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ISSN (impressa): 1414-8145
Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
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Ministério da Educação
CAPES

Volume 19, Número 1, Jan/Mar - 2015



DOI: 10.5935/1414-8145.20150002

PESQUISA

Curso de mestrado da Escola Anna Nery 1972-1975: singularidades da formação e desafios na implantação

Ana Lia Trindade Martins Mendes 1
Pacita Geovana Gama de Sousa Aperibense 2
Antonio José de Almeida Filho 3
Maria Angélica de Almeida Peres 3


1 Fundação de Apoio à Escola Técnica do Estado do Rio de Janeiro - FAETEC. Rio de Janeiro - RJ, Brasil
2 Universidade UNIGRANRIO. Rio de Janeiro - RJ, Brasil
3 Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro - RJ, Brasil

Recebido em 24/07/2013
Aprovado em 09/06/2014

Autor correspondente:
Ana Lia Trindade Martins Mendes
E-mail: analia.martins@gmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Analisar as características iniciais do primeiro curso de mestrado em enfermagem do Brasil; discutir as dificuldades enfrentadas para atender às novas exigências acadêmicas.
MÉTODOS: Estudo histórico-social. As fontes primárias foram documentos escritos e entrevistas com ex-alunas e ex-professoras do referido curso. Os conceitos teóricos utilizados para análise são os de universidade e as três gerações de pesquisadoras.
RESULTADOS: Quanto às características destaca-se: ministrado por docentes capacitados no exterior, currículo voltado às experiências teóricas e teórico-práticas, direcionado para formação didática e pedagógica. Dentre as dificuldades, ressalta-se: falta de docentes qualificados para lecionar, ausência de disciplinas para a formação crítica e reflexiva.
CONCLUSÃO: No princípio de 1970, a EEAN enfrentou o desafio de implantar um curso em nível de pós-graduação stricto sensu. Apesar das dificuldades, em 1975, a EEAN formou as nove primeiras mestras em Enfermagem contribuindo para o surgimento de uma nova geração de pesquisadoras em enfermagem no país.


Palavras-chave: Enfermagem; Educação de Pós-Graduação; História da Enfermagem.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A presente pesquisa tem como objeto de estudo as características iniciais do primeiro curso de mestrado em enfermagem do país, implantado na Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 1972. O recorte temporal inicia-se no ano de 1972, ano de implantação do curso de mestrado na EEAN e, se encerra em 1975, com a defesa das nove dissertações pelas alunas do curso.

Na década de 1960, ocorreram importantes mudanças no ensino superior estabelecidas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), nº 4.024 de 1961. Entre as inovações instituídas, destaca-se a inclusão da pós-graduação na educação brasileira e a exigência do ensino secundário completo para o ingresso em qualquer curso de nível superior1,2.

O regime militar investiu intensamente na economia do país. Logo ao ser implantado o regime iniciou uma política de recuperação econômica e, já no final da década de 1960, ocorreu uma expansão econômica, com acentuado desenvolvimento do setor industrial. Como consequência deste investimento do governo o crescimento do setor industrial intensificou-se e aumentou o número de multinacionais no país. As novas empresas e indústrias precisavam de mão de obra qualificada para preencher seus quadros. Ao mesmo tempo, o aumento populacional determinou o aumento pela demanda por educação. A classe média e os movimentos estudantis começaram a pressionar o governo para que facilitasse o acesso à educação.

Para dar conta desses problemas, o governo brasileiro recorreu à ajuda dos Estados Unidos da América (EUA), assinando os acordos denominados Ministério da Educação e Cultura/United States Agency for International Development (MEC/USAID) e instituiu comissões, formadas por educadores para que eles avaliassem a situação educacional e propusessem estratégias para encaminhar o assunto. Em decorrência disto, foi promulgada a Lei 5.540/68, conhecida como a Lei da Reforma Universitária, que instituiu importantes mudanças na educação do país, como a instauração do princípio da indissolubilidade entre o ensino e a pesquisa e o estabelecimento da exigência da pós-graduação stricto sensu para a carreira docente3. Nesse contexto, a EEAN/UFRJ é impelida a implantar o curso de mestrado em enfermagem, enfrentando o desafio de integrar a prática da pesquisa à sua orientação pedagógica, até então voltada para a assistência1,2.

