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ISSN (impressa): 1414-8145
Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
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Ministério da Educação
CAPES

Volume 18, Número 4, Out/Dez - 2014



DOI: 10.5935/1414-8145.20140097

PESQUISA

Opinião de profissionais sobre a efetivação da Politica Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem

Mércio Gabriel de Araújo 1
Gleyce Any Freire de Lima 2
Cristyanne Samara Miranda de Holanda 3
Jovanka Bittencourt Leite de Carvalho 2
Linda Kátia Oliveira Sales 4


1 Universidade Federal do Rio Grande do Norte. São José do Seridó - RN, Brasil
2 Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal - RN, Brasil
3 Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Caicó - RN, Brasil
4 Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Caicó - RN, Brasil

Recebido em 18/03/2014
Aprovado em 12/05/2014

Autor correspondente:
Mércio Gabriel de Araújo
E-mail: mercio_gabriel@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Identificar a opinião de profissionais de saúde para a efetivação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem.
MÉTODOS: Pesquisa exploratória/descritiva com abordagem qualitativa. Participaram da entrevista 16 profissionais da atenção primária à saúde de um município do interior do Rio Grande do Norte por meio de entrevista semiestruturada.
RESULTADOS: Os sujeitos consideram que a política é relevante para trabalhar ações para o homem. No entanto, o seu processo formativo foi centrado na atenção às doenças, fragmentado e excessivamente biomédico, problematizando o desenvolvimento de práticas de promoção da saúde. Outra dificuldade é a ausência de ações coletivas e a falta de capacitação para trabalhar com a população masculina.
CONCLUSÃO: É preciso fortalecer a aproximação entre homem e serviços de saúde. A gestão municipal deve proporcionar instrumentos de fortalecimento e incentivo à atenção integral ao homem, contribuindo para o seu processo saúde/doença.


Palavras-chave: Políticas públicas de saúde; Saúde do homem; Atenção primária à saúde; Enfermagem.

INTRODUÇÃO

Em 2008 o Ministério da Saúde (MS) lançou a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH), buscando desenvolver ações e serviços na atenção primária para o público masculino, haja vista a participação desse grupo em outros níveis de atenção para a resolubilidade de seus problemas de saúde1.

A participação do homem na atenção básica iniciou-se com os direitos reprodutivos e sexuais. A sexualidade e a reprodução estão inscritas como um padrão de relações sociais baseados na desigualdade de gênero. A PNAISH promove ações de saúde valorizando a realidade singular do homem respeitando os distintos níveis de desenvolvimento organizacional dos sistemas locais de saúde e tipos de gestão, permitindo diminuir os problemas de saúde, em especial os relacionados a mortalidade por causas previníveis e evitáveis. Esta política de saúde compreende a população masculina na faixa etária de 25 a 59 anos de idade, trabalhando questões voltadas para as temáticas da violência, morbidade e mortalidade, saúde sexual e reprodutiva1.

Um dos principais indicadores para a falta de acesso do homem ao serviço é a prontidão no atendimento, principalmente, entre o tempo que se procura por atendimento e a efetivação do mesmo, esta procura se caracteriza pela busca da resolubilidade do problema que originou a busca efetiva2.

As questões de acessibilidade masculina mostram a menor presença dos homens nos serviços de saúde justificada pelo trabalho, ligado diretamente ao imaginário social e construído culturalmente, desvalorizando a ausência do homem motivada pela saúde/doença, além de ser um instrumento revelador de suas fragilidades. Já as mulheres, inseridas nesse contexto, são vistas pelos seus empregadores como um indivíduo que precisa se cuidar, e por isso sua ausência torna-se aceitável3,4.

A necessidade de implantação de uma política de saúde voltada para o homem é relevante, pois sua figura influenciada pela sociedade impossibilitou o acesso aos serviços de saúde. Desse modo, acredita-se que, esse grupo, desconheça as práticas de saúde e os serviços ofertados na atenção primária, além disso, não se percebem como sujeitos inseridos dentro dos espaços de saúde.

