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CAPES

Volume 19, Número 1, Jan/Mar - 2015



DOI: 10.5935/1414-8145.20150019

PESQUISA

Incentivo à prática de aconselhamento sobre modos saudáveis de vida na Atenção Primária à Saúde

Raquel de Deus Mendonça 1
Mariana Tâmara Teixeira de Toled 1
Aline Cristine Souza Lopes 1


1 Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte - MG, Brasil

Recebido em 15/08/2013
Aprovado em 11/08/2014

Autor correspondente:
Aline Cristine Souza Lopes
E-mail: alinelopesenf@gmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Analisar o efeito de ações educativas realizadas com profissionais da Atenção Primária sobre o aconselhamento sobre modos saudáveis de vida.
MÉTODOS: Estudo de intervenção com profissionais de saúde de uma Unidade Básica de Saúde de Belo Horizonte - MG. Aplicou-se questionário, pré e pós-intervenção, constando de dados sociodemográficos e prática de aconselhamento. As ações educativas ocorreram por quatro meses e constaram de intervenções focadas no aconselhamento.
RESULTADOS: Participaram 66 profissionais que realizavam aconselhamento preferencialmente para indivíduos doentes (52,1%), durante visitas domiciliares (42,6%) e, individualmente (35,4%), sendo a principal barreira apontada para sua realização a não adesão dos usuários (52,2%). Após a intervenção, verificou-se aumento da prática de aconselhamento (p = 0,009) e sua redução exclusivamente para usuários doentes (p = 0,012).
CONCLUSÃO: As ações possibilitaram a ampliação da prática de aconselhamento, principalmente voltado para a promoção da saúde e prevenção de doenças, evidenciando a relevância de se incluir tal temática nas atividades de educação permanente.


Palavras-chave: Aconselhamento; Pessoal de Saúde; Promoção da Saúde; Atenção à Primária Saúde; Educação em Saúde.

INTRODUÇÃO

Diante do cenário atual da saúde, marcado pelo aumento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), como as doenças cardiovasculares, diabetes mellitus e obesidade, torna-se primordial a realização de aconselhamento sobre modos saudáveis de vida pelos profissionais da saúde, especialmente sobre a prática regular de atividade física e alimentação saudável, tendo em vista seus comprovados benefícios1,2.

O aconselhamento é uma estratégia na qual o conhecimento com vistas a mudanças de comportamentos em saúde é construído pelo paciente em conjunto com o profissional, propiciando ao indivíduo melhores habilidades para a adoção de modos saudáveis de vida3. Ele pressupõe a participação do profissional de saúde como educador que estimula reflexões e mudanças sobre comportamentos de interesse, envolvendo desde orientações individuais ou coletivas até estratégias de intervenção2,4.

O atendimento dos usuários nos serviços de saúde é uma oportunidade importante para a realização do aconselhamento, tendo em vista a confiança que seus profissionais despertam entre os usuários2. Nos serviços de Atenção Primária à Saúde (APS) tal prática assume caráter ainda mais relevante, ao considerar que o seu eixo norteador é o fortalecimento da capacidade de escolha dos sujeitos, de forma a impactar nos determinantes de saúde de coletividades5. Entretanto, o aconselhamento ainda é pouco frequente e, muitas vezes, é realizado apenas em decorrência de uma doença já instalada2,6.

Estudo realizado na Austrália7 apontou que a maior parte dos profissionais de saúde aconselhou sobre alimentação e atividade física somente àqueles indivíduos que já apresentavam excesso de peso no momento da consulta5. No mesmo sentido, estudo realizado por Toledo (2011)6 com 417 usuários de uma Unidade Básica de Saúde de Belo Horizonte revelou baixa frequência de aconselhamento (40,8%) pelos profissionais e de adesão (50,9%) pelos usuários, sendo o recebimento de aconselhamento associado à presença de doenças como hipertensão arterial e hipercolesterolemia.

Reconhece-se que vários fatores podem se relacionar à insuficiente realização de aconselhamento sobre modos saudáveis de vida na APS. Dentre eles, destaca-se a falta de tempo, de compensação financeira, de adesão dos pacientes e de conhecimentos teóricos e práticos sobre assuntos relacionados à atividade física e nutrição7,8. Trabalhar, portanto, a temática da prática do aconselhamento em espaços de educação permanente pode constituir importante estratégia para superar estas barreiras e fortalecer a promoção da saúde e prevenção de agravos na Atenção Primária.

