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ISSN (impressa): 1414-8145
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CAPES

Volume 18, Número 3, Jul/Set - 2014



DOI: 10.5935/1414-8145.20140071

PESQUISA

O ser enfermeiro de uma central de quimioterapia frente à morte do paciente oncológico

Patricia Costa Lima 1
Isabel Comassetto 1
Ana Cristina Mancussi e Faro 2
Ana Paula Nogueira de Magalhães 1
Vera Grácia Neuman Monteiro 1
Paulo Sérgio Gomes da Silva 1


1 Universidade Federal de Alagoas. Maceió - AL, Brasil
2 Universidade de São Paulo. São Paulo - SP, Brasil

Recebido em 05/08/2013
Reapresentado em 17/03/2014
Aprovado em 04/04/2014

Autor correspondente:
Isabel Comassetto
E-mail: isabelcomassetto@gmail.com

RESUMO

Este estudo teve como objetivo, compreender o fenômeno experienciado pelos enfermeiros que trabalham em uma central de quimioterapia, frente à possibilidade de morte do paciente deste serviço. Optou-se pela metodologia qualitativa fenomenológica e, para fundamentar a análise, o referencial filosófico de Martin Heidegger. Participaram oito enfermeiras, que trabalham na Central de Quimioterapia de um hospital universitário. As entrevistas foram realizadas nos meses de janeiro e fevereiro de 2012. Foram reveladas quatro categorias: Experienciando a morte como ciclo natural da vida; Experienciando a impotência diante da morte do outro; Experienciando a morte com ajuda da fé e Experienciando a empatia frente à possibilidade de morte do paciente. O fenômeno apresenta-se permeado de dor e inconformidade, por perceberem-se impotentes diante da finitude da vida, necessitando de preparo pessoal e apoio profissional para o convívio com a morte.


Palavras-chave: Enfermagem Oncológica; Morte; Pesquisa qualitativa.

INTRODUÇÃO

O câncer ainda configura-se como uma patologia circundada por estigmas, estando quase sempre associada a uma sentença de morte1, sendo considerado, na atualidade, a segunda causa de óbito nos países desenvolvidos e quinta no Brasil. Segundo estimativas para 2014, válidas também para 2015, indica a ocorrência de, aproximadamente, 576 mil novos casos de câncer2.

Nesse sentido, essa patologia tem sido considerada como um processo irreversível apresentando significações diferentes, para o enfermeiro e para o paciente, estabelecidas de acordo com as suas vivências sócioculturais, lendas, temores, e incertezas formados, desde o momento em que se dá a possibilidade, mesmo que remota, de seu diagnóstico1. Culturalmente, o estigma da morte está incorporado ao câncer, manifestando-se com características próprias na relação paciente-equipe3.

Por herança cultural ou formação pessoal, cada ser humano carrega dentro de si esta representação individual da morte, à qual são atribuídas influências do convívio social, meios de comunicação e particularidades de cada indivíduo que contribuem para sua mistificação1.

O profissional de enfermagem é a pessoa que está mais próxima ao paciente nos momentos difíceis e é quem o paciente e a família procura a, quando necessitam de explicação ou de cuidados imediatos. Nesse sentido, o enfermeiro precisa entender e saber lidar com os sentimentos que suscita a doença oncológica como o sofrimento, angústias, temores que podem surgir em situações que envolvem esse cuidar. Esse cuidado pressupõe em conhecer não só sobre a patologia, mas saber lidar com os sentimentos dos outros, como com as próprias emoções perante a doença, com ou sem possibilidade de cura.

Esta situação foi encontrada em estudos3-5 realizados com enfermeiros, a fim de conhecer o impacto que o cuidado ao paciente oncológico com possibilidade de morte iminente pode promover na equipe de enfermagem que se encontra fragilizada e vivenciando uma pressão emocional pelas suas crenças e valores sobre a morte, assim como as emoções e reações dos pacientes e familiares.

Alguns estudos1,4-9 apontam que o profissional de enfermagem apresenta dificuldades em conviver com o paciente que vivencia sua finitude, por experimentar de maneiras potencializadas estes sentimentos conflitantes, provenientes do despreparo, ocasionando um distanciamento entre o profissional e o paciente, bem como as suas famílias, o que não condiz com o cuidado humanizado. Faz-se necessário melhor preparo destes profissionais para o enfrentamento de situações que envolvam o cuidado destes pacientes, além de apoio psicológico para lidar com a situação de perda, frustrações e morte.