Essa pesquisa emerge de inquietações no interior dos espaços de saúde diante da invisibilidade dos homens nas ações e práticas de saúde desenvolvidas pelos profissionais da atenção primária. Nesse sentido, este estudo propõe subsidiar discussões que fortaleçam a participação do homem nas ações de saúde.

A partir da implantação da PNAISH no ano de 2008 e da necessidade de inclusão da população masculina nos serviços de saúde surge o seguinte questionamento: quais as opiniões dos profissionais de saúde para a efetivação PNAISH? Para responder a tal indagação, este estudo objetiva identificar a opinião de profissionais de saúde para a efetivação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem.

MÉTODOS

Pesquisa exploratória/descritiva com abordagem qualitativa, desenvolvida em duas Unidades Básicas de Saúde da Família (UBSF) que compõem a atenção primária de um município do interior do Rio Grande do Norte, Brasil.

Participaram do estudo 16 profissionais de saúde, sendo eles: médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, e agentes comunitários de saúde. Para assegurar o sigilo dos participantes utilizou-se os seguintes termos: MED, ENF, TEC ENF, ACS. Os critérios de inclusão dos sujeitos foram estar vinculados à estratégia saúde da família e estarem exercendo suas atividades durante a coleta de dados. Já os critérios de exclusão foram ausentar-se do local durante a realização da entrevista e não comparecer na data agendada para a coleta de dados.

A coleta de dados foi realizada nos meses de novembro de 2011 a janeiro de 2012, a partir da técnica de entrevista semiestruturada, sendo as entrevistas registradas em dispositivo MP4. Os dados foram coletados após esclarecimento dos objetivos da pesquisa e da participação dos profissionais no estudo. A entrevista somente teve início após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

As informações obtidas foram transcritas através da técnica de Análise Temática de Minayo (2008), seguindo os seguintes passos: pré-análise, que compreende a escolha dos materiais a serem analisados; exploração do material onde foram identificados os núcleos textuais. E por fim, tratamentos e interpretação dos dados esses foram analisados de acordo com a PNAISH e discutidas a partir da literatura referente à temática em apreço5.

O estudo seguiu as considerações éticas e legais propostas pela Resolução nº 196/96 revogada pela Resolução nº 466/12. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (CEP-UERN) no mês de novembro de 2011, formalizado através do parecer nº 052/11 e C.A.A.E. 0048.0.428.000-11.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A formulação, a implementação e a execução das políticas de saúde são caracterizadas por desafios e situações que necessitam de práticas de acompanhamento, monitoramento e avaliação permitindo não somente possíveis correções na condução das ações, mas, sobretudo atender às modificações constantes e estruturais do processo. As políticas de saúde são ferramentas de transformação envolvendo diversos setores da sociedade em busca da concretização de práticas correspondentes aos anseios da comunidade6.

Diante disso, a PNAISH propõe qualificar a atenção à saúde do homem na perspectiva das linhas de cuidado valorizando a integralidade da atenção. Sabe-se que a população masculina acessa os serviços de saúde pela atenção especializada. É indispensável ofertar estratégias de qualificação e fortalecimento da atenção básica, não permitindo a visibilidade do homem apenas na recuperação, mas também na promoção da saúde e prevenção de agravos7,1.

Uma política de saúde voltada para o homem é relevante, pois necessita de ações educativas em saúde. Esse grupo apresenta taxas de mortalidade mais elevadas, quando comparado às mulheres. As principais causas são doenças cardiovasculares, neoplasias malignas, doenças isquêmicas do coração, e causas externas (acidentes de trânsito, violência e homicídios). Nesse sentido, torna-se um desafio para os serviços de saúde, pois os homens, em sua maioria, assumem comportamentos pouco saudáveis, acarretando fatores de risco para o adoecimento8,9.