Com o intuito de nortear esta pesquisa foram elaborados os seguintes objetivos: analisar as características iniciais do primeiro curso de mestrado em enfermagem do Brasil; e discutir as dificuldades enfrentadas para atender às novas exigências acadêmicas.

ABORDAGEM TEÓRICA

Para a análise do contexto histórico-social em que se insere o estudo, será utilizado o conceito de Universidade como instituição social, apresentado pela filósofa Marilena Chauí4 que discute a dinâmica segundo a qual a universidade realiza e exprime de modo determinado a sociedade de que é e faz parte. Desse modo, o campo de discussão na universidade acompanha as características vigentes no meio social, ou seja, os traços institucionalizados reproduzem os aspectos que marcam a sociedade e, dessa forma, a universidade se mostra parte integrante e constitutiva do tecido social4.

Para caracterizar o saber de enfermagem, utilizamos as fases do seu desenvolvimento, três fases: a das Técnicas de Enfermagem, a dos Princípios Científicos e a das Teorias de Enfermagem. O presente estudo se insere na Fase das Teorias, iniciada na América do Norte, na década de 1960, decorrente da procura pela autonomia profissional e pela especificidade do saber de enfermagem, aqui no Brasil teve seu desenvolvimento na década de 1970, coincidindo com o período da abertura dos cursos de pós-graduação stricto sensu. Em geral, as teorias expressam a formalização da organização das ações de enfermagem para a prestação do cuidado, mais do que, propriamente, teorizam sobre o cuidado, buscando compreender o homem em sua totalidade, ou seja, como um ser biopsicossocial, com a incorporação de conceitos da psicologia, da antropologia e da sociologia, etc5.

De outro modo, para situar as pesquisadoras enfermeiras, a partir da metade do século XX, adotamos a caracterização de três gerações de pesquisadoras (até os anos 70): as pioneiras, as autodidatas e as acadêmicas6.  O objeto desta pesquisa se insere no contexto da geração das pesquisadoras autodidatas e da geração das pesquisadoras acadêmicas. A geração das autodidatas surge nos anos 1960-1970, no contexto dos concursos de Livre-Docência e dos concursos de provimento de cargos para Professor Catedrático, na EEAN/UFRJ e na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), nos quais uma das etapas da avaliação dos candidatos consistia na defesa de uma tese. Estas pesquisadoras integraram o corpo docente do mestrado e, assim, participaram da formação da geração de pesquisadoras acadêmicas formadas nos cursos de pós-graduação stricto sensu. As primeiras pesquisadoras acadêmicas foram as alunas do curso de mestrado, que enfrentaram o desafio de fazer um curso de pós-graduação stricto sensu, ainda em desenvolvimento6.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo de natureza histórico-social, com abordagem qualitativa, cujas fontes primárias foram documentais e orais. Consultou-se os documentos escritos do Centro de Documentação da EEAN (CEDOC/EEAN), como: históricos escolares, ofícios expedidos e recebidos pela coordenação do curso, relatórios diversos, memorandos, leis, decretos-lei, pareceres; o Volume I do Rol de Pesquisas e Pesquisadores Concluintes do Curso de Mestrado em Enfermagem da EEAN/UFRJ. Foram realizadas entrevistas com: quatro ex-alunas, que no texto foram identificadas com a letra A e numeradas de acordo com a sequência em que apareceram; uma ex-professora do curso tendo sido identificada como P1. Os direitos autorais das entrevistas foram cedidos ao CEDOC/EEAN.

As determinações da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, pesquisas com seres humanos foram integralmente atendidas. Esta pesquisa recebeu a aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa da EEAN, sob o número de protocolo 093/2009 de 24 de Novembro de 2009.

As fontes secundárias incluíram: artigos, livros, teses, sites, dissertações de bibliotecas universitárias da cidade do Rio de Janeiro, principalmente, da Biblioteca Setorial da Pós-Graduação da Escola de Enfermagem Anna Nery. As bases virtuais consultadas para busca sistemática foram Biblioteca Virtual de Saúde (BVS/Bireme) e o Portal de Periódicos da Capes.