Nesse sentido, o presente estudo objetivou analisar o efeito de ações educativas de promoção da saúde realizadas com profissionais da Atenção Primária sobre sua prática de aconselhamento voltado para modos saudáveis de vida (alimentação e atividade física).

MÉTODO

Este estudo é parte integrante do projeto "Promoção de modos saudáveis de vida em adultos e idosos residentes em áreas de abrangência de Unidades Básicas de Saúde de Belo Horizonte - MG". O projeto pertence a uma das linhas de pesquisa do Programa de Educação pelo Trabalho em Saúde (PET-Saúde), desenvolvido desde 2009, pela Universidade Federal de Minas Gerais em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, Minas Gerais.

Trata-se de um estudo de intervenção, descritivo de abordagem quantitativa, realizado com profissionais de saúde de cinco Equipes de Saúde da Família (ESF) e do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) atuantes em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) da Região Leste de Belo Horizonte, planejado e desenvolvido entre abril de 2011 a março de 2012.

Os critérios de inclusão do estudo constaram de ser profissional da saúde da UBS em questão, aceitar participar do estudo e, não estar de férias ou licença médica. Dessa forma, os entrevistados constaram de profissionais com formação na área da saúde de todos os níveis, incluindo os Agentes Comunitários de Saúde e de Endemias, e excluindo apenas a gerência.

A linha de base do estudo teve duração de três semanas, quando foi aplicado um questionário estruturado e pré-testado, por estudantes bolsistas e voluntários do PET-Saúde, devidamente supervisionados pelos preceptores. O instrumento constou de dados sociodemográficos (idade, sexo, escolaridade, ocupação, renda, tempo de trabalho no Sistema Único de Saúde e possuir plano de saúde) e dados relativos à prática de aconselhamento sobre modos saudáveis de vida (alimentação saudável e prática regular de atividade física). Este questionário também foi aplicado após a intervenção com o intuito de verificar possíveis diferenças na prática de aconselhamento realizada pelos profissionais.

As atividades conduzidas na intervenção ocorreram durante quatro meses consecutivos, em momentos e espaços físicos convencionalmente utilizados na UBS e especificados pela gerência da unidade, como sala de reuniões, cozinha, garagem, dentre outros. A utilização desses espaços visou estimular a participação dos profissionais nas atividades, que eram realizadas durante ou após as reuniões semanais das ESF e de matriciamento juntamente com o NASF.

Antes de iniciar a intervenção, durante um mês, realizou-se uma etapa de sensibilização visando divulgar as atividades de intervenção e favorecer a adesão dos profissionais. Esta etapa constou de diferentes atividades, incluindo uma oficina denominada "Oficina dos Sentidos", que explorou o tato, olfato, paladar e audição dos profissionais como possibilidades de reflexão sobre o trabalho e o cuidado à saúde. Adicionalmente, foram ofertadas na UBS atividades de alongamento e relaxamento e, ações de promoção da alimentação saudável mediante oficinas culinárias com preparação receitas saudáveis e práticas, como bolo de casca de banana, barras de cereais, salada de frutas e sucos naturais.

Após o término da sensibilização, os profissionais foram convidados, com uma semana de antecedência, a participar da intervenção mediante cartazes e convites verbais realizados durante as reuniões das equipes. Visando não prejudicar a rotina de trabalho dos profissionais e garantir a participação ativa de todos nas atividades, as ações tiveram duração máxima de trinta minutos e ocorreram durantes as reuniões de cada ESF, momento no qual todos os profissionais estavam reunidos.

No quadro 1 estão apresentadas as atividades realizadas na intervenção, incluindo os temas, objetivos e estratégias educativas com vistas a contribuir para a ampliação da prática de aconselhamento. Os encontros constaram de três momentos, primeiramente, apresentava-se o tema, na sequência realizava-se a atividade prática e ao final uma discussão na qual se incentivava a reflexão do profissional sobre sua prática de aconselhamento no contexto do tema abordado naquele encontro.