Uma das falas dos sujeitos evidencia a PNAISH como uma política de relevância ao apontar que as ações destinadas ao público masculino podem ser trabalhadas na perspectiva da promoção da saúde e prevenção de doenças. Assinala ainda os desafios para a conquista do acesso masculino nos serviços e demonstra conhecimento da política ao afirmar a necessidade de executar ações de ES com as temáticas de alcoolismo, drogas e acidentes de trânsitos. Os profissionais entendem os anseios de trabalhar a PNAISH, e compreendem as necessidades de formular estratégias com vistas a permitir uma atenção integral ao homem.

Muito importante, é um ser humano. Precisa de atendimentos de saúde também, tanto nas questões de promoção, de prevenção e de reabilitação. E o homem basicamente só procura atendimento quando já está com algum problema de saúde. A gente tem que trabalhar isso a questão de acidente que pode está tratando, acidente de trânsito. Trabalhar uso de drogas, alcoolismo que acontece também no sexo masculino e tentar buscar realmente essa população. Tem que se procurar realmente uma maneira de atraí-los. Para se começar a trabalhar essa política. (ENF 01).

Logo, o profissional apesar de não desenvolver ações para o homem, conhece as necessidades de trabalhar com esse sujeito e as suas singularidades, sendo preciso incentivo e fortalecimento de práticas que facilitem a realização de ações para a inserção do homem nos serviços de saúde.

A relevância da PNAISH é entendida por todos os setores da sociedade civil, e é considerada como um instrumento de participação do homem no setor saúde, além de permitir que suas subjetividades, valores e seu imaginário cultural sejam estimados. Os profissionais de saúde podem considerar essas implicações e subsidiar a participação do homem através de práticas e discussões sobre a abordagem e o acolhimento desse sujeito nos estabelecimentos de saúde.

Os depoimentos dos sujeitos reafirmam as discussões de gênero ao citar que por existirem políticas de saúde voltadas para a mulher, consequentemente, devem existir para o homem possibilitando a efetivação de ações para esse sujeito. Essa discussão é válida, pois se observa a dificuldade da atenção primária desenvolver atividades para a população masculina.

Já têm políticas voltadas para a mulher, e é interessante uma política voltada para o homem que realmente aconteça. Que não seja só no papel mais que realmente aconteça na prática. (ENF 02).

Muito importante quanto à das garantias da mulher. Quando se fala de saúde é bom para todos e da mesma forma que existe o exame para mulher, existir para o homem seria uma boa opção. (ACS 01).

Um depoente compara a realização de exames entre homens e mulheres, mostrando maiores espaços de inserção da população feminina nos serviços em detrimento de menor oferta ao homem. Vale ressaltar que as conquistas femininas permitiram uma atenção integral à saúde pautada nas questões reprodutivas e sexuais e o cuidado construído, culturalmente, favoreceu a busca de investimentos do setor público para seus problemas de saúde. Os profissionais mostram a necessidade de realização de exames para a população masculina como uma abordagem inicial, tornando-se um instrumento de validação para a aproximação entre o serviço e o público masculino.

Quando se faz uma comparação entre a presença de homens e mulheres e o uso desses aos serviços, identifica-se que a população feminina representa melhor do que o público masculino a clientela, tanto em termos de frequência, quanto de familiaridade com o espaço e a lógica de organização10,11.

Pesquisas realizadas confirmam que o homem percebe a unidade de saúde como um ambiente meramente feminino, embora isso tenha contribuído para a melhoria das condições de vida de boa parcela da população, pois a mulher é historicamente a responsável pela sua família quando se trata de assuntos como filhos, lar e cuidado dos familiares. Assim, a proposta de sensibilizar os homens com relação as suas necessidades de saúde perpassa na fala do sujeito, demonstrando que ações conjuntas com os diversos setores da sociedade, pode ser um instrumento valioso para as conquistas de espaços de saúde para a população masculina7-9,1.

É muito interessante, é fundamental, a gente vai ter que sensibilizar esses homens da necessidade deles procurarem a unidade básica. A unidade básica não só foi feitas para as mulheres, é para ambos os sexos, e o homem tem que procurar. (TEC. ENF 01).

