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CAPES

Volume 18, Número 4, Out/Dez - 2014



DOI: 10.5935/1414-8145.20140096

PESQUISA

Adesão de homens vivendo com HIV/Aids ao tratamento antirretroviral

Danielle Chianca de Andrade Moraes 1
Regina Célia de Oliveira 1
Solange Fátima Geraldo Costa 2


1 Universidade de Pernambuco. Recife - PE, Brasil
2 Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa - PB, Brasil

Recebido em 26/03/2014
Aprovado em 29/04/2014

Autor correspondente:
Danielle Chianca de Andrade Moraes
E-mail: dani_chianca@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVOS: Identificar os aspectos sociodemográficos e clínicos e classificar a adesão de homens que vivem com HIV/Aids à terapia antirretroviral (TARV).
MÉTODOS: Estudo observacional, quantitativo, transversal, desenvolvido com 136 homens adultos que vivem com HIV/Aids em TARV, entre maio e agosto de 2013, em dois serviços de referência em HIV/Aids no Agreste de Pernambuco. Utilizou-se um questionário validado para classificar níveis de adesão à TARV.
RESULTADOS: 63,3% dos participantes apresentaram nível de adesão "insuficiente/regular", o que confere uma adesão insuficiente para o sucesso do tratamento, por não manter o nível de carga viral indetectável.
CONCLUSÃO: Foi observado que a maioria dos homens não adere à TARV de forma satisfatória. Isso significa que a adesão é um cuidado difícil e multifatorial e, que os profissionais de saúde devem assumir uma postura diferenciada quanto ao cuidado do homem, considerando todos os aspectos e sentimentos de masculinidade que podem interferir no tratamento.


Palavras-chave: HIV; Adesão à medicação; Saúde do homem.

INTRODUÇÃO

A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids) é considerada uma doença infecciosa e, caracteriza-se por mudanças em sua evolução. Ao longo dos anos, passou a ser percebida como uma enfermidade relacionada aos comportamentos de vulnerabilidade à infecção pelo HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana), que pode acometer todas as pessoas, independentemente de classe, gênero, raça ou etnia, orientação sexual e faixa etária1.

No Brasil, desde o seu surgimento, foram notificados 686.478 casos de Aids, sendo 13.781 casos novos, apenas no primeiro semestre de 2013. Vale salientar que apesar da tendência de feminização apresentada nos últimos anos, desde 2008 o número de casos de Aids em homens jovens vem aumentando com mais velocidade comparado às mulheres, o que influenciou na inversão das razões de sexos, onde percebeu-se que esta passou de 0,9 casos em homens para cada mulher, entre os anos de 2000 e 2005, para 1,9 casos em homens para cada caso em mulheres, em 20122.

Ademais, na última década, observou-se no Brasil um aumento de 67,8% na taxa de detecção de casos de Aids em jovens do sexo masculino e uma redução de 12,2% entre os do sexo feminino, implicando na progressão de homens vivendo com HIV/Aids nos próximos anos2.

Cumpre assinalar que o modelo hegemônico de masculinidade instituído pela sociedade é um fator que pode influenciar na vulnerabilidade masculina à infecção pelo HIV/Aids, visto que contribui para que o homem não assuma as mudanças comportamentais necessárias para a prevenção da transmissão do vírus3.

Importante mencionar que o número de óbitos por HIV/Aids se encontra em declínio nas últimas décadas em razão da introdução e distribuição gratuita da terapia antirretroviral (TARV) no Brasil4. Por outro lado, a taxa de mortalidade, por sexo, não tem apresentado amplas variações no mesmo período. Deve-se considerar que, em 2012, o percentual de óbitos por HIV/Aids em pessoas do sexo masculino foi considerado elevado, representado por 71,6% dos óbitos ocorridos no ano2.

Diante deste cenário, é que a adesão à TARV se apresenta como uma importante arma contra a evolução e a mortalidade pelo HIV/Aids, tendo em vista que o seu uso de forma regular e disciplinada contribui amplamente para minimizar os sinais e os sintomas da doença, melhorar a qualidade de vida e aumentar a expectativa de vida dos infectados5.