Quadro 1. Atividades de intervenção realizadas com os profissionais de saúde, Belo Horizonte - MG, 2011-2012
Temas Objetivos Estratégia educativa
Lanches Saudáveis  Estimular a promoção da saúde mediante o aconselhamento de uma alimentação saudável. Oficina culinária com preparo de sanduíche.
 Apresentar receitas simples e viáveis que podem ser fornecidas aos usuários.
Os modos saudáveis de vida no trabalho  Sensibilizar sobre a importância da qualidade de vida. Escalda pés com sais aromáticos e ervas, musicalmente, ambientado.
 Discutir a importância do aconselhamento de modos saudáveis de vida.
O que é Saúde?  Discutir o conceito ampliado de saúde e os fatores que a influenciam. Jogo educativo.
 Despertar sobre a importância de se refletir sobre a saúde e os benefícios da adoção de modos de vida saudáveis junto à comunidade.
Modos saudáveis de vida - alimentação saudável e prática de atividade física  Trabalhar questões relativas aos modos saudáveis de vida: alimentação saudável e prática de atividade física. Jogo educativo.
Prática de atividade física e alimentação saudável, como promotores do autocuidado apoiado  Trabalhar questões relativas à alimentação saudável e prática de atividade física. Prática de Liang Gong e roda de conversa sobre alimentação saudável.
 Estimular a prática do autocuidado apoiado pelos profissionais como estratégia para ampliação do aconselhamento voltado para modos saudáveis de vida.
 Apresentar aos profissionais estratégias para trabalhar os modos de vida saudáveis com os usuários.
Promovendo saúde no cotidiano  Problematizar diferentes tipos de atendimentos focados na promoção de saúde. Técnica de teatro.
Bem estar e hidratação  Discutir sobre a importância da hidratação para a saúde. Prática de relaxamento mediante o uso de "cardápio musical" e entrega de garrafas de água.
 Apresentar aos profissionais formas de trabalhar a importância da hidratação com os usuários.
Quadro 1. Atividades de intervenção realizadas com os profissionais de saúde, Belo Horizonte - MG, 2011-2012

As atividades desenvolvidas na etapa de sensibilização e na intervenção se embasaram em materiais publicados pelo Ministério da Saúde, cujos temas abrangeram a promoção de modos saudáveis de vida de forma clara e acessível, tais como os "Dez Passos para uma Alimentação Saudável" e o "Guia Alimentar para a População Brasileira". Adicionalmente, utilizaram-se materiais educativos e lúdicos, como réplicas, fotos e rótulos de alimentos elaborados pela equipe do PET-Saúde.

A partir dos dados obtidos, realizou-se a análise descritiva e aplicou-se o teste Kolmogorov-Smirnov para avaliar a distribuição das variáveis quantitativas (normalidade). Para as variáveis com distribuição normal, os resultados foram apresentados sob a forma de média e de desvio padrão (DP) e, para aquelas com distribuição assimétrica utilizou-se a mediana e os valores, mínimo e máximo. Os dados categóricos foram descritos pelas frequências absoluta e relativa.

Para verificar as diferenças relacionadas à realização de aconselhamento pelos profissionais pré e pós-intervenção, foi empregado o teste estatístico de McNemar para a análise pareada das variáveis. Foi considerado nível de significância de 5% para todos os testes. As análises estatísticas foram realizadas com o auxílio do programa Package for the Social Sciences, versão 17.0 (SPSS Inc, Chicago, IL, 2003).

Quanto às questões éticas, a pesquisa foi aprovada pelos Comitês de Ética e Pesquisa da Prefeitura de Belo Horizonte (CAAE 0037.0.410.000-09) e da Universidade Federal de Minas Gerais (ETIC 037.0.410.203-09). Todos os entrevistados foram informados sobre a pesquisa, sendo que aqueles que concordaram em participar, em seguida, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme preconiza a Resolução do Conselho Nacional de Saúde. Para garantir o anonimato, o questionário não registrou o nome do participante do estudo.

RESULTADOS

Dos 84 profissionais da UBS, 66 (78,6%) foram entrevistados antes da intervenção e 48 (57,1%) após a intervenção. As perdas foram relativas aos profissionais que não responderam ao questionário após a intervenção, sendo decorrentes de sua ausência na UBS durante o período de coleta de dados, seja por realização de atividades externas, como visitas domiciliares e capacitações, ou férias trabalhistas. Ressalta-se que visando minimizar estas perdas, os profissionais foram procurados em dias alternados durante o período da coleta de dados por no mínimo três vezes. Ademais, todos os entrevistados participaram de pelo menos 57,1% das ações educativas, sendo a média de participação nos encontros de 55 profissionais.

Dos entrevistados (n = 66), a maioria era mulheres (77,3%), com média de idade de 38 anos (DP ± 10,9 anos), 50,0% possuíam ensino médio e a maioria tinha plano de saúde (66,7%). A ocupação mais prevalente foi a de Agente Comunitário de Saúde (27,3%) (Tabela 1). Ressalta-se que as características sociodemográficas dos participantes foram similares nos momentos pré e pós-intervenção.