Nessa fala observa-se a responsabilidade imposta ao homem ao citar 'o homem tem que procurar', demonstrando a ausência de conhecimento da PNAISH à qual propõe ações de promoção da saúde e prevenção de agravos, incentivo a atividades voltadas para envolver o homem nas questões relacionadas à sua saúde, propondo fortalecer sua participação nos serviços de saúde através de uma construção coletiva.

Outro sujeito, apesar do pouco conhecimento sobre a PNAISH, desperta para a importância do homem nos contextos os quais se inserem, inclusive no seu próprio cotidiano, ao citar 'sem o homem nada vale' isso comprova a singularidade, a construção social do ser homem para o profissional.

Sem o homem nada vale, o homem tem que dá um suporte a todos. (ACS 07).

O profissional ao apontar 'o homem dá um suporte a todos' insere a população masculina nas questões sociais e permite considerar o papel desses sujeitos nas relações de gênero, colocando-o no centro das discussões e, até mesmo, das decisões coletivas. Por isso, o perfil masculino ainda encontra-se enraizado nos diversos cenários e contextos, inclusive no campo da saúde.

Ao ser questionado sobre a relevância da PNAISH, um dos sujeitos da pesquisa não considera essa política uma prioridade para suas atividades, e remete as políticas de saúde da criança e do idoso como realmente necessárias, haja vista as particularidades e fragilidades destes diante do seu processo saúde/doença.

Eu considero importante, como importante acho todas as políticas. Dirigidas a quaisquer segmentos ou a quaisquer faixas etárias: criança, adolescente, idoso. Com relação ao homem, ao adulto a prioridade maior deveria ser dada aos polos opostos da vida que são mais frágeis, a criança e ao idoso, não estou dizendo com isso que não se dê assistência ao adulto, mas se você levar em conta que o adulto adoece menos do que a criança e o idoso então eu acho que num programa de atendimento a população eu acho que deveria ser dar mais ênfase a esses polos opostos da vida, a infância e a velhice. (MED 02).

Com relação à saúde do homem é nítido os desafios enfrentados por estes num contexto, meramente, machista no qual prioriza a força e a ideia de invulnerabilidade perante quaisquer circunstâncias envolvendo sua masculinidade. Nesse prisma, a implantação de uma política voltada para este público vem reafirmar o cuidado que todo sujeito deve ter com sua saúde, inclusive na perspectiva da promoção, isso não é percebido na fala do entrevistado, pois o mesmo pauta-se somente num olhar assistencial, esquecendo-se das necessidades sociais extrínsecas desse campo.

As ações desenvolvidas pelos profissionais da ESF priorizam consultas individuais, valoriza a assistência médica, as consultas são rápidas e os profissionais estão mais preocupados em oferecer uma pronta resposta, tomando decisões voltadas a condutas já conhecidas e centradas na terapêutica de patologias12,13.

O processo formativo de grande parcela dos profissionais presentes nos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) ocorreu com uma visão centrada na atenção às doenças, fragmentada e excessivamente biomédica, problematizando o desenvolvimento de práticas voltadas para a recuperação da saúde. A utilização de uma política voltada para determinados grupos não é considerada, e a realização de ações assistenciais não transcende o espaço da UBSF, acarretando o predomínio do modelo assistencial em detrimento de atividades de promoção da saúde e prevenção de doenças12.

Esses pressupostos apontam que os profissionais de saúde, em sua maioria, consideram a PNAISH como um subsídio relevante para trabalhar ações voltadas para o homem. Este indivíduo é um desafio na realização de ações facilitadoras e formadoras de vínculos por isso a dificuldade de construir estratégias para a melhoria da sua saúde. Contudo, os profissionais não possuem suporte suficiente para concretizar suas ações, e também, não conhecem a PNAISH em sua totalidade, pois acreditam nas abordagens assistenciais como transformadores do processo saúde/doença desse grupo. Logo, é necessário articular outros enfoques para os profissionais através de capacitações e qualificações, considerando que as questões inerentes da população masculina e suas barreiras frente ao setor saúde são entraves para a melhoria da sua saúde.