Os dados foram coletados no período do primeiro semestre do ano de 2010. O instrumento utilizado foi um roteiro de entrevista semiestruturada aplicado pessoalmente a cinco sujeitos e apenas um aplicado por e-mail. Utilizou-se ainda, gravador digital, bem como quadros para classificação e categorização dos dados. Os procedimentos para análise e interpretação dos dados obtidos das diferentes fontes foram a: interpretação, classificação, categorização, contextualização, interpretação dos dados à luz dos conceitos teóricos adotados, assim como a triangulação dos dados de diversas naturezas com uma crítica interna e externa aos fatos apresentados7.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Características iniciais do curso de mestrado da EEAN

O curso de mestrado da EEAN recebeu aprovação para sua implantação e abertura por meio do Processo nº 34.247/70 expedido pelo Centro de Pesquisa e Ensino para Graduados da UFRJ. Devido à intensa preocupação da EEAN em atender à urgente necessidade de preparo e qualificação do corpo docente da escola, o curso de mestrado iniciou suas atividades no dia 7 de agosto de 1972, quando ainda aguardava seu credenciamento pelo MEC, de acordo com o Ofício 569/72 disponível no CEDOC/EEAN.

Os docentes da Escola entendiam que o pioneirismo e a qualidade de ensino do curso de graduação da EEAN deveriam ser mantidos na pós-graduação stricto sensu. Outro fator que impulsionou esse grupo foi o fato de perceber que a produção de conhecimento institucionalizado, era oportuna e seria um marco para o saber da enfermagem e para valorização da profissão, importância que se observa na fala de uma das entrevistadas.

[...] houve uma determinação em conjunto da implantação do curso de pós-graduação, entendendo a pós-graduação como algo muito importante, imprescindível e que tinha acontecer naquele momento [...] (P1).

Quando o curso de mestrado foi implantado em 1972, a diretora da EEAN era a professora Elvira de Felice Souza e a coordenadora do curso de mestrado era a professora Maria Dolores Lins de Andrade; as coordenadoras setoriais, ou seja, coordenadoras do tronco das disciplinas que se referiam à área de concentração em Enfermagem Fundamental, eram as professoras Cilei Chaves Rhodus e Vilma de Carvalho. A partir de 1974, torna-se coordenadora do curso a professora Cilei Chaves Rhodus, permanecendo nessa função até 1980, quando assume a direção da EEAN8.

O curso visava a desenvolver e aprofundar a formação adquirida no âmbito da graduação, ampliar os níveis de competência e as habilidades profissionais abrangendo de forma integrada o ensino, a pesquisa e a assistência em enfermagem. O curso tinha como principais objetivos o preparo em alto nível dos enfermeiros para o ensino e a pesquisa nas áreas específicas da enfermagem, desenvolver estudos críticos concernentes ao papel do enfermeiro, desenvolver investigações e habilidades características apropriadas à transmissão do conhecimento, visando o aprimoramento do ensino em enfermagem9.

Para a implantação do curso de mestrado, a composição do seu corpo docente era problemática devido à carência de profissionais qualificados. O MEC credenciou para atuação na pós-graduação stricto sensu, docentes que haviam feito cursos de pós-graduação no exterior (categoria 1 no quadro 1), ou em outras universidades brasileiras públicas (categoria 2 no quadro 1)10. Para composição completa do corpo docente foram convidados professoras de outras áreas, como educação e filosofia que já possuíam o título de mestre ou credenciamento para lecionar em cursos de pós-graduação stricto sensu9.

Quadro 1. Docentes enfermeiras do curso de mestrado da EEAN (1972-1975)
Categoria Docentes Geração de Pesquisadoras
1 Elvira De Felice Souza Autodidata
1 Maria Dolores Lins de Andrade Autodidata
1 Cilei Chaves Rhodus Autodidata
1 Vilma de Carvalho Autodidata
2 Izabel da Cunha Dantas Autodidata
2 Josefa Jorge Moreira Autodidata
3 Haydée Guanais Dourado Pioneira e Autodidata
3 Wanda de Aguiar Horta/USP Autodidata

Fonte: Relação de professores do curso de mestrado da EEAN, CEDOC/EEAN, 1972.

Quadro 1. Docentes enfermeiras do curso de mestrado da EEAN (1972-1975)

Ainda como estratégia visando amenizar o problema da falta de docentes qualificados para lecionar no curso de mestrado, foram realizados concursos de livre-docência. Ao realizar o concurso, o candidato não concorria a uma vaga docente. Por outro lado, os aprovados obtinham tanto o título de livre-docente como o de doutor, estando, portanto, aptos a lecionar em cursos de pós-graduação stricto sensu (categoria 3 no quadro 1). Os concursos de livre-docência da EEAN ocorreram nos anos de 1968, 1975 e 1977, trazendo para a enfermagem, 35 novos doutores11.