Contudo, para obter a efetividade terapêutica, se faz necessário uma adesão rigorosa aos medicamentos prescritos6, tendo em vista que, uma baixa adesão pode representar uma ameaça à saúde pública, pois aumenta a probabilidade de resistência viral, proporcionando um tratamento com baixa perspectiva de controle da replicação do HIV, bem como na disseminação de um vírus multirresistente5.

No entanto, vale ressaltar que a adesão é dinâmica e envolve diversos fatores, de ordem psicológica, física, sociocultural e comportamental, o que exige decisões compartilhadas e corresponsabilizadas entre a pessoa que vive com HIV/Aids, a equipe de saúde e a sociedade7.

Para tanto, devem-se levar em consideração os estereótipos reproduzidos acerca do masculino, no que se refere aos cuidados com a sua própria saúde, onde os homens assumem um papel cultural de serem ausentes e pouco participativos, e à mulher é atribuído o lugar de cuidado. Dessa forma, realizam a procura aos serviços de saúde para receber assistência e tratamento do HIV/Aids com menos frequência8.

Diante do contexto de vulnerabilidade à infecção e ao tratamento do HIV/Aids em que o homem se insere, o conhecimento a respeito da tomada dos medicamentos antirretrovirais pelo grupo masculino é fundamental, devido à baixa produção literária que envolve o tema. Também se espera contribuir para as discussões, no que se refere à assistência integral à saúde do homem vivendo com HIV/Aids, de forma que os profissionais de saúde planejem estratégias que fomentem o sentimento de responsabilidade do cuidado, que o homem deve ter com sua saúde, minimizando as desigualdades de acesso aos serviços de saúde que existem na cultura entre os sexos e que visem a promover a adesão à TARV. Por essa razão o presente estudo teve como objetivos identificar os aspectos sociodemográficos e clínicos e classificar a adesão de homens vivendo com HIV/Aids à TARV.

METODOLOGIA

Estudo observacional, quantitativo, com delineamento transversal, desenvolvido em dois Serviços de Assistência Especializada em HIV/Aids (SAE), localizados em dois municípios distintos no Agreste do estado de Pernambuco e, que atendem pacientes adultos que vivem com HIV/Aids.

A população foi definida com base no número total de pacientes assistidos nos serviços até o início da coleta de dados, em maio de 2013, correspondente a 502 homens. A amostra foi não probabilística estratificada, totalizada em 136 participantes. Para tanto, foram adotados os seguintes critérios de inclusão: homens com HIV/Aids que estavam usando antirretrovirais e sendo acompanhados em ambos os serviços, maiores de 18 anos. Foram excluídos os portadores de deficiência mental e as pessoas que se recusaram a participar do estudo.

A coleta de dados ocorreu no período de maio a agosto de 2013, por meio da técnica de entrevista, a partir de um formulário contendo dados sociodemográficos, clínicos e laboratoriais relacionadas à TARV e de um questionário, contemplando as variáveis de adesão à TARV.

Para a categorização dos aspectos sociodemográficos, utilizaram-se as seguintes variáveis:

 Grupo etário: categorizado em intervalos de dez em dez anos, variando entre < 20 e ≥ 60;

 Raça (autodeclarada): classificada em: branca, negra, parda, indígena e outras;

 Escolaridade: determinada conforme os anos de estudo (0-2 anos, 3-7 anos, 8-14 anos, > 14 anos);

 Renda familiar/per capita: foi considerada a renda familiar dividida pelo número de moradores do domicílio, categorizada em salários mínimos (SM), cujo valor, no ano da realização do estudo, correspondeu a R$678,00;

 Religião: foram utilizadas as classificações: católico, evangélico, espírita e outras.

As variáveis relacionadas aos aspectos clínicos e laboratoriais associados à TARV foram coletadas por meio dos registros encontrados nos prontuários clínicos dos pacientes. Foram considerados os registros mais recentes à data da coleta de dados. São eles:

 Carga viral: considerou-se o número de cópias virais, que foi categorizado da seguinte forma: < 50 cópias, 50 a 1.000 cópias, 1.001 a 3.500 cópias e ≥ 3.501 cópias.