A educação permanente para o profissional é indispensável na realização de qualquer atividade de saúde. Os profissionais necessitam de preparo para lidar com mitos, preconceitos e concepções errôneas que foram construídas no imaginário e no contexto social dos usuários9,3.

A partir da implantação da PNAISH no ano de 2008, o atendimento ao homem tornou-se mais uma responsabilidade da atenção primária, em especial da ESF. Entretanto, a hierarquização do processo organizacional em volta dessa política não permite aos profissionais, inseridos na UBSF, estarem aptos a realizar ações e alcançar os objetivos propostos por tal eixo norteador. Isso é consequência da ausência de capacitação e instrumentos metodológicos que atinjam esses profissionais e os qualifiquem para o atendimento ao homem.

As dificuldades apontadas pelos profissionais estão vinculadas a falta de habilidades e práticas para lidar com a população masculina, devido a lacuna existente nos serviços de saúde e as estratégias de aproximação com o homem.

Nas falas dos participantes identifica-se a capacitação e qualificação profissional como algo necessário e uma das soluções para minimizar as barreiras predominantes no atendimento ao homem, além de permitir a realização de abordagens as quais privilegiem a população masculina de forma integral e não apenas a doença.

[...] capacitação dos profissionais viria ajudar bastante a abordagem assim. (ACS 02).

[...] a gente precisa ser treinada, bem orientada e ter a ajuda da equipe [...]. (ACS 08).

[...] é bem mais difícil a gente ter um contato com eles, e a gente não tem o treinamento para chegar até a ele. (ACS 05).

Desse modo, a integralidade deve ser entendida como um eixo norteador das capacitações e formações em saúde, possibilitando a articulação dos saberes, práticas e ações interprofissionais a partir de um conceito ampliado de saúde respeitando a subjetividade e o imaginário social do usuário mediante o acolhimento e a responsabilização, para superar as práticas centradas em procedimentos com foco na doença14.

É imperiosa as mudanças nas ações assistenciais quando se propõe alcançar uma resposta de modo integral, pois é preciso desconstruir junto com o homem a medicalização como única e melhor ferramenta para as necessidades de saúde. Para isso, a capacitação dos profissionais é indispensável, já que o receio de acessar o serviço de saúde pelo homem é notório e quando adentra nesse espaço valoriza apenas a medicalização. Com isso, os profissionais devem deter estratégias de enfrentamento proporcionando novos caminhos para o atendimento a esse sujeito10,13,15.

Outro entrave frente ao desafio do acesso masculino na UBSF é a ausência de ações conjuntas dos profissionais da ESF, pois a utilização de práticas meramente assistenciais impede os profissionais de extrapolar o espaço do serviço de saúde e desenvolver ações na comunidade.

Práticas e ações desenvolvidas em conjunto pelos profissionais são imprescindíveis ao permitir maior visibilidade ao homem usuário e o estimula a prática do cuidado de si e dos outros. Não diferentemente, essas ações contribuem para a inserção e a presença do homem nos espaços de saúde considerados importantes para a construção de uma assistência pautada nas premissas do SUS e garantidor de direitos à saúde11.

Nessa perspectiva, os discursos evidenciam o receio de trabalhar com o homem, pois 'se sente só' diante de uma demanda assistencial que não permite a construção de uma prática coletiva entre os profissionais. Ainda revela o quanto à prática do atendimento individual é predominante, impedindo que atividades de territorialidade sejam secundarizadas.

[...] a gente se sente só, eu me sinto só na área, sabe? Porque a demanda aqui no centro de saúde é grande, mas aí não tem como a enfermeira e o médico ir com a gente pra área. (ACS 04).

Em outra fala, um dos sujeitos considera suas experiências e demonstra a ausência de capacitação para trabalhar com o homem, comparando suas abordagens com outros grupos e refletindo a familiaridade de trabalhar com hipertensos, diabéticos e a mulher. Isto reforça a falta de ações e práticas voltadas para a população masculina, bem como o predomínio de atividades que privilegiam grupos de usuários dominantes nos cenários de saúde.