De acordo com a classificação do quadro 1, as docentes enfermeiras eram pertencentes à geração de pesquisadoras autodidatas, com exceção da professora Haydée Guanais Dourado (que também pertence à geração de pioneiras), sendo assim, observa-se a contribuição marcante das mesmas para a formação do perfil da geração de pesquisadoras acadêmicas procedentes do curso de mestrado.

A coordenação de pós-graduação conhecia o fato de que o currículo do curso deveria ofertar aos alunos experiências teóricas, teórico-práticas e de aplicação à realidade aos alunos. Ainda reconhecia a necessidade de que os docentes fossem capazes de buscar novos conhecimentos e desenvolver análises críticas. No entanto, as dificuldades estruturais da instituição delimitaram o planejamento e a organização da primeira proposta curricular do curso. O primeiro currículo do curso vigorou até o credenciamento do curso pelo Conselho Federal de Educação (CFE), em 19739.

Conforme se observa no quadro 2, na estrutura curricular faltavam disciplinas que discutissem os problemas sociais e políticos, de modo a levar as alunas à formação de uma consciência crítica e reflexiva em relação ao contexto social, econômico e cultural do país. Chama à atenção a exclusão da disciplina de História da Enfermagem, formadora de um discurso crítico interno à profissão, o que se explica pelo regime ditatorial vigente. No momento, encontrava-se em vigor o Decreto 477 de 1969, imposto pelo governo, que não permitia que o professor levantasse questões sobre o contexto político ou expusesse sua opinião em sala de aula e que também reprimia a liberdade de expressão dos estudantes12.

Quadro 2. Grade curricular do curso de mestrado da EEAN/UFRJ de 1972-1975
Disciplinas 1972-1973 1973-1975
Estatística X X
Filosofia da Educação X X
Psicologia do Desenvolvimento e Educacional X X
Didática Especial X X
Metodologia da Pesquisa X X
Estudos de Problemas Brasileiros X X
Psicologia da Personalidade X X
Enfermagem I (estudo crítico) X _
Enfermagem II (estudo crítico) X _
Enfermagem III (avaliação de enfermagem) X _
Enfermagem no Planejamento da Saúde X _
Ética e Legislação da Enfermagem X X
Orientação e aconselhamento em fundamentos de enfermagem X _
Prática de ensino de enfermagem X X
Bioestatística X _
Metodologia Científica X X
Dinâmica do Relacionamento X _
Fundamentos para uma Filosofia de Enfermagem X _
Biologia Celular X X
Microbiologia e Imunologia X X
Administração Escolar _ X
Aspectos Sociais e Sanitários no Ensino da Enfermagem _ X
Farmacologia _ X
Fisiologia _ X
Genética _ X
Embriologia _ X
Técnica de Orientação Educacional _ X
Técnica de Treinamento em Serviço _ X
Instrução Programada _ X

Fonte: Rhodus, Andrade & Sena, 1988. In: Anais do 1º Seminário de Avaliação do Curso de Mestrado da EEAN/UFRJ, 1988.

Quadro 2. Grade curricular do curso de mestrado da EEAN/UFRJ de 1972-1975

As condições consideradas como pré-requisitos para a obtenção do grau de mestre eram: frequência igual ou superior a 75% nas disciplinas; completar 23 créditos em disciplinas obrigatórias e quatro em disciplinas eletivas, no período máximo de três anos; demonstrar proficiência na leitura da língua inglesa; ter dissertação apresentada, dentro do período de 6 a 36 meses após a conclusão das disciplinas8.

As atividades práticas englobavam ministrar aulas para a graduação e também estágios hospitalares. Entre os propósitos das atividades práticas estavam os de: desenvolver o potencial crítico da mestranda em relação às intervenções de enfermagem; acompanhar alunos de graduação, avaliando seu desempenho em campo de estágio e desenvolver sua capacidade de resolver situações-problema. Ora, estas características promoviam nas mestrandas o desenvolvimento de um perfil profissional capaz de liderar, criticar, ensinar e resolver as questões inerentes a um serviço de enfermagem, conforme está descrito no Ofício 182/74 que se encontra no CEDOC/EEAN.

Os estágios eram divididos por vários hospitais da cidade do Rio de Janeiro de acordo com a área de concentração escolhida, como por exemplo: Instituto de Tisiologia e Pneumologia, no Hospital Municipal Souza Aguiar, Hospital da Lagoa, entre outros (A1).