Tabela 1. Perfil sociodemográfico e de saúde dos profissionais de saúde - Belo Horizonte - MG, 2011-2012
Variáveis n Valores
Idade (média ± DP) 66 38 ± 10,9 anos
Sexo (%)  
Feminino 51 77,3
Masculino 15 22,7
Estado Civil (%)  
Solteiro (a) 34 51,6
Casado (a)/União consensual 28 42,4
Outros 4 6,0
Ocupação (%)  
Agente Comunitário de Saúde 18 27,4
Agente Comunitário de Endemias 8 12,1
Enfermeiro (a)/Técnico (a) em Enfermagem 9 13,7
Auxiliar de Enfermagem 6 9,1
Médico (a) 6 9,1
Auxiliar de Saúde Bucal 3 4,5
Dentista 2 3,0
Escolaridade (%)  
Ensino Médio 33 51,6
Ensino Superior 24 37,5
Ensino Técnico 7 10,9
Possui plano de saúde (%) 44 66,7
Tempo de trabalho no SUS+ (mediana; mínimo; máximo) 66 5,5 anos (0,3;30)
Tempo de trabalho na APS+ (mediana; mínimo; máximo) 66 4,8 anos (0,3;30)

+ SUS - Sistema Único de Saúde;

+ APS - Atenção Primária à Saúde.

Tabela 1. Perfil sociodemográfico e de saúde dos profissionais de saúde - Belo Horizonte - MG, 2011-2012

A realização de aconselhamento sobre modos saudáveis de vida junto aos usuários foi relatada por 85,1% dos profissionais no momento pré e 89,4% no pós-intervenção (p = 0,625). As visitas domiciliares, atendimentos individuais e grupos operativos foram citados como espaços onde o aconselhamento mais era realizado, em ambos os momentos (Tabela 2). Adicionalmente, os profissionais relataram acreditar que a prática regular de atividade física (95,5%) e a alimentação saudável (98,5%) são capazes de influenciar a saúde, principalmente melhorando a qualidade de vida (64,4%) e o perfil de doenças (44,7%) (dados não apresentados), sendo as principais barreiras para a sua realização a baixa adesão do usuário e a falta de tempo.

Tabela 2. Prática de aconselhamento sobre modos saudáveis de vida, segundo os profissionais de saúde - Belo Horizonte - MG, 2011-2012
Variáveis Pré-intervenção (n = 66) Pós-intervenção (n = 48) Valor p
n % n %
Aconselham sobre MSV na prática profissional  
Todos os profissionais de saúde 40 60,6 42 87,5 0,625
Agentes Comunitário de Saúde e de Endemias 20 30,3 13 27,1 1,000
Médicos(as) e Enfermeiros(as) 11 16,7 10 20,8 -
Auxiliares e Técnicos de Enfermagem 11 16,7 8 16,7 -
Dentistas e Auxiliares de Saúde Bucal 2 3,0 3 6,3 0,625
Espaços de assistência onde realiza aconselhamento  
Visita domiciliar 20 30,3 18 37,5 0,205
Consulta individual 17 25,8 19 39,6 0,219
Grupos Operativos 15 22,7 17 35,4 0,205
Acolhimento 9 13,6 9 18,8 0,273
Sala de espera 3 4,5 1 2,1 0,250
Frequência com que realiza aconselhamento  
Quando o usuário possui alguma doença 18 27,2 8 16,7 0,012
Sempre, com todos ou quase todos os usuários 14 21,2 24 50,0 0,009
Quando o usuário apresenta hábitos alimentares inadequados 6 9,1 6 12,5 0,246
Quando o usuário é sedentário 7 11,5 0 0,0 1,000
Quando o usuário possui excesso de peso ou obesidade 7 11,5 4 8,3 0,164
Barreiras à realização de aconselhamento  
Dificuldade de adesão pelo usuário 24 36,4 22 45,8 0,167
Falta de tempo no atendimento 9 13,6 11 22,9 0,219
Dificuldade oriunda da própria não adesão a MSV 3 4,5 1 2,1 0,250
Falta de capacitação profissional 2 3,0 2 4,2 0,500
Falta de remuneração 1 1,5 0 0,0 1,000

Teste McNemar; MSV - modos saudáveis de vida.