[...] é como te disse: é difícil. A gente tem poucos casos de experiência de lidar com o homem, porque se você me perguntar sobre hipertensão e diabetes e com mulheres eu vou dizer que sim, mas com o homem eu não, mas se me procurar eu estou à disposição de para procurar saídas e melhoras [...]. (ACS 08).

Nessa fala ao depoente citar 'estou à disposição para procurar saídas e melhoras' reconhece a necessidade de capacitação sobre a saúde do homem e sobre a relevância de trabalhar a PNAISH, como também propõe a construção de dispositivos que possibilitem o fortalecimento da inserção masculina no campo da saúde, melhorando sua qualidade de vida. A qualificação favorece ao profissional entender os entraves para a efetivação da presença masculina nas ações realizadas pela ESF e colabora na construção de estratégias para a sua participação.

As dificuldades de lidar com o homem, a falta de habilidade e qualificação profissional contribui para a não valorização deste grupo por parte dos profissionais, voltando suas ações apenas para as demandas recorrentes no serviço de saúde. Um estudo ao analisar a visão dos usuários sobre os atendimentos prestados ao homem na atenção básica constatou que consideram insatisfatórios os serviços voltados para o público masculino, recomendando atendimentos para as especificidades masculinas, dentre elas campanhas, reuniões de esclarecimentos e setores de atendimentos diferenciados dos de mulheres e crianças2.

Essas atividades são reconhecidas na medida em que os profissionais detêm conhecimento necessário sobre a relevância de trabalhar ações voltadas para o homem, construindo um plano de trabalho a partir de um planejamento voltado para as questões inerentes à saúde da população masculina, valorizando o seu processo saúde/doença.

O serviço torna-se organizado diminuindo os problemas de acesso desse segmento populacional, melhorando o funcionamento da rede de serviços ofertados, além de proporcionar a resolubilidade das demandas, diminuição da evasão dos usuários do sistema e fortalecimento da atenção básica como principal porta de entrada do homem ao SUS8,2.

Outras considerações abordadas pelos profissionais são as oficinas que possibilitam a qualificação desses sujeitos para a prática da PNAISH e o entendimento sobre as questões concernentes à saúde do homem e suas particularidades. A elaboração de oficinas e o acesso dos profissionais a cursos de capacitação são suportes ofertados pelo MS, pois aproxima os profissionais dos desafios de trabalhar com os grupos diversos, colaborando para a formulação de ações nesse espaço e para a construção de debates referentes às condições singulares ao homem.

[...] participar de oficinas e de capacitação pra está realizando esse trabalho. (ACS 06).

A necessidade de qualificação e capacitação profissional é evidente entre os discursos ao apontar as barreiras, deficiências e dificuldades na abordagem ao homem. Faz-se necessária a elaboração de estratégias para a participação do homem nos serviços e realização de ações que transcendam os espaços de saúde e atinjam a comunidade.

Nessa perspectiva, é essencial a busca por espaços de discussão e fortalecimento da assistência integral ao homem, permitindo aos profissionais compreender a necessidade de saúde do homem, realizando um trabalho de inserção do público masculino nos serviços de saúde através de ferramentas de capacitação e fortalecimento da assistência voltada para o homem.

Os desafios enfrentados pelos profissionais da ESF frente à necessidade de acessibilidade do segmento masculino perpassam pelo apoio da gestão para ofertar subsídios, buscando minimizar as dificuldades encontradas para a realização de ações. A fragilidade de capacitação e formação de trabalhadores de saúde na qualidade dos serviços prestados pode ser minimizado através da Educação Permanente em Saúde (EPS), pois apresenta-se como um instrumento de formação e desenvolvimento desses profissionais, articulando a educação desses sujeitos com ampliação da resolubilidade dos serviços9,11.

A EPS identifica as necessidades de formação e o desenvolvimento dos trabalhadores da área da saúde, além de construir estratégias e processos que qualifiquem a atenção e a gestão em saúde, permitindo a participação do controle social, objetivando produzir um impacto significativo sobre a saúde individual e coletiva da população10.