Percebe-se que a configuração do curso era direcionada para formação didática e pedagógica. Essa preocupação com a formação de docentes explica a exigência de que as alunas planejassem e ministrassem aulas para o curso de graduação em enfermagem da EEAN, de acordo com o Programa Prática de Ensino/73 disponível no CEDOC/EEAN.

Como a heterogeneidade do grupo de alunos estava se caracterizando como um entrave ao bom desenvolvimento das alunas no curso, a partir de 1974, como forma de seleção, os candidatos passavam por um curso preparatório, com o propósito de promover o nivelamento da turma e somente os aprovados poderiam ingressar no curso de mestrado. Este curso, denominado de pré-mestrado, funcionava de modo bastante intensivo, a fim de, em um curto espaço de tempo, atualizar os conhecimentos das candidatas e desenvolver conteúdos básicos necessários ao bom desempenho no curso de mestrado2.

A primeira turma contava com 20 alunas matriculadas, das quais 12 eram matriculadas em regime de tempo integral. Essas deveriam concluir o curso no prazo de 4 anos. As oito alunas matriculadas em regime de tempo parcial deveriam concluir o curso em até 6 anos. No ano em que foi implantado o curso, as professoras que ocupavam o cargo de auxiliar de ensino foram, automaticamente, matriculadas no curso de mestrado, sem passar pelo processo de seleção, do mesmo modo que os auxiliares de ensino que fossem admitidos posto que devessem apresentar, no prazo máximo de quatro anos, o diploma de mestre13. Trechos das entrevistas com ex-alunas demonstram essa realidade:

[...] minha candidatura ao curso foi de interesse da própria E-A-N, ao oferecer o curso a uma primeira turma de mestrado (...) por ser docente há 12 anos na E-A-N à época [...] (A2).

[...] os professores da escola tinham que fazer a inscrição do mestrado, independente de avaliação do currículo (...) tinham que se inscrever (...) automaticamente [...] (A1).

Nota-se, então, uma preocupação com a qualificação docente e com o cumprimento da exigência de titulação dos docentes do curso de graduação da Escola. A implantação do curso de mestrado proporcionou as condições essenciais para o início da construção de uma geração de pesquisadoras em enfermagem, formadas a partir de um ensino institucionalizado. Ao exigir a elaboração de uma pesquisa para a obtenção do grau de mestre, o curso colaborou para o desenvolvimento da prática da investigação científica, produto de um investimento acadêmico, decisivo para o progresso da profissão.

Exigências acadêmicas: dificuldades e obstáculos iniciais

O desafio enfrentado pela EEAN, até então empenhada em uma formação profissional voltada para a assistência, era o de implantar o primeiro curso de mestrado em enfermagem no país e em assim fazendo, dar inicio à formação de uma geração de pesquisadoras acadêmicas.

As normas para o credenciamento dos cursos de pós-graduação pelo MEC foram estabelecidas pelo Parecer 77/69 do CFE, do autor Newton Sucupira. Dentre as exigências para o credenciamento estavam: a instituição requerente deveria demonstrar o alto nível de seus cursos de graduação, na área pretendida para o curso de pós-graduação; devia-se levar em consideração a natureza jurídica da instituição, a tradição de ensino e pesquisa da instituição, sua capacidade financeira para manter o curso, qualificação do corpo docente, as instalações e equipamentos, como laboratórios e biblioteca13.

No processo de credenciamento do curso de mestrado em Enfermagem Fundamental pelo CFE, a Escola teve que atender a duas diligências. A primeira delas foi, em relação à qualificação e titulação dos docentes, questionando-se a credibilidade da titulação dos enfermeiros, mesmo com cursos de pós-graduação em universidades de alto nível. Partindo desse princípio, de que os enfermeiros docentes não possuíam capacitação considerava-se que os mesmos não teriam condições de criar uma proposta curricular adequada a um curso de mestrado13.  Assim sendo, a segunda diligência se referiu à proposta curricular do curso, de modo a atender às exigências do CFE, foi feita uma segunda proposta de currículo, constituída por disciplinas obrigatórias e eletivas, conforme se vê no quadro 2. Após muitos percalços e lutas, o credenciamento foi efetivado por meio do parecer 1726/73, de 03 de outubro de 197313.