Diante do exposto, propusemo-nos a realizar um estudo que responda à seguinte questão norteadora: Qual é o fenômeno vivenciado pelos enfermeiros de uma central de quimioterapia, frente à possibilidade de morte dos pacientes deste serviço?

Sendo assim, torna-se importante que os enfermeiros descrevam com sua própria linguagem como estão se sentindo e que experiências estão tendo neste contexto vivido. Buscam-se nas falas dos enfermeiros deste estudo, as suas descrições sobre o vivido, de modo a captá-los em sua subjetividade, na forma como se sentem frente à notícia da possibilidade da morte dos pacientes atendidos na central de quimioterapia.

Este estudo se justifica por desvelar a vivência destes enfermeiros no que diz respeito às muitas facetas que permeiam o universo oncológico, empoderando o profissional da enfermagem, para que esteja seguro de suas práticas cotidianas, transcendendo os limites técnicos de cuidado que o paciente oncológico suscita. De posse desses achados, poderão ser planejados processos de educação permanente que envolva o enfermeiro no tema da morte, reforçando e ampliando a reflexão pessoal e profissional, no que diz respeito ao aprimoramento do cuidar, da responsabilidade e da sensibilidade para vivenciar as nuanças do câncer.

Para tanto, este estudo teve como objetivo compreender o fenômeno experienciado pelos enfermeiros que trabalham em uma central de quimioterapia, frente à possibilidade de morte do paciente deste serviço.

ABORDAGEM TEÓRICO - METODOLÓGICA

Diante do exposto, optou-se pela pesquisa fenomenológica por permitir plena compreensão da experiência vivida, desvelando o fenômeno que está inserido no contexto das vivências individuais de enfermeiras que trabalham na central de quimioterapia e que experienciam a possibilidade da morte do paciente de seu serviço10.

A fenomenologia tem sido uma abordagem muito utilizada em estudos realizados pela enfermagem, refletindo a inquietação em compreender os fenômenos vividos no cotidiano e proporcionando a obtenção de subsídios necessários para o conhecimento das dimensões do cuidado11.

Considerou-se pertinente, para descortinar o fenômeno vivenciado pela enfermeira da central de quimioterapia diante da possibilidade da morte do paciente do seu serviço o referencial teórico filosófico de Martin Heidegger, cuja questão fundamental não é o homem, mas sim o ser, o sentido do ser, pois, busca pesquisar e compreender o ser-enfermeiro da central de quimioterapia, sem preconceitos nem teorias, mas como experiência concreta e como sujeito consciente12.

Assim, atribuem-se significados ao vivido, conforme visão pessoal do mundo que ele vive, dos valores, costumes e conhecimentos, vivenciados intersubjetivamente com o outro. O pensamento do ser, parte da vida cotidiana, descobrindo caminhos que conduzem ao evidente que ficou esquecido pelo pensamento pragmático e tecnológico12.

O estudo foi realizado com enfermeiras de uma central de quimioterapia do CACON de um hospital universitário em Maceió, Alagoas. O período de realização das entrevistas foi janeiro e fevereiro de 2012.

Para conduzir a pesquisa, foram entrevistadas todas as enfermeiras pertencentes ao quadro funcional da central de quimioterapia deste CACON, totalizando oito enfermeiras, sendo todas do sexo feminino, com idade variando de 31 a 40 anos, com tempo de formação profissional de 2 a 16 anos e tempo de atuação profissional com pacientes oncológicos, variando de 5 meses a 9 anos.

Foi concedida a autorização para realizar o estudo pela direção de ensino da instituição e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Alagoas, de acordo com os princípios éticos e legais vigentes na Resolução nº 196/96 (Parecer nº 012569/2011-20).