Tabela 2. Prática de aconselhamento sobre modos saudáveis de vida, segundo os profissionais de saúde - Belo Horizonte - MG, 2011-2012

Ao analisar a prática de aconselhamento após a intervenção, verificaram-se mudanças significativas na prática, em geral, de aconselhamento e voltada, também, para indivíduos sadios. Houve aumento de 29,2% para 50,0%; p = 0,009 e redução da frequência de realização de aconselhamento para os usuários que apresentavam alguma doença (37,5% para 16,7%; p = 0,012). Não houve alterações quanto aos espaços e barreiras para a realização de aconselhamento (Tabela 2).

DISCUSSÃO

As intervenções realizadas junto aos profissionais de saúde propiciaram o aumento do percentual de aconselhamento regular aos usuários, independentemente, da presença de doenças, o que favorece o acesso ao aconselhamento.

Evidencia-se o efeito positivo deste achado, ao considerar que o aconselhamento sobre modos saudáveis de vida deve estar disponível a todos os indivíduos, objetivando não apenas o controle de doenças, mas também sua prevenção e a promoção da saúde, de forma equitativa e universal2.

Entretanto, estudos demonstram que a prática de aconselhamento é pequena entre os profissionais de saúde e ocorre, principalmente, para indivíduos doentes7,9. Estudo, nos Estados Unidos9, com médicos da Atenção Primária revelou que menos de 50% dos profissionais relataram fornecimento de orientações específicas sobre dieta, atividade física ou controle de peso, independentemente, da presença de doenças entre os usuários.

A maior frequência de aconselhamento para os indivíduos doentes parece apontar para práticas de saúde ainda, de certa forma, atreladas ao modelo biomédico voltado para o tratamento de doenças. Situação que evidencia as dificuldades dos profissionais de saúde para aconselhar com o objetivo de promover a saúde. Neste contexto, Silveira et al.10, em estudo sobre o processo de trabalho das ESF, pontuaram que, os profissionais, assim, como a população usuária ainda operam segundo a lógica tradicional de enfoque nas ações terapêuticas, dificultando a efetivação da promoção da saúde no cotidiano dos serviços.

Referente aos espaços de assistência que se realiza o aconselhamento, chama a atenção o fato de poucos profissionais citarem o acolhimento, a sala de espera e os grupos operativos. O acolhimento possui importância vital na APS, com potencialidade para imprimir qualidade aos serviços de saúde. Ele se configura como um modo de operar os processos de trabalho em saúde, de forma a atender a todos que procuram os serviços de saúde, escutando e respondendo, adequadamente, às demandas11.

A sala de espera por ser um território dinâmico, onde ocorre mobilização de diferentes pessoas à espera do atendimento, deve e pode transformar o período de espera pelas consultas em momentos favoráveis para o despertar de processos educativos e troca de experiências, que possibilite a interação de conhecimentos com vistas à para a produção do cuidado integral em saúde12. Já os grupos operativos, por favorecer o aprimoramento e o conhecimento dos envolvidos (profissionais e usuários), podem reduzir sintomas de respostas emocionais, face às pressões sociais adversas, muitas vezes, presentes entre indivíduos que requerem mudanças no estilo de vida13. Dessa forma, reforça-se a importância destes espaços atribuídos à Estratégia de Saúde da Família em parceira com o NASF, serem mais explorados pelos profissionais, almejando uma maior abrangência das ações de promoção da saúde voltadas para alimentação saudável e prática regular de atividade física, determinantes proximais essenciais à saúde dos sujeitos.

Além da exploração insuficiente dos momentos e espaços de assistência para a realização de atividades de promoção da saúde, ressalta-se que alguns profissionais entrevistados, como agentes comunitários de saúde e de endemias, dentistas e auxiliares de saúde bucal referiram não realizar o aconselhamento sobre modos saudáveis de vida. Cenário que corrobora o modelo biomédico de assistência no qual a responsabilidade pelo cuidado está associada à figura do médico e não ao trabalho em equipe, como proposto pela Estratégia Saúde da Família14.

No modelo atual de atenção à saúde é de extrema importância a corresponsabilização de todos os profissionais para o sucesso do trabalho, evitando a descontinuidade entre as ações de cuidado11. Ademais, ressalta-se que a educação em saúde configura-se como uma prática prevista e atribuída a todos os profissionais que compõem a APS3. Nesse sentido, é fundamental a participação desses profissionais no estabelecimento e fortalecimento do vínculo entre os moradores e a unidade de saúde, facilitando o diagnóstico das situações de risco, bem como sua atuação como agentes de organização da comunidade para a transformação das condições de saúde14.