Além das exigências do CFE, a EEAN teve que se haver com as dificuldades enfrentadas por professores e alunos. A principal dificuldade citada pelos ex-alunos, para o andamento e conclusão do curso, é o processo de orientação da dissertação, que só se iniciava após o término das disciplinas. As alunas não participavam da escolha de sua orientadora. Algumas ex-alunas acreditam que as professoras não estavam preparadas nem para lecionar as disciplinas do curso, nem para orientar dissertações por falta de domínio da metodologia da pesquisa. O objeto de estudo era escolhido pela aluna, até porque as orientadoras não tinham linha de pesquisa à qual as mestrandas pudessem se inserir. Como se observa na fala a seguir:

[...] uma das dificuldades era contar com orientadores; ausência de definição de linhas de pesquisa e de corpo de pesquisadores; certa exaustão pela intensividade de estudos e trabalho desenvolvidos simultaneamente. O tema e o projeto de dissertação de mestrado, no meu caso, foram produzidos antes da determinação de orientador [...] (A2).

Outras citam também que as professoras encontravam-se sobrecarregadas de trabalho, pois a elas cabia lecionar, ajudar na coordenação e orientar a dissertação. Também, as alunas tinham muitas atividades em campo de prática, que envolviam tanto cuidados diretos ao paciente, como atividades de gerência e liderança, fazendo estágios em vários hospitais da cidade. A dificuldade de deslocamento era outro entrave que dificultava o andamento das atividades do curso. Essas dificuldades afetavam a qualidade do relacionamento orientanda-orientadora e a própria elaboração da pesquisa. Deve-se ressaltar também que os recursos materiais disponíveis à aluna e à orientadora dificultavam a dinâmica da orientação, o que também contribuía para atravancar a conclusão do processo. Outra questão importante foi o exercício de atividade docentes da graduação em concomitância com o curso de mestrado, fato que as consumia sobremaneira, conforme se constata com os depoimentos a seguir:

[...] E o curso de graduação continuava fluindo normalmente, a gente era liberada só para algumas disciplinas (...). A minha monografia número cinquenta e um [51] lá no banco de tese. Demorei à beça (...) tínhamos a dificuldade da distância, porque ir para o Fundão era dificílimo, tínhamos as dificuldades dos estágios serem separados. Quando eu fiz ética, por exemplo: a aula era no Fundão às duas horas da tarde (...) e eu tinha a turma de graduação do hospital da Lagoa (...) saía da Lagoa pra ir pro Fundão de ônibus? Era uma viagem [...] (A1).

[...] embora a gente tivesse tido aula de metodologia da pesquisa e de estatística, eu paguei um estatístico para fazer o tratamento dos dados. Eu fiz a coleta dos dados, e pedi para ele fazer gráficos e tabelas, (...) A análise e discussão, éramos nós mesmas que tínhamos que fazer [...] (A3);

[...] outra dificuldade era com a infraestrutura [que] era bastante deficitária as máquinas de escrever eram muito ruins (...) era uma verdadeira peregrinação para conseguir as coisas, então eram dificuldades de natureza material [...] (P1).

Enfim, a Comissão de Coordenação de Pós-Graduação da EEAN constatou que os principais obstáculos para a produção das dissertações eram: a falta de experiência dos docentes em relação ao processo de orientação e a falta de iniciação científica das mestrandas, em seus cursos de graduação e/ou de especialização. Como encaminhamento desses problemas, foi instituído um curso de nivelamento dos candidatos (pré-mestrado), aumentado o número de créditos e ampliado o elenco de disciplinas, este novo currículo só viria a ser implantado no ano de 19762,14. O que naquele momento foi um equívoco, pois as mestrandas apresentavam dificuldade em conciliar as diversas atividades das disciplinas com a elaboração da dissertação. Uma vez aumentado o elenco de disciplinas e o número total de créditos a cumprir só agravaria o problema já existente.