Foi realizada a aproximação dos sujeitos, explanação dos objetivos da pesquisa, garantido o anonimato e a possibilidade de recusa, bem como o caráter científico do estudo. Em seguida, iniciou-se a entrevista, mediante orientação sobre a pesquisa com posterior solicitação de assinatura no TCLE, realizada no horário mais conveniente para os sujeitos, sendo escolhido um local tranquilo e livre de interrupções para a condução da entrevista. Solicitou-se que os enfermeiros discorressem livremente sobre o tema proposto, a partir da pergunta norteadora: Como é para você que trabalha em uma central de quimioterapia, vivenciar a possibilidade da morte do paciente deste serviço?

As entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra. Para a análise, foram seguidos os passos sugeridos por Martins e Bicudo10: leitura integral de cada entrevista, visando uma compreensão geral do sentido do texto; releitura de cada entrevista, quantas vezes se fizerem necessárias, em busca de falas significativas, que focalizem o fenômeno estudado dentro da perspectiva do pesquisador, as quais foram denominadas unidades de significados; transformação das unidades de significados das falas dos enfermeiros em uma linguagem do pesquisador, por meio da reflexão e imaginação, em busca dos elementos convergentes e divergentes, visando encontrar os temas comuns para a formação das categorias temáticas; síntese do pesquisador que descreve, consistentemente, os elementos da experiência vivida por este enfermeiros10.

Objetivando o anonimato dos sujeitos da pesquisa, foi escolhido um pseudônimo para cada entrevistado, através da eleição de um cristal.

Assim, foi realizada a análise da estrutura do fenômeno situado e se chegou à compreensão da experiência do fenômeno vivenciado pelos enfermeiros de uma Central de Quimioterapia.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Neste estudo, o ser enfermeiro da central de quimioterapia é um ser-ai que vive a experiência como ser-no-mundo, relaciona-se com pacientes oncológicos que se apresentam como ser-com, a essa experiência são atribuídos significados diversos, que permitiram desvelar o fenômeno em quatro categorias: experienciando a morte como ciclo natural da vida; experienciando a impotência diante da morte do outro; experienciando a morte com ajuda da fé; experienciando a empatia frente à possibilidade da morte do paciente.

Sendo assim, a primeira categoria que emerge do estudo refere-se ao modo como o ser enfermeiro de uma central de quimioterapia experiencia a morte do paciente oncológico.

Experienciando a morte como ciclo natural da vida

A aceitação que a vida tem uma finitude é desvelada, à medida que o enfermeiro vive o fenômeno da morte agregando-a como parte do ciclo natural da vida do ser humano - nascer, crescer, envelhecer e morrer.

[...] Eu sou muito preparada pra aceitação da morte. Até pra minha morte, eu sei que um dia todos teremos este fim [...] (Ametista).

Cabe buscar na própria presença o sentido existencial de chegar-ao-fim. Desta forma, a morte é percebida como fato concreto, mas distante de acontecer. No momento em que o ser-para-morte tenta "pensar" a morte, mesmo que o faça de forma crítica, cuidadosa e adequada, evidencia-se que ele apreende a certeza assim fundada. Ao que se sabe, os homens "morrem". Para todo o homem a morte é altamente provável, mas não, incondicionalmente, certa. Trata-se de um fenômeno natural que todos passarão, pois "o homem é um ser para a morte"12.

[...] Pra mim em relação à morte eu não sinto muito problema, nenhum desconforto,... Eu encaro a morte como um processo natural [...] (Jade).

[...] Procuro trabalhar meu emocional colocando em mente que a morte faz parte do ciclo da vida e que um dia chegará para todos nós [...] (Granada).

Sendo assim, as falas de Jade e Granada aproximam-se do sentido da morte, como possibilidade que pode transcender sua existência em qualquer instante. A condição de ser-para-a-morte do homem, permite a reflexão da morte como uma realidade de nossa existência, convivendo com ela continuamente12.

O ser-no-mundo, como ser limitado por circunstâncias que compreendem o seu mundo compartilhado, é levado a pensar sobre a dimensão futura de sua existência e a lançar-se para seu encontro. É chamado a projetar-se mediante tal desafio, vendo-se sempre limitado no tempo como ser mortal, frágil sujeito a incompletude12.

[...] Eu percebi também aqui, que são poucos os pacientes que têm prognóstico bom. E eu percebi que pra mim não é diferente não, é como se a morte aqui fosse esperada. Se você parar para observar a gente sabe e acompanha a evolução do agravamento deles todos, só basta a gente olhar,... A gente sente porque a gente se acostuma muito com o paciente, ... é como se aquilo (morte) é esperado [...] (Ágata).