 Contagem de células T CD4: categorizadas em: contagem < 200 cél/mm3, entre 200 e 350 cél/mm3, entre e 351 a 500 cél/mm3 e contagem ≥ 501 cél/mm3.

 Medicamentos antirretrovirais (ARV) prescritos: categorizados em: 2 ARV, 3 ARV e 4 ou mais ARV.

 Diagnóstico de doença associada: nessa variável, foram utilizadas as classificações para diagnóstico: tuberculose, hepatite B, hepatite C, sífilis e outras.

Quanto à variável de adesão à TARV, foi categorizada em níveis de "boa adesão", "adesão insuficiente/regular" e "baixa adesão". Foi utilizada a versão validada para a língua portuguesa (Brasil) do instrumento: "Cuestionario para la Evaluación de la Adhesión al Tratamiento Antiretroviral (CEAT-VIH)"9,10. Para tanto, obteve-se consentimento prévio do autor.

Trata-se de um instrumento composto por 20 itens que abordam os principais fatores que podem interferir na adesão à TARV em pacientes adultos: a história de não adesão do paciente; a relação médico-paciente; as crenças do paciente a respeito da TARV; as expectativas sobre a eficácia terapêutica; o esforço do paciente para seguir o tratamento; a avaliação da gravidade dos efeitos colaterais da TARV para o paciente; o grau de satisfação com a medicação antirretroviral e o uso de estratégias para lembrar-se de tomar a medicação. Dessa forma, é possível avaliar o grau de adesão ao tratamento medicamentoso antirretroviral em adultos.

Depois da aplicação, fez-se o somatório dos pontos obtidos pelas respostas dos 20 itens, por meio das instruções de análise descritas no manual do CEAT-VIH, disponibilizado pelo próprio autor para este estudo. A pontuação mínima possível do questionário é de 17 e, a máxima possível, de 89. A adesão foi classificada em três níveis9,10 (Quadro 1):

Quadro 1. Classificação do nível de adesão à terapia antirretroviral9,10
Classificação da Adesão Percentual de adesão
Boa Superior a 85%
Regular/insuficiente Entre 50% e 84%
Baixa Inferior a 50%
Quadro 1. Classificação do nível de adesão à terapia antirretroviral9,10

O CEAT-VIH considera boa adesão à TARV um percentual de adesão igual ou superior a 85%, tendo em vista a identificação de correlações significativas para esse escore com a contagem de linfócitos T CD4 e de carga viral, a partir das análises laboratoriais realizadas no mesmo dia da aplicação do questionário9.

Os dados foram analisados por meio de técnicas de estatística descritivas, através de percentuais e de medidas: média, desvio-padrão e mediana. Para tanto, foram digitados e armazenados em uma planilha eletrônica, em que cada linha correspondeu a um formulário de coleta de dados, e cada coluna, aos dados coletados. Foi realizada dupla digitação, a fim de minimizar falhas de digitação.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Hospital Oswaldo Cruz (HUOC)/Pronto Socorro Cardiológico de Pernambuco (PROCAPE), por meio do parecer nº 205.799. Todos os participantes foram informados quanto ao objetivo do estudo e, aceitaram e registraram a concordância no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Vale salientar que os pesquisadores levaram em consideração as observâncias éticas contempladas na Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Inicialmente, analisaram-se as variáveis referentes aos aspectos sociodemográficos dos homens vivendo com HIV/Aids em TARV nos serviços públicos ambulatoriais de referência no Agreste do estado de Pernambuco.

A idade dos homens que compuseram a amostra variou entre 18 e 87 anos, com mediana de 41,5 anos e desvio-padrão de 12,66 anos. A faixa etária mais prevalente foi entre 40 a 49 anos (39%), seguida de 30 a 39 anos (22,7%). Nesse contexto, outros estudos1,11,12 desenvolvidos em localidades distintas do país, apresentaram essas faixas etárias como sendo as de maior prevalência nas pessoas que usam antirretrovirais, evidenciando que há mais pessoas infectadas pelo HIV na fase reprodutiva da vida.