Apesar de todos esses obstáculos iniciais enfrentados pela coordenação do curso e por suas primeiras alunas, no ano de 1975 foram apresentadas as primeiras nove dissertações do curso. Essas alunas conseguiram vencer essas barreiras e apresentar suas dissertações antes do prazo previsto. No dia 20 de maio de 1975, foram apresentadas as três primeiras dissertações produzidas pelo curso, de autoria de Lygia Paim (EEAN), Ana Maria Palermo (EERP) e Ieda Barreira e Castro (Ministério da Saúde), orientadas respectivamente, pelas professoras, Wanda de Aguiar Horta da Escola de Enfermagem da USP, Cilei Chaves Rhodus e Vilma de Carvalho, ambas da EEAN. E no decorrer do ano de 1975, foram defendidas mais seis dissertações. Todas as dissertações se inserem no âmbito da enfermagem fundamental, única área de concentração até então oferecida. A predominância dos objetos de estudo das dissertações estava na área assistencial, o que demonstra que as mestrandas tiveram o interesse em questionar os elementos substanciais do desempenho de sua prática de ensino sobre a assistência de enfermagem e reconsiderar o papel, as funções e atribuições do enfermeiro na prática assistencial14.

Para empreender o projeto de implantar o curso de mestrado em tempo hábil, em atendimento às exigências legais, a Escola de Enfermagem Anna Nery teve que contornar dificuldades referentes ao corpo discente e docente e sua adaptação ao curso, bem como dificuldades de infraestrutura. Mesmo assim, conseguiu alcançar seu propósito, pois ao final desses primeiros quatro anos de curso, nove alunas conseguiram concluir as disciplinas e defender suas respectivas dissertações dentro do prazo. Outro aspecto a ser considerado é que a EEAN, ao ser a pioneira na criação do curso de mestrado em enfermagem, teve que enfrentar o desafio de desenvolver um curso sem ter bases ou exemplos anteriores, que subsidiassem o processo de tomada de decisão.

A universidade como instituição social, influenciada pelas transformações ocorridas na sociedade brasileira é atingida pelas mudanças na legislação da educação brasileira, ocorridas no final da década de 1960. E são essas exigências legais e as modificações ocorridas na educação de ensino superior no Brasil que vão propiciar o início do desenvolvimento da pesquisa em enfermagem. Com isto, uma nova geração de pesquisadoras consegue espaço para se afirmar, ou seja, as pesquisadoras acadêmicas.

Até o ano de 1975, surgiram mais dois cursos de mestrado em enfermagem, um na Escola de Enfermagem da Universidade do Estado de São Paulo (USP), em 1973 e o outro na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da USP, ou seja, no ano de 1975 havia três cursos de mestrado em enfermagem no Brasil. Nota-se que no ano de 1975, o curso de mestrado da Escola de Enfermagem da USP/SP também formou suas quatro primeiras mestras em enfermagem, totalizando assim um número de 13 mestras em enfermagem no Brasil14.

Dessa forma, no que tange as exigências, dificuldades e obstáculos iniciais havia aquelas do âmbito externo, de movimentação (deslocamentos), de infraestrutura; bem como do âmbito interno, de formação (orientação-pesquisa).

CONCLUSÕES

A pós-graduação brasileira surge no contexto de um processo de desenvolvimento econômico e social que dependia da geração de ciência e tecnologia. Quando surge a pós-graduação em enfermagem no Brasil, a maior parte das Escolas de Enfermagem já integrava as universidades. Acompanhando esse processo de institucionalização da pós-graduação stricto sensu, abrem-se cursos nesse nível em enfermagem, com o objetivo de qualificar docentes e avançar no conhecimento de enfermagem.

A Escola de Enfermagem Anna Nery empreendeu o projeto de implantar o curso de mestrado em tempo hábil, em atendimento às exigências legais, conseguindo alcançar esse propósito no ano de 1972, sendo pioneira nessa empreitada, apesar de todas as Escolas terem se mobilizado para tal. Para a composição inicial do corpo docente, professores foram credenciados pelo MEC como qualificados para lecionar no curso de mestrado. O primeiro grupo de alunas caracterizou-se por ser muito heterogêneo, e as auxiliares de ensino da EEAN foram encaminhadas automaticamente para realizar o curso.

A pesquisa histórica demonstra eventos (sucessos ou fracassos) de interesse do historiador. As respostas aos problemas enfocados desta pesquisa demonstram que no momento inicial a Escola contorna dificuldades referentes ao corpo docente e discente, sua adaptação ao curso, dificuldades de infraestrutura, bem como no processo de credenciamento do curso pelo CFE e obtém o credenciamento apenas no segundo ano de funcionamento do mesmo. Nota-se que, ao final desses primeiros quatro anos de curso, nove alunas conseguiram concluir as disciplinas e defender suas respectivas dissertações antes do prazo previsto, o que se caracteriza como uma vitória e um marco para afirmar que o curso estava implantado.

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