A inquietação que o estado de saúde do paciente oncológico suscita no ser enfermeiro apresenta-se como grande disparador de preocupações. A compreensão que o enfermeiro tem, enquanto ser-cuidador em relação ao agravamento do ser-cuidado revela forte interação entre os seres. O enfermeiro sofre ao presenciar a piora do quadro do paciente oncológico e se solidariza com ele, porém a grande dificuldade reside no permanente contato com a terminalidade da vida.

Apesar das afirmações sobre a terminalidade serem algo inerente aos seres vivos, apreende-se da assertiva:

[...] A gente não foi feito pra morrer, na verdade né? A gente foi feito pra viver [...] (Ametista).

Que a preocupação expressa pelo profissional é a de que viemos ao mundo com o objetivo de viver a vida em sua plenitude. Nesse sentindo, estar-no-mundo significa habitar o mundo, conviver nele, e não simplesmente povoá-lo12.

Percebe-se, consoante aos relatos anteriores, a necessidade emergente que o enfermeiro, enquanto, ser-cuidador possui em preparar-se, emocionalmente, para enfrentar a morte do ser-cuidado que assiste. Mesmo que a finitude seja percebida como parte do decurso natural da vida, o enfermeiro pode não estar preparado, emocionalmente, para enfrentá-la e nem para lidar com seus próprios sentimentos suscitados desta experiência1,13.

A formação de caráter majoritariamente tecnicista que a academia oferta ao graduando em detrimento das questões ligadas à emoção, principalmente, às causadas pela morte contribuem para a falta de preparo no enfrentamento da morte nas atividades profissionais1,3.

Para o enfermeiro que atua junto à pacientes em tratamento quimioterápico, a morte, além de ser uma preocupação pessoal, faz parte do seu cotidiano reafirmando a impotência e frustração do ser-cuidador ante a imprevisibilidade da trajetória da morte, sentimentos que serão descritos na segunda categoria.

Experienciando a impotência diante da morte do outro

Nesta categoria foi possível desvelar as facetas do fenômeno que se encontrava oculto, referente à experiência do profissional de enfermagem frente à impotência diante da possibilidade da morte dos pacientes oncológicos.

Ao serem interrogados sobre suas experiências diante da possibilidade de morte do ser-cuidado, os seres-cuidadores expressaram dentro do tempo e espaço no qual estão inseridos o seu ver, sentir e viver:

[...] É uma tapa na cara todo dia. Porque você cuida, se dedica e ás vezes não adianta, porque eles morrem [...] (Esmeralda).

[...] Para mim é péssimo quando um paciente regride e morre, todo mundo sofre [...] (Água Marinha).

[...] pô, oque estou fazendo aqui? Ficar fazendo essas medicações, deixando ela baqueada, pra daqui uns meses ela chegar aqui em fase terminal [...] (Ametista).

No que concerne à possibilidade do enfermeiro experienciar a morte vivenciada pelo paciente oncológico, torna-se mais penetrante, pelo findar da presença deste. O paciente oncológico deixa de ser-com, por não conviver mais no mesmo mundo e, é a partir do mundo que os enfermeiros podem ser-com ele. A morte se desvela como perda, experienciada pelos enfermeiros, ao sofrer a perda, não se tem acesso à perda ontológica como tal, "sofrida" por quem morre, pois, para quem fica, não é permitida a experiência da morte dos outros, no máximo apenas estar "juntos"12.

Nesse sentido, experienciar a possibilidade da morte dos pacientes oncológicos, conforme o relato da Água Marinha:

[...] adoeceu eu, adoeceu Ametista, adoeceu Jade, adoeceu Safira, quer dizer eles morriam e nós adoecíamos [...] (Água Marinha).

Desvela-se como um processo difícil, que desestrutura a equipe que permanece no mundo como um ser-com o morto12. Alguns autores3,14 afirmam que podem existir pacientes com os quais os enfermeiros estabelecem uma relação diferenciada e singular. Dessa forma, ao sentirem em profundidade a possibilidade de morte dos seres-cuidados, surgem nos enfermeiros, sentimentos de tristeza e sensação de vazio, pois a preservação e o prolongamento da vida são os seus objetivos, por conseguinte, podem sentir-se incapazes ou frustrados, quando não obtêm êxitos em suas tentativas.

