Volume 18, Número 4, Out/Dez - 2014
PESQUISA
Homens e acidentes motociclísticos: caracterização dos
acidentes a partir do atendimento pré-hospitalar
Fábio Lucio Tavares
1
Maria José Coelho
2
Franciéle Marabotti Costa Leite
1
1 Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória - ES, Brasil
2 Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro - RJ, Brasil
Recebido em 25/03/2014
Aprovado em 15/05/2014
Autor correspondente:
Fábio Lucio Tavares
E-mail:
fabiotavares54@hotmail.com
RESUMO
OBJETIVO:
Descrever o perfil das ocorrências envolvendo motocicletas atendidas pelo SAMU-ES
(Serviço de Atendimento Médico de Urgência do Espírito Santo) nos meses de janeiro
a março de 2012.
MÉTODOS:
Estudo documental, descritivo, com abordagem quantitativa. Os dados foram
coletados de 901 Boletins de Ocorrência de Atendimento Pré-Hospitalar, norteados
por instrumento de coleta de dados.
RESULTADOS:
Dos 901 acidentados, 89,6% era motociclista, com idade entre 15 a 32 anos
(67,5%). Não foi possível estimar o uso do capacete ou a suspeita de ingestão de
bebida alcoólica devido ao grande número de ignorados (86,9% e 93,2%,
respectivamente). Os acidentes ocorreram por queda (50,5%), no Município de
Vitória (28,1%), às sextas-feiras (22,5%), entre às 8:00 e às 9:59 horas (23,1%).
CONCLUSÃO:
Evidencia-se assim, a importância de serem estabelecidas medidas de prevenção aos
acidentes motociclísticos como uma das formas de efetivar a Política Nacional de
Atenção Integral à Saúde do Homem no Brasil.
Palavras-chave: Enfermagem em Emergência; Saúde do Homem; Motocicletas; Acidentes.
INTRODUÇÃO
Desde que os princípios e as diretrizes da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem1 foram publicados em 2008, e a Política lançada oficialmente em 2009, vem-se buscando, a despeito de todas as críticas relativas ao modelo de política de saúde, implantado no Brasil, vislumbrar as dificuldades inerentes ao atendimento ao homem no contexto da saúde, com o foco em suas principais fragilidades2.
Pesquisas vêm apontando um acentuado aumento da morbimortalidade entre os homens, relacionando fatores socioculturais, concepção de masculinidade, resistência dos homens em buscar os serviços de saúde no sentido de prevenção e autocuidado, exposição a situações de risco, enfim, traços culturais de uma visão hegemônica de masculinidade que acarretam, em relação às mulheres, agravos na saúde e, consequentemente, morte precoce3.
Entre as principais causas de óbitos no sexo masculino estão as neoplasias malignas (cânceres de estômago, pulmão e próstata), as doenças isquêmicas do coração, as doenças cerebrovasculares e as causas externas, aqui incluindo entre outras, o suicídio, os acidentes de transportes e os homicídios4.
Os homens expõem-se mais aos fatores de risco, seja no que se refere ao sedentarismo, tabagismo, obesidade e alcoolismo, o que impacta na morbimortalidade pelas doenças crônicas não transmissíveis, seja nos fatores relativos ao ambiente, possivelmente, pelos padrões de educação para o sexo masculino que estimulam mais, ou permitem mais, a manifestação da agressividade em comparação com os padrões femininos5.
O resultado desse perfil de comportamento se revela na problemática da morbimortalidade por causas externas, consideradas como a primeira causa de morte entre homens em idade produtiva, sobretudo as agressões e os acidentes de transportes, os quais se constituem em grave problema de saúde pública, visto que ocasionam um aumento dos custos sociais e econômicos necessários ao tratamento e reabilitação dessas vítimas6.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), os acidentes de trânsito foram responsáveis por mais de 1,2 milhão de mortes e causaram lesões em 20 a 50 milhões de pessoas em 2010, com um destaque cada vez maior para os acidentes motociclísticos7.