Em relação à raça, a maioria dos homens declarou ser da raça parda (52,2%), seguidos da raça branca (31,6%). Esse resultado diverge do perfil nacional apresentado por outros estudos2,12, em que a raça branca é a predominante nas pessoas vivendo com HIV/Aids, o que pode ser justificado pelas circunstâncias históricas de miscigenação de raças que o estado de Pernambuco, principalmente, a região Agreste, vivenciou no período da colonização brasileira, quando os africanos foram trazidos do seu continente para, junto com os índios nativos, trabalhar na mão de obra açucareira13.

No que se refere à escolaridade, 46% dos homens em TARV apresentaram entre três e sete anos de estudo e, apenas 6% apresentaram mais de 14 anos de estudo. Destaca-se o percentual de homens que vivem com HIV/Aids com tempo de estudo entre 0 e 2 anos, que foi de 20%. Resultados semelhantes também foram identificados por outros autores, cujos estudos constataram que a baixa escolaridade nas pessoas vivendo com HIV/Aids prevalece como um aspecto que pode influenciar na compreensão e adesão ao tratamento da doença1,2,14.

Quanto à religião, a católica foi a mais referida (71,3%). Autores apontam que é importante compreender a religiosidade como uma prática que contribui para o bem-estar emocional, e que repercute na condução pessoal e social com a adesão à TARV15.

Em relação ao número de pessoas que moram no domicílio, a maioria relatou viver com mais de duas pessoas (50,7%). O número de pessoas residentes no mesmo domicílio pode influenciar, negativamente, na tomada regular de doses diárias dos ARV, porquanto muitas pessoas vivendo com HIV/Aids preferem ocultar que são portadores do vírus/doença, a fim de evitar acusações e discriminações perante a sociedade, inclusive da própria família16.

No que diz respeito à renda familiar, predominou a renda igual ou inferior a um salário mínimo (61,1%). Resultado semelhante foi identificado em outros estudos11,15.

A expansão do número de casos entre as populações com baixo nível de renda familiar (renda inferior a um salário mínimo) e baixa escolaridade, configura a característica de "pauperização" que a infecção pelo HIV/Aids vem assumindo ao longo dos anos12.

A Tabela 1 apresenta os achados clínicos referentes à dosagem de carga viral e à contagem de células T CD4 registados nos prontuários.

Tabela 1. Percentual de homens em tratamento antirretroviral, segundo número de cópias de carga viral e contagem de células T CD4 (n = 136), Pernambuco, 2013
Variável %
Total 100,0
 Carga viral (número de cópias)  
< 50 (indetectável) 16,9
50 a 1.000 64,0
1.001 a 3.500 5,1
> 3.500 14,0
 CD4 (cel/mm3)  
< 200 11,0
200 a 350 33,1
351 a 500 16,2
≥ 501 39,7
Tabela 1. Percentual de homens em tratamento antirretroviral, segundo número de cópias de carga viral e contagem de células T CD4 (n = 136), Pernambuco, 2013

A carga viral variou entre 30 e 186.717 cópias, com média de 6.036,74 cópias. Verificou-se que 64% dos homens apresentaram carga viral entre 50 e 1.000 cópias, e apenas 14% apresentou número de cópias superior a 3.500.

Com relação à contagem de células T CD4, esta variou entre 49 e 64.025 cél/mm3 e apresentou uma média de 1.332 cél/mm3, onde a maioria dos homens (39,7%) mostrou-se com quantitativo superior ou igual a 501 cél/mm3, e apenas 11% apresentou-se com imuno-comprometimento (< 200 cél/mm3), sendo estes achados similares aos de outros estudos12,15.

Dessa forma, os percentuais de carga viral encontrados sugerem um controle do vírus pelos antirretrovirais e permite níveis inversamente proporcionais e adequados de células linfocitárias T CD4 na corrente sanguínea. Podem-se associar os níveis adequados de carga viral e da contagem de células T CD4 como um indicativo de adesão à TARV, visto que, quanto mais regular for a ingestão dos medicamentos, mais adequados serão esses marcadores na corrente sanguínea10.