O ato de aconselhar também pressupõe preparo e conhecimento do profissional, e estudos apontam como dificuldades a falta de tempo, de colaboração dos indivíduos e de conhecimentos práticos e teóricos7,8. Wynn et al.8 verificaram que médicos que relataram ter maior conhecimento sobre alimentação saudável apresentaram maior probabilidade em realizar o aconselhamento sobre este tema (p < 0,0005). Ademais, esses profissionais foram mais propensos a gastar mais tempo discutindo nutrição durante as consultas do que os médicos que consideraram insuficiente seu conhecimento sobre alimentação e nutrição (p < 0,0005).

Neste estudo não se observou modificação significativa em relação às barreiras para se aconselhar sobre os modos saudáveis de vida, após a intervenção, sendo a dificuldade de adesão do usuário a barreira mais importante segundo os profissionais. Este achado demonstra que a não adesão dos usuários desmotiva a prática de aconselhamento. A desmotivação do profissional pode ser um dos fatores que contribui para que o aconselhamento esteja pouco presente em sua prática, acarretando dificuldades de comunicação, vínculo empobrecido, insatisfação do usuário e a baixa adesão14.

Todavia, quando o profissional de saúde participa de alguma ação, como observado, neste estudo, ele responde ampliando a prática de aconselhamento o que demonstra a imprescindibilidade da educação permanente. Esta quando voltada para a compreensão dos processos que envolvem a mudança de comportamento pode contribuir para capacitar os profissionais para melhor enfrentar as barreiras encontradas pelos usuários para implementar modos saudáveis de vida o que pode favorecer a adesão15. A atualização de materiais como os Cadernos de Atenção Básica do Ministério da Saúde, voltados para a prevenção e controle das DCNT, constituem reforço importante neste sentido.

Para ampliar a prática do aconselhamento na APS e contribuir para a ruptura da visão fragmentada e reducionista imposta pelo modelo biomédico nas práticas de saúde se faz necessário um processo de educação permanente com profissionais e estudantes da área, de forma a favorecer uma visão ampliada sobre o processo saúde-doença. Este processo deve se fundar na construção compartilhada do conhecimento e na experiência cotidiana e, sobretudo, valorizar os profissionais como apoiadores de mudanças. Dessa forma, pode-se ampliar as competências e habilidades para a realização do cuidado em saúde e de gestão das dificuldades vivenciadas diariamente e, assim, contribuir para a priorização das ações de promoção da saúde e prevenção dos agravos5,15,16.

Uma estratégia importante para viabilizar a educação permanente na Atenção Primária é o estabelecimento de parcerias entre os setores da educação e da saúde, como a experiência vivenciada pelo PET-Saúde neste estudo. Estas ações conjuntas entre universidade e serviço são úteis para intervir na realidade, permitindo que se conjuguem os conhecimentos produzidos e acumulados pelos dois setores, objetivando ações articuladas de saúde16.

O estudo apresentou algumas limitações metodológicas, que impediram inferências causais e associações dos resultados com as categorias profissionais dos participantes, além de perdas no acompanhamento. Destaca-se que, a principal razão para tais perdas no estudo foi a ausência do profissional na UBS durante o período de coleta de dados, entretanto, os profissionais foram procurados por no mínimo três vezes na unidade. Ademais, sendo este estudo realizado em apenas uma UBS, os resultados não podem ser extrapolados para outros serviços de saúde, mas apontam caminhos para se repensar a prática de aconselhamento. Destaca-se que se faz oportuno investigar o ato de aconselhar por categoria profissional com vistas de estudar se há diferenças nesta prática, contudo não foi possível realizar neste estudo devido o reduzido tamanho da amostra. Apesar disso, foi possível atender ao objetivo do estudo e contribuir para o desenvolvimento de práticas promotoras da saúde voltadas à realidade local da população estudada, apontando a relevância de mais estudos sobre o tema.

CONCLUSÃO

O estudo revelou que as práticas educativas realizadas com os profissionais refletiram, positivamente, sobre as ações de promoção da saúde realizadas, por propiciarem o aumento do percentual de aconselhamento regular aos usuários, sobretudo, entre aqueles sem alguma doença. Dessa forma, aponta caminhos para a ampliação da prática de aconselhamento voltado para modos saudáveis de vida na APS pela inclusão da temática nas atividades de educação permanente dos serviços contribuindo para o cuidado integral à saúde.

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