Realizada no âmbito do trabalho, a EPS destina-se a refletir e repensar sobre os processos de mudança, considerando as necessidades de saúde dos usuários/população. É percebida como um trabalho que articula a atenção à saúde, a formação, a gestão e o controle social, incentivando e influenciando a transformação das práticas de saúde e organização do trabalho. Esta objetiva constituir uma rede de ensino-aprendizagem no exercício de trabalho no SUS, com vistas às necessidades da população, propondo sensibilizar os profissionais para entenderem a importância de considerar os usuários cidadãos de direitos14.

Dessa forma, o depoimento do profissional abaixo relata a importância de cursos de capacitação para melhor atender ao homem, propondo que os profissionais tornem-se qualificados para trabalhar uma assistência voltada para as particularidades desse indivíduo.

[...] deveria assim por parte da secretaria de saúde ter mais palestras, curso de capacitação para a gente atender a esse público. (ACS 04).

O depoente remete a responsabilidade para a gestão municipal, propondo espaços de capacitação com o intuito de favorecer o desenvolvimento de ações e práticas para o atendimento ao segmento masculino. Ainda, os profissionais não detêm o conhecimento para trabalhar com práticas voltadas para o homem, sendo necessária a inserção desses sujeitos em cursos de EPS.

Nos serviços de saúde, a área de recursos humanos permanece marcada por procedimentos de administração de pessoal, enquanto as respostas às demandas de desenvolvimento são pontuais, centradas nas capacitações técnico-científicas, desarticuladas e fragmentadas, frequentemente, desvinculadas das necessidades de saúde. Desse modo, a gestão não reconhece as fragilidades dos profissionais no atendimento aos usuários, não contribuindo para a melhoria dos serviços prestados, voltando suas ações apenas para a organização do serviço14.

No discurso a seguir o profissional conhece outros instrumentos de sensibilização para a melhoria da atenção a saúde do homem como a educação em saúde, o uso de meios de transmissão, além da busca ativa necessária no rastreamento dos indivíduos mais distante na UBSF.

[...] a questão de palestras educativas, conscientizando o homem. Que ele é um ser frágil susceptível é interessante, a questão da gente ir ao rádio ou tentar buscar essa população que tenta se afastar da saúde. (MED 02).

O rádio é um instrumento comunitário valioso para a concretização de ações atingindo grupos específicos, pois permite a sociedade compreender os desafios, ações e necessidades de trabalhar com o homem, além de proporcionar a todos os sujeitos que utilizam essa ferramenta uma forma de sensibilização sobre a relevância da população masculina está inserida no setor saúde. Além de trabalhar ações direcionadas à população masculina, visando estimular os homens a buscarem informações e atendimento nos serviços de saúde, propõe ainda despertar os profissionais de saúde sobre a temática16,17.

Outro entrevistado quando questionado sobre as dificuldades de acesso da população masculina e seus entraves diante das condições sociais e culturais na participação do homem, aponta para a dificuldade de acesso como algo comum nos serviços de saúde sendo um reflexo da demanda desorganizada.

[...] a dificuldade que eu vejo aqui é uma dificuldade inerente a todos os serviços de atendimento no Brasil, geralmente existe uma demanda reprimida, existe mais gente procurando os serviços em todos os lugares acontece, mais de um modo geral no meu caso eu atendo dois turnos atendimento de manhã e atendimento de tarde diariamente [...]. (MED 01).

Partindo disso, a utilização de ações curativas, diante de uma rede de serviços desarticulada, sem mecanismos resolutivos de ordenamento tanto da oferta quanto da demanda de serviços, voltada apenas para o atendimento clínico sem priorizar a construção de mecanismo de busca dos sujeitos para promoção da saúde e prevenção da doença, não valoriza condições de vida e saúde saudáveis e propõe a minimizar ou resolver os problemas dos indivíduos11.

Por isso, a comparação entre a população masculina e outros grupos não deve ser vista com igualdade haja vista o profissional ao fazer um atendimento rotineiro de dois turnos, apenas revela a falta de organização e planejamento do serviço voltado para o atendimento ambulatorial, esquecendo outros caminhos de valorização da saúde do sujeito.