Percebe-se que a sensação de impotência, na luta contra o câncer, é marcante nos relatos dos enfermeiros e advém da incapacidade do ser-cuidador promover a manutenção da vida do ser-cuidado. Essa compreensão surge em consequência da própria formação direcionada a manter a vida7-16. A perda no controle da situação e a possibilidade da morte como algo certo, apesar dos recursos tecnológicos, fazem com que o enfermeiro encare suas limitações e questione suas habilidades profissionais.

É como se a manutenção da vida dependesse da competência da equipe responsável pelo paciente, como expressa em alguns relatos:

[...] Por mais que a gente dê o melhor, a equipe seja top de linha e a assistência de qualidade, não adianta, eles ficam a mercê da quimioterapia. A gente fica só acompanhando eles agravarem e morrerem. É uma sensação de impotência [...] (Ágata).

[...] o que, às vezes, me deixa um pouco angustiada é que mesmo dando o melhor de mim eu não consigo somar para o tratamento desse paciente [...] (Esmeralda).

[...] é uma sensação de impotência muito grande saber que eu trabalho num setor que morrer muita gente e é o normal [...] (Ametista).

Mesmo que, na maioria das vezes, não percebam a dimensão de suas ações de cuidar, os enfermeiros se apresentam como ser-com o paciente oncológico, que também é um ser humano como ele. Em suas ações e intervenções, promovem uma abertura ao outro que favorece o cuidado. Ao cuidar do paciente oncológico em sofrimento, o profissional começa a refletir sobre a sutileza da vida e, muitas vezes, percebe o quanto é impotente diante da morte. Nesse contexto, sensações de inutilidade afloram, especialmente, quando percebe a inevitabilidade da morte6.

[...] E quando você vê todo esse trabalho, a luta deles,... porque, às vezes, são pacientes que são carentes, que já vêm pra cá com a maior dificuldade do mundo, naquela luta pra vencer a doença e você vê que de repente tudo começa a desandar e termina no óbito, aí dá uma angústia [...] (Safira).

[...] a gente se sente assim um grãozinho diante dessa doença que é tão devastadora [...] (Jade).

[...] Ele morreu num sábado de manhã! ... eu não tive a coragem de ir nem ao funeral. O meu computador era cheio de fotos dele, pra tudo quanto era lado. Aí teve um dia, que eu vi as fotos dele e "pei" eu despenquei de novo [...] (Água Marinha).

A imersão do sentimento de temor diante do câncer, considerada uma enfermidade de tratamento complexo que pode ocasionar a morte, deixa no ser-com, enquanto cuidador, o sentimento de insignificância, vulnerabilidade e angústia perante a doença, permitindo que este ser, em seu cotidiano profissional, reflita seu modo de ser-no-mundo, a partir de suas representações, atitudes e modos de expressão com os quais convive em seu ambiente de trabalho12.

Autores corroboram com a faceta desvelada na vivência destes enfermeiros, no que tange ao fato de que o trabalho do enfermeiro na oncologia leva a um desgaste físico e psicológico e admitem a necessidade de buscar ajuda para minimizar este prejuízo, como terapias, reuniões, discussões, sendo de extrema importância que os profissionais procurem formas de minimizar seus sofrimentos, buscando, principalmente, o apoio psicológico para uma melhor qualidade de vida3,7.

Para o enfermeiro, enquanto ser-cuidador dos pacientes oncológicos, lidar com os aspectos psicológicos decorrentes da finitude, tem sido uma dificuldade, devido à falta de capacitação para o manejo desse problema. Nesse contexto, apreende-se que o ser-cuidador, tal qual o ser-cuidado, necessita também de ajuda, e, não raro, essa ajuda é clamada ao plano espiritual, conforme o descortinar da terceira categoria.

Experienciando a morte com ajuda da fé

Nesta categoria, o enfermeiro vivencia a compreensão da morte sob a ótica espiritual. A morte tem muitos significados, de acordo com a cultura de quem a está enfrentando e do olhar de cada ser-no-mundo. Para alguns, ela representa o fim da vida, para outros, apenas uma passagem.