A crescente dificuldade de mobilidade urbana e rural aliada à baixa cobertura e qualidade do transporte de massa no país, associada ainda às vantagens dos baixos custos de aquisição e manutenção de uma motocicleta e à agilidade que ela proporciona quando comparada a um carro, tem tornado aquela um excelente meio de transporte com um aumento crescente da sua utilização nas atividades laborais8.
A resultante dessa situação é o aumento do número de acidentes motociclísticos no Brasil como um todo e em especial no Espírito Santo. Desse modo, para se conhecer em maior detalhamento esse agravo, o primeiro passo é a descrição de como tal fenômeno ocorre, sendo de fundamental importância a obtenção do maior número de informações possíveis, a fim de reunir, sistematicamente, dados sobre a extensão, características e consequências desse problema de saúde pública9.
O entendimento dos fatores relacionados aos acidentes motociclísticos tem demonstrado a necessidade de serem disponibilizados recursos para a sua prevenção, com atuação no direcionamento das intervenções conforme os fatores de risco específicos da população alvo10.
Diante do exposto, o presente trabalho teve como objetivo descrever o perfil das ocorrências envolvendo motocicletas atendidas pelo SAMU-ES (Serviço de Atendimento Médico de Urgência do Espirito Santo) nos meses de janeiro a março de 2012.
MÉTODO
Trata-se de um estudo documental, descritivo, com abordagem quantitativa, realizado no SAMU-ES, que é composto por uma Central de Regulação Médica de Urgências localizada no Município de Vitória, além de dez bases descentralizadas, distribuídas na Região Metropolitana da Grande Vitória e no interior do estado, que fazem a cobertura dos atendimentos pré-hospitalares nessas regiões.
A casuística foi constituída de todas as ocorrências envolvendo homens vítimas de acidentes motociclísticos atendidas pelo SAMU-ES no período de janeiro a março de 2012. Os meses foram escolhidos de forma aleatória, devido à regularidade dos atendimentos mensais das vítimas de trauma durante o ano.
Para a coleta de dados, foram utilizados os Boletins de Ocorrência do Atendimento Pré-Hospitalar gerados pelas Unidades de Suporte Básicas e Avançadas. Os critérios de inclusão foram todas as ocorrências envolvendo acidentes motociclísticos em homens, no período de 1º de janeiro de 2012 a 31 de março de 2012. Foram excluídos os boletins de ocorrência, cujo atendimento foi cancelado pela Regulação Médica por evasão da vítima do local do acidente, por remoção antecipada, por boletins incompletos ou com caligrafia ilegível. Também não foram analisados os boletins de atendimento de acidentes motociclísticos fatais.
As informações foram coletadas a partir da consulta manual de todas as fichas de atendimento diário no período estabelecido, nesta pesquisa, e transcritas para um instrumento específico elaborado pelos pesquisadores, o qual apresentava as seguintes variáveis: 1) dados de caracterização das vítimas: idade, condição, uso de capacete e suspeita de ingestão de bebida alcoólica; 2) dados de caracterização da ocorrência: município, dia da semana, turno, tipo de acidente motociclístico, tipo de ambulância usada na ocorrência e encaminhamento para o hospital. Os dados foram armazenados em um banco de dados no software Microsoft Excel e analisados por meio de estatística descritiva simples, através do programa STATA 13.0. Os resultados, por sua vez, foram apresentados em forma de tabelas por meio de frequência absoluta e relativa.
A pesquisa obedeceu aos critérios da resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) 466/2012, foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa - CEP do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Espírito Santo (parecer nº 148.876 de 28/11/2012) e autorizada pela Secretaria Estadual de Saúde do Espírito Santo.