Relativo aos bons níveis de carga viral e de células T CD4, estes podem justificar o baixo percentual de doenças associadas por homens que vivem com HIV/Aids verificado neste estudo, que foi apenas de 8% (Tabela 2).

Tabela 2. Percentual de homens em tratamento antirretroviral, segundo doença associada (n = 136), Pernambuco, 2013
Variável Sim Não
n %(1) n %(1)
 Doenças associadas 11 8,0 125 92,0
Tuberculose 9 6,7 127 93,3
Outras doenças 2 1,5 134 98,5
Hepatite C - - 136 100,0
Hepatite B - - 136 100,0
Sífilis - - 136 100,0

(1) Os valores percentuais foram obtidos do número total de 136 pacientes analisados.

Tabela 2. Percentual de homens em tratamento antirretroviral, segundo doença associada (n = 136), Pernambuco, 2013

Dentre as doenças associadas ao HIV/Aids, a Tuberculose foi a mais prevalente, tendo sido identificada em 6,7% dos homens. Este resultado corrobora com achados de outros autores15.

Assim, considerando esses resultados, a prevalência da tuberculose verificada, neste estudo, pode estar associada não apenas ao percentual de pessoas imuno-comprometidas em tratamento antirretroviral (11%), mas também à baixa renda familiar e à baixa escolaridade, indicativos da "pauperização do HIV/Aids", também verificados neste estudo.

Quanto à prescrição dos antirretrovirais, registradas nos prontuários clínicos, foi identificado que houve uma predominância do esquema terapêutico envolvendo três medicamentos (66,2%), seguido do esquema envolvendo quatro antirretrovirais, por 32,3% dos participantes (Tabela 3).

Tabela 3. Esquema terapêutico de antirretrovirais prescrito no prontuário médico, para os homens em tratamento antirretroviral (n = 136), Pernambuco, 2013
Variável %
Total 100,0
 Número de antirretrovirais prescritos  
Dois antirretrovirais 1,5
Três antirretrovirais 66,2
Quatro antirretrovirais 32,3
Tabela 3. Esquema terapêutico de antirretrovirais prescrito no prontuário médico, para os homens em tratamento antirretroviral (n = 136), Pernambuco, 2013

Conforme se observa não foram identificadas prescrições envolvendo apenas um antirretroviral, corroborando, dessa forma, com outros autores que também encontraram elevado percentual de pessoas usando três antirretrovirais14,15.

Diante desse cenário, ressalta-se que a quantidade de medicamentos prescritos é um fator que pode interferir na tomada regular e correta dos antirretrovirais. Por isso deve-se considerar que, se o homem vivendo com HIV/Aids se deparar com uma diversidade de medicamentos, as chances de ele confundir ou trocar os medicamentos podem aumentar17.

Ainda, os profissionais de saúde devem levar em consideração a escolaridade das pessoas em TARV, tendo em vista que uma baixa escolaridade pode contribuir para uma tomada de doses irregular, ou até mesmo equivocada, configurando em um tratamento sem sucesso14.

Cabe enfatizar, que os homens se apresentam, culturalmente, como pertencentes a um grupo de pacientes que procuram muito pouco os serviços de saúde, que só o fazem para práticas curativas e que aderem menos aos tratamentos medicamentosos do que as mulheres8. Assim, o tipo de esquema terapêutico prescrito é um fator que contribui diretamente para a adesão à TARV, tendo em vista que, quanto maior o número de medicamentos prescritos, menor a ocorrência do seguimento correto ao tratamento17.

Quanto ao nível de adesão, este foi considerado "insuficiente/regular" para a maioria (63,3%) dos homens em tratamento antirretroviral, seguido de 36,7% dos homens com "boa adesão". Não foi identificado o nível "baixa adesão" entre os homens que participaram deste estudo (Tabela 4).