[...] algo diferente deixa com a morte, não como um fim de linha, mas como um novo início de vida [...] (Ametista).

[...] Quando eu penso na morte dos pacientes, sinto que ela trará um descanso de todo o sofrimento, junto de Deus [...] (Água Marinha).

A forma de enfrentar a morte é singular, pois depende da história de vida, da fé e da religião de cada ser. A crença em uma religião ajuda na aceitação da morte de forma mais amena e associá-la não como término, mas como uma transcendência para o início de uma etapa nova6.

A igreja e a família podem ser consideradas os alicerces que embasam o ser-cuidador a preparar-se para o enfretamento da finitude do ser-cuidado. Vislumbra-se essa visão no seguinte discurso:

[...] Acho que o preparo para a morte se deve a vida, família e igreja. Eu acho que a igreja, ela ajuda muito. Os ensinos que a gente recebe de Jesus, como ele vê a vida, como ele vê também a morte. Então para o evangélico, eu acho que a morte é mais aceitável que para outra classe, entendeu? Então, o preparo para a morte, pra não sofrer tanto é o preparo religioso mesmo, a base religiosa [...] (Ametista).

A compreensão da morte através da transcendência é inerente ao ser humano. Essa compreensão refere-se a todo ser-no-mundo, pois é na compreensão que subsiste, existencialmente, o modo-de-ser da presença12. Por conseguinte, não é raro o enfermeiro recorrer à fé na procura de respostas às indagações e questionamentos oriundos do seu eu interior, como forma de entender o percurso que o ser-cuidado está percorrendo, afim de almejar a indulgência para seu sofrimento.

Na maioria das vezes, esses questionamentos continuam sem respostas perante as incertezas da vida, fazendo com que a morte passe a se distanciar cada vez mais da compreensão dos enfermeiros, conforme discurso:

[...] Às vezes, eu fico calada, só pensando: Meu Deus o que é isso? Senhor, que doença é essa? Meu Deus tem misericórdia, porque é muito sofrido [...] (Safira).

A espiritualidade é concebida como uma característica básica do ser humano, em relação à maneira de ser-no-mundo se questionar em busca de formas para o sentido de estar-no-mundo. Por esse motivo, busca-se a espiritualidade como apoio para a superação nos momentos difíceis da vida. Autores corroboram que a busca da espiritualidade cresce nos momentos de crise15,16.

Assim, diante da consternação o ser-cuidador aproxima-se do ser-cuidado experimentando uma relação de empatia, desvelada na quarta categoria.

Experienciando a empatia frente à possibilidade de morte do paciente

A empatia é condição sine qua non no tocante à profissão de enfermagem. Ao trabalhar essa categoria, foi possível fazer descobertas no que diz respeito à situação vivenciada pelo ser-cuidador do paciente oncológico na central de quimioterapia, na medida em que estes se aproximam da possibilidade de morte.

[...] Eu sofro com essas coisas. Sofro e acho que a gente continue a sofrer, a gente precisa continuar sofrendo porque senão acabou, né? A gente vai virar uma parede sem sentimentos algum [...] (Ametista).

Emergem dos discursos, que o enfermeiro, enquanto ser-no-mundo, mantem-se sensível ao que vivencia, neste contexto, para não se afastar do existir humano.

Estudos corroboram e reforçam sobre a necessidade do enfermeiro perceber-se um ser-cuidado1,4. Sendo assim, o enfermeiro ao conviver com o paciente por mais tempo que outros profissionais da saúde, principalmente, quando se trata de uma doença crônica que exige um cuidado mais prolongado, experimentam um conjunto de fenômenos que o permite modificar-se de ser-cuidador para o ser-cuidado.

[...] Em cada rostinho de criança que eu vejo eu lembro do meu filho! ... eu me emociono e sofro, fico angustiada de ver aquela mãe e ao me colocar no lugar daquela mãe, sinto que não quero nunca estar no lugar dela. A verdade é essa [...] (Água Marinha).

Ao perceber-se no lugar da mãe, que tem um filho em tratamento quimioterápico, o enfermeiro penetra na subjetividade do ser-materno e experiencia as agruras que essa situação impõe a ponto de não querer jamais esta vivência para si.

