades diárias forneceu resultados mais precisos, quando comparados aos estudos que utilizam apenas dados de questionários. Diante disso, os resultados do presente estudo podem subsidiar as políticas de saúde do trabalhador, no que tange à regulamentação dos cochilos.

CONCLUSÃO

A eficiência dos cochilos no trabalho, no que corresponde à semelhança em relação ao sono noturno em casa, sugere que houve um efeito benéfico do cochilo para as participantes do presente estudo. Cabe destacar que a permissão para cochilar durante o trabalho noturno não é oficialmente apresentada às equipes de enfermagem e, portanto, não são disponibilizados locais específicos para o sono. Essa é uma questão controversa porque a enfermagem lida com a assistência contínua aos pacientes; durante os plantões noturnos o número de trabalhadores é, geralmente, reduzido, visto que se considera que as demandas de trabalho durante a noite são menores. No entanto, os aspectos favoráveis ao SNT entre os profissionais de enfermagem apontados na literatura, assim como o resultado do presente estudo, estimulam discussões sobre a regulamentação dos cochilos. Neste contexto, a discussão sobre a gestão da força de trabalho nos horários diurnos e noturnos deve considerar não só aspectos da organização do trabalho, mas também da fisiologia humana.

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