Tabela 4. Percentual de homens em tratamento antirretroviral, segundo o nível de adesão ao tratamento (n = 136), Pernambuco, 2013
Variável %
Total 100,0
 Nível de adesão*  
Boa 36,7
Insuficiente/regular 63,3
Baixa 0,0

* Níveis definidos segundo a classificação de adesão ao tratamento antirretroviral da versão validada para a língua portuguesa (Brasil) do "Cuestionario para la Evaluación de la Adhesión al Tratamiento Antiretroviral"9,10

Tabela 4. Percentual de homens em tratamento antirretroviral, segundo o nível de adesão ao tratamento (n = 136), Pernambuco, 2013

Estes achados corroboram com os de outros autores18 que verificaram o nível de adesão à TARV em adultos utilizando o mesmo instrumento de avaliação, o CEAT-VIH. Contudo, deve-se ressaltar a baixa produção literária a respeito da adesão à TARV no gênero masculino.

A maioria dos participantes manteve um percentual de adesão à TARV inferior a 85%. Nesse caso, trata-se de um percentual de adesão considerado insuficiente para o sucesso do tratamento, pelo fato de não manter o nível de carga viral indetectável6,9.

Diante da cultura de masculinidade instituída pela própria sociedade, o homem assume o papel de força e de virilidade e acaba reprimindo suas necessidades de cuidados de saúde8. Consequentemente, não raras vezes, omite suas fraquezas e vulnerabilidades diante da manutenção da adesão à TARV.

Os diversos fatores que interferem no dinamismo da adesão dos homens à TARV devem ser identificados e trabalhados enfermeiros e demais profissionais de saúde, para que sejam desenvolvidas estratégias que proponham intervenções eficazes e fomentem o envolvimento do homem em ações de prevenção e promoção da própria saúde11,3.

Dessa forma, o enfermeiro assume importante papel na assistência ao homem vivendo com HIV/Aids, tendo em vista não só as ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, mas sobretudo, as relacionadas ao vínculo necessário para a adesão aos medicamentos antirretrovirais1.

Sobre o estudo, deve-se ressaltar que este apresentou como limitação a inclusão, apenas dos homens, que se dirigiram até os SAE para realizar consulta clínica, por algum motivo de saúde; fazer a coleta sanguínea para o acompanhamento de carga viral e contagem de células T CD4 e/ou para buscar os medicamentos antirretrovirais prescritos. Os que não frequentaram os SAE, ou seja, que não fizeram o acompanhamento clínico, regularmente, ou não compareceram, periodicamente, para buscar os medicamentos prescritos para o tratamento contra o HIV/Aids, não tiveram os níveis de adesão à TARV avaliados. Portanto, os níveis de adesão à TARV podem ser inferiores ou superiores aos percentuais encontrados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com os resultados deste estudo, foi identificado que muitos homens não aderem, satisfatoriamente, ao tratamento antirretroviral, o que demonstra que a adesão é, de fato, um processo de cuidado difícil e dependente de diversos fatores - sociais, culturais, econômicos e clínicos.

Diante disso, os enfermeiros e demais profissionais de saúde devem compreender o homem como um sujeito vulnerável ao tratamento do HIV/Aids, considerando as influências socioculturais a respeito da masculinidade, em que o homem busca o serviço de saúde apenas para práticas curativas, o que acaba interferindo em seu acesso e na assiduidade ao serviço.

É sobremaneira importante que a atuação do enfermeiro, na abordagem acerca da adesão aos medicamentos antirretrovirais, seja direcionada ao grupo masculino não somente como um cuidado curativo, mas também preventivo, no sentido de melhorar a qualidade e a expectativa de vida. Nesse contexto, enfatiza-se a importância do seu compromisso para o sucesso do tratamento. Para isso, os enfermeiros que atuam nos serviços de referência para o HIV/Aids, bem como os demais profissionais de saúde devem assumir uma postura diferenciada em relação ao cuidado voltado para o homem, compreendê-lo de forma integral e considerar todos os aspectos e sentimentos de masculinidade que podem interferir no tratamento.

Espera-se que esse levantamento contribua para a reflexão e a compreensão sobre o tratamento antirretroviral em homens, pelo enfermeiro e, sirva para comparações com outros estudos que abordem a temática da adesão do sujeito masculino à TARV. Convém ressaltar que a prevenção ainda é a maior arma para o combate à infecção pelo HIV.

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