RESULTADOS
O SAMU-ES realizou 8.419 atendimentos que geraram Boletim de Ocorrência do Atendimento Pré-Hospitalar entre os meses de janeiro a março de 2012. A análise desses boletins revelou que 1.514 ocorrências foram acidentes motociclísticos, o que perfaz 18% das causas dos atendimentos. Dos 1.514 boletins analisados, foram excluídos 474, totalizando 31%. Ocorreram 06 acidentes motociclísticos fatais no período, e os boletins desses atendimentos também foram excluídos da amostra. Dos 1.040 boletins, 901 se referiam ao atendimento de homens acidentados envolvendo motocicletas.
O levantamento epidemiológico dos 901 boletins de ocorrência revelou que em relação à caracterização das vítimas, conforme apresentado na Tabela 1, a maior prevalência dos acidentes motociclísticos ocorreu entre adolescentes e adultos jovens com idade entre 15 a 32 anos (67,5%).
Variável | Frequência absoluta (n) | Frequência relativa (%) |
Idade (anos) | ||
0-4 | 03 | 0,3 |
5-14 | 21 | 2,3 |
15-23 | 294 | 32,6 |
24-32 | 314 | 34,9 |
33-41 | 155 | 17,2 |
42-50 | 59 | 6,6 |
51-60 | 29 | 3,2 |
> 60 | 21 | 2,3 |
Ignorado | 05 | 0,6 |
Condição da vítima | ||
Motociclista | 808 | 89,6 |
Passageiro | 51 | 5,7 |
Pedestre | 36 | 4,0 |
Ignorado | 06 | 0,7 |
Uso de capacete | ||
Sim | 38 | 4,2 |
Não | 43 | 4,8 |
Não se aplica | 37 | 4,1 |
Ignorado | 783 | 86,9 |
Suspeita de ingestão de bebida alcoólica | ||
Sim | 61 | 6,8 |
Ignorado | 840 | 93,2 |
No que se refere à condição da vítima, 808 (89,6%) são motociclistas. Quanto ao uso de capacete e a suspeita de ingestão de bebida alcoólica, tais variáveis foram amplamente ignoradas nos registros de informação das ocorrências, totalizando 783 (86,9%) e 840 (93,2%) de ignorados, respectivamente.
Em relação à caracterização dos acidentes, conforme apresentado na Tabela 2, esses ocorreram em maior frequência no Município de Vitória, com 253 atendimentos, o que totalizou 28,1% das ocorrências; seguido dos Municípios de Vila Velha, com 214 ocorrências (23,8%); Serra com 181 ocorrências (20,1%); Cariacica com 160 ocorrências (17,8%) e Viana, com 21 (2,3%). Esses municípios compõem a Região Metropolitana da Grande Vitória, que concentrou 92,1% de todas as ocorrências do período.
Variável | Frequência absoluta (n) | Frequência relativa (%) |
Município de Ocorrência | ||
Vitória | 253 | 28,1 |
Vila Velha | 214 | 23,8 |
Serra | 181 | 20,1 |
Cariacica | 160 | 17,8 |
Viana | 21 | 2,3 |
Guarapari | 20 | 2,2 |
Demais municípios | 52 | 5,7 |
Dia da semana da ocorrência | ||
Segunda-feira | 138 | 15,3 |
Terça-feira | 140 | 15,5 |
Quarta-feira | 114 | 12,7 |
Quinta-feira | 86 | 9,5 |
Sexta-feira | 203 | 22,5 |
Sábado | 136 | 15,1 |
Domingo | 78 | 8,7 |
Ignorado | 06 | 0,7 |
Turno de Ocorrência | ||
0h-01:59 | 86 | 9,5 |
2h-03:59 | 113 | 12,5 |
4h-05:59 | 62 | 6,9 |
6h-07:59 | 186 | 20,6 |
8h-09:59 | 208 | 23,1 |
10h-11:59 | 76 | 8,4 |
12h-13:59 | 26 | 2,9 |
14h-15:59 | 41 | 4,6 |
16h-17:59 | 35 | 3,9 |
18h-19:59 | 29 | 3,2 |
20h-21:59 | 19 | 2,1 |
22h-23:59 | 14 | 1,6 |
Ignorado | 06 | 0,7 |
Tipo de acidente automobilístico | ||