Para que a interação com o doente se torne terapêutica, o enfermeiro tem de tentar perceber a experiência do outro, como este a vivencia, estando sempre atento para não perder o seu papel de profissional ou mesmo a sua identidade. Quando esta compreensão do mundo, do outro se estabelece, pode-se dizer que está presente a empatia, fundamental para que o enfermeiro compreenda o mundo do outro. Somente assim, ele pode oferecer um cuidado individualizado e mais prolongado1,16,17.

A intersubjetividade que se expressa na relação entre o ser-cuidado e o ser-cuidador possibilita ajuda e convívio mútuo. Assim, pode se perceber que essa relação é cercada de aspectos que envolvem o emocional e o psicológico17.

Estas relações quando dirigidas ao outro numa maneira envolvente e significativa, são chamadas por Heidegger de solicitude, que indicam as características básicas de se ter consideração pelo outro e de ter paciência para com o outro.

Como a empatia desvela-se no ato de perceber de que modo um ser-no-mundo pensa ou sente, o enfermeiro relata dificuldades em cuidar de pacientes oncológicos em determinadas fases da vida:

[...] porque a gente trabalha com bebe e os bebês morrem também, mas é diferente, bebê não reclama o bebê não chora, não tem queixa, não tem nada. A gente vê a expressão de dor do bebê, imagina o que ele está sentindo, mas é diferente de um paciente adulto [...] (Esmeralda).

Apreende-se neste discurso, que é difícil trabalhar com o ser adulto por ser possível entender a dor e o sofrimento vivido, por eles verbalizados. Nesse sentido, o ser-com é uma maneira de se relacionar, sentir, pensar, atuar, viver com seus pares no mundo, partilhando com os outros. Esse coexistir, estar-com o outro, possibilita as condições para compreender a vivência do outro e ver o que ele vê através de seus gestos, de seu modo de ser, de sua linguagem12.

O Ser-no-mundo está em constante relação consigo próprio, como também com a presença de outros seres nas situações vivenciadas no seu cotidiano. Nesse encontro, o modo como o homem se relaciona e vive com seus semelhantes é considerado como ser-com-os-outros, de forma que cada indivíduo pode compartilhar e absorver os sentimentos dos outros. Ser-com-o-outro é ainda, característica pura e fundamental do ser humano12. Olhando para o existir no mundo das relações eu-tu, o respeito, a empatia, a aceitação e a compreensão do outro só se realizam, a partir do comprometimento mútuo entre duas pessoas, numa perspectiva em que o outro não é visto como um mero papel em branco, mas sim, como um ser com infinitas possibilidades e características próprias12.

CONCLUSÕES

O desvelo do fenômeno experienciado pelos enfermeiros que trabalham em uma central de quimioterapia frente à possibilidade morte do paciente oncológico, permitiu compreender a relevância de estar preparado para lidar com a morte, pois a mesma surge, na maioria dos casos, como um fenômeno doloroso e de difícil aceitação, principalmente, em se tratando de pacientes com câncer.

A experiência dos enfermeiros, diante da vivência da possibilidade da morte do paciente oncológico, permitiu a estes profissionais vislumbrar a morte como um processo inerente à vida, levando-os a uma reflexão sobre sua própria finitude e percebendo-se impotentes diante da terminalidade, em meio a estes sentimentos, apoiando-se na religiosidade, para superar o sofrimento compartilhado com o ser-cuidado, e cultivando a empatia como mecanismo de compreensão da vivência do outro enquanto ser-no-mundo.

Diante do fenômeno desvelado destaca-se a necessidade de um serviço de apoio psicológico contínuo ao profissional, que atua na oncologia, pois o estudo demonstrou claramente o sofrimento emocional durante o desempenho do papel de ser-cuidador do paciente oncológico.

Por fim, salienta-se a necessidade de abordar sobre a morte desde a graduação, com vistas ao preparo pessoal e profissional de forma a reduzir o estresse e a ansiedade ao se discutir e conviver diariamente com a terminalidade, proporcionando ao profissional a elaboração e o esclarecimento de suas preocupações frente ao desconhecido, para que seja capaz de manter uma relação interpessoal de ajuda, a qual é a essência do ato de cuidar.

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