Volume 18, Número 4, Out/Dez - 2014
PESQUISA
Planejamento familiar e a saúde do homem na visão das
enfermeiras
Sidneia Tessmer Casarin
1
Hedi Crecencia Heckler de Siqueira
2
1 Universidade Federal de Pelotas. Pelotas - RS, Brasil
2 Universidade Federal do Rio Grande. Rio Grande - RS, Brasil
Recebido em 28/08/2013
Aprovado em 19/05/2014
Autor correspondente:
Sidneia Tessmer Casarin
E-mail:
stcasarin@gmail.com
RESUMO
OBJETIVO:
Objetivou conhecer a visão das enfermeiras sobre a busca das ações e serviços de
planejamento familiar pelos homens nos municípios de uma regional de saúde do Rio
Grande do Sul.
MÉTODOS:
Estudo qualitativo realizado, entre julho e outubro de 2009, através de
entrevista semiestruturada, com 22 enfermeiras.
RESULTADOS:
Nos resultados emergiram as categorias: O homem e os fatores limitantes do acesso
aos serviços de planejamento familiar e homens e seus motivos pela busca aos
serviços de planejamento familiar. Os resultados mostraram que os homens buscam os
serviços para receberem preservativos ou para fazerem diagnóstico de alguma
patologia, associada ou não à sua saúde sexual.
CONCLUSÃO:
O imaginário do homem como invulnerável ou do planejamento familiar com
responsabilidade das mulheres pode estar associado ao afastamento deles dos
serviços, porém as barreiras de acesso e a indisponibilidade de algumas ações
vinculadas ao sistema de saúde podem ser os maiores entraves.
Palavras-chave: Enfermagem; Saúde do Homem; Saúde Pública; Planejamento Familiar.
INTRODUÇÃO
As políticas públicas de atenção à saúde, ao longo da história, vêm sendo marcadas por privilegiarem grupos populacionais específicos, como, por exemplo, as mulheres, as crianças, os adolescentes e os idosos, disseminando-se, assim, a ideia de que os serviços de saúde, em especial os da atenção primária, destinam-se apenas a atender às demandas dessas populações1, mesmo que, na realidade, nem sempre, essas populações, que são ditas privilegiadas, têm seus direitos garantidos em termos de acesso aos serviços de saúde de qualidade.
Em relação ao Planejamento Familiar, as políticas durante muito tempo dedicaram-se, principalmente, às mulheres, as quais até hoje são responsabilizadas pela decisão da escolha do método anticoncepcional, pelas gravidezes não planejadas e demais atos em relação ao Planejamento Familiar. O fato é que ao dar visibilidade e poder às mulheres no direcionamento das ações de Planejamento Familiar, deixou os homens na penumbra2, fazendo com que alguns mitos, oriundos de uma cultura machista, se consolidassem na sociedade. Hoje, incluir a participação masculina nas ações de saúde torna-se um grande desafio para os profissionais de saúde3.
Somente em agosto de 2008, o Ministério da Saúde do Brasil lançou, oficialmente, a primeira política pública de saúde que trata, especificamente, da saúde do homem2,4. A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH) reconhece que a saúde é um direito social básico e de cidadania de todos os brasileiros e "[...] objetiva orientar as ações e serviços de saúde para a população masculina com integralidade e equidade primando pela humanização da atenção"4:35.
A PNAISH enfatiza questões do gênero, afirmando que, são necessárias mudanças de paradigma, ao ser abordada a população masculina, em relação ao cuidado com a saúde e a saúde de sua família. Destaca-se que, além dos aspectos educacionais, entre outras ações/atividades, os serviços públicos de saúde precisam estar organizados de modo a acolher e fazer com que o homem sinta-se parte integrante deles. A implementação da PNAISH deve ocorrer associada às demais políticas públicas existentes, seguindo a hierarquia da atenção à saúde, na qual a atenção primária é a porta de entrada do SUS4.
No que tange ao planejamento familiar e aos direitos reprodutivos e sexuais, é necessário superar a restrição da responsabilidade das práticas contraceptivas sobre as mulheres, assegurando aos homens o direito à participação na regulação da fecundidade e na reprodução. Desta forma, a paternidade não é percebida apenas do ponto de vista de uma obrigação legal ou um dever, mas sim como um direito do homem em participar de todo o processo, incluindo a decisão de ter ou não filhos, como e quando tê-los, assim como o acompanhamento da gravidez, parto, do pós-parto e da educação da criança4. No entendimento da atual política do homem, o que antes era visto como uma obrigação, da qual o homem tendia a escapar, passa a ser percebido como um direito2. As questões de saúde reprodutiva e sexual constituem-se em um primeiro eixo temático nas ações de saúde do homem3.
A produção científica brasileira, publicada a partir de 2005, indexada nas bases da BIREME (SciELO, LILACS e BDENF), em busca feita no mês de junho de 2010, por meio da utilização do descritor Saúde do Homem, foram identificados 22 estudos. Destes, 10 mencionavam a produção do conhecimento e a política de atenção à saúde do homem; cinco referiam-se à saúde sexual masculina, incluindo comportamento frente às Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST); três estudos eram sobre câncer em homens; um estudo abordou o perfil de morbimortalidade masculina; dois trabalhos abordavam doenças cardiovasculares; e uma pesquisa tratava sobre a subjetividade masculina. De fato, não foram encontrados estudos indexados, nessas bases, que incluíssem o Planejamento Familiar como foco da saúde masculina, mesmo havendo cinco pesquisas abordando questões referentes à sexualidade do homem. Percebe-se, assim, uma grande lacuna existente na produção do conhecimento em relação à temática das ações de Planejamento Familiar na saúde do homem, envolvendo as atividades da enfermagem.
Com base no exposto, este estudo objetivou conhecer a visão das enfermeiras sobre a busca das ações e serviços de planejamento familiar pelos homens nos municípios de uma regional de saúde do Estado do Rio Grande do Sul.
MÉTODO
Caracteriza-se por ser um estudo do tipo exploratório, descritivo, com abordagem qualitativa5,6. Este artigo representa um recorte da pesquisa intitulada: "Planejamento familiar: ações e serviços de enfermagem/saúde".
O estudo em questão foi desenvolvido nos municípios de abrangência de uma regional de saúde do Estado, o Rio Grande do Sul, a qual é composta por 22 municípios, que totalizam 871.025 habitantes. Foram escolhidas, como sujeitos, as enfermeiras coordenadoras dos serviços de Enfermagem da atenção básica desses municípios e/ou as enfermeiras coordenadoras das ações de planejamento familiar, totalizando assim 22 enfermeiras, as quais foram sujeitos do estudo.
O estudo foi baseado nos preceitos da Resolução 196/86, do Conselho Nacional de Saúde. Primeiramente, o projeto de estudo foi encaminhado à apreciação da Associação dos Secretários e Dirigentes de Saúde da Região Sul - ASSEDISA SUL. Após aprovação do projeto pela instituição, este foi enviado para apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa, da Faculdade de Enfermagem, da Universidade Federal de Pelotas, e aprovado de acordo com o Parecer nº 32/2009. Com o intuito de preservar o anonimato dos sujeitos do estudo, esses foram identificados pela letra E (de Enfermeira) seguido de um número arábico, conforme a ordem das entrevistas realizadas.
A coleta dos dados, realizada através de entrevista semiestruturada7, compreendeu o período de 27 de julho a 06 de outubro de 2009. Para garantir a credibilidade e a honradez dos dados coletados, as entrevistas foram gravadas em mídia digital e logo em seguida transcritas. Após, foi realizada a leitura fluente do material objetivando captar os aspectos relevantes e a identificação das temáticas, a fim de proporcionar às autoras a impregnação do conteúdo e o diálogo com os dados.
Os dados foram trabalhados no sentido de proceder aos recortes, à codificação e a posterior categorização, à medida da recorrência dos dados. Entretanto, a organização do material e a constituição do corpus foram orientadas: pela exaustividade, que contemplou todos os aspectos levantados no roteiro; pela representatividade, a qual considerou a perspectiva do universo pretendido; pela homogeneidade, que obedeceu a critérios precisos de escolha em termos de tema, técnicas e interlocutores; e pela pertinência, na qual as falas foram analisadas levando em consideração os objetivos do trabalho5.
Na fase da análise5, foi explorado o material, ou seja, realizou-se a busca de categorias para a compreensão do texto. Esta fase consistiu-se na identificação das unidades de registro significativas por temáticas. Neste trabalho, abordar-se-á uma das categorias que emergiram do estudo macro, sendo ela: Homens no planejamento familiar; assim como as duas subcategorias: Os homens e os fatores limitantes do seu acesso aos serviços de planejamento familiar e Homens e seus motivos pela busca aos serviços de planejamento familiar.
Convém explicitar que o termo categoria refere-se a um conceito que incorpora elementos ou aspectos com características comuns, ou que se relacionam entre si, sendo expressas em torno de um conceito capaz de abranger o todo5.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Homens no planejamento familiar
A discussão a respeito dos fatores que afastam os homens das unidades de atenção primária à saúde, e principalmente dos serviços de planejamento familiar oferecidos por estas unidades, precisa ser focalizada na questão do debate a respeito de gênero1,8,9. Estas questões devem "ser vistas como um fator de grande importância no padrão dos riscos de saúde dos homens e na forma como estes percebem e usam seus corpos"3:15.
Entende-se, dessa forma, que as questões de gênero implicam nas diferenças construídas, dentro de uma determinada sociedade no que implica em ser homem e ser mulher e nas relações de poder que se estruturam nessas diferenças, sendo assim, os aspectos biológicos das diferenças entre os sexos não são negados, mas, destacados nos aspectos socioculturais10 e que tem importância crucial para se pensar as relações entre homens e mulheres e seus comportamentos8.
Então, neste trabalho, entende-se que gênero está relacionado ao que foi construído ao longo da história e das sociedades sobre as diferenças associadas ao sexo masculino e feminino. Assim, esperam-se atitudes e comportamentos distintos para homens e mulheres em diferentes épocas da história e que vão além do biológico. Homens, bem como as mulheres, têm suas singularidades, sendo somente através do conhecimento destas que se terá uma "melhor aproximação da forma imediatamente relacional do par masculino-feminino, assegurando uma maior densidade de conhecimento das especificidades de cada pólo em interação"3:8.
Os homens e os fatores limitantes do seu acesso aos serviços de planejamento familiar
As enfermeiras entrevistadas referiram que, em geral, os homens são uma clientela que dificilmente procura a Unidade Básica de Saúde (UBS) para as questões de planejamento familiar, saúde reprodutiva e sexual, conforme expressam as falas de E3, E5, E6, E9, E10, E11, E12, E14, E15, E19, E20 e E22:
Não, aqui é mais difícil [...] (E3).
Muito difícil [...] tanto a gente chegar até os homens e eles também virem nos procurar (E5).
É difícil, é difícil, é muito difícil [...] (E6).
Homens nem procuram (E9).
Muito pouco; a procura do homem aqui no posto é mínima. (E10).
Os homens não comparecem, não vejo [...] (E11).
Muito pouco, muito pouco; até tem; a gente tem feito algumas vasectomias; mas os homens procuram muito pouco (E12).
Até agora ninguém me procurou nessa parte. É, essa parte é bem mais complicada (E14).
Aí é difícil. Eu acho que, se tivesse o programa de vasectomia aqui, não teria procura nenhuma é bem difícil (E15).
Os homens não procuram, assim não procuram muito [...] (E19).
Os homens dificilmente vêm nos procurar. O que eu vejo são mulheres que vêm aqui preocupadas, porque os maridos estão doentes; ou então elas vêm saber sobre a vasectomia; mas eles, é difícil [...] (E22).
A enfermeira E2 chama a atenção para o fato da demanda reprimida, porém, atribui isto à baixa procura:
Homens, eu acho que aí sim tem uma demanda bem reprimida. É, eu acho, porque eles não procuram muito (E2).
A literatura corrobora com o que foi apontado pelas enfermeiras, sendo que vários estudos têm mostrado que os homens, em geral, são uma clientela que pouco acessa os serviços de saúde, sobretudo os de atenção primária, sendo que estes se destinam a crianças, mulheres e idosos1,3,9,11,12. Para tanto, a literatura aponta que este fato deve-se a "uma característica da identidade masculina relacionada a seu processo de socialização"1:106, ou seja, os homens subvalorizam o autocuidado e atribuem pouca importância a sua saúde3,9 ou então buscam outros serviços de saúde como farmácias ou pronto-socorros, os quais responderiam com maior objetividade às suas demandas9.
A literatura consultada indica que o entendimento da população sobre o que é ser homem é um dos fatores que influenciam na procura pelos serviços de saúde8,11,12. No ideário da população, ser homem é ser invulnerável, forte e viril, e estas características são incompatíveis com a demonstração de sinais de medo, fraqueza, ansiedade e insegurança, os quais são representados pela procura por serviços de saúde. Fato este que colocaria em risco a masculinidade aproximando-o das representações de feminilidade9.
A percepção de que as UBS são um espaço feminilizado, composto, basicamente, por profissionais mulheres e frequentado por uma clientela, essencialmente, feminina, também é apontado na literatura como um entrave aos homens9 "tal situação provocaria nos homens a sensação de não pertencimento àquele espaço"1:106.
Ainda, levando em consideração que a busca pelos serviços de saúde e de planejamento familiar estejam ligados ao imaginário do que é ser homem, também estão ligados à invulnerabilidade, força e virilidade9,11,12, as enfermeiras E7, E8, E13, E21 referem que fatores como vergonha, preconceito e medo de se parecerem vulneráveis são os maiores percalços, que acabam afastando os homens de buscarem pelo planejamento familiar:
Pois é, os homens, é um tabu muito grande o que vem buscar o condon; muitas vezes, vem a mulher; mas aí nós temos muito homem sem planejamento, com certeza (E7).
É mais difícil os homens; eles têm um receio maior. É bem mais raro mesmo [...] eles têm mais vergonha de vir aqui falar; mas não chegam (E8).
[...] aquele preconceito da impotência. Então, olha, é bem complicado (E21).
O medo de descobrir que algo não está bem com a saúde ou de conviver com a incerteza da cura13 e a vergonha de se expor8,9, e ainda com por em risco a crença de que é invulnerável4 são apontados como alguns dos fatores que afastam os homens dos serviços de saúde, mesmo porque isso não é uma prerrogativa masculina. O fato é que para os homens descobrirem que possuem alguma doença, como uma DST, pode trazer à tona o quão são vulneráveis e frágeis, quando não adotam medidas de prevenção a essas doenças, ou de promoção a sua saúde.
As enfermeiras lembram ainda que as ideias equivocadas e preconcebidas são entraves maiores, quando se trata da procura para a esterilização cirúrgica:
Para vasectomia? De uns tempos para cá tem tido até [...] a gente teve que ir para rádio divulgar e aqui é uma região, assim, que o machismo é muito forte. Então o que os homens diziam, assim, com medo de ficar impotentes [...] (E13).
Não, não temos nada. Eu acho que teria bastante preconceito (E15).
As enfermeiras E13 e E15 citam o machismo e o preconceito como dificuldades. Estes fatos sugerem que as comunidades atendidas pela regional de saúde concordam com a ideia de que o homem é invulnerável3, sendo que a virilidade é uma característica essencial na constituição do ideário do que é ser homem, em que a agressividade, o poder e a iniciativa sexual incontrolada constituem a identidade sexual masculina8. Aspectos da cultura de uma sociedade patriarcal impuseram à mulher a responsabilidade pela maternidade, pelo lar e pelas tarefas internas da família, ficando para os homens a responsabilidade pelo mundo externo14.
Na literatura consultada encontram-se registros de que os homens que buscam pela vasectomia e, consequentemente, pelo encerramento da paternidade, buscam sua liberdade existencial14. Assim, a perspectiva de gênero precisa ser pensada nos espaços da atenção primária. A imagem de que os serviços de saúde são espaços feminilizados precisa ser transformada, de modo a incluir as necessidades de saúde dos homens1; neste caso específico, as necessidades de planejamento familiar. Faz-se urgente uma mudança na postura profissional, a fim de mostrar maior sensibilidade para as interações entre as concepções de gênero e as demandas trazidas pelos homens no uso do serviço.
Ainda sobre a esterilização cirúrgica masculina, outro ponto que chama a atenção é para o fato de que nos municípios, o procedimento não é oferecido pelo SUS aos seus usuários, conforme referiu E15, na fala acima, e verbalizou E11:
Vasectomia particular eu sei que tem quem faça, mas pelo SUS, não. E também não é comum, pelo que eu vejo, assim, pelo que eu observo (E11).
Desta forma, mesmo que a opinião de que a vasectomia, como causadora da impotência sexual, fosse trabalhada no sentido de trazer uma maior instrumentalização para a clientela masculina, desmistificando esse preconceito, se os serviços de saúde não estiverem organizados para oferecer o procedimento, de pouco irão valer os esforços dos enfermeiros nesse sentido.
Cabe lembrar que a esterilização é voluntária e legalmente permitida em: "[...] homens e mulheres com capacidade civil plena e maiores de 25 anos de idade ou, pelo menos, com dois filhos vivos, desde que observado o prazo mínimo de 60 dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico, período no qual será propiciado à pessoa interessada acesso a serviço de regulação da fecundidade, incluindo aconselhamento por equipe multidisciplinar, visando desencorajar a esterilização precoce"15. Desta forma, visando o cumprimento da Lei, os municípios precisam estar organizados para oferecer o procedimento pelo SUS à sua clientela, fato que não é realidade em alguns dos municípios estudados.
É preciso considerar, também, conforme lembra E11, que, nos municípios da regional de saúde estudada, o tema saúde do homem ainda não é discutido, ou não é visto como um tema prioritário dentro das políticas públicas de saúde:
Não, isso ainda eu já coloquei para o pessoal. Saúde do homem, digamos assim, não se tem aqui, ainda não tem em [nome do município]. Agora a gente tá entrando com saúde do trabalhador, mas saúde do homem, direcionada assim para o homem, não tem, não tem nada (E11).
Ainda que as ações de Planejamento Familiar não estejam direcionadas para a saúde do homem, algumas enfermeiras procuram integrá-las às UBS:
Quando eu atendo, a gente pede para que o marido venha junto para escolher o método, enfim; mas a gente sabe que não funciona muito assim, eles não vêm (E17).
A saúde dos homens é meio complicada. Tu sabes que a gente convida que eles participassem do planejamento familiar [...] (E16).
[...] a gente até tenta fazer, só que eles não estão aderindo muito [...] (E20).
Também há relato da existência de campanhas para a prevenção do câncer de pênis e próstata, mas, mesmo assim, a procura foi pequena:
[...] no ano passado, a gente teve uma campanha assim, para fazer, pra que os homens fossem; foi feito o exame; até o foi o exame de toque que eles fizeram; mas não teve muita gente, não. Eles não vão [...] (E20).
Conforme E20, ao referir que os homens não aderiram à campanha para a detecção do câncer prostático e de pênis, em seu município, deixa transparecer que este fato está associado ao medo e, principalmente, à vergonha. Ficar exposto a outro homem ou a outra mulher também é apontado como uma explicação para evitar a busca por cuidados de saúde por parte dos homens e, possivelmente, seja explicada pela falta de hábito que eles têm de procurar os serviços de saúde; ao contrário da mulher que, ao longo da história das ciências da saúde, sempre teve seu corpo exposto, principalmente, no período fértil9.
Mesmo assim, as falas denotam a falta de orientação que a população masculina tem em relação a sua saúde sexual, uma vez que os homens preferem não procurar os serviços de saúde para atividades de prevenção a desenvolverem um tipo de câncer, absolutamente curável, se detectado em fases iniciais. A literatura consultada aponta que, todos os dias, das mais diversas formas, os homens recebem alguma orientação para o fato da importância de medidas preventivas e de diagnóstico precoce, porém continuam expondo-se de forma ingênua às doenças de fácil prevenção13.
Desta forma, enfatiza-se que é necessário que os enfermeiros estejam preparados para instruir sua clientela, direcionando suas ações também aos homens, uma vez que apenas as mulheres são foco principal das ações de prevenção aos cânceres. São precisas ações direcionadas que visem a problematização dos problemas masculinos envolvendo essas temáticas, pois não basta apenas incluir os homens sem discutir as desigualdades existentes entre homens e mulheres quando de se fala de planejamento familiar.
Cabe ressaltar também as questões de acessibilidade dos serviços de saúde e como eles estão organizados para atender e entender as especificidades das demandas masculinas. Uma delas é a atividade laboral do homem, a qual é aludida em bibliografias como uma barreira à busca pelos serviços de atenção primária9,11,12. O horário de funcionamento da maioria das UBS coincide com o horário de trabalho e, dessa forma, as atividades profissionais estão em primeiro lugar na lista de prioridades masculinas, especialmente em se tratando de homens de baixo poder aquisitivo, uma vez que "a associação entre ser provedor e ser homem ainda se encontra muito presente no imaginário social"9:569.
Outro ponto destacado para a baixa frequência de usuários homens nas UBS corresponde à perspectiva destas possuírem outros empecilhos como: a necessidade de entrar em filas, o que significa perda de tempo para o trabalho; a carência de programas ou atividades direcionadas, especificamente, para suas necessidades1; e, ainda, a falta de unidades de saúde especializadas em saúde do homem9.
A regional de saúde onde foi realizado o estudo é caracterizada pela grande distância entre os municípios e pela predominância da área rural, conforme lembrou a enfermeira E4:
[...] preservativos assim, não vêm pegar, até porque, assim, como é longe os assentamentos, às vezes, vem alguém de lá e leva para o pessoal ou o pessoal pega lá no dia do atendimento. No mínimo uma vez por mês tem atendimento em todas as localidades (E4).
A distância que se precisa percorrer das comunidades até as unidades básicas e vice-versa, constitui-se em uma barreira que precisa ser transposta tanto pelos usuários, quanto pelos profissionais de saúde. Entende-se que os municípios da regional de saúde possuem uma área rural extensa e, em alguns deles inexistem UBS. Assim, a distância é um dos grandes entraves enfrentados pelos usuários do SUS nesses municípios. Desta forma, os serviços de saúde precisam adequar-se para atender essas localidades e suprir suas demandas; uma dessas formas é o deslocamento dos profissionais com as unidades móveis.
Entende-se que, para uma maior adesão masculina ao Planejamento Familiar, seja necessário que os serviços se tornem mais conveniente para os homens, através de programas educativos em saúde reprodutiva e sexual. Julga-se necessário envolver ambos os sexos na discussão dessa temática, conseguindo, dessa forma, homens mais participativos e responsáveis.
Considera-se também que é necessário organizar o processo de trabalho dos profissionais de saúde, com a intenção de fortalecer as ações perante aos homens, que também são usuários do Sistema Único de Saúde, assim como buscar resolutividade e equidade, diante das necessidades de saúde desses usuários16.
Homens e seus motivos pela busca aos serviços de planejamento familiar
Algumas enfermeiras relatam que a procura dos homens à UBS dá-se quando estes já estão doentes:
Os homens é meio complicado. Os homens só vão no posto quando estão doentes (E20).
Ou então para procurar atendimento médico específico para DST:
[...] tem um médico que é urologista, que trata muita DST. Eles vêm até ele, assim, mas não procurando método, assim, anticoncepcional, não. Eles vêm porque estão com uma DST, ou porque estão com problema sexual, disfunção sexual, mas por método, não. Até procuram, ali na frente, é o preservativo (E19).
Ou ainda para a realização de exames ou porque não conseguem atendimento médico, conforme aponta E22:
[...] a procura maior dos homens aqui, pela enfermagem, é para fazer o teste para HIV. Como eu te disse, quem faz o pré e o pós-teste e a coleta aqui, são as enfermeiras. Então eles vêm. Às vezes, não conseguem ficha para o médico e nos procuram, porque estão com alguma lesão genital também [...] (E22).
A enfermeira E17 refere que os homens acessam a UBS para buscar preservativo, apenas; fato este que também é observado na fala de E3 e E22:
Eles chegam para preservativo [...] (E17).
[...] engraçado, alguns até vêm na unidade, mas é mais é para consulta. Alguns vêm pegar preservativo, mas não são muitos, não (E3).
Em relação aos métodos, o que observo é que buscam por preservativo, e isso tem aumentado bastante, mas nunca ninguém vem aqui perguntar pela vasectomia, ou vem acompanhar a companheira pra receber orientação sobre os outros métodos [...] (E22).
Quando se discute a participação masculina na contracepção, é preciso levar em consideração que existe um limitado número de métodos disponíveis exclusivamente à decisão dos homens; ou seja, ou o homem se utiliza do coito interrompido, ou se submete à vasectomia e à utilização do condon. A literatura consultada aponta para o fato de que a participação masculina na contracepção é mais frequente no apoio às mulheres, sendo nos métodos de abstinência periódica ou no estar de acordo com o uso de métodos considerados de alta eficácia (hormonais, Dispositivo Intrauterino e laqueadura tubária)17. "O esvaziamento das opções dos métodos contraceptivos impede os homens de viverem sua sexualidade livre de tensões e temores de uma gravidez não desejada"14:80.
Por outro lado, aspectos culturais estruturam atemática reprodução com a ausência do masculino, sendo que os estudos que focaram o homem privilegiaram a questão da sexualidade3.
O fato de os homens estarem comparecendo às UBS para retirarem o método de barreira pode estar sinalizando para uma nova realidade, ou seja, os homens estão indo além da situação cômoda de apoio às parceiras em relação ao planejamento familiar. Nesse sentido, ao buscar pelo exercício de um direito que também é seu, começam a planejar sua família. Esse fato aponta para a necessidade dos profissionais de saúde estarem atentos e sensibilizados para isso, chamando esses usuários para outras atividades frente ao planejamento familiar, dentre elas as educativas. Além disso, podem aproveitar a oportunidade para criar mais esse campo de atuação de ações da enfermagem.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados do estudo mostraram que nos municípios estudados as enfermeiras identificam que os homens buscam pelas ações e serviços de planejamento familiar, juntamente com a orientação para a saúde sexual e reprodutiva; para ter acesso ao preservativo; por estarem com alguma demanda referente à prevenção e diagnóstico de DSTs ou por necessitarem de algum outro serviço médico para o qual não conseguiram atendimento.
Os resultados apontam também para o fato de que o imaginário do que ser homem é ser invulnerável e viril, pode ser um dos fatores que afastam os homens de buscar pelo planejamento familiar e que mitos e crenças a respeito da impotência sexual e do medo de adoecer também estão envolvidos. Contudo, as barreiras de acesso, como a indisponibilidade de serviços vinculados aos SUS, dentre elas a vasectomia, ou então relacionadas aos serviços de atenção básica (adequação dos horários, longas filas e distância da residência e/ou trabalho) inviabilizam que os homens busquem pelo planejamento familiar.
O estudo mostra como limitação a impossibilidade de poder identificar se a oferta dos serviços de planejamento familiar é suficiente ou insuficiente, para os homens, nos municípios estudados, porém enfatiza-se que as demandas masculinas pelo planejamento familiar são urgentes e não podem ser ignoradas, entretanto, não basta apenas suprir as demandas biológicas com atividades curativas e preventivas; é preciso pensar, principalmente, nas ações de promoção da saúde. É necessário chamar os homens para junto das equipes de saúde, mesmo que isto signifique o deslocamento destas para as comunidades, já que a distância das localidades rurais em relação aos serviços de saúde foi citada como um dos entraves.
Entende-se que, para uma maior adesão masculina ao Planejamento Familiar, seja necessário que os serviços se tornem mais apropriados para homens. É mister valer-se da dialogicidade, para abordar as questões da saúde do homem e, em especial, os assuntos relacionados ao Planejamento Familiar. Além disso, é preciso, através de ações criativas, programas educativos e motivacionais em saúde reprodutiva e sexual, envolver de forma participativa, ambos os sexos, levando em consideração as questões de gênero.
O despertar de uma visão mais compartilhada entre os homens e o incentivo à desmistificação dos medos e preconceitos podem ser ações educativas planejadas pela enfermagem, com a finalidade de contribuir para uma participação mais efetiva e responsável do homem no planejamento familiar. Ressalta-se que essas demandas devem ser abordadas na perspectiva de gênero, respeitando-se as respectivas singularidades.
REFERÊNCIAS