Atropelamento | 37 | 4,1 |
Queda | 455 | 50,5 |
Colisão com moto | 35 | 3,9 |
Colisão com carro | 282 | 31,2 |
Colisão com caminhão | 24 | 2,7 |
Colisão com bicicleta | 08 | 1,0 |
Colisão com barreira fixa | 21 | 2,3 |
Colisão com ônibus | 15 | 1,7 |
Outro | 11 | 1,2 |
Ignorado | 13 | 1,4 |
Tipo de ambulância usada na ocorrência | ||
Suporte avançado | 78 | 8,7 |
Suporte básico | 821 | 91,1 |
Ignorado | 02 | 0,2 |
Encaminhamento para hospital | ||
Não | 32 | 3,6 |
Sim, hospital público | 675 | 74,9 |
Sim, hospital privado | 76 | 8,4 |
Outro hospital | 62 | 6,9 |
Ignorado | 56 | 6,2 |
Total | 901 | 100,0 |
Quanto à distribuição das ocorrências segundo o dia da semana, destaca-se a sexta-feira com o maior número de ocorrências, totalizando 203 atendimentos (22,5%); e o domingo, que chama a atenção pelo menor número de ocorrências, somando 78 atendimentos, perfazendo 8,7% das chamadas.
No que se refere ao horário do acidente, o destaque pode ser observado no período matutino, com 394 vítimas (43,7%) entre as 06:00 horas e 9 horas e 59 minutos da manhã.
Os mecanismos de trauma mais frequente foram queda (50,5%) e colisão moto-carro (31,2%). Quanto ao tipo de ambulância usada na ocorrência, a grande maioria foi a Unidade de Suporte Básica (USB) somando 91,1% dos atendimentos.
A maior parte das vítimas foi encaminhada para atendimento hospitalar, sendo que 74,9% eram hospitais públicos e 8,4%, hospitais privados. Apenas 3,7% das vítimas não foram encaminhadas para o atendimento hospitalar.
DISCUSSÃO
No presente estudo, os acidentes motociclísticos responderam por 18% de todos os atendimentos de urgência realizados pelo SAMU-ES no período de janeiro a março de 2012. Em média, ocorreram 504 acidentes por mês; 16 por dia, e cerca de um acidente a cada 2 horas, sendo que deste total, em torno de 87% foram com homens.
Esses dados vêm ao encontro de uma nova realidade do trânsito brasileiro e do atendimento de emergência, no qual se destaca nas últimas décadas, um aumento crescente do número de vítimas envolvidas em acidentes de motocicleta associado a uma ampla elevação da frota desse tipo de veículo7,11.
Além disso, fatores como maior permissibilidade social de comportamento mais agressivo, velocidade excessiva, manobras mais arriscadas e consumo de álcool entre os homens, têm contribuído para a maior incidência de acidentes entre os motociclistas do sexo masculino12.
Observando a Tabela 1, é possível verificar que a faixa etária de 15 a 32 anos de idade apresenta uma predominância de 67,5% em relação às demais idades. Dados semelhantes foram encontrados em São Paulo, Pernambuco, Fortaleza, Teresina e Sergipe. A constatação evidencia que essa realidade se deve à inexperiência, à impulsividade, ao prazer em experimentar sensações de risco, à autoconfiança na condução do veículo, ao excesso de velocidade e ao desrespeito às normas de segurança no trânsito. O predomínio de adultos jovens envolvidos em acidentes de trânsito tem impacto direto na economia do estado e do País por atingir pessoas em plena idade produtiva5,8,12,13,14.
O fato de 89,6% das vítimas serem motociclistas aponta para o crescente aumento do uso da motocicleta como meio de trabalho. Embora nossa pesquisa não tenha analisado a finalidade do uso da motocicleta, é de amplo conhecimento o seu papel em atividades laborais. Longas horas de trabalho podem levar o seu usuário a períodos de fadiga, cansaço e diminuição dos reflexos e da capacidade de concentração, o que colabora na elevação do número de acidentes15.
Em relação ao uso do capacete e à suspeita de ingestão de bebida alcoólica, essas variáveis não compõem dados a serem registrados no Boletim de Ocorrência do Atendimento Pré-Hospitalar pelo SAMU-ES. O boletim disponibiliza apenas um espaço denominado "Achados Clínicos", no qual o profissional deve fazer o registro de informações consideradas importantes e não constantes no check list de avaliação da vítima. Em nosso estudo, entretanto, a informação sobre o uso de capacete e a suspeita de ingestão alcoólica foi ignorada na grande maioria dos atendimentos (86,9% e 93,2%, respectivamente). Acreditamos que os poucos registros que encontramos sobre esses dados foram feitos somente quando estavam em grande evidência no atendimento pré-hospitalar prestado.
Sobre essa questão, esta é uma realidade sobre a ausência de informação nos atendimentos pré-hospitalares no Brasil, em especial, sobre o uso de capacete e a suspeita de ingestão alcoólica, dificultando, e em muitos casos, impedindo a elucidação desse fenômeno e a formulação de políticas públicas que possam fazer frente a esta problemática, ficando uma lacuna nos boletins de atendimento. Semelhante ao nosso caso, outros autores não obtiveram informações adequadas em número suficiente de protocolos que permitissem uma avaliação confiável do uso ou não uso do capacete e de suspeita de ingestão alcoólica14,16.
No Brasil, desde 1995, o Código Nacional de Trânsito vem contribuindo com uma importante redução na mortalidade e na gravidade dos acidentes por meio de programas educacionais e ações preventivas como o uso obrigatório do capacete. Essa é uma medida comprovadamente associada a um melhor prognóstico em acidentes com motociclistas, e embora não saibamos ao certo qual a percentagem de motoristas que realmente usam o capacete nas grandes cidades, acredita-se que a maioria segue a lei16.
No que concerne a suspeita de ingestão alcoólica, pesquisas apontam uma forte relação entre ingestão de álcool e acidentes de trânsito, uma vez que a bebida gera uma sensação de confiança nos condutores de veículos a motor, ao mesmo tempo em que diminui suas habilidades de tempo de reação e coordenação17.
Estudo realizado no Rio de Janeiro reporta que 70% dos acidentes de trânsito, causados pelo consumo de bebidas alcoólicas tendem a ser mais violentos, com óbito de condutores e passageiros18.
Caberia, então, uma reformulação do Boletim de Ocorrência do Atendimento Pré-Hospitalar do SAMU-ES que contemplasse de forma objetiva, as variáveis "uso de capacete" e "suspeita de ingestão alcoólica", além de uma política de educação permanente sobre a importância da informação para o sistema de saúde.
A Região Metropolitana da Grande Vitória é a área de maior desenvolvimento urbano do Espírito Santo. Desse modo, é fácil entender o elevado fluxo de veículos e a intensa circulação de pessoas nessa região, o que justifica a concentração de 92,1% de todas as ocorrências no período. Além disso, embora a maioria dos acidentes tenha ocorrido nos municípios da região metropolitana, pode-se perceber que, apesar de os municípios que não compõem esta região apresentarem um número menor de acidentes (5,7%), as vítimas são, na maioria das vezes, encaminhadas para atendimento hospitalar nos centros urbanos, talvez pela carência de serviços especializados e equipamentos nos hospitais desses municípios, provocando ainda maior sobrecarga de atendimento nos centros de trauma.
Verificamos que o dia da semana em que ocorreu o maior número de acidentes motociclísticos foi na sexta-feira (22,5%). Todavia, chama a atenção o turno da ocorrência, com valores elevados de acidentes entre às 8 horas e às 9 horas e 59 minutos, o que nos faz supor que foram acidentes ocasionados pelo horário de maior fluxo de veículos e de pessoas nas vias públicas no período da manhã, em deslocamento para o local de trabalho, o que de um modo geral, foge do perfil desses acidentes em outras capitais brasileiras nas quais a prevalência se deu nos fins de semana e no período noturno13,14.
Queda e colisão moto-carro representaram o principal mecanismo de trauma, respondendo por quase 81,7% de todos os tipos de acidente. Esses dados são semelhantes aos apresentados na literatura8,11. Em relação às quedas, podemos pensar em fatores tais como condições das vias, excesso de velocidade, pressa ao chegar ao trabalho, além do despreparo do motociclista em conduzir o veículo. Já a colisão moto-carro está relacionada com a dificuldade do condutor de outros veículos em perceber a aproximação de motocicletas e decidir adequadamente o tempo para evitar uma colisão14,15.
O SAMU-ES dispõe de dois tipos de ambulância para realizar os atendimentos de urgência: a Unidade de Suporte Básica (USB), tripulada por um motorista socorrista e um técnico de enfermagem; e a Unidade de Suporte Avançada (USA), tripulada por um motorista socorrista, um médico e um enfermeiro, apropriada para o atendimento a situações mais graves. No estudo, a maior parte dos atendimentos às vítimas dos acidentes motociclísticos foi realizado pela USB, totalizando 91,1% dos atendimentos. Apesar de não termos estabelecido a gravidade dos acidentados, podemos supor que os acidentes ocorridos nesse período foram de gravidade leve a moderada, envolvendo escoriações e ferimentos leves, na medida em que se fosse uma situação crítica, com ferimentos mais graves, o médico regulador teria selecionado a USA.
A necessidade de atendimento hospitalar às vítimas de acidentes motociclísticos foi uma constante em nossa pesquisa. Apenas 3,7% delas não foram encaminhadas para um hospital, ao passo que 90,2% foram atendidas em salas de emergências hospitalares, sendo que 74,9% receberam assistência em uma instituição pública.
Esses dados apontam para a problemática dos gastos públicos relacionados aos atendimentos traumatológicos no Brasil, em especial e de modo crescente, os gastos provenientes dos acidentes motociclísticos. Em média, o homem acidentado leve de motocicleta fica hospitalizado por no mínimo 12 horas e necessita de uma propedêutica médica especializada e de cuidados de enfermagem para o estabelecimento de sua situação clínica, o que encarece os custos da internação14.
CONCLUSÃO
A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem trata as causas externas como um dos principais indicadores de mortalidade masculina, superando as doenças do aparelho circulatório e os tumores malignos, principalmente nas faixas etárias mais jovens. Embora com dados ainda precários, a Política também traz a problemática dos agravos externos no que se refere às internações.
Os resultados da análise de 901 boletins de atendimento pré-hospitalar realizado pelo SAMU-ES demonstram que os homens jovens são as maiores vítimas dos acidentes motociclísticos, sendo atingidos em sua maioria, no período da manhã das sextas-feiras.
Conhecer esse cenário e a problemática que envolve os homens é de fundamental importância, seja no atendimento pré-hospitalar, intra-hospitalar e pós-hospitalar e nos cuidados de enfermagem prestados às vítimas, nas salas de emergência dos centros de trauma, na atenção básica, promovendo discussão e educação para o trânsito junto à população, principalmente entre os meninos adolescentes, motociclistas em potencial.
Esperamos que esses dados possam contribuir com a interlocução no tocante à Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem e a problemática dos agravos externos entre os homens.
REFERÊNCIAS