Os profissionais sentem dificuldade no atendimento não somente ao homem como a outros grupos específicos, isso se deve a organização do serviço, revelando problemas de acesso de segmentos populacionais aos serviços públicos de saúde e aos limites que esses serviços têm em dar conta de suas demandas de atendimento2,17.

Entre outras estratégias de enfrentamento do acesso masculino os profissionais citaram as feirinhas de saúde e campanhas. Estas são tradicionais na ESF pela abordagem realizada aos grupos. Entretanto, estas são ações pontuais e não propõe a formação de vínculo dos homens com a UBSF, mas por outra parte são instrumentos diversificados que atrai de forma imediata esse grupo.

[...] essas feirinhas de saúde que têm, acho, poderia incluir mais coisas para o homem, já que eles são tão fechados, cabe a nós da saúde levar uma forma deles se abrirem mais, né? (ACS 08).

É mais incentivo, é campanha, consultas voltadas para o homem, é mais essa questão de incentivar. (ACS 09).

Assim, a gestão precisa identificar essas oportunidades de aproximação do homem nos serviços de saúde e buscar concretizá-las, pois os profissionais ao extrapolarem o espaço físico da UBSF e avançar no meio da comunidade poderão provocar mudanças na abordagem ao público masculino e revelarão novas maneiras de fazer saúde.

Outro depoente expõe que apesar dos entraves encontrados no SUS quando se busca resolubilidade das necessidades de saúde, as mesmas são supridas. Contudo, o entrevistado faz parte do SUS e suas ações são indispensáveis para a resolubilidade dos problemas enfrentados pelo sistema de saúde.

[...] tudo que a gente vai atrás a gente consegue, mas falar sobre saúde é tão complicado porque tem tanta coisa que o SUS já deixa a desejar [...]. (TEC ENF 01).

As dificuldades de acesso da população masculina perpassam pelos profissionais e suas necessidades de ação, pois estes na sua maioria não desenvolvem ações voltadas para o homem que os aproximem dos serviços de saúde. A efetivação de instrumentos metodológicos para capacitar esses profissionais é imprescindível, além do fortalecimento de mecanismos de inserção dos profissionais na comunidade que favoreçam o conhecimento e as singularidades pertencentes ao contexto social predominante.

A gestão pode ser parceira na realização de ações possibilitando o acesso do segmento masculino nos espaços de saúde, subsidiando uma atenção voltada para a integralidade das ações e dos sujeitos envolvidos, entendendo suas singularidades e necessidades em saúde.

Diante disso, a principal limitação da pesquisa foi o local de estudo ter sido um município de pequeno porte, assim torna-se necessários novos estudos que contribuam com essa temática, pois são incipientes as pesquisas que se voltam para o homem no campo da saúde.

CONCLUSÃO

Os profissionais reconhecem a necessidade de trabalhar com a população masculina, sendo preciso incentivo e fortalecimento de práticas que facilitem a realização de ações para a inserção do homem nos serviços de saúde. Para isso, é necessário práticas de saúde e discussões intersetoriais que envolvam a abordagem e o acolhimento do homem nos estabelecimentos de saúde.

A gestão municipal deve proporcionar instrumentos de fortalecimento e incentivo à atenção integral ao homem, contribuindo para o seu processo saúde/doença. É necessário capacitar e qualificar esses sujeitos através da EPS, através de parcerias com instituições de ensino, atuando na transformação e nas mudanças das práticas de saúde e na organização do trabalho, valorizando tanto os profissionais quanto os usuários.

Esta pesquisa reafirma a relevância de trabalhar com a temática saúde do homem, inclusive na atenção primária, pois mesmo com a inserção da PNAISH, não é visível a participação do homem neste contexto. Assim, os passos iniciais foram dados para a efetivação da população masculina no campo da saúde, sendo imprescindível uma operacionalização mais eficaz que possibilite a aproximação entre o homem e os serviços de